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Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.28  Rio de Janeiro  2023  Epub Mar 14, 2023

https://doi.org/10.1590/s1413-24782023280060 

Artigos

Presença indígena na universidade como retomada de território

INDIGENOUS PRESENCE AT THE UNIVERSITY AS RESUMPTION OF TERRITORY

PRESENCIA INDÍGENA EN LA UNIVERSIDAD COMO REANUDACIÓN DEL TERRITORIO

Ariadne Dall’acqua Ayres, Curadoria de Dados, Análise Formal, Investigação, Escrita – Primeira RedaçãoI 
http://orcid.org/0000-0001-9622-4778

Fernanda da Rocha Brando, Administração do Projeto, Supervisão, Escrita – Revisão e EdiçãoI 
http://orcid.org/0000-0003-3712-6312

Olavo Martins Ayres, Conceituação, Validação, Escrita – Revisão e EdiçãoII 
http://orcid.org/0000-0002-9096-6612

IUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

IIUniversidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil.


RESUMO

Os direitos educacionais indígenas são recentes e o estado do Paraná vem ampliando o acesso ao ensino superior para esses povos. Este estudo visa debater a percepção desses estudantes acerca de sua presença e das relações interpessoais e epistemológicas em universidades. Para tanto, é feito um recorte das trajetórias dos acadêmicos Kaingang entrevistados, permeando esses dados com documentos oficiais e bibliográficos. Analisando-os de acordo com a história oral, evidenciou-se a crescente ocupação acadêmica no estado, ressaltando que os estudantes Kaingang são mais numerosos nesse ambiente do que outras etnias. Concernente às motivações e perspectivas quanto à formação, os resultados destacaram o compromisso com a coletividade dos povos indígenas quanto ao ingresso na universidade e às iniciativas práticas para contribuir com as aldeias. Os Kaingang têm promovido a interpolação do conhecimento tradicional no ensino superior, rompendo com as raízes coloniais do conhecimento científico europeu.

PALAVRAS-CHAVE educação superior indígena; vestibular dos povos indígenas do Paraná; interculturalidade; Kaingang

ABSTRACT

Indigenous educational rights are recent, and Paraná has been expanding access to higher education for these peoples. This study aims to discuss the perception of these students about their presence and interpersonal and epistemological relationships in universities. For that, an ethnic cut is made of the trajectories of Kaingang academics interviewed and permeating these data with official and bibliographic documents. Analyzing them according to oral history, the growing academic occupation in the state was evidenced, emphasizing that Kaingang students are more numerous in this environment than other ethnic groups. Concerning motivations and perspectives regarding training, the results highlighted the commitment to the community of indigenous peoples regarding admission to the university and practical initiatives to contribute to the villages. The Kaingang have promoted the interpolation of traditional knowledge in higher education, breaking with the colonial roots of European scientific knowledge.

KEYWORDS indigenous higher education; entrance exam for indigenous people of Paraná; interculturality; Kaingang

RESUMEN

Los derechos educativos de los indígenas son recientes y Paraná ha ampliado el acceso a la universidad para ellos. Este estudio tiene como objetivo debatir la percepción de estos estudiantes sobre su presencia, relaciones interpersonales y epistemológicas, en las universidades. Con un corte étnico de las trayectorias de los Kaingang entrevistados, documentos oficiales y permeando estos datos con la mirada etnográfica de la presencia indígena. Analizándolos según la historia oral, se evidenció la creciente ocupación académica en el estado, destacando que estudiantes Kaingang son más numerosos en este entorno que otros grupos étnicos. En cuanto a las motivaciones y perspectivas sobre la formación, datos destacaron la colectividad de pueblos indígenas y las consideraciones sobre el deseo de contribuir a la comunidad. Así, promueve la interpolación de los conocimientos tradicionales en la educación superior, rompiendo con las raíces coloniales del conocimiento científico europeo.

PALABRAS CLAVE Educación superior indígena; examen de ingreso para los pueblos indígenas de Paraná; interculturalidad; Kaingang

INTRODUÇÃO

Ponderar acerca da educação superior pública brasileira é, de modo geral, pensar fundamentalmente na universidade enquanto espaço de socialização entre professores e alunos com o objetivo do ensino de conteúdos. Essa visão foi concebida a partir de uma perspectiva da civilização ocidental, sobretudo da criação dessa instituição na Itália e Inglaterra, difundida por toda a Europa e também pelas colônias à época. Essas instituições mostram-se relativamente recentes no Brasil, com início nas primeiras décadas do século XX, com uma predominância das classes mais abastadas e pouco representativas no que tange à diversidade populacional existente no país.

Em relação à questão da educação dos povos indígenas nesse contexto, as reinvindicações de seus direitos foram mais expressivas a partir da década de 1980. Desde a instituição da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (Brasil, 1988), houve um incremento de legislações que visam ao reconhecimento de direitos básicos requeridos pelos indígenas, sobretudo referentes a seu território e a sua cultura, mas também com a proposição de programas de inclusão da educação indígena.

Além dos direitos contidos na Constituição de 1988 (Brasil, 1988), alguns anos mais tarde, foi proposta a Lei de Diretrizes da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996 — Brasil, 1996), que regulamenta o direito a uma educação específica para essas populações, inclusive de maneira bilíngue e atendendo às diversas culturas e tradições de cada grupo. No presente estudo, faz-se relevante a observância das políticas públicas referentes ao ingresso e à permanência desse público nas instituições de ensino superior (IES).

Tratando-se das universidades públicas brasileiras e a presença indígena, foi proposto o Projeto de Lei (PL) 7200/2006 (Brasil, 2006a), ainda em tramitação e aguardando apreciação do Plenário,1 que versa sobre uma reforma educacional que atinge a educação superior, abrindo o debate para a formulação e implementação de ações afirmativas diversas, sobretudo quanto à inclusão social. Em seu artigo 46, no parágrafo primeiro, faz-se menção explicitamente às comunidades indígenas, notando que se devem promover condições acadêmicas a estudantes egressos de escolas públicas, especialmente afrodescendentes e indígenas.

Anteriormente à proposição federal, pela Lei Estadual nº 13134/2001 (Paraná, 2001), o estado do Paraná realizou a primeira proposição de política pública com recorte étnico-racial no que tange às universidades. Em seu artigo primeiro, a Assembleia Legislativa determinou a criação de três vagas com ocupação exclusiva de indígenas. Cabe salientar que essa normativa se diferencia das cotas institucionais existentes atualmente em outras universidades por não pertencerem às vagas totais disponibilizadas via processos seletivos, e sim às vagas suplementares criadas para esse fim (Paulino, 2008).

Incentivado por essas políticas específicas para o ingresso de estudantes indígenas nas universidades estaduais, em 2004 passou a ser planejado um vestibular específico pelos membros da Comissão Universidade para os Índios (CUIA), iniciativa pioneira no Brasil. Perante esse cenário, ainda que não de maneira satisfatória, a cada ano, nota-se maior presença desses alunos, vindos de todo o território nacional, em diversos cursos, evidenciando que as normativas têm surtido efeitos práticos e que apresentam potencialidades para construir uma educação superior voltada para a diversidade e as especificidades da população brasileira (Amaral, 2010).

De acordo com Rodrigues e Wawzyniak (2006), ao discutirmos o vestibular indígena instaurado no estado do Paraná, deve-se admitir que se trata de um processo em curso, ou seja, que está em constantes construção e modificações, inclusive ouvindo os representantes indígenas que se encontram no espaço universitário. Desde sua proposição, em 2004, até os dias de hoje, é possível observar que o número de vagas permanece parcialmente inalterado nas sete universidades estaduais, contando com seis vagas por ano destinadas aos indígenas residentes no Paraná, enquanto para a Universidade Federal do Paraná inicialmente eram dispostas sete vagas. Porém, devido a um incremento nesse número, hoje se somam dez vagas ao ano para indígenas de todo o território nacional.

Dentre as etnias mais significativas e de ocupação paranaense, destacam-se os grupos Guarani, Kaingang, Xetá e alguns representantes Xokleng que, por consequência, são a maioria dos acadêmicos indígenas presentes nas universidades do estado. O quadro histórico desses povos revela diversas insurreições ao longo do tempo, com a exigência de retomada de seus territórios e a constante resistência a projetos colonizadores de controle de suas culturas e sociedades (Tommasino, 1995).

O recorte temporal da presente pesquisa impede que sejam abordados pontos referentes aos quatro grupos étnicos mais expressivos nas universidades paranaenses, por tratar-se de culturas e cosmovisões diferentes, ainda que sigam unidos por laços em comum. Dessa forma, o caminho que se optou por seguir foi o de analisar as percepções de acadêmicos indígenas de uma perspectiva de indivíduos do povo Kaingang.

Adentrando às características singulares dessa etnia, sabe-se que, quando da primeira segmentação dos grupos pertencentes ao tronco linguístico Jê, há cerca de 3 mil anos, os Kaingang e os Xokleng traçaram seu caminho para o Sul do Brasil, sendo hoje considerados sociedades Jê meridionais. Além disso, os Kaingang são hoje o grupo mais populoso do Brasil meridional e, nesse sentido, ainda que haja 32 de seus territórios espalhados pelos três estados do Sul e também alguns poucos no estado de São Paulo, destacam-se as populações do estado do Paraná, cujo resgate histórico expõe a permanente resistência política desse povo (Tommasino, 1995; Veiga, 2006).

Os territórios Kaingang do estado do Paraná, bem como seu povo são descritos por diversas áreas do conhecimento, entendendo que sua ocupação em território paranaense data de aproximadamente 7.000 a 8.000 anos atrás na bacia do Rio Paraná, onde se destacam pela construção de casas subterrâneas, semelhantes às de grupos ancestrais da região (Chmyz, 1981). Além disso, entende-se que, sendo uma sociedade dualista fundada de duas metades exogâmicas,2 seus indivíduos também se dividem em dois grupos, os Kamé e os Cairu, organizados assim, até mesmo, em sua economia, que ainda hoje se destaca pela agricultura (Veiga, 2006).

Apesar da proximidade física com os grandes centros urbanos, ainda assim Tommasino (1995) evidencia que, mesmo com as constantes pressões da população não indígena, sobretudo sob modelos econômicos, sociais e culturais, os Kaingang não podem ser tratados e descritos como “aculturados”,3 visto que se modificaram e continuaram a produzir e repercutir sua própria cultura. Além disso, a autora destaca a presença constante da recuperação do passado e suas histórias nessas produções e, mesmo assim, debate que:

A luta dos índios,4 hoje, tanto se caracteriza como de resistência étnica quanto de cidadania. Ambas são dimensões distintas do mesmo processo e não podem ser dissociadas, pois são faces de uma única realidade. A garantia de uma depende, necessariamente, da conquista da outra. Os Kaingáng também foram considerados como índios “aculturados” e como tais foram objetos de estudo; de outro lado, deparamo-nos com índios que também se dizem “aculturados”, em oposição aos seus antepassados, estes caracterizados como índios “puros” ou “bravos”. (ibidem, p. 19)

A partir do contexto do processo de ingresso de estudantes indígenas nas universidades públicas paranaenses e o recorte da percepção dos acadêmicos Kaingang, ao presente trabalho cabe os objetivos de discutir as presenças no ambiente universitário desses estudantes, desde seu ingresso, sua permanência e seu egresso; as mudanças de paradigmas que ocorreram em suas trajetórias; e a percepção quanto ao contato constante com epistemologias europeias no contexto universitário.

PROCEDIMENTOS ÉTICO-METODOLÓGICOS

O presente estudo caracteriza-se de natureza qualitativa, com o constante diálogo com a análise de políticas públicas educacionais indigenistas brasileiras, permeadas pela percepção de acadêmicos Kaingang acerca da formação intercultural e intercientífica no que concerne aos assuntos ambientais. Assim, considera-se as normativas federais e do estado do Paraná que versam sobre iniciativas de incremento de programas educacionais nos diferentes níveis, que abarcam o multiculturalismo e visam à inclusão da educação indígena e o incentivo ao ingresso desses indivíduos nas universidades públicas.

Com o intuito de promover uma discussão enriquecedora, dados empíricos foram coletados por meio de discursos de acadêmicos indígenas das universidades públicas paranaenses, recolhidos via entrevistas semiestruturadas e de maneira remota em virtude da pandemia de covid-19, momento no qual se desenvolveu a pesquisa. Foram entrevistados 11 estudantes indígenas universitários pertencentes ao grupo étnico Kaingang e a duas universidades públicas paranaenses (Universidade Federal do Paraná e Universidade Estadual de Ponta Grossa), sendo que as narrativas debatidas neste estudo são referentes a quatro desses estudantes. As entrevistas foram realizadas no período de outubro de 2020 a abril de 2021, sendo todas previamente agendadas e registradas por meio de áudios e posteriormente transcritas.

Os dados emergem de coletas qualitativas de diferentes fontes, sendo classificados por Flick (2009) como verbais, provenientes das entrevistas aplicadas; e os dados multifocais são caracterizados pela etnografia e pela utilização de documentos como fonte de dados, buscando-se a complementariedade necessária à abordagem de um tema de tamanha complexidade.5

Concentrando-se inicialmente nos dados verbais, as narrativas aqui tratadas são produtos de entrevistas pautadas em perguntas específicas e nas respostas delas extraídas. Essa ferramenta de pesquisa tem sido utilizada em larga escala, sobretudo nas últimas quatro décadas, destacando-se as entrevistas semiestruturadas que se dispõem, cada vez mais, a registrar pontos de vista de indivíduos de maneira ampla e detalhada do que os questionários outrora utilizados em maior escala (Flick, 2009). Nesse contexto, discute-se que as entrevistas geram teorias subjetivas de seus entrevistados sobre determinado tema, o que fica ainda mais evidente considerando-se que os interlocutores consultados para este estudo são representantes de uma cultura de forte tradição oral: os povos indígenas. Assim, os discursos estabelecem-se de acordo com suas vivências e construções históricas, entendendo que as entrevistas se mostram fundamentais para mapear práticas e valores de um grupo (Duarte, 2004).

Ademais, as informações colhidas são resultado do confronto entre as narrativas dos entrevistados, a experiência vivenciada pelos pesquisadores e as teorias consolidadas acerca do objeto de estudo. Essa distinção se dá pela experiência de campo no longo prazo, uma imersão plena nos caminhos acadêmicos da presença indígena nas universidades públicas paranaenses, de maneira que as descrições promovidas são fruto da experienciação e do contato direto com a realidade e os atores pesquisados, entrelaçando os dados, as interpretações e as inferências retratadas no presente estudo com os aportes teóricos selecionados.

Dentre os dados classificados como multifocais, a utilização de documentos enquanto fornecedores de informações oficiais, sobretudo os ligados às normativas nos âmbitos federal e estadual, mostra-se fundamental por evidenciar as diretrizes incorporadas ao projeto de governo. A conjuntura em que foram concebidos, bem como as motivações que levaram às interlocuções propostas nas legislações, servem de parâmetros a serem analisados nesses documentos (Flick, 2009). Entende-se também que esses tipos de dados são submetidos a operações e técnicas que visem elucidar os conteúdos relevantes à pesquisa, uma vez que os contextualiza e os torna passíveis de serem interpretados e utilizados conforme o objetivo do estudo ( Garcia Junior, Medeiros e Augusta, 2017).

A análise dos dados obtidos contou com diferentes etapas, começando pela transcrição das entrevistas e posterior organização e categorização sistemática das interlocuções. A leitura flutuante dos relatos foi fundamental para a sistematização das informações, de maneira que, devido à intenção do estudo, optou-se pelo uso da história oral temática para a análise, entendendo que os discursos deveriam transmitir as informações conforme o relato dos entrevistados (Meihy e Holanda, 2013), registrando as vivências e experiências que lhes fossem primordiais ao tema central do estudo: o contexto universitário em que estão inseridos. Segundo Meihy e Holanda (2013), a história oral temática é utilizada com o intuito de documentar os discursos, ou seja, a história falada de um determinado grupo, sobretudo quando aplicada a temáticas de caráter social, promovendo debates entre as narrativas e permeando-as por outros tipos de dados, tais quais os dados multifocais.

Nesse sentido, optou-se pela utilização de dados primários e secundários. De acordo com Marconi e Lakatos (2000), as fontes primárias dizem respeito a documentos originais, exclusivos, colhidos pelos próprios pesquisadores por meio de entrevistas e observações e não utilizados em outros estudos. Em relação aos dados secundários, esses decorrem de fontes que estão disponíveis à sociedade, sejam em livros, sejam em legislações, por exemplo, e que servem de subsídio para permear as narrativas e situar socialmente os dados primários, explorando-os sob outra perspectiva.

No sentido de desenvolver uma pesquisa com enfoque sobre a presença indígena nas universidades e questões ligadas também às características intrínsecas desses grupos, bem como buscando romper com o olhar acadêmico puramente euro-centrado e ecoar vozes outrora brutalmente silenciadas, foram propostos referenciais de pesquisadores indígenas acerca da temática proposta com preocupação crítica na incorporação de suas narrativas enquanto protagonistas e investigadores de sua própria vivência. Segundo a socióloga maori Linda Tuhiway Smith (2018), essa é uma atitude necessária em pesquisas dessa natureza, uma vez que o mundo indígena não deve ser somente teorizado pela sociedade não indígena, e sim retratado a partir de um trabalho de produção conjunta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entendendo que os dados apresentados se originam do uso de ferramentas de coleta distintas, porém trabalhados e permeados de maneira que representem um discurso coeso assim como a história oral temática prevê, os resultados foram organizados em dois itens, sendo o primeiro referente à presença indígena nas universidades paranaenses ao longo do tempo, limitando-se ao enfoque nos documentos e nas normativas; enquanto o segundo refere-se à trajetória desses estudantes nas IES, desde as motivações para o ingresso até as perspectivas quanto ao egresso, bem como suas percepções e mudanças acerca do contato com epistemologias europeias no ensino. Esse segundo item é discutido com base nas entrevistas realizadas e em entendimentos decorrentes das vivências dos autores ao longo dos anos.

AS UNIVERSIDADES E OS ESTUDANTES INDÍGENAS

Assumir que as universidades brasileiras são instituições relativamente recentes que foram, em sua grande maioria, fundadas sob propostas importadas dos países da Europa explica — mas não justifica — o fato de que políticas públicas que assegurem ações afirmativas seja datado principalmente do fim da década de 1980 no Brasil. Considerando esse contexto, entende-se que o Paraná é visto como um dos pioneiros na construção de uma forma de ingresso voltada exclusivamente às populações indígenas do estado.

O Vestibular dos Povos Indígenas no Paraná (VPI) vem sendo organizado desde 2002, com a Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), que convocou a criação de uma equipe interinstitucional para o desenvolvimento desse projeto. A CUIA, como é chamado o grupo de profissionais que organizam o VPI, passou por modificações desde sua criação e atualmente conta com membros de todas as universidades públicas do estado em constante comunicação com lideranças indígenas dos principais territórios paranaenses.

Em virtude dos melhoramentos no processo seletivo e de maior interesse e participação do público, após quase 20 anos desde que o VPI começou, o relatório de 2019 do vestibular mostra que, naquele ano, cerca de 260 alunos pertencentes a 21 grupos étnicos diferentes apresentavam matrícula aberta em uma das instituições públicas do estado (Paraná, 2019). Embora ao considerarmos o número total de vagas o percentual de indígenas ainda seja muito baixo, vem ocorrendo um incremento representativo desses sujeitos nos últimos anos.

Sendo relativamente recente a presença mais maciça desses acadêmicos, reflete-se sobre a necessidade de se expressarem em um ambiente que carrega currículos e representações coloniais vistos, muitas vezes, como soberanos. Ainda assim, a partir do reconhecimento dos estudantes indígenas nas universidades, é possível vislumbrar o papel social dessa instituição como um espaço para o debate amplo e de diferentes perspectivas. Nesse sentido, entende-se que é necessário lançar luz à “interação, permanência e sobrevivência” (Amaral, 2010, p. 60) dos estudantes, nas dimensões educacionais, políticas, socioculturais e econômicas.

Historicamente, mesmo antes desse tipo de ação afirmativa, as IES já eram procuradas por alguns representantes indígenas em todo o território nacional. Ressalta-se que, a partir de políticas públicas mais assertivas e específicas, houve a possibilidade de se refletir sobre o estudante universitário indígena em todas as potencialidades interculturais e no compartilhamento de experiências que se interpolam com o conhecimento dito científico, mas também sobre os desafios impostos frente à tradição europeia existente nas universidades brasileiras.

Salienta-se que, com o incremento de ações afirmativas que impulsionaram a procura e entrada de indígenas nas universidades, além de se considerar a interculturalidade, é pertinente atentar-se ao diálogo entre as diferentes epistemologias e recriar espaços para essa troca de saberes, remetendo ao conceito de intercientificidade. A implementação de práticas e reflexões intercientíficas no âmbito acadêmico faz-se necessária para compreender o todo de maneira associada e global, sobretudo rompendo com a tradição da ciência euro-centrada que é vivenciada extenuantemente no meio universitário e proporcionando o diálogo com diferentes sistemas de conhecimentos, tal qual os conhecimentos indígenas (Little, 2002; Saes, 2012; Galdino, Ayres e Maciel, 2016).

Acerca dessa ideia, a socióloga maori Linda Tuhiwai Smith (2018, p. 81) discute que “[…] a globalização do conhecimento e da cultura ocidental constantemente reafirma a visão do Ocidente e de si mesma como o centro do conhecimento legítimo, o árbitro do que conta como conhecimento e a fonte de conhecimento ‘civilizado’.”. A autora também indica que a educação colonial, que ainda se faz presente, é a principal responsável por impor e perpetuar a tal superioridade do conhecimento europeu. Entende-se que, nos dias atuais, a educação missionária apresenta-se em quantidade menor do que nos primeiros séculos de colonização, porém essa tradição segue incutida na grande maioria das instituições de ensino, ainda que indiretamente, e assente com essas práticas colonizadoras.

Tratando-se especificamente do ensino superior e dos conhecimentos dos povos indígenas advoga-se que:

Os conhecimentos acadêmicos são organizados em torno da ideia de disciplinas e campos de conhecimento, os quais estão profundamente intrincados entre si e compartilham bases genealógicas que remontem a várias filosofias clássicas e iluministas. A maioria das disciplinas “tradicionais” é fundada em uma visão cultural de mundo que ou é antagônica a outro sistema de crenças ou não conta com uma metodologia para lidar com outros sistemas de conhecimento. Subjacente a tudo que é ensinado nas universidades, há a crença no conceito de ciência como o mais abrangente método para se obter uma compreensão do mundo. […] Teorias geradas a partir da exploração e domínio das colônias, e das pessoas que tinham se apropriado anteriormente dessas terras, produziram a apropriação totalizante do Outro. (Smith, 2018, p. 84)

Um dos casos de mais profunda violência e repressão aconteceu com os índios da América Latina, que tiveram sua cultura e conhecimentos suprimidos e destruídos, foram-lhes negados o direito de construir seus símbolos e saberes, restando a clandestinidade e a marginalização. […] Criou-se a ideia de racionalidade e de ciência como fenômenos exclusivamente europeus, os demais conhecimentos eram considerados mágicos e míticos, relegados a uma categoria inferior e não racional, apagando a história de civilizações com vasta tradição anterior, a exemplo da Maia-Asteca. (Maia e Farias, 2020, p. 589)

A partir das reflexões expostas e do histórico do desenvolvimento das universidades, esse ambiente ainda se mostra carregado de modelos de perpetuação e disseminação de um conhecimento ainda colonial. Trabalhos como o de Nascimento (2019), que verificou os currículos escolares e da formação de professores, revelaram dados coincidentes com os de Ayres e Brando (2021) na análise de livros didáticos brasileiros: a reprodução constante dos povos indígenas presos ao passado colonial, em termos de costumes, vestimentas e modos de vida. Nesse sentido, a crescente presença indígena em ambientes escolares e acadêmicos possibilita repensar o modelo educativo vigente no país.

O processo formativo dentro das universidades abre espaço para o debate da interculturalidade na educação. De acordo com Wawzyniak (2010), a interculturalidade deve ser entendida, nesse contexto, enquanto disseminadora da diversidade cultural, assegurada por uma política governamental, fazendo referência à Lei de Diretrizes e Bases (LDB — Brasil, 1996) e à Lei nº 11.645/2008 (Brasil, 2008), que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da história e das culturas africana e indígena nas escolas. Assim, também se discute que essa normativa estatal estabelece ações educativas em vias de promover a inclusão e integração de grupos minoritários (Faustino, 2006). No entanto, Rita do Nascimento (2019) — do povo Potiguara do Nordeste do Brasil — debate que as normativas são importantes como uma direção, mas é necessário um maior entendimento pelos profissionais da educação quanto à diversidade étnica-cultural existente no país.

No estudo de Saes (2012), discute-se a promoção da interdisciplinaridade e da intercientificidade no ambiente universitário. A reflexão trazida nesse estudo remonta à forma como são organizados os currículos educacionais: de maneira fragmentada, em que cada conteúdo é discutido e abordado do ponto de vista de uma única disciplina. O autor argumenta a importância de trazer para o centro da discussão a interdisciplinaridade e a intercientificidade para as salas de aula universitárias como uma forma de integrar os conceitos e conteúdos abordados e contextualizá-los criticamente.

Voltando o olhar às possibilidades de interculturalidade e intercientificidade existentes dentro dos ambientes educacionais, sobretudo tratando-se das universidades — enquanto foco de interesse do presente trabalho —, entende-se que, para uma aplicação decolonial dessa perspectiva, faz-se primordial a manutenção das políticas públicas de ingresso e permanência das populações indígenas no ambiente acadêmico. O que se descreve hoje continua próximo à ideia estereotipada colonial desses povos quando da chegada dos portugueses, inclusive reproduzido dentro das universidades, como relata uma graduanda da Universidade Federal do Paraná:

A sociedade branca sempre enxergou assim, não somente a mulher, mas o indígena como aquela figura distante, uma figura caricata. Eu bati muito de frente na Semana da Antropologia que teve na faculdade porque me entristeceu muito assim, né, tinha um GT [grupo de trabalho] lá que falava sobre os Kaingangs que vendem artesanato na XV [referindo-se a uma praça da cidade]. Tudo bem falar sobre os Kaingang que vendem artesanato na XV, mas é, quer dizer, “pra mim é mais fácil eu enxergar um Kaingang que vende artesanato na XV e não ele dentro da faculdade”, sendo que a gente tem mais de 52 acadêmicos indígenas do Brasil inteiro na UFPR. Gente, é só você parar e prestar atenção em volta de você. Quantas histórias não teria naquela faculdade pra escrever? Quantas riquezas aqueles antropólogos não perderam? Mas não, eles escolheram falar sobre os Kaingang vendendo artesanato na XV porque eles passam ali, veem eles vendendo e pra eles é mais fácil, é mais cômodo. (Santos, 2019)

O trecho acima mostra a ideia de que ainda que exista uma presença crescente de estudantes indígenas no ambiente universitário, sobretudo no Paraná, perpetua-se a imagem colonial do grupo, evidenciando uma visão de que sua permanência nessas instituições ainda pode ser interpretada como “imprópria”. Amaral (2010) explica que se faz necessário reconhecer que o ensino superior é composto também de alunos indígenas, que possuem diferentes identidades, culturas e tradições, a fim de tornar o ambiente integrado e passível de se trabalhar de maneira intercultural. Além disso, novas abordagens decolonais dentro do espaço acadêmico também possibilitam que haja uma valorização da diversidade sociocultural do país, entendendo que o Brasil é uma nação multicultural e que os povos indígenas avançam junto com o resto da sociedade (Kayapó, 2019; Nascimento, 2019).

Nesse sentido, Smith (2018) complementa e acrescenta que a presença indígena nas universidades de tradição europeia é necessária, no entanto, é necessária uma maior atenção às representações existentes nesse meio, visto que, pelo silenciamento de culturas e conhecimentos outros, apresenta potencialidade de apagamento ou substituição de conceitos, como se passassem a serem considerados “outros”, ou seja, não indígenas.

A TRAJETÓRIA DOS KAINGANG NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Ainda que se debata sobre o legado europeu enraizado nas universidades brasileiras, entende-se que esses espaços são importantes locais de formação educacional e de socialização do conhecimento e entre diferentes segmentos da sociedade. Nesse sentido, oportunidades geradas pela implementação de ações afirmativas, tais quais o VPI, são capazes de desencadear o maior interesse desse público para o ingresso nas universidades e também a integração da sociedade dentro e fora do espaço institucional.

Cumpre destacar que, ao debater perspectivas coletadas com estudantes indígenas, não se espera fazer uma generalização aplicável a todos os indivíduos pertencentes ao povo Kaingang. Salienta-se que esses acadêmicos, embora apresentem uma identidade cultural e social semelhante dentro dos espaços em que circulam, possuem particularidades e especificidades intrínsecas à história de vida de cada um. Os caminhos trilhados por cada indivíduo dentro do espaço universitário não se resumem a sua origem, tampouco à imagem estereotipada do indígena, presente ainda no imaginário da população.

Em um primeiro momento, elucubrando acerca do processo longo e laborioso para o ingresso à academia, sobretudo nas etapas implementadas no VPI que envolvem inclusive arguição oral, manifestou-se o interesse em entender as motivações que levaram os indígenas a buscar a formação universitária. Destarte, estacam-se trechos analisados de algumas entrevistas que possibilitaram entender diferentes interesses dos entrevistados quanto ao propósito assumido, os quais foram classificados em dois grupos pelos autores.

A análise dos relatos revelou especificidades intrínsecas às trajetórias de cada um dos entrevistados quanto ao ingresso na universidade. A primeira classificação diz respeito a interesses particulares, convergentes com a ideia presente no imaginário da população em geral, como a “oportunidade de cursar o curso que sempre almejei” (Entrevistado 07), e também a “necessidade de dar uma qualidade de vida melhor para minha família” (Entrevistado 02). Sabe-se que as universidades tradicionalmente foram pensadas para que os interesses dos membros da elite em estudar quaisquer áreas fossem garantidos, ou seja, para que houvesse um espaço onde pudesse haver a socialização do conhecimento com os pares.

Ainda, entendendo as particularidades presentes em respostas como as apresentadas, é possível debater sobre a ideia de que “o estudo é um caminho para o sucesso quando não se tem dinheiro”, existente no imaginário da população em geral, sobretudo dos segmentos que veem a educação como caminho de ascensão social. Justifica-se aqui que essa visão não possui o intuito de realizar um julgamento moral, percebendo inclusive que essa é a ideia que leva a maioria dos estudantes ao ensino superior.

A segunda categoria de excertos retirados das entrevistas, dos trechos em que foram questionados sobre a motivação para ingressar na universidade, revela uma ideia nada corriqueira dos estudantes não indígenas: o interesse de servir ao bem comum, somar à comunidade. A classificação segue a direção de respostas tais quais “ter melhores posicionamentos com questões dos povos indígenas” (Entrevistado 01),6 ou ainda “trabalhar em prol do meu povo indígena na área que vou atuar” (Entrevistado 09). Nesse sentido, Amaral (2010), ao analisar as trajetórias de indígenas acadêmicos, propõe três classificações pertinentes ao presente trabalho e que dizem respeito ao pertencimento desses estudantes no viés acadêmico, étnico-comunitário e duplo, ou seja, em ambos os locais, o que destaca a ligação muito forte com o senso de dever com a comunidade da qual se originam.

Na concepção de representantes acadêmicos do povo Kaingang entrevistados, existe uma responsabilidade subentendida em sair das terras indígenas para cursar o ensino superior, conforme se segue:

[…] sempre aquele pensamento que a gente tem, como se fosse um pré-acordo, a gente sai da aldeia da gente, vai prestar vestibular, estuda numa faculdade na cidade, mas depois pega esse conhecimento, se forma e traz pra dentro da sua comunidade, tanto é que as vezes o curso que você vai fazer, às vezes nem é o curso que você quer, é o curso que é a demanda da sua aldeia, né? Então, às vezes, cê vai ver aí, às vezes não, cê vai ver muitas vezes aí indígena fazendo odonto. Ai, porque eu gosto, né? Vamos falar a verdade, é um curso de odonto, é um curso, curso mais caro que tem, né? Medicina. É um curso muito difícil de fazer, a minha cunhada mesmo […] ela faz medicina, né? Na UEPG, é um curso difícil e pra poder trazer mesmo pra dentro da aldeia, pra poder ter médico, né? (Entrevistado 01)7

O excerto acima relaciona-se com a questão do duplo pertencimento, descrito por Amaral (2010), tido como um dos mais significativos da presença indígena no ensino superior. A interpolação entre as intenções pessoais acadêmicas com aquelas provenientes do universo comunitário, étnico e sociopolítico mostra-se fundamental na caracterização desses estudantes, devido sobretudo a esse processo de retorno. A preocupação com o bem-estar de seu povo e do lugar de onde vieram revela um profundo sentimento de pertencimento e vínculo, já descrito por outros trabalhos (Faustino, 2006; Amaral, 2010; Wawzyniak, 2010).

Ao analisarmos historicamente todos os processos a que os povos indígenas foram submetidos desde a colonização, incluindo os regimes de escravidão, a tomada de territórios, o genocídio e a tentativa constante de apagamento da diversidade cultural ali existente e levando-se em conta o respeito por seus ancestrais e o ímpeto de coletividade existente entre esses grupos, entende-se como essas populações resistiram a todas as adversidades impostas pelos não indígenas (Kaingang, 2019).

Cumpre destacar, no presente estudo, que mais do que apenas o interesse de retornar os conhecimentos adquiridos às suas comunidades, isso é de fato posto em prática. Em razão da pandemia de covid-19 e do modelo remoto assumido para as atividades universitárias, grande parte dos acadêmicos entrevistados havia retornado a seu território, longe da cidade. Em função disso, relatos de diferentes naturezas foram evidenciados quando as entrevistas foram entrecruzadas, demonstrando que, dos alunos que retornaram a suas comunidades, muitos colocaram em prática conhecimentos provenientes da academia.

Destacam-se dois exemplos representativos dessa temática. Primeiramente acerca de um egresso que é cirurgião dentista e vem trabalhando dentro da terra indígena, colocando em prática a formação obtida na cidade para benefício de seu povo. Um relato igualmente significativo diz respeito a um Kaingang engenheiro agrônomo que retornou a sua comunidade após concluir a graduação na cidade. Utilizando-se do saber técnico obtido na universidade, em comunhão com a cultura do povo do qual faz parte e com o assentimento da comunidade, informou que, desde o início da pandemia, vem desenvolvendo um projeto de implementação e manutenção de uma horta comunitária dentro do território indígena, uma demanda dos próprios moradores, em um sistema próximo à agroecologia.

Além disso, foi relatado por um dos entrevistados acerca de um projeto de extensão de uma das universidades públicas paranaenses cujo foco é disponibilizar acadêmicos e o espaço universitário para que as próprias aldeias apresentem suas demandas e planejem, com os estudantes, maneiras de viabilizar ideias dentro das comunidades. Ademais, essa interação, além de subsidiar esses projetos, tem o interesse de levar o conhecimento indígena para dentro do espaço acadêmico, conforme explicado:

Então o projeto consiste nisso, em levar o conhecimento tradicional pra dentro da universidade. Por quê? Porque o conhecimento científico sempre foi considerado único e soberano, por muitos anos. E não, as parteiras estão aí, as benzedeiras estão aí, né, as curandeiras estão aí. E grande parte das pessoas que exercem esse conhecimento tradicional são mulheres, tudo que o Estado e a sociedade quis anular, que é os conhecimentos tradicionais e as mulheres, né? Então, esse projeto que eu participo é isso, levar os conhecimentos tradicionais pra dentro da universidade, pra dizer assim: não, nós sabemos. (Entrevistado 01)

Essa iniciativa evidencia estratégias de descolonizar o conhecimento científico de bases europeias, de modo que os conhecimentos outros sejam ressaltados e vistos como válidos e igualmente relevantes. O trabalho de Bruno F. Kaingang (2019) debate sobre a inserção dos conhecimentos tradicionais, sobretudo os indígenas, nos currículos escolares. Admite-se que houve avanços na incorporação desses saberes nos últimos anos, sobretudo nas escolas de educação básica, mas ainda existe o desafio quanto à “validação” no meio acadêmico, sem reconhecer que os povos indígenas possuem “modos próprios de construção e transmissão de conhecimentos” (Kaingang, 2019, p. 38). Além disso, acrescenta-se que os próprios processos cognitivos culturalmente orientados são distintos, o que também deve ser levado em consideração (Wawzyniak, 2010).

As trajetórias acadêmicas relatadas durante as entrevistas possibilitam entender como a universidade se insere nos projetos pessoais dos alunos indígenas, suas motivações pessoais e coletivas para obter a formação acadêmica. Ainda assim, não se pode deixar de ressaltar que a presença indígena no ambiente universitário, embora cada vez mais frequente, ainda se mostra cercada de desafios e entraves. Nesse sentido, o trabalho de Assis (2006) debate que as universidades não estão preparadas para receber esse público, refletindo-se nas inúmeras posturas preconceituosas e discriminatórias que ainda enfrentam por parte da comunidade acadêmica.

Wawzyniak (2010) argumenta acerca dos processos envolvidos na presença indígena dentro dessas instituições, sobretudo evidenciando a permanência no ambiente urbano e acadêmico. À luz das percepções dos estudantes indígenas, o autor relata as principais dificuldades enfrentadas na transição de moradia e modo de vida, ressaltando a ausência dos seus familiares e as dificuldades financeiras a que estão submetidos, visto que muitos contribuem com o sustento da família que permanece na terra indígena. Além disso, destaca-se a dificuldade de acompanhar algumas disciplinas pela ausência de uma formação inicial estudantil ocidental sólida; a barreira linguística existente em virtude de o português não ser a primeira língua de alguns, o que dificulta seu completo domínio; e sobretudo o preconceito enfrentado. No mesmo trabalho, o autor ainda comenta que esses entraves dificultam a socialização e troca de experiências com o restante da comunidade acadêmica, fator que interfere em um possível diálogo intercultural. Além disso, destaca a recusa dos docentes em acessar outras epistemologias e outros processos cognitivos e a perpetuação de modelos pretéritos de generalização e representação dos povos indígenas enquanto um bloco monolítico, desprezando a diversidade cultural existente e a bagagem de saberes que carregam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre os aportes teóricos abordados neste artigo argumenta-se a respeito do papel histórico assumido pelas instituições superiores de ensino no Brasil, especialmente quanto ao modelo europeu em que foram criadas e seguem até os dias atuais. A universidade como ambiente de formação educacional, historicamente, foi planejada e ocupada para e por uma parcela específica da população: a elite; de maneira que os conhecimentos construídos e transmitidos nesse ambiente também refletem uma epistemologia europeia, homogeneizante e universal, tida como soberana e única.

A partir da segunda metade da década de 1980, em função do processo de redemocratização do país, o debate acerca dos direitos dos povos indígenas tomou maior dimensão e a proposta de uma educação escolar específica para esse grupo cresceu. As normativas geradas quando da instituição da Constituição de 1988 (Brasil, 1988), em razão das pressões dos movimentos indígenas, também abriram espaço para iniciativas de ações afirmativas na educação superior.

O recorte espacial em que se insere este estudo diz respeito à presença indígena nas universidades paranaenses, de maneira que se evidenciou brevemente o histórico do VPI do estado como facilitador para o ingresso desses indivíduos no ensino superior. Ademais, em virtude da diversidade cultural presente nesses povos, também se limitou a abranger a perspectiva de acadêmicos Kaingang quanto aos processos de ingresso, permanência e egresso do ambiente universitário.

De acordo com os objetivos propostos, evidenciaram-se as narrativas quanto às percepções de estudantes sobre sua presença no contexto universitário, ressaltando os desafios enfrentados por esses indivíduos em decorrência do contato constante com epistemologias europeias e homogeneizantes. Nesse sentido, ainda se destacou a necessidade de interpolação do conhecimento tradicional com o conhecimento científico, entendendo-se que a perpetuação do ideal soberano de saberes coloniais serve também à tentativa de apagamento de culturas diversas, sobretudo a indígena.

As trajetórias acadêmicas evidenciadas pelos Kaingang entrevistados possibilitam a identificação de traços culturais para a existência (e resistência) nos espaços universitários, em especial ao tratar das motivações que os levam a buscar a formação no ensino superior. A coletividade explícita do modo de vida dos povos indígenas reflete-se em diferentes aspectos da trajetória estudantil, marcada pelas aspirações individuais, mas sobretudo pelas demandas e especificidades das comunidades de origem, influenciando inclusive a escolha da graduação que se vai cursar, com vias à colaboração com seu povo e território. Do mesmo modo, as narrativas expostas neste estudo também evidenciam a aplicação de projetos nas terras indígenas por parte dos egressos, interpolando os traços socioculturais e conhecimentos de sua comunidade com o saber técnico adquirido na universidade, incorporando os conceitos de interculturalidade e intercientificidade.

Por meio das interlocuções indígenas apresentadas e por referenciais que se aprofundaram na temática, explicitou-se a existência de uma barreira entre esses estudantes e o restante da comunidade acadêmica, motivadas, inclusive, por iniciativas preconceituosas e discriminatórias. Ao reconhecer o modelo conturbado das relações firmadas entre indígenas e não indígenas no contexto universitário, observa-se que ainda se faz presente a visão estereotipada do selvagem retrógrado, sem se levar em consideração a história desses indivíduos e de seus povos.

É preciso explorar o campo da diversidade cultural e científica para que seja possível avançar em relação a novas configurações para uma educação, especialmente no ensino superior, que forme cidadãos conscientes da nação plural que é o Brasil. A troca de experiências entre indígenas e não indígenas é passível de promover uma formação intercultural e intercientífica importante, tratando a educação como instrumento de modificação social, promovendo uma visão integrada, capaz de abordar temáticas de maneira ampla e com olhar multifacetado, afastando-se de visões somente euro-centradas.

Apesar dos obstáculos enfrentados pelos indígenas quanto à presença e à permanência nas universidades, onde se veem marginalizados, cresce gradualmente a cada ano a quantidade de interessados em ingressar no ensino superior. A presença indígena nesse ambiente, tradicionalmente ocupado por não indígenas, representa mais um dos movimentos de resistência dos povos indígenas e é descrito por eles como uma retomada de território, sabendo que o Brasil é território indígena.

1Foram apensados ao PL 7200/2006 (Brasil, 2006a), até o momento, o PL 7322/2006 (Brasil, 2006b), o PL 7444/2006 (Brasil, 2006c), o PL 4055/2008 (Brasil, 2008) e o PL 6755/2016 (Brasil, 2016), todos tratando da reforma da educação superior, sobretudo no que diz respeito à implementação de ações afirmativas.

2Exogâmico é relativo a exogamia, que se refere ao casamento com indivíduos de outro grupo, pouco relacionados geneticamente.

3Não é plausível falar em pessoas “aculturadas”, sem cultura, pois o conceito antropológico de cultura não é passível de ser medido, nem se deseja ser (Días de Rada, 2010).

4A expressão “índio” não é mais utilizada nos dias de hoje, após reflexões do próprio movimento indígena, que afirma que este é um vocábulo utilizado pelos portugueses por acharem que aqui era a Índia.

5Seguindo os preceitos éticos da área de pesquisa, o trabalho foi submetido à apreciação e à autorização do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CONEP) e encontra-se registrada sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) de número: 29910220.9.0000.5407.

6As narrativas do Entrevistado 01 receberam mais ênfase em detrimento dos demais por oferecerem mais dados passíveis de serem debatidos no escopo do presente estudo

7A chave de transcrição utilizada foi a proposta por Dante Lucchesi (2010) no projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia, da Universidade Federal da Bahia.

Financiamento: Bolsa de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Recebido: 30 de Julho de 2021; Aceito: 08 de Junho de 2022

Ariadne Dall’acqua Ayres é doutoranda em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail:ariadneayres5@gmail.com

Fernanda da Rocha Brando é doutora em Educação para Ciência pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Professora da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: ferbrando@ffclrp.usp.br

Olavo Martins Ayres é doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: olavoayres@hotmail.com

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse commercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

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