SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28Analysis of the Movement of Senses in Education researchTeacher, I know I'm going to hell! The uneasiness in the face of tension between dominant and marginal morality in two schools in the outskirts of São Paulo author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.28  Rio de Janeiro  2023  Epub Sep 06, 2023

https://doi.org/10.1590/s1413-24782023280089 

Artigos

Conhecimentos da Matemática Incorporada ao Currículo revelados por um grupo de professores

KNOWLEDGE OF CURRICULUM EMBEDDED MATHEMATICS REVEALED BY A GROUP OF TEACHERS

CONOCIMIENTO DE LAS MATEMÁTICAS INCORPORADO AL CURRÍCULO REVELADO POR UN GRUPO DE PROFESORES

Marilene Caitano Reis Almeida Soares, InvestigaçãoI 
http://orcid.org/0000-0002-7388-5490

Gilberto Januario, SupervisãoII 
http://orcid.org/0000-0003-0024-2096

Francely Aparecida dos Santos, SupervisãoIII 
http://orcid.org/0000-0002-0521-1910

ISecretaria Municipal de Educação de Rubim, Rubim, MG, Brasil.

IIUniversidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil.

IIIUniversidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil.


RESUMO

O artigo é orientado pelo objetivo de discutir como ideias matemáticas subjacentes aos recursos dos materiais curriculares são percebidas e interpretadas por professores. O quadro teórico remete-se a categorias de conhecimento profissional docente, como o modelo do Conhecimento da Matemática Incorporada ao Currículo para se referir ao conhecimento matemático ativado por professores ao ler e interpretar tarefas matemáticas. Três professores analisaram um material sobre grandezas e medidas para turmas de 6° ano. As entrevistas foram processadas no Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires, gerando gráficos de similitude que contribuíram com a análise. À luz do modelo Conhecimento da Matemática Incorporada ao Currículo constatamos que os professores pouco identificaram conceitos e propriedades que justifiquem procedimentos a serem utilizados pelos estudantes nas resoluções dos problemas, baseando seu ensino em técnicas, em detrimento de explicações que explorem estruturas matemáticas.

PALAVRAS-CHAVE relação professor-materiais curriculares; currículos de matemática; conhecimento da matemática para o ensino; educação matemática

ABSTRACT

The article is guided by the objective of discussing how mathematical ideas underlying the resources of curriculum materials are perceived and interpreted by teachers. The theorical board remits to professional teacher knowledge categories, like the model of Knowledge of Curriculum Embedded Mathematics to refer to mathematical knowledge activated by teachers in reading and interpretating mathematical tasks. Three teachers analyzed the curriculum material structured to work quantities and measures with 6th graders. The interviews were processed at Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires, generating similarity graphs that contributed to the analysis. Having as reference the Knowledge of Curriculum Embedded Mathematics model, we verified that teachers could identify few concepts and priorities that justify the procedures to be used by the students in the problem solving, based on technique teaching, at the expense of explanation that explore mathematical structures.

KEYWORDS teacher-curriculum materials relationship; mathematics curriculum; mathematics knowledge for teaching; mathematics education

RESUMEN

El artículo se guía por el objetivo de discutir cómo las ideas matemáticas que subyacen a los recursos de los materiales curriculares son percibidas e interpretadas por los profesores. El marco teórico se refiere a categorías de conocimiento docente profesional, como el modelo de Conocimiento de Matemáticas Incorporadas en el Currículo para referirse al conocimiento matemático activado por los docentes al leer e interpretar tareas matemáticas. Tres profesores analizaron material sobre cantidades y medidas para las clases de 6° grado. Las entrevistas fueron procesadas en Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires, generando gráficos de similitud que contribuyeron al análisis. A la luz del modelo Conocimiento de Matemáticas Incorporadas en el Currículo, encontramos que los profesores poco identificaron conceptos y propiedades que justifiquen procedimientos a ser utilizados por los estudiantes en la resolución de problemas, basando su enseñanza en técnicas, en detrimento de explicaciones que exploran estructuras matemáticas.

PALABRAS CLAVE relación entre docente y materiales curriculares; currículos de matemáticas; conocimiento de las matemáticas para la docencia; educación matemática

INTRODUZINDO O ASSUNTO E DELINEANDO O PROBLEMA: O QUE INVESTIGAMOS?

As pesquisas nacionais e internacionais que versam sobre a relação professor-materiais curriculares de matemática têm crescido nos últimos anos, fomentadas, sobretudo, pela ampla distribuição desses materiais para as escolas públicas. A presença dos materiais curriculares configurando-se como principal ferramenta de apoio à prática de ensino e aprendizagem de estudantes e professores tem motivado a investigação sobre os tipos de usos dos materiais e suas implicações no desenvolvimento do currículo (Pires e Curi, 2013).

A observação da literatura sobre a relação professor-materiais curriculares nos conduz à identificação de estudos com pontos comuns referentes a essa relação, tais como os recursos dos materiais (características e elementos), os recursos dos professores (conhecimentos, crenças e concepções) e o entrecruzamento desses dois aspectos. A identificação dos conhecimentos no âmbito dos recursos dos professores, bem como sua mobilização por esses profissionais ao selecionar materiais curriculares, ao tomá-los como artefatos de apoio à prática ou ao elaborar seus próprios materiais também são questões contempladas nessas pesquisas (Januario e Lima, 2021).

Esses estudos abordam ainda fenômenos que envolvem o conhecimento específico do conteúdo para o ensino da Matemática, os conhecimentos que os professores precisam desenvolver para estarem aptos ao ensino, como esses conhecimentos podem ser usados na prática ou desenvolvidos e aprimorados (Januario, 2020). No que tange à pesquisa brasileira, identificamos 32 trabalhos distribuídos entre teses e dissertações sobre materiais curriculares, realizados entre os anos de 2013 e 2019. Da análise de 25 trabalhos já concluídos, observamos que apenas duas dissertações dizem respeito à mobilização dos conhecimentos pelos professores de Matemática em suas relações com os materiais.

O primeiro trabalho, realizado por Furoni (2014), aborda os conhecimentos mobilizados por professores de Matemática do Ensino Médio nas relações estabelecidas com os livros didáticos. Os referenciais teóricos adotados para a análise partem de Shulman (1986) e culminam na teoria desenvolvida por Brown (2002; 2009). Os resultados revelam os variados modos de interação entre professores e os livros didáticos durante suas práticas pedagógicas. Nessa relação, os recursos dos materiais curriculares — como texto teórico, abordagem do conteúdo, tipos de exercícios, exemplos e proposições — fundiam-se com os recursos dos professores, materializados por meio de seus conhecimentos. Salientamos que os professores colaboradores de nossa investigação possuíam características adquiridas em sua prática de ensino que influenciavam suas interações com os livros didáticos que utilizavam.

O segundo trabalho, realizado por Madriz (2019), toma como cerne a análise dos conhecimentos mobilizados pelos professores de Matemática da Educação de Jovens e Adultos em suas relações com os materiais curriculares educativos produzidos e utilizados em suas práticas de ensino. A condução da investigação estruturou-se sobre autores como Shulman (1986; 1987), Brown (2002; 2009), Davis e Krajcik (2005) e Ball, Thames e Phelps (2008). De acordo com a autora (Madriz, 2019), os resultados obtidos indicam que professores mais experientes, colaboradores de sua investigação, exploraram o material com maior propriedade e mobilizaram os conhecimentos específicos da profissão docente de forma mais intensa, culminando na identificação e no apontamento das fragilidades e lacunas existentes em sua formação.

Em se tratando da literatura estadunidense sobre essa mesma temática, qual seja, conhecimentos mobilizados por professores em sua relação com os materiais curriculares, percebemos que as investigações e proposições teóricas têm como cerne importantes aspectos presentes nessa relação e não, especificamente, os conhecimentos mobilizados pelos professores quando fazem uso dos materiais curriculares para planejar e desenvolver suas aulas. Essa assertiva nos é confirmada por Remillard e Kim (2017, p. 66) ao considerarem que o estudo por elas realizado “[…] examina um domínio do trabalho de ensino não amplamente explorado na literatura — usando recursos curriculares para projetar o ensino da Matemática.”. Essas pesquisadoras esclarecem que não está sendo proposto, em seu estudo, uma nova forma de análise dos conhecimentos matemáticos para o ensino, mas a observação de um aspecto específico em que modelos de conhecimento propostos por Shulman (1986; 1987) e Ball, Thames e Phelps (2008), entre outros, são mobilizados em nova investigação.

Nos resultados do estudo de Remillard e Kim (2017) sobre a utilização dos materiais curriculares nos Estados Unidos, podem ser identificados elementos dos recursos curriculares com os quais os professores interagem e que são revelados no planejamento e na implementação das aulas. Para além dessas relevantes questões, as autoras salientam que essas descobertas foram complementadas por informar como os professores usam os materiais para planejar as aulas, bem como eles interagem com os diferentes elementos dos materiais curriculares.

Com base nessas ideias e no lugar privilegiado que os materiais ocupam nas atividades dos professores, consideramos pertinente discutir os elementos apontados pelos professores participantes da pesquisa, aqui retratada, acerca da relação professor-materiais curriculares e, especialmente, indagar em que medida os professores identificam a Matemática incorporada nos materiais e quais conhecimentos são mobilizados ou desenvolvidos por esses profissionais ao se relacionarem com os recursos dos materiais. Entendemos que estudos nessa direção contribuem para o alargamento do campo de discussão dessa problemática e para a compreensão dos modos como os professores percebem a presença da Matemática nos materiais, particularmente para os professores que fazem parte da rede de ensino em que a escola lócus do estudo está inserida. Assim, propomos esta investigação tomando como objetivo discutir como ideias matemáticas subjacentes aos recursos dos materiais curriculares são percebidas e interpretadas por professores.

O estudo aqui retratado emerge das discussões e pesquisas realizadas no Grupo de Pesquisa Currículos em Educação Matemática (GPCEEM), no qual se investigam os modos como os currículos e os materiais de apoio ao desenvolvimento curricular operam o conhecimento profissional docente em Matemática. Também emerge de nossa experiência como professores e pesquisadores que tomam a relação professor-materiais curriculares como objeto de investigação situado no campo da Educação Matemática.

Além desta introdução, o artigo1 está organizado em quatro partes. Na primeira, procuramos explorar os referenciais teóricos no campo mais amplo da literatura sobre o conhecimento profissional docente, delineando nossa perspectiva teórica. Posteriormente, apresentamos os aspectos metodológicos tomados como referência para a análise que aqui pretendemos. Em seguida, apresentamos a discussão referente à Matemática incorporada aos materiais curriculares e os modos como os professores a percebem e interpretam. Por fim, apresentamos nossas considerações que trazem tessituras sobre esse foco da pesquisa.

CONHECIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE NA RELAÇÃO COM MATERIAIS CURRICULARES

A década de 1980 configura-se como um marco no desenvolvimento de investigações que se debruçam sobre o conhecimento necessário aos professores, contribuindo para estudos sobre os conhecimentos dos professores que ensinam Matemática, necessários ao desenvolver o currículo. A pesquisa desenvolvida por Curi (2004) traz em seus resultados a premissa de que o conhecimento é um aspecto relevante em se tratando de orientação do trabalho prático do professor. Tais como estas, as pesquisas realizadas por Mota, Prado e Pina (2008), Furoni (2014) e Madriz (2019) evidenciam a existência de diferentes concepções para os termos saberes e conhecimento docente, tomados cotidianamente como sinônimos. Desse modo, não podemos ignorar a relevância de uma breve reflexão sobre os sentidos atribuídos a essas palavras na literatura e, com isso, indicar o conceito tomado neste artigo e apresentar uma justificativa para nossa escolha.

Em estudo realizado por Mota, Prado e Pina (2008, p. 125, grifos nossos), encontramos uma reflexão em que esses autores buscaram a definição das palavras saber e conhecimento desde o estudo da língua, perpassando pela Filosofia até chegar ao campo da Educação; considerando que “[…] conhecimento é qualquer realidade externa ao indivíduo que, através do ato intelectual, torna-se interna […]”; e que o “[…] saber exige uma relação não só interna do indivíduo sobre o objeto, mas, sobretudo, uma relação entre esse sujeito, seu conhecimento e uma dada realidade/contexto.”. Ainda que, para os autores, o termo saberes pareça abranger sinapses mais elaboradas, não conseguimos dissociar uma atividade intelectual qualquer que não venha de uma relação do sujeito com o objeto, a partir de seu conhecimento que só pode emergir de um contexto social. Assim, julgamos que, para nossa investigação, seja viável tomarmos uma conceituação derivada do campo educacional.

Com esse intuito, retornamos às proposições de Shulman (1986; 1987). De acordo com as teorizações desse autor, importa acatar o conhecimento para o ensino como processual, formado a partir dos contextos sociais, das características dos estudantes, entre tantas variáveis. Em outras palavras, o conhecimento do professor é uma construção dinâmica, anterior ao exercício da prática e que perdura por todo o tempo em que esse profissional desempenha funções de ensino. Posterior aos estudos de Lee Shulman, encontramos em Tardif (2002) a nomenclatura saber docente como referência à amálgama formada pelos saberes disciplinares, curriculares, pedagógicos e experienciais. Em nosso estudo, optamos por utilizar a expressão conhecimento por entender que esta comporta, conforme esclarece Shulman (1987), a habilidade de um professor de converter o conhecimento do conteúdo em ações pedagógicas robustas e adaptadas às necessidades dos estudantes, fato que possui ligação, de certo modo, com a abordagem que aqui pretendemos.

Outro ponto a ser considerado diz respeito ao que seria esse conhecimento dos professores ao qual fazemos referência. Para a construção desse conceito, traçamos uma linha temporal em que alguns estudos basilares para esse campo são brevemente contemplados, até que possamos esclarecer em que proposição teórica pretendemos nos ajustar. Iniciamos com as contribuições de Shulman (1986) ao propor, inicialmente, três categorias para análise da complexidade dos conhecimentos docentes e a forma como estes conhecimentos são empregados no ensino, quais sejam, conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo e conhecimento curricular. Posteriormente, Shulman (1987) considerou que as categorias iniciais deveriam ser ampliadas, passando a incluir outras quatro: conhecimento pedagógico geral; conhecimento dos estudantes e suas características; conhecimento dos contextos educativos; e conhecimento dos objetivos, propósitos e valores da educação.

As peculiaridades do campo do conhecimento necessário ao ensino da Matemática conduziram Ball, Thames e Phelps (2008) a se apropriarem dos conhecimentos elaborados por Shulman e a reorganizar as categorias em um modelo denominado Conhecimento Matemático para o Ensino (MKT). Nessa mesma linha de pensamento, Godino (2009) reitera que os modelos propostos para as discussões no âmbito da Educação Matemática são importantes, todavia apresentam caráter generalizado. Por essa razão, o autor propôs um modelo teórico de categorias para análise dos conhecimentos dos professores que ensinam Matemática, quer seja, os Conhecimentos Didático-Matemáticos (CDM). O diferencial dessa proposição está na habilidade de organizar e integrar os modelos já propostos por Shulman (1986; 1987) e Ball, Thames e Phelps (2008), a partir do enfoque ontossemiótico (EOS) em que se “[…] propõe articular diferentes pontos de vista e noções teóricas sobre o conhecimento matemático, seu ensino e aprendizagem.” (Godino, 2009, p. 20).

Nesse conjunto de categorias de conhecimento dos professores que ensinam Matemática, há os estudos realizados por Carrillo Yañez, Flores Martinez e Contreras Gonzáles (2013). Em suas investigações, esses pesquisadores propõem a redefinição de subdomínios do MKT propondo o modelo teórico Conhecimento Especializado do Professor de Matemática (MTSK), organizado em seis domínios articulados às noções de crenças sobre a Matemática e seu ensino e aprendizagem.

Considerando os modelos teóricos sobre o conhecimento dos professores que ensinam Matemática e conscientes da existência de outros que não abordamos neste artigo, destacamos os estudos desenvolvidos por Remillard e Kim (2017), inspirados em Shulman (1986; 1987) e em consonância com as teorizações de Ball, Thames e Phelps (2008), entre outros estudos. Essa perspectiva de análise opera com uma mudança teórica e metodológica a respeito da identificação dos conhecimentos matemáticos que são mobilizados por professores quando utilizam os materiais curriculares.

Posterior aos estudos citados, Remillard e Kim (2017) teorizaram o Conhecimento da Matemática Incorporada ao Currículo (Knowledge of Curriculum Embedded Mathematics — KCEM) para designar as formas pelas quais as ideias matemáticas são apresentadas nos materiais curriculares. Situadas dentro do campo de pesquisa que trata dos conhecimentos dos professores, as autoras identificaram os conhecimentos mobilizados pelos professores que ensinam Matemática ao fazerem uso dos materiais curriculares, por meio da leitura, interpretação, apropriação e design (Brown, 2009).

Conforme já pontuamos, as últimas décadas têm sido marcadas pelo esforço de parte da comunidade da Educação Matemática em teorizar sobre o conhecimento do professor. Esses esforços, segundo Remillard e Kim (2017, p. 67), foram estimulados por duas questões, quais sejam, “[…] tornar visível muito do trabalho invisível de ensino e descobrir formas especializadas de conhecimentos que podem ser desenvolvidos por professores.”. As investigações nessa temática tendem a ser baseadas na prática porque, segundo Shulman (1987), a utilização dos materiais curriculares consiste em tarefa não simples, que demanda conhecimento, proativividade e ação hábil.

Remillard e Kim (2017) estruturam e exemplificam seu modelo teórico a partir de eventos da prática de ensino. Elas passaram a analisar a realização de tarefas dos materiais curriculares pelos professores, as proposições metodológicas e os processos pelos quais passam o professor ao planejar e colocar uma aula em prática. A partir desse exame, essas autoras elaboraram o modelo KCEM, que compreende quatro dimensões, como passaremos a detalhar.

A dimensão ideias fundamentais da Matemática compreende as justificativas matemáticas que fundamentam determinados procedimentos na abordagem e apresentação de objetos matemáticos. Geralmente, alguns procedimentos são apresentados aos estudantes como técnicas, interpretadas como “truques” para se resolver um problema em forma de atividade. No entanto, subjacente à técnica, que pode se apresentar como sem sentido para os estudantes, estão presentes ideias fundamentais que se materializam por meio de procedimentos que mostram os porquês, ou seja, as justificativas baseadas em conhecimentos matemáticos. Algumas das ideias fundamentais podem se apresentar de modo mais explícito que outras. A título de exemplo, citamos o algoritmo americano usado na divisão, o qual incorpora ideias fundamentais como composição, decomposição, arredondamentos e subtrações repetidas. Nos materiais curriculares, essas ideias estão presentes nos objetivos de aprendizagem, nas atividades e nas sugestões e orientações pedagógicas. Consideradas como possibilidades de ação com os materiais, essas ideias precisam ser reconhecidas na avaliação que os professores fazem dos materiais, ou parte deles, ao planejar e realizar suas aulas, como meio de criar as condições, ou potencializar as existentes, para que as aprendizagens matemáticas sejam construídas pelos estudantes.

A segunda dimensão, representações e suas conexões, refere-se à variedade de modelos instrucionais ou representações dos objetos matemáticos presentes nos materiais curriculares que auxiliam os professores a fazerem a abordagem e apresentação dos conceitos de forma mais acessível aos estudantes. Vejamos que essa assertiva nos conduz ao conceito trabalhado por Remillard (2005) de materiais curriculares como indutores do currículo, pois mostra o quanto o material imprime decisão sobre os modos como os estudantes terão contato com determinados conceitos. Essa dimensão inclui as diferentes representações que um objeto matemático pode assumir e as conexões entre elas, por exemplo, expressões algébricas, linguagem, quadros, tabelas, diagramas, esquemas e demais elementos figurais, considerando a ênfase em como o conhecimento pode ser transformado e representado para torná-lo acessível aos estudantes (Remillard e Kim, 2017).

A dimensão complexidade relativa do problema, em que também incluímos quaisquer tipos de atividades, contempla exercícios, problemas e atividades exploratório-investigativas apresentadas pelo material curricular que servem como aporte para promoção da aprendizagem dos estudantes. Esses problemas (atividades) apresentam graus variados de complexidade, o que exige tipos diferentes de raciocínios a serem mobilizados pelos estudantes na resolução, alguns mais simples e outros mais elaborados. Baseados nos estudos de Smith e Stein (1998), podemos considerar que, nessa dimensão, as atividades se diferem em relação aos níveis de demandas cognitivas esperadas dos estudantes. Sobre esse aspecto, Remillard e Kim (2017) consideram que as atividades podem apresentar acentuado grau de complexidade, fazendo com que o professor utilize seus conhecimentos para categorização, ordenação das tarefas e identificação de possíveis pontos de dificuldade dos estudantes.

A última dimensão, percursos de aprendizagem matemática, diz respeito ao reconhecimento, pelo professor, de sequências de aprendizagem em relação ao currículo. Ou seja, a compreensão de como um conteúdo ou conceito está situado dentro de um conjunto maior de aprendizagens objetivadas pelo currículo de Matemática, podendo ser dentro de um conjunto de atividades, de um determinado ano letivo ou em vários anos que compõem a vida escolar dos estudantes. Remillard e Kim (2017) compreendem que o conhecimento desses percursos se refere à compreensão de conceitos matemáticos mais elaborados, abordados em distintos períodos letivos, inclusive com enfoques e abordagens diferenciadas.

Ao trazermos modelos teóricos utilizados como ferramentas de análise do conhecimento do professor que ensina Matemática em suas relações com os materiais curriculares, consideramos que todo o percurso temporal de desenvolvimento desses constructos contribui para a investigação que aqui retratamos. Em especial, o KCEM, elaborado por Remillard e Kim (2017), colabora para o objetivo proposto neste artigo, pois esse modelo incorpora categorias elaboradas por outros autores e reconhecidamente utilizadas na Educação Matemática, além de apresentar dimensões que tratam especificamente de recursos presentes nos materiais curriculares. Desse modo, passamos para a próxima seção, na qual são apresentadas as opções metodológicas da presente investigação.

PERCURSO METODOLÓGICO: OS CAMINHOS QUE CONDUZEM A INVESTIGAÇÃO

Sustentados pelo objetivo de estudo aqui proposto, tomamos como colaboradores da investigação professores que ensinam Matemática nos Anos Finais do Ensino Fundamental na Escola Municipal Coronel Melvino Ferraz, situada na cidade de Rubim (MG). Inicialmente, convidamos os cinco professores que compõem o quadro de ensino de Matemática na referida escola, todavia apenas três puderam atender ao convite. O propósito que justifica a formação desse grupo composto de três professores está na premissa de que, como agentes interativos nos processos de ensino e de aprendizagem, eles podem contribuir com reflexões práticas. Nesse contexto, consideramos como fio condutor dessas reflexões a entrevista semiestruturada. Realizada individualmente com os professores, a entrevista comporta questões sobre as ideias matemáticas presentes em um material curricular, bem como sua percepção e interpretação por esses professores. O material, elaborado em formato de apostila impressa e distribuído aos estudantes, nos foi disponibilizado por um dos professores. Composto de 39 atividades, distribuídas em nove páginas, as quais abordam conteúdos referentes a grandezas e medidas, o material foi utilizado durante quatro semanas, no mês de setembro de 2020, em turmas de 6° ano da referida escola.

Para a realização de uma pesquisa que aborda fenômenos que envolvem seres humanos, importa que cuidados éticos sejam considerados. Assim, para a participação e preservação da ética, o grupo recebeu, analisou e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.2

Foram realizados encontros virtuais durante o mês de setembro de 2020, com cada um deles durando aproximadamente uma hora e meia. Dos três professores colaboradores da pesquisa, dois não lecionam no 6° ano, por isso, receberam o material curricular com antecedência para analisá-lo. Recolhemos as informações que formam o corpus de análise deste trabalho, utilizando a entrevista semiestruturada e, assim, construindo os dados da pesquisa.

Elaboramos um roteiro formado por questões abertas, flexíveis e, portanto, passíveis de reorientações durante o tempo em que a entrevista ocorresse, de forma que a condução desta estivesse alinhada ao objetivo do estudo. O grupo de participantes é constituído por dois professores e uma professora que não se opuseram a suas identificações neste artigo, permitindo que seus nomes sejam revelados. Todos possuem licenciatura e pós-graduação em Matemática; estão em uma faixa etária que varia de 38 a 50 anos e ensinam Matemática há mais de três anos.

O roteiro da entrevista foi composto de nove questões norteadoras. O corpus textual obtido após a transcrição das entrevistas foi processado no Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ), um software de uso gratuito que se ancora no ambiente estatístico do software R e na linguagem Python.

A opção pela utilização desse programa como aporte para nossa análise justifica-se, sobretudo, pelo sentido de algumas das expressões presentes na descrição do objetivo de pesquisa, quais sejam, “discutir”, “ideias matemáticas”, “percebidas” e “interpretadas”, e que podem ser mais bem apreendidas por meio de métodos que as comportem e que não desprezem a questão do rigor científico. Assim, consideramos que esse programa pode nos oportunizar uma gama de análises textuais, partindo das mais simples, como a lexicografia básica (cálculo de frequência de palavras), às mais complexas, como as análises multivariadas, tais como classificação hierárquica descendente e de análise de similitude (Ratinaud, 2009).

Os resultados gerados ao inserirmos no programa IRaMuTeQ o corpus textual obtido das entrevistas realizadas com os professores participantes deste estudo permitiu a organização e a distribuição de expressões mais significativas e, portanto, carregadas de sentido para os entrevistados, de modo que a compreensão pode ser mais fácil e visualmente perceptível.

Nesse sentido, optamos pela análise de similitude para este estudo por ser considerado um gráfico apto para análises de pesquisas qualitativas que fazem uso de conteúdo textual. A análise de similitude, um dos cinco tipos de grafos que podem ser gerados pelo IRaMuTeQ, nos permitiu identificar as coocorrências entre palavras e seus resultados, indicando conexões entre elas e auxiliando a formação das estruturas comuns presentes em um mesmo corpus textual (Marchand e Ratinaud, 2012). A figura formada na interface de resultados é a árvore de ocorrências. Nela se apresentam agrupadas as palavras do corpus em forma de nuvens coloridas, de acordo com as variáveis descritivas selecionadas pelo pesquisador ao lançar os dados textuais no software. A partir daí, o pesquisador apoia-se no referencial teórico para orientar e sustentar sua análise.

Conforme já explicitamos, para este artigo, consideramos a análise de similitudes, gerando um grafo que representa a ligação entre as palavras do corpus textual, buscando a maior frequência em que um termo é citado junto com outro. A partir dessa análise, é possível inferir a estrutura de construção do texto e a correlação entre suas palavras-chave. Nessa fase, agregamos o modelo teórico proposto por Remillard e Kim (2017), denominado KCEM, composto de quatro dimensões especificadas nas próximas seções para subsidiar as análises sobre como as ideias matemáticas subjacentes aos materiais curriculares são percebidas e interpretadas pelos professores.

IDEIAS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA

Uma concepção bastante veiculada no campo educacional na contemporaneidade é que, pela utilização que fazem dos materiais curriculares em sua prática cotidiana de ensino, os professores têm suas demandas profissionais diminuídas. Tal assertiva nos permite inferir que o material curricular, importante recurso para a implementação do currículo nas salas de aula (Sacristán, 1997; Januario e Lima, 2021), não invalida a necessidade da presença dos recursos do professor para que sejam colocadas em prática as demandas matemáticas contidas no material. Após a leitura atenta, interpretação e reflexões acerca das ideias matemáticas incorporadas no material curricular, passamos à análise do material, elaborado e distribuído aos estudantes do 6° ano da Rede Municipal de Educação de Rubim (MG), com o tema grandezas e medidas, direcionamos a reflexão para a avaliação de alguns aspectos do material. A Figura 1, denominada grafo para análise de similitude, gerada pelo IRaMuTeQ após inserção do corpus textual das entrevistas, apresenta os agrupamentos de palavras que emergiram da avaliação das ideias fundamentais da Matemática subjacentes ao material, identificadas pelos professores.

Fonte: Elaboração própria.

Figura 1 Agrupamento por similitude do corpus referente às ideias fundamentais da Matemática presentes no material curricular. 

Conforme pode ser visualizado na Figura 1, os professores participantes consideraram o conhecimento da Matemática e o conhecimento que possuem sobre o ensino da Matemática (Ball, Thames e Phelps, 2008), especificamente sobre grandezas e medidas, para avaliar o material. As palavras mais representativas foram materiais, aluno, conteúdos, adição, subtração, problemas e resolução.

Esse conjunto de palavras, quando analisado de forma interligada, revela que a presença dos materiais curriculares, para esse grupo de professores, é relevante para o ensino da Matemática. Além disso, a presença constante de referências ao substantivo aluno nos remete à ideia de que as necessidades de aprendizagens dos estudantes são consideradas, bem como a forma como os conteúdos e conceitos são apresentados, de modo que as atividades sejam realizadas por eles.

Quando perguntados acerca das estratégias matemáticas possíveis às quais os estudantes poderiam recorrer para resolver as atividades, os professores emitiram respostas referentes aos usos de artefatos e recursos manipulativos para a resolução dos problemas. Os excertos que confirmam essa afirmativa podem ser vistos nas respostas como a do professor Rogério: “Eu acredito que ferramentas que poderiam ajudar na resolução desses problemas seriam a fita métrica, balança, régua. Além dessas estratégias, os alunos usam pauzinhos para somar ou subtrair.”. A compreensão equivocada sobre o conceito de estratégias matemáticas para resolução de problemas é também revelada na fala da professora Mônica, quando esta relata que “[…] os problemas relacionados a grandezas e medidas já possuem essas características de se poder resolver de várias maneiras o mesmo problema.”. Todavia, o tipo de estratégias a que a professora se refere é identificado no restante de sua resposta à questão que mencionamos: “Eu acho que os alunos poderiam recorrer a videoaulas, ao professor de forma virtual, usar diferentes formas de raciocínio.”. Ainda sobre o questionamento inicial, o professor Hélder considera que, “[…] na prática, os alunos, utilizam muito ferramentas como réguas, fitas métricas, para resolver os problemas.”.

Se observarmos a nuvem na Figura 1, a qual nos apresenta as palavras mais significativas sobre essa questão, podemos visualizar vocábulos que reforçam nossa análise. Assim, ao atentarmos para as palavras aluno, estratégias, ferramenta e pau, podemos, de certo modo, complementar nossa percepção dessas palavras dentro do contexto em que foram geradas. O descompasso nos sentidos atribuídos ao conceito de estratégias matemáticas para resolução de problemas mostra a ausência de conhecimentos matemáticos dos professores relativos às abordagens dadas nas atividades, bem como conhecimentos que justificam alguns procedimentos que poderiam ser manifestados pelos estudantes na resolução, o que Ball, Thames e Phelps (2008) categorizaram como sendo o Conhecimento Especializado do Conteúdo (SCK). No que se refere às justificativas matemáticas, ou seja, aos porquês, as respostas dos professores mostram uma fragilidade em relação ao conhecimento dos tópicos matemáticos, teorizado por Carrillo Yañez, Flores Martinez e Contreras Gonzálves (2013), ou seja, explicações para alguns procedimentos a partir da exploração de conceitos e suas propriedades.

Pela análise das respostas dos professores, apreendemos que a percepção sobre o que seriam as estratégias matemáticas para resolução de problemas está, de certo modo, comprometida. Há uma constante menção à utilização de recursos materiais em detrimento de estratégias e procedimentos matemáticos para subsidiar as resoluções. Observando tal proposição à luz dos referenciais que subsidiam nossa análise, Remillard e Kim (2017) consideram que as ideias fundamentais da Matemática compreendem as justificativas matemáticas que fundamentam determinados procedimentos na abordagem e apresentação de objetos matemáticos, aspecto pouco observado na análise realizada.

Em um segundo momento, perguntamos aos professores se as atividades do material curricular comportavam diferentes graus de complexidade e se as estratégias de resolução utilizadas pelos estudantes poderiam ser justificadas matematicamente. As palavras mais marcantes estão reunidas nas nuvens e em suas intersecções, conforme Figura 1. Entre elas, citamos: resoluções, conteúdos, estratégias, resolver, problema, adição e subtração. Para uma melhor compreensão da interrogação lançada, apresentamos essas palavras dentro dos excertos das entrevistas concedidas pelos professores e que nos auxiliam na análise dos discursos.

Em relação a essa questão, os professores citaram como justificativas alguns procedimentos. O professor Hélder comentou que “[…] sempre aparecem outras resoluções e outros conteúdos relacionados.”. Vejamos que a resposta do professor tem pouca relação com o que de fato foi perguntado. A professora Mônica concorda com a existência de justificativas matemáticas para as soluções e estratégias encontradas pelos estudantes na resolução das atividades, porém as desconhece e não as identifica nominalmente: “Tenho quase certeza que essas formas diferenciadas de se resolver situações-problema podem ser justificadas matematicamente, mas eu não sei dizer especificamente como classificar ou demonstrar esse tipo de conhecimento do aluno.”.

No entanto, o professor Rogério apresenta e identifica algumas possibilidades de justificativas e procedimentos para as estratégias dos estudantes:

Nessas estratégias, quando eles utilizam, por exemplo, os pauzinhos, eu poderia voltar no QVL (Quadro Valor de Lugar) para contagens na base 10. Eu poderia estar auxiliando na hora de apresentar o conteúdo, quando chega no 9 e o décimo pauzinho aparece. Para ele saber no Quadro Valor de Lugar, eu tenho que transferir 10 unidades que seriam equivalentes a uma dezena, então, neste caso, a gente mostra esse conhecimento de um conteúdo. O uso do material dourado também, uso de pauzinhos para adicionar ou subtrair. Mas outras estratégias para resolução desses problemas eu desconheço.

De acordo com os relatos dos professores colaboradores da pesquisa, compreendemos as proposições de Remillard e Kim (2017, p. 74) ao defenderem que “[…] os professores precisam reconhecer as ideias matemáticas fundamentais que fundamentam os formatos de instrução subjacentes aos materiais curriculares […]”, fato que confere ao professor a “[…] vantagem para avaliar a adequação geral e específica das ideias matemáticas e considerar maneiras de adaptá-las para seus estudantes específicos.”. Nessa mesma direção, Godino (2009) enfatiza a necessidade de que o professor seja capaz de mobilizar diversas representações para um mesmo objeto matemático, facilitando a compreensão e resolução dos problemas pelos estudantes.

A análise das respostas dos professores, presentes nos excertos selecionados, revela que a compreensão do que seriam estratégias matemáticas para resolução de problemas está associada às estratégias metodológicas para abordar os conteúdos, privilegiando-se o uso de artefatos manipulativos, o que evidencia o quanto esses professores mobilizam o conhecimento do ensino de Matemática (Carrillo Yañez, Flores Martinez e Contreras Gonzáles, 2013).

Conforme já esclarecemos, as ideias fundamentais da Matemática estão presentes no material curricular, porém os professores pouco as identificam. Examinando essa assertiva à luz das teorizações de Remillard e Kim (2017), o desenvolvimento prático do currículo e a promoção das aprendizagens dos estudantes nos ambientes das salas de aula estão relacionados com as ações dos professores, seu raciocínio sobre determinado conteúdo, a fim de o trazer à tona e fazer uso produtivo dessas ideias ao estruturar atividades e planejar sua prática a partir dos materiais curriculares.

REPRESENTAÇÃO E SUAS CONEXÕES

Nesta dimensão, analisamos como os professores que ensinam Matemática assimilam os modelos instrucionais e representações no material curricular. Tomando por base teorizações de Remillard e Kim (2017), essa dimensão se refere à forma como determinado conteúdo é abordado, representado e os tipos de instruções que são fornecidas aos estudantes para resolução das atividades propostas.

O grafo ilustrado na Figura 2 materializa os agrupamentos de palavras que compõem o corpus textual de entrevistas que tomam como cerne os modelos instrucionais ou as representações, bem como sua função no material curricular e suas consequências para as aprendizagens dos estudantes. Consoante a essas questões, passamos a analisar como os professores percebem e interpretam a presença das representações no material. Para esse fim, foram elencadas três questões para direcionar a reflexão. Observemos as palavras mais presentes nas narrativas e, portanto, carregadas de significados aglutinadas a partir das respostas a esses questionamentos: aluno, conteúdo, material, resolução, apresenta e problemas. Dessas, se ramificam expressões, tais como: material simples, necessidades do aluno, aprendizagem do conteúdo e graus de dificuldades diferentes.

Fonte: Elaboração própria.

Figura 2 Agrupamento por similitude do corpus referente às representações e suas conexões presentes no material curricular. 

Os fragmentos de respostas selecionados evidenciam as concepções dos professores participantes quando indagados sobre a percepção que têm das representações no material curricular. Ao analisarmos as palavras e expressões significativas, percebemos que forma de “apresentar” o “conteúdo” no material curricular privilegia a representação do tipo numérica.

A priorização desse tipo de representação é justificada, segundo os professores, em razão das “necessidades do aluno” quanto à “aprendizagem do conteúdo”, culminando na estruturação de um “material simples”, que não estabelece “graus de dificuldades diferentes” nas atividades propostas. Assim, solicitamos que os professores avaliassem se esse aspecto colabora para ampliar ou restringir as possibilidades de aprendizagem dos estudantes. Sobre esse questionamento, o professor Rogério considera que a presença de variados tipos de representação “[…] colabora com o ensino, pois a figura em si possibilita e facilita a aprendizagem do aluno. Inclusive, teria que ter mais imagens, gráficos e charges relacionadas ao conteúdo.”. Tais narrativas têm relação com o conhecimento dos tópicos matemáticos desenvolvido por Carrillo et al. (2014) e se referem aos conteúdos matemáticos presentes no material curricular e que os estudantes precisam assimilar, além de com aspectos da faceta epistêmica teorizada por Godino (2009), que sugere a articulação entre diferentes conhecimentos da Matemática com maior profundidade e amplitude.

Durante a realização da entrevista, quando direcionamos as perguntas para o aspecto do conteúdo e como ele é representado no material, o professor Hélder justifica a ausência de representações variadas dos conteúdos de grandezas e medidas no material curricular:

Eu propositalmente direcionei para um único conteúdo para tentar fixar na memória deles esse conteúdo, para depois introduzir outras atividades. Se eu tivesse apresentado outras representações, facilitaria para os alunos. Se eu tivesse buscado mais figuras ou outras representações nos contextos do dia a dia e problemas que ele vivencia.

Inicialmente, o professor relata que a opção por restringir variadas representações facilitaria a aprendizagem dos estudantes. Todavia, ele completa a sua resposta concordando que a utilização de outras representações é o que facilitaria a compreensão e aprendizagem dos estudantes. Essa afirmativa está presente nas palavras da nuvem como forma e resolução, em fonte maior, ressaltando a importância de ambas. No entanto, as expressões envolver e raciocínio estão em oposição às duas primeiras. Ou seja, a forma de apresentação eminentemente numérica pode comprometer as aprendizagens por não estimular o raciocínio dos estudantes e limitar a forma como os conteúdos podem ser representados em uma atividade.

A professora Mônica relata que, ao estudar o material, percebeu que a representação numérica foi usada de modo extensivo em detrimento de variadas possibilidades de modelos existentes para instruir e representar a unidade temática grandezas e medidas. Desse modo, considera que “[…] esse tipo de representação leva o aluno a ficar numa zona de conforto. Dificulta a ampliação do olhar do aluno e, se você observar, as questões se repetem muito.”. Essa percepção se ancora nas teorizações de Ball, Thames e Phelps (2008) sobre o SCK. Essa categoria abrange não somente os conhecimentos esperados de um adulto, mas, para além destes, abrange toda uma variedade de conhecimentos matemáticos que permitem que os professores cumpram suas tarefas de ensino. Por essa concepção, os excertos selecionados evidenciam pouco conhecimento dos professores em relação às diferentes representações possíveis aos conteúdos em uma atividade, principalmente em identificar ideias matemáticas ou propriedades subjacentes às resoluções que justificam os diferentes procedimentos.

Diante de tal constatação, trazemos ainda as teorizações de Shulman (1986; 1987) ao enfatizar a importância de que o conhecimento deve ser transformado por meio de variadas representações que o tornem alcançáveis pelos estudantes. Consideramos que os professores só podem perceber tal fragilidade revisitando seus recursos, ou seja, os conhecimentos que possuem sobre a Matemática e seu ensino. Vejamos que, com o intuito de aprimorar o material, a professora Mônica sugere a retirada “[…] dessas questões representadas, sobretudo numericamente [e] aumentaria a quantidade de ilustrações, figuras e desenhos relacionados aos problemas.”.

A nuvem na Figura 2, em que palavras como adição e subtração estão evidenciadas, revela aspectos das narrativas dos professores quando a entrevista é conduzida para a reflexão sobre a presença de diferentes unidades temáticas e suas conexões no material, ou seja, se há, no material, uma articulação de conteúdos de outra unidade temática com os de grandezas e medidas. A despeito das conexões entre unidades temáticas, Carrillo Yañez, Flores Martinez e Contreras Gonzálves (2013) enfatizam a relevância do conhecimento da estrutura da matemática como sendo a capacidade do professor de incluir ideias e estruturas matemáticas, como, por exemplo, o conhecimento de propriedades e noções relativas à cada unidade e ao conteúdo que está sendo abordado e suas conexões com tópicos atuais, anteriores e futuros. Vejamos as respostas dadas pelos professores que têm relação com essa categoria:

Ao observar o material, eu percebo que tem outros conteúdos. Ainda que eu esteja trabalhando grandezas e medidas, eu percebo que passa por números naturais; tem algumas questões relacionadas a semanas, meses, unidades de tempo. Eu acho que aborda poucos conteúdos. (Hélder)

O material trouxe, nas unidades temáticas, a questão dos conhecimentos sobre conjuntos numéricos que, de alguma forma, vai ajudar nas operações para resolver as atividades relacionadas a grandezas e medidas. Para se estar fazendo as operações, as comparações, os estudantes precisam utilizar outras unidades temáticas. Isso de articular os conteúdos colabora com as aprendizagens dos alunos. (Rogério)

Eu acredito que há uma articulação entre grandezas e medidas junto com conteúdos como adição, subtração, divisão, multiplicação, agrupamento, arredondamento e outros conteúdos matemáticos. No material, essa articulação não está especificada, ela está meio nas entrelinhas, mas eu não sei identificar se isso é bom ou ruim para o aluno. (Mônica)

Para a compreensão desses discursos e dessas narrativas, revisitamos as proposições teóricas para a análise dos conhecimentos mobilizados pelo professor em sua relação prática com os materiais curriculares. O modelo KCEM, estruturado por Remillard e Kim (2017), sugere que as instruções e representações projetadas nos materiais curriculares devem ser consideradas para que as ideias e relações matemáticas com a unidade temática, em nosso caso grandezas e medidas, se tornem acessíveis aos estudantes. Retomando os excertos, podemos verificar as conexões feitas pelo grupo de professores participantes em que Hélder identifica conexões com números e Rogério e Mônica conectam a números e operações. Essas articulações entre conteúdos de grandezas e medidas, números e operações percebidas pelos professores nos remetem a Carrillo Yañez, Flores Martinez e Contreras Gonzáles (2013), quando estes afirmam que os conhecimentos matemáticos que um professor possui deve extrapolar a abordagem isolada de conceitos, mas integrá-los em uma rede de conexões, fomentando a apresentação de conteúdos que parte de uma perspectiva básica para outras mais elaboradas.

COMPLEXIDADE RELATIVA AO PROBLEMA

Nessa terceira unidade, passamos a analisar como os três professores colaboradores deste estudo percebem e interpretam o grau de complexidade das atividades matemáticas que compõem o material curricular. A percepção da estrutura das atividades, seus contextos e objetivos, proposta por Remillard e Kim (2017, p. 75), considera que as atividades projetadas no material curricular podem ser caracterizadas como “[…] veículo por meio do qual o aprendizado ocorre e pelo qual os professores avaliam a compreensão dos estudantes.”. Revela-se, dessa forma, que as atividades presentes no material curricular tendem a se apresentar como mecanismo que pode fomentar as aprendizagens dos estudantes. Nesse sentido, as atividades eleitas pelos professores para apresentar e abordar conteúdos de grandezas e medidas devem estar alinhadas a essa premissa.

Nesse ponto da pesquisa, propomos, subsidiados pelo modelo KCEM, que os professores avaliassem os graus de complexidade das atividades do material. Como exemplos de coocorrências no grafo, citamos: aluno, problemas e estratégias, que nos conduzem à reflexão dos sentidos dessas três palavras quando agrupadas em um mesmo fragmento da entrevista. Alinhando essas palavras às respostas completas, apreendemos que os professores consideram sempre o papel do estudante nessa relação com o material curricular. Escolhas e opções por abordagens e apresentações de conteúdos estão sempre em consonância com o conhecimento que os estudantes possuem.

As palavras destacadas, agrupadas nas três nuvens, contribuem para a análise qualitativa das entrevistas, confirmando algumas de nossas apreensões iniciais a partir da leitura do corpus textual. Os resultados das respostas foram transcritos e submetidos à análise de similitude pelo IRaMuTeQ. Como resultado, obtivemos a Figura 3, em que podemos visualizar, bem ao centro, em grafos maiores, a palavra aluno.

Fonte: Elaboração própria.

Figura 3 Agrupamento por similitude do corpus referente complexidade relativa das atividades no material curricular. 

Da análise de similitude, conforme Figura 3, emergiram 55 ocorrências, ou seja, 55 palavras que foram repetidas por mais de dez vezes nas respostas. Aquelas que se repetem aparecem em tamanho maior, dando destaque a elas dentro dos discursos dos participantes. Como exemplos, citamos: aluno, material, conteúdo, grandezas e medidas e professor.

Em relação à percepção dos professores sobre o grau de complexidade das atividades matemáticas do material curricular, o professor Rogério considera que as atividades são “[…] condizentes com a proposta de atividades para o 6° ano. Não há questões que tenham maior grau de dificuldade, fazendo com que o aluno não entenda.”. Em resposta a essa mesma pergunta, a professora Mônica avalia que “[…] o material manteve o mesmo grau de dificuldade. Pelo que eu notei, ele não avançou em termos de graus de dificuldades; não sai da mesma linha de raciocínio.”. E, finalmente, o professor Hélder argumenta: “Eu escolhi essas atividades com nível de dificuldades que eu considero mediano. É um material simples e que está de acordo com as necessidades da turma, não apresentando graus diferenciados de dificuldade.”.

Pela análise dos fragmentos, fica evidente que, considerando o conhecimento dos estudantes, elaborado por Shulman (1987) e ampliado por Ball, Thames e Phelps (2008), os professores participantes fazem escolhas pedagógicas tomando como orientação as dificuldades de aprendizagens dos estudantes e também o nível de conhecimento em que eles se encontram. Todavia, quando solicitamos que os professores identificassem os graus de dificuldades exigidos e tipos de raciocínio mobilizados, se mais simples ou mais elaborados em suas resoluções, responderam:

Do ponto de vista das aprendizagens das crianças, eu acredito que isso não seja positivo. Eu acho que você deve trabalhar com graus de dificuldades variados, para além do que o aluno já tem capacidade de desenvolver justamente para estimulá-lo a buscar esse conhecimento, a buscar o desenvolvimento do raciocínio matemático. (Mônica)

O grau de dificuldade de raciocínio nas atividades é bem simples. Não há proposição de algum tipo de raciocínio mais elaborado. É só questão de operação e não explora realmente outras questões. Isso restringe o raciocínio do aluno, o que ele tem que estar formando ideias sobre os conteúdos. (Rogério)

Na relação com materiais curriculares, professores precisam selecionar quais problemas são apropriados para determinados estudantes ou como eles podem ser adaptados para promover as aprendizagens matemáticas. Nesse caso, compete ao professor avaliar a complexidade das atividades, ou seja, os diferentes níveis de demandas cognitivas esperadas que os estudantes manifestem ao resolver os problemas propostos. No entender de Remillard e Kim (2017, p. 75), “[…] compreender a complexidade do problema inclui a capacidade de categorizar e ordenar tarefas, aumentando a dificuldade, bem como a capacidade de identificar possíveis pontos de confusão para estudantes associados a uma determinada tarefa.”. Vejamos que essa característica evidenciada nas respostas dos professores se alinha a um aspecto-chave dos estudos de Shulman (1987) ao trazer o raciocínio pedagógico do professor como uma transformação que objetiva a adaptação do conteúdo às características do estudante. Também é similar às proposições de Ball, Thames e Phelps (2008) sobre o conhecimento de conteúdo e ensino (KCT) e conhecimento do conteúdo e dos estudantes (KCS).

PERCURSOS DE APRENDIZAGEM MATEMÁTICA

Esta dimensão relaciona-se à capacidade dos materiais curriculares de mapear “[…] caminhos de aprendizagem para o desenvolvimento de ideias matemáticas e habilidades relacionadas ao longo do tempo, dentro de uma lição, dentro de um ano ou ao longo de vários anos.” (Remillard e Kim, 2017, p. 75). Consideramos que as sequências e aprendizagens, quando bem construídas, podem contribuir para o desenvolvimento do currículo nas salas de aulas. Com o objetivo de refletir sobre essa questão, perguntamos aos professores participantes sobre a compreensão que possuem dos conteúdos abordados no material ao longo do ano letivo e ao longo da escolarização dos estudantes. As respostas dadas a essa pergunta podem ser observadas na Figura 4, por meio das palavras que a compõem.

Fonte: Elaboração própria.

Figura 4 Agrupamento por similitude do corpus referente a percursos de aprendizagem matemática no material curricular. 

As palavras conteúdo, abordar, importante, material e sequência revelam que os professores identificam percursos de aprendizagem matemática quando reconhecem que um conteúdo abordado no material se faz presente no currículo, em diferentes anos escolares e com abordagens cada vez mais ampliadas do ponto de vista conceitual. Esse tipo de conhecimento, necessário ao professor que ensina Matemática, está contemplado nos estudos de Ball, Thames e Phelps (2008) sob a nomenclatura de conhecimento horizontal do conteúdo (HCK). Nesse caso, em específico, o HCK se relaciona com a Matemática no currículo, ou seja, abrange todo o programa para cada ano escolar em articulação com os programas dos anos subsequentes, que se materializam nos percursos de aprendizagens dos estudantes.

Esse tipo de conhecimento necessário ao professor é abordado ainda nos estudos realizados por Remillard e Kim (2017) quando essas autoras fazem menção às interligações de um conteúdo, abordado em um ano ou em uma situação de aprendizagem anterior, que poderá ser abordado em fases posteriores, o que requer do professor o conhecimento de como os conteúdos se dimensionam no currículo, em termos de abordagens conceitual, didática e metodológica. Observemos os fragmentos que selecionamos nas entrevistas da professora Mônica: “[…] sempre me preocupo como esse conteúdo será visto na frente. De que maneira eu posso trabalhar hoje para ele ter uma sequência nas aprendizagens relacionadas a esse tema.”. Vejamos que, ainda que considere “complicado”, o professor Hélder revela que realiza um retorno aos percursos de aprendizagens matemáticas mesmo dizendo que: “Essa questão fica um pouco complicada na atual conjuntura, mas eu fico tentando voltar nas atividades do ano anterior.”.

Me preocupo não somente com os conteúdos abordados no material, mas em outros conteúdos. Como eu sempre falo aqui, é a questão da sequência. Eu preparo o material pensando na sequência, no ano seguinte, no período seguinte, 8° ano e até o Ensino Médio. Então, eu sempre tenho que ter essa preocupação. (Mônica)

Eu levo em consideração a importância do conteúdo anterior a essas aulas e depois também. Como esse conteúdo estaria presente na vida escolar dos alunos. (Rogério)

Os professores apresentam compreensão dos percursos matemáticos na trajetória escolar dos estudantes e como as ideias matemáticas e os conteúdos ensinados se relacionam em um amplo período. Carrillo, Contreras e Flores (2013) nomeiam essa categoria de conhecimento como sendo o conhecimento da estrutura da Matemática, que analisa a capacidade de um professor de incluir ideias e estruturas matemáticas relativas à cada unidade e ao conteúdo que está sendo abordado e suas conexões com conteúdos atuais, anteriores e futuros.

CONSIDERAÇÕES

Neste artigo, discutimos como ideias matemáticas subjacentes aos recursos dos materiais curriculares são percebidas e interpretadas pelos professores, ou seja, pinçamos uma parte específica do conhecimento necessário a esses profissionais ao desenvolver o currículo. Para esse objetivo, organizamos um referencial teórico que reúne alguns dos modelos teóricos para análise dos conhecimentos matemáticos necessários aos professores que ensinam Matemática. O corpus textual qualitativo obtido de respostas a uma entrevista foi processado pelo software IRaMuTeQ, fornecendo os gráficos que auxiliaram as análises. Esses procedimentos nos permitiram compreender e apreender, à luz da literatura, aspectos importantes da relação dos professores que ensinam Matemática com as ideias matemáticas contidas no material curricular elaborado para o trabalho com estudantes do 6° ano do Ensino Fundamental. Da análise feita, passamos a enumerar algumas considerações.

Os professores participantes pouco identificaram conceitos e propriedades que justifiquem procedimentos a serem utilizados pelos estudantes nas resoluções dos problemas, mostrando a ausência desse conhecimento. Essa fragilidade indica a necessidade e a importância do engajamento dos professores em ações de formação continuada. Auxiliados por esse tipo de formação, os professores podem alargar seus conhecimentos e, como consequência, possibilitar aos estudantes atividades que ampliem os sentidos e os significados das ideias matemáticas subjacentes ao material curricular.

Ainda sobre esse aspecto, consideramos que a falta desse conhecimento pode levar os professores a ofertarem a seus estudantes um ensino mais baseado nas técnicas, em detrimento de explicações que exploram as estruturas da Matemática das atividades. Em uma outra perspectiva, a ausência desse conhecimento e a falta de sua abordagem nas aulas faz com que os professores busquem cada vez mais artefatos manipulativos para complementar as explicações das atividades. Embora isso seja uma atividade coerente por parte do professor e do ponto de vista das estratégias metodológicas, a ênfase nessa prática pode limitar os estudantes nos processos de compreensão das ideias matemáticas, suas conexões e estrutura.

Assim, sugerimos investimentos em formação continuada, bem como na pesquisa sobre materiais curriculares, conhecimento profissional docente e a relação professor-currículo. A pesquisa pode descortinar os modos como os professores mobilizam seus conhecimentos para se relacionar com os materiais, o quanto esses materiais podem colaborar para ampliar as aprendizagens dos professores e a necessidade de se investir em políticas públicas de formação, seja inicial ou continuada.

Um aspecto que ficou evidente é que os professores baseiam suas ações e opções metodológicas nas aprendizagens dos estudantes, o modo como eles aprendem e o que já sabem sobre Matemática. Os professores compreendem que essa aprendizagem pode ser favorecida quando se propõem atividades com grau de complexidade no nível de aprendizagem da turma. Na concepção dos colaboradores da pesquisa, atividades que exigem altas demandas cognitivas ou raciocínios mais elaborados podem ser um elemento dificultador das aprendizagens.

No tocante às limitações, vale assinalar que não tivemos a pretensão de esgotar a literatura que aborda a temática nesta investigação. Além disso, trata-se de um estudo realizado com um grupo específico, o que pressupõe a ausência de generalizações. Posto isso, sugerimos que as futuras investigações sobre conhecimentos mobilizados pelos professores que ensinam Matemática tomem a temática de modo mais abrangente, com mais professores participantes, o que não nos foi possível por questões já expostas. Entendemos a importância de realização de outros estudos nessa temática e em diferentes contextos para que, diante de diferentes resultados, haja novas proposições e sugestões para as lacunas identificadas. Compreendemos ainda a importância de pesquisas nas quais se acompanha e observa professores planejando e realizando aulas, o que não foi possível na investigação aqui retratada. Dito isso, a limitação da pesquisa remete-se às entrevistas realizadas, que, embora tenham possibilitado a produção de dados convergentes com o objetivo proposto, deixou de retratar os sentidos e significados que os professores atribuem ao conhecimento da Matemática incorporada aos materiais em uma situação “real” de planejamento das práticas de ensino, bem como quais os conhecimentos, as crenças e as concepções são manifestadas nessa atividade.

Em nossa concepção não arbitrária, mas em consonância com as teorizações sobre as ideias fundamentais da Matemática, com os excertos selecionados nas entrevistas dos professores e os resultados obtidos, fica evidente que tais elementos poderiam ser observados em profundidade quando da estruturação e seleção de atividades para comporem o material. Todavia, sabemos que o processo de formação dos conhecimentos necessários ao professor para o desenvolvimento de sua prática de ensinar Matemática em movimento contínuo requer a oportunidade dessas aprendizagens, objetivando a sedimentação de suas aprendizagens e, principalmente, dos estudantes.

1Este artigo compõe a dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Montes Claros, organizada em formato multipaper, escrita pela primeira autora, orientada pelo segundo autor e coorientada pela terceira autora.

2O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros em 23 de setembro de 2019 e aprovado em 18 de outubro de 2019, processo n.° 21908719.0.0000.5146 e parecer n.° 3.650.653.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

REFERÊNCIAS

BALL, D. L.; THAMES, M. H.; PHELPS, G. Content knowledge for teaching: what makes it special? Journal of Teacher Education, Washington, v. 59, n. 5, p. 389-407, 2008. https://doi.org/10.1177/0022487108324554Links ]

BROWN, M. W. Teaching by design: understanding the interaction between teacher practice and the design of curricular innovations. 2002. 543 f. Tese (Doutorado em Ciências da Aprendizagem) — School of Education & Social Policy, Northwestern University, Evanston, Illinois (EUA), 2002. [ Links ]

BROWN, M. W. The Teacher-Tool Relationship: theorizing the design and use of curriculum materials. In: REMILLARD, J. T.; HERBEL-EISENMANN, B. A.; LLOYD, G. M. (ed.). Mathematics Teachers at Work: connecting curriculum materials and classroom instruction. New York: Taylor & Francis, 2009. p. 17-36. [ Links ]

CARRILLO YAÑEZ, J.; FLORES MARTINEZ, P.; CONTRERAS GONZÁLES, L. C. Uno modelo de conocimiento especializado del profesor de Matemáticas. In: RICO ROMERO, L.; CARRILLO, J.; CONTRERAS, L. C.; CLIMENT, N.; ESCUDERO-ÁVILA, D.; FLORES-MEDRANO, E.; ÁNGEL MONTES, M. (org.). Un marco teórico para el conocimiento especializado del profesor de Matemáticas. Huelva: Universidad de Huelva Publicaciones, 2014. [ Links ]

CAÑADAS SANTIAGO, M. C.; GUTIÉRREZ, J. F.; MOLINA, M.; SEGOVIA ALEX, I. (coord.). Investigación en Didáctica de la Matemática: Homenaje a Encarnación Castro. Granada: Editorial Comares, 2013. p. 193-200. [ Links ]

CURI, E. Formação de professores polivalentes: uma análise de conhecimentos para ensinar Matemática e de crenças e atitudes que interferem na constituição desses conhecimentos. 2004. 278 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) — Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologias, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. [ Links ]

DAVIS, E. A.; KRAJCIK, J. S. Designing educative curriculum materials to promote teacher learning. Educational Researcher, v. 34, n. 3, p. 3-14, 2005. https://doi.org/10.3102/0013189X034003003Links ]

FURONI, S. P. Conhecimentos mobilizados por professores de Matemática do Ensino Médio em suas relações com livros didáticos. 2014. 156 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) — Instituto de Matemática, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2014. [ Links ]

GODINO, J. D. Categorías de análisis de los conocimientos del profesor de Matemáticas. Unión: Revista Iberoamericana de Educación Matemática, San Cristóbal de La Laguna, v. 5, n. 20, 2009. [ Links ]

JANUARIO, G. Agência, affordance e a relação professor-materiais curriculares em Educação Matemática. Ensino em Re-Vista, Uberlândia, v. 27, n. 3, p. 1055-1076, 2020. https://doi.org/10.14393/ER-v27n3a2020-12Links ]

JANUARIO, G.; LIMA, K. A relação professor-materiais curriculares como campo de pesquisa em Educação Matemática. In: CIRÍACO, K. T.; AZEVEDO, P. D.; CREMONEZE, M. L. (org.). Pesquisa em Educação Matemática, Cultura e Formação Docente: perspectivas contemporâneas. São Carlos: Pedro e João, 2021, p. 287-302. [ Links ]

MADRIZ, M. E. S. A construção de material curricular educativo: mobilização de conhecimentos por professores de Matemática da EJA. 2019. 130 f. Dissertação (Mestrado em Educação de Jovens e Adultos) — Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2019. [ Links ]

MARCHAND, P.; RATINAUD, P. L'analyse de similitude appliqueé aux corpus textueles: les primaires socialistes pour l'election présidentielle française. In: JOURNÉES INTERNATIONALS D’ANALYSE STATISTIQUE DES DONNÉES TEXTUELLES, 11., 2012, Liège. Actes […]. Liège: Université de Liège, 2012. p. 687-699. [ Links ]

MOTA, E. A. D.; PRADO, G. V. T.; PINA, T. A. Buscando possíveis sentidos de saber e conhecimento na docência. Cadernos de Educação, Pelotas, n. 30, p. 109-134, 2008. [ Links ]

PIRES, C. M. C.; CURI, E. Relações entre professores que ensinam Matemática e prescrições curriculares. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 57-74, 2013. [ Links ]

RATINAUD, P. IRaMuTeQ: Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires [software]. 2009. Disponível em: http://www.iramuteq.org. Acesso em: 15 ago. 2020. [ Links ]

REMILLARD, J. T. Examining Key Concepts in Research on teachers'use of Mathematics Curricula. Review of Educational Research, Washington, v. 75, n. 2, p. 211-246, 2005. https://doi.org/10.3102/00346543075002211Links ]

REMILLARD, J.; KIM, O.-K. Knowledge of curriculum embedded mathematics: exploring a critical domain of teaching. Educational Studies in Mathematics, v. 96, p. 65-81, 2017. https://doi.org/10.1007/s10649-017-9757-4Links ]

SACRISTÁN, J. G. Docencia y cultura escolar: reformas y modelo educativo. Buenos Aires: Lugar Editorial, 1997. [ Links ]

SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational Researcher, Washington, v. 15, n. 2. p. 4-14, 1986. https://doi.org/10.3102/0013189X015002004Links ]

SHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard Educational Review, Cambridge, v. 57, n. 1, p. 1-23, 1987. https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411Links ]

SMITH, M. S.; STEIN, M. K. Selecting and creating mathematical tasks: from research to practice. Mathematics Teaching in the Middle School, v. 3, n. 5, p. 344-350, feb. 1998. [ Links ]

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Tradução de Francisco Pereira de Lima. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. [ Links ]

Recebido: 17 de Janeiro de 2022; Aceito: 05 de Setembro de 2022

Marilene caitano reis almeida soares é doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora da Secretaria Municipal de Educação de Rubim (MG). E-mail:marilenecras1@gmail.com

Gilberto januario é doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). E-mail:gilberto.januario@unimontes.br

Francely aparecida dos santos é doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Professora da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). E-mail: francely.santos@unimontes.br

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Creative Commons License Este es un artículo publicado en acceso abierto bajo una licencia Creative Commons