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Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.28  Rio de Janeiro  2023  Epub Sep 06, 2023

https://doi.org/10.1590/s1413-24782023280090 

Artigos

Professor, eu sei que vou para o inferno! O mal-estar diante da tensão entre a moralidade dominante e a marginal em duas escolas da periferia paulistana

PROFESOR, ¡SÉ QUE VOY A IR AL INFIERNO! EL MALESTAR POR LA TENSIÓN ENTRE LA MORAL DOMINANTE Y LA MARGINAL EN DOS ESCUELAS DE LA PERIFERIA DE SÃO PAULO

Lidiane Fatima GrützmannI 
http://orcid.org/0000-0003-1775-1778

IColégio Nossa Senhora Medianeira, Curitiba, PR, Brasil.


RESUMO

Este artigo tem como objeto o relatório final do projeto O ancestral e o contemporâneo nas escolas: reconhecimento e afirmação de histórias e culturas afro-brasileiras, que foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa Multiculturalismo e Educação (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em duas escolas municipais da periferia paulistana, nos anos de 2016 e 2017. A estratégia de docência compartilhada levou os professores locais e os estudantes a desfrutarem de experiências estéticas e artísticas enraizadas na ancestralidade africana e em seus desdobramentos na cultura das periferias paulistanas: o hip-hop, o funk, a capoeira, o rap, o grafite, entre outras. Os relatos demonstraram que esses elementos, embora interseccionados em meio ao campo de interesse dos adolescentes e jovens, encontram-se ausentes das salas de aula por serem motivadores de um mal-estar, potencializado pela tensão entre uma moralidade dominante e uma marginal que irrompe das expressões artísticas trabalhadas, essencialmente críticas e disruptivas.

PALAVRAS-CHAVE mal-estar; tensão; moralidade; ancestralidade africana; escola

RESUMEN

Este artículo trata del informe final del proyecto El ancestro y lo contemporáneo en la escuela: reconocimiento y afirmación de las historias y culturas afrobrasileñas (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) que fue desarrollado por el grupo de investigación Multiculturalismo y Educación en dos escuelas municipales de la periferia de São Paulo en 2016 y 2017. La estrategia de enseñanza compartida llevó a profesores y alumnos locales a disfrutar de experiencias estéticas y artísticas enraizadas en la ascendencia africana y sus desdoblamientos en la cultura de las periferias de São Paulo: hip-hop, funk, capoeira, rap, grafiti, entre otros. Los informes presentes en el material analizado mostraron que estos elementos, aunque se cruzan en medio del campo de interés de los adolescentes y jóvenes, están ausentes de las aulas porque son motivadores de un malestar, causado por la tensión entre una moral dominante y una moral marginal que irrumpe desde las expresiones artísticas trabajadas, esencialmente críticas y disruptivas.

PALABRAS-CLAVE malestar; tensión; moralidad; ascendencia africana; escuela

ABSTRACT

This paper has as object the final report of the project The ancestor and the contemporary in schools: recognition and affirmation of Afro-Brazilian histories and cultures that was developed by the research group Multiculturalism and Education (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) in two different public schools on the outskirts of São Paulo between the years 2016 and 2017. The shared teaching strategy led local teachers and students to enjoy esthetics and artistic experiences that were deep rooted in the African ancestry and its outcomes in the culture of São Paulo outskirts: the hip-hop, the funk, the capoeira, the rap, the grafitti, among others. The reports showed that these elements, although intersected in the midst of the field of interest of teenagers and young people, are absent of the classrooms because they are motivators of a discontentment caused by the tension between a dominant morality and a marginal one that bursts from the worked artistic expressions, essentially critical and disruptive.

KEYWORDS discontentment; tension; morality; African ancestry; school

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objeto o relatório final do projeto “O ancestral e o contemporâneo nas escolas: reconhecimento e afirmação de histórias e culturas afro-brasileiras”, que se encontra inscrito na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) sob o processo de número 2015/50120-8. O projeto é coordenado pela professora doutora Mônica Guimarães Teixeira do Amaral, pesquisadora sênior da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), e desenvolvido pelo grupo de estudos Multiculturalismo e Educação (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq),1 que tem produzido sistematicamente, há mais de 15 anos, estratégias didáticas e intervenções com estudantes e docentes de escolas públicas e periféricas da cidade de São Paulo, no sentido de colaborar para a implementação da Lei n.º 10.639/2003 (Brasil, 2003),2 que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira. As intervenções ocorrem sob a forma de docência compartilhada e agenciam elementos antropológicos, artísticos, filosóficos e culturais, remontando perspectivas outras de coletividade, solidariedade social, sociedade e mundo, tendo como referência a ancestralidade africana que dialoga, ao mesmo tempo, com a contemporaneidade afro-brasileira híbrida e multicultural presente nas periferias brasileiras. São exemplos dessas culturas o hip-hop, o hip-hop nagô, o funk, a capoeira, o maculelê, o rap, o break, o grafite, o teatro negro, entre outras expressões estéticas e de resistência. Muitos desses elementos encontram-se interseccionados em meio ao campo de interesse dos adolescentes e jovens, mas são pouco ou nada explorados como recursos pedagógicos. Oficialmente, estão fora dos currículos e dos portões escolares, porém estão presentes clandestinamente, nos fones de ouvido e nas reuniões festivas dos estudantes após o sinal.

O relatório que analisamos aqui refere-se ao conjunto das pesquisas realizadas nos anos de 2016 e 2017 nas escolas municipais situadas em diferentes regiões da periferia de São Paulo, sendo uma delas a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Roberto Mange, situada na Zona Oeste, e a outra a EMEF Saturnino Pereira, situada na Zona Leste. O material analisado conta com 759 páginas assim organizadas: na introdução, lê-se a composição de toda a equipe de pesquisa envolvida nos dois anos e nas duas escolas, bem como os objetivos do trabalho que se coadunam com os da implementação da Lei n.º 10.639/2003 (Brasil, 2003). A partir da página 21, inicia-se um capítulo intitulado “A desestabilização das identidades subjetivas e culturais”, que reúne as principais discussões teóricas que fundamentam a produção dos planejamentos das docências compartilhadas. Na sequência, encontramos um capítulo com descrições detalhadas das estratégias de formação dos professores preparatórias para o início da docência. A formação contou com vários encontros realizados entre professores e pesquisadores, uma aula de campo no Quilombo de Ivaporunduva, localizado no Vale do Ribeira, além de vários seminários ministrados por diferentes pesquisadores do grupo. Como exemplo, destacamos um seminário sobre a adolescência3 que foi oferecido aos professores e pesquisadores, em um encontro na USP, pela coordenadora do projeto, professora doutora Mônica do Amaral. O terceiro capítulo apresenta o relatório dos grupos operativos realizados com os professores, coordenados pelas psicólogas Samanta S. da Fonseca (que coordenou seis encontros) e Ohara de Souza Coca (que coordenou 14 encontros). A partir do capítulo 4, lemos uma sequência de 22 relatos de docências compartilhadas produzidos pelos pesquisadores envolvidos com a seguinte estrutura em comum: nomes dos pesquisadores participantes e dos docentes das turmas, objetivos da aula, descrição das interações realizadas, materiais utilizados (textos, poemas, letras de músicas utilizadas), registros fotográficos dessas interações e de algumas atividades realizadas pelos estudantes. Ao fim de cada relato, os pesquisadores registraram as reações mais relevantes dos estudantes, destacando o modo como foram afetados pelos conteúdos preparados. De um modo geral, os projetos de docência compartilhada versam sobre conteúdos que remontam à ancestralidade africana que desponta nas expressões artísticas e culturais da juventude periférica, dos quais destacamos: A capoeira e a história do negro no Brasil: arte, cultura, educação e cidadania; Griot digital: ressignificando a ancestralidade na educação; A potencialidade do rap como estratégia didática em escolas públicas de São Paulo; A capoeira e a história do negro no Brasil: arte, cultura, educação e cidadania; O teatro negro; entre outros. Todas as docências foram filmadas e editadas por bolsistas técnicos. Os registros de vídeo contribuíram muito para a análise que fizemos de todo o projeto. Nas considerações finais, fez-se um pedido à FAPESP para extensão do tempo de vigência das bolsas, do contrário, não seria possível dar continuidade ao projeto.

Normalmente, a escola pouco pode oferecer aos adolescentes e jovens que vivem nas periferias brasileiras. A discriminação e a falta de perspectiva fazem com que muitos se sintam seduzidos ou até condenados pelo narcotráfico. Porém, a partir da constância e da aproximação dos pesquisadores, os estudantes compreenderam que teriam suas preferências estéticas não só compreendidas, mas que elas seriam o pressuposto para um aprendizado transformador e emancipador. O contato com os saberes ancestrais ressignificados pela arte periférica proporcionou aos estudantes uma nova percepção sobre o valor e a potência de suas existências, o que está em plena consonância com as análises de Axel Honneth (2003) de que um possível avanço moral da sociedade só pode se dar mediante o reconhecimento das populações historicamente prejudicadas. No entanto, mesmo diante da força e positividade das estratégias propostas, da afirmação da ancestralidade e do reconhecimento do valor cultural presente nas comunidades periféricas, alguns trechos do relatório evidenciam que muitos docentes e alguns estudantes apresentaram dificuldades em aderir ao projeto:

Nossas pesquisas com a juventude negra, moradora do que se convencionou chamar de regiões periféricas de grandes cidades como São Paulo, têm justamente encontrado sentido para suas vidas e se recriado por meio de estéticas juvenis, como a do hip-hop e do funk, em que seus corpos e mentes têm sido ressignificados por meio da dança e dos ritmos que fazem eco justamente à diáspora negra do Atlântico […]. Um ponto de vista muito difícil de ser reconhecido por alguns professores, mesmo após um trabalho de mais de dois anos realizado particularmente na EMEF Saturnino Pereira. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 23)

O objetivo do presente trabalho é promover uma leitura crítica do relatório na perspectiva da análise do discurso (Foucault, 2007). A escolha dessa metodologia se justifica pela possibilidade de vincular o discurso, o sujeito, a história, a língua, a ideologia, entre outros elementos, em busca de compreender a natureza das tensões sentidas pelo corpo docente e discente dessas escolas no contexto da aplicação de realização do projeto. O resultado da análise dos discursos docentes e discentes descritos pelos pesquisadores revelou que essas tensões são expressões de um mal-estar, conceito este que se situa no horizonte interpretativo freudiano e que apresenta os seguintes vetores: a demonização dos saberes africanos derivada de interpretações de certas vertentes evangélicas neopentecostais das quais muitos docentes e estudantes fazem parte; as inibições diante do apelo sexual das letras das músicas e coreografias particularmente do funk vistas como imorais, pecaminosas e vexatórias; e a crença em uma educação marcada pela resignação e obediência, tendo em vista a percepção de que jovens conformados e dóceis não precisam ter medo da polícia e de que, além disso, conquistariam um bom lugar no mercado de trabalho. Esses achados são analisados à luz de Nietzsche (2003a; 2003b), Foucault (2007), Fanon (2008), Freud (2010a; 2010b), Munanga (2015), Amaral (2016) e Bourcier (2017).

Entendemos que, quando as escolas abrem suas portas para os saberes ancestrais, elas se transformam em um complexo campo de tensões entre uma moralidade dominante e uma marginal. Essa tensão incide sobre as expressões artísticas que, ao ocuparem um lugar em sala de aula, apresentam-se como potencialmente críticas e essencialmente disruptivas. Por isso, vemos, com muita preocupação, a ausência de uma formação que prepare os docentes para urdir corajosamente teoria, corpo e ancestralidade em suas práticas pedagógicas cotidianas.

AS POTÊNCIAS DA MORALIDADE MARGINAL NA ESCOLA

Não poderia haver erro maior e mais fatal do que os felizes, os bem logrados, os poderosos de corpo e alma começarem a duvidar assim do seu direito à felicidade.” (Nietzsche, 1998, p. 114)

O antropólogo e professor congolês Kabengele Munanga (2015), em seu artigo “Por que ensinar a história da África e do grupo negro no Brasil de hoje?”, revela que a história ensinada nos bancos escolares não contempla a diversidade étnica e cultural que expressa a realidade e as raízes indígenas e africanas do povo brasileiro. Essa orientação criou, segundo ele, um “monoculturalismo eurocêntrico”, por nós chamada de moralidade dominante, afiançado por uma falsa noção de sincretismo cultural. Daí a importância das leis e da defesa de uma educação de resistência, que venha das margens com força e potência para subverter as estruturas dominantes.

O rap e o hip-hop se espalharam pelo mundo, particularmente entre os jovens pobres das grandes cidades. Esses estilos musicais, combinados com outras expressões políticas e culturais marginalizadas, como o funk, por exemplo, permitiram elaborar novos significados para as existências e os corpos dos jovens periféricos, sua identidade, cultura e territorialidade para além daquela oficializada e transmitida pela moralidade dominante simbolizada pelo sistema colonial. Por isso, podem ser entendidas como parte fundamental de uma educação de resistência a que se refere Munanga (2015). A professora Mônica do Amaral (2016, p. 27), em sua obra O que o rap diz e a escola contradiz, explica que “[…] a irreverência e a criticidade de alguns rappers e o gingar alegre do corpo erótico proposto pelo funk sugerem um novo cenário para as metrópoles do país, em que a pluralidade da arte juvenil surge como forma de enfrentamento das marcas deixadas por fraturas sociais.”.

Quando essas expressões encontram a sala de aula, por conta de sua força, irreverência e positividade, os estudantes mostram-se curiosos, envolvidos e entusiasmados. Eles buscam naturalmente o conhecimento sobre a cultura do funk, do pagode, do hip-hop. Acessam rapidamente esses conteúdos, decoram as letras e coreografias, baixam dados e compartilham esses saberes em um ritmo totalmente oposto à maneira como a cultura escolar trata o conhecimento, desenraizada, carregada de discurso, ordem e finalidade. Alguns relatos dos pesquisadores comprovam o envolvimento:

A profa M. nos falou de sua experiência com os alunos que tem sido muito interessante como eles acabaram se envolvendo, criando letras de música, se apresentando aos demais alunos, enfim, dando início a uma forma de letramento jamais vista por ela. O encontro terminou com a apresentação de uma orquestra de berimbaus e atabaques dirigida pelos mestres de capoeira e alunos, que nos fizeram entrar na roda e jogar com eles. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 333)

Os alunos se envolveram no diálogo. Uma aluna de outra sala, negra, fez várias reflexões a respeito do que viu. Disse que estava mais consciente. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 382)

Foi uma aula muito prazerosa na qual os alunos se envolveram do começo ao fim. Somente uma aluna não quis falar. Não foi preciso chamar a atenção dos alunos, e todos contribuíram com a discussão. A Tália, que era uma aluna bem resistente no ano passado e agora está nesta turma, foi muito participativa. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 638)

Pelas letras das canções, os estudantes entendem o lugar que ocupam, podem fazer críticas à autoridade policial, expressam e problematizam suas religiões e o governo, desbravam a sexualidade e descobrem valores afirmativos de uma potência de vida subsumida pela colonialidade4 que insiste em ser representado pelas formas mais retrógradas de ser escola.

Iniciamos a dinâmica rítmica com uma cantiga de crianças da Tanzânia, passei a canção para as crianças que começaram a ler as palavras e perguntar sobre o que eram, ao mesmo temo que liam, riam e descobriam, aos poucos, que a tradução estava logo abaixo. Conversei com eles sobre a letra cantada por crianças da Tanzania [sic]., um país do continente africano, alguns resistiram a dançar, mas depois brincaram, sempre tem uns mais engraçados que querem criar sua própria coreografia. P., entretanto, roubou a cena, além de dançar no grupo, dançava sozinho e se soltava sem nenhum preconceito, tendo uma bela participação com a canção africana. […] Mais um dia de nossas vidas que marcamos no tempo e no espaço a alegria de ensinar e aprender. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 435)

Os estilos musicais periféricos, em particular, o rap e o funk, remontam a uma ancestralidade marcada pela força, luta e resistência e colaboram para derrubar ídolos, isto é, ressignificam as ideias de autoridade e tradição na sociedade contemporânea, noções profundamente criticadas pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (2001), particularmente na obra O Crepúsculo dos Ídolos: “[…] creem-se os homens novamente em perigo de escravidão enquanto se ouve a palavra autoridade.” (Nietzsche, 2001, p. 83). Contudo, é na obra Genealogia da Moral (Nietzsche, 1998) que as noções de força, moral dos fortes e vontade de potência aparecem como subsídios para a descrição dos saberes ou das moralidades marginais. O autor defende que a moral geradora dos fortes visa à conservação da vida em seu caráter de luta permanente e afirma os seus instintos mais fundamentais. É uma moral positiva que se configura sob o signo da plenitude, do acréscimo, da capacidade de criação, da afirmação da potência dos seres humanos que por ela se guiam. Nietzsche acredita que a cada humano foi outorgada, pela própria natureza, uma aptidão, um dom, que pode ser descoberto, posto “para fora” por meio de um projeto formativo pedagógico: “O papel da educação é, então, libertar as forças interiores que a natureza colocou nos homens para a sua elevação e realização: as forças instintivas e plásticas que permitem a ele realizar suas obras, sobretudo, as mais elevadas.” (Melo Sobrinho, 2003, p. 34).

Em seu tempo — alguns teóricos consideram o pensamento de Nietzsche como a fronteira entre a modernidade e a pós-modernidade —, o filósofo alemão percebia a semente de uma educação perniciosa ao desenvolvimento dos indivíduos que ele chamaria de fortes. O autor via que a crença na razão ocidental era cega, cruel e alienante. O oposto da moral dos fortes seria a moral dos fracos ou dos escravos. Nessa condição, o sujeito fraco se acomoda com a posição de dominado, mantém-se humilde, recolhe e se envergonha de suas idiossincrasias e potências e não questiona o lugar social que lhe foi designado pelos dominantes. Assim, o sucesso de uma educação não está no seu caráter técnico ou pragmático, mas em seu potencial emancipador (Nietzsche, 2003a). Contudo, tal educação emancipadora, reveladora de fortes, dependeria principalmente da grandeza moral e do caráter do professor. No relatório final do projeto, encontramos a seguinte descrição de um pesquisador sobre uma fala da professora R.:

Iniciamos a Docência de hoje tendo uma rodada de conversa e reflexão. Pontuamos sobre a importância do estudo de história para construção do imaginário, para tanto, retomamos o exemplo da letra de “Antigamente quilombo, antes periferia”, do grupo Z’África Brasil. O tema levou a professora Rosana, que é negra, a compartilhar com a classe algumas de suas experiências, especialmente após a percepção de que na aula anterior o aluno E., que é negro, ficava incomodado com algumas discussões levantadas. “Muitas pessoas se sentem desconfortáveis quando se toca no assunto África, no assunto preconceito, no assunto racismo… E eu falo isso partindo dos próprios negros, das próprias pessoas que são descendentes e que também sofrem o preconceito, o racismo… elas se incomodam quando é abordado o assunto, então prefere: “não, não é comigo, não sou eu, deixa eu fazer de conta que não está sendo falado nada”, e eu tenho percebido isso muito e não é só em pessoas adultas não, crianças, adolescentes, até aqui mesmo eu vejo esse: “não, não é comigo isso não, não faz parte do meu universo então eu prefiro não discutir” e também não se dá o direito de conhecer, de ver que a África, que os nossos antepassados não eram só escravos, tinham muitas outras coisas bacanas, coisas bonitas e que não foram mostradas. Não conhecem e não estão se permitindo conhecer…. é um comodismo, até mesmo uma aceitação de continuar no quilombo atual, continuar na periferia e não mudar isso”. — Prof. R. (Português). (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 621-622)

Nietzsche (2003b) defendia que a primeira tarefa do professor seria a de colocar os alunos em guarda contra si mesmos, despertando neles importante força diante da visão das novas tendências, que deveriam, por sua vez, superar a mediocridade dos tempos atuais. No contexto da realização deste projeto, a mediocridade do tempo se expressa pelos preconceitos e pela demonização dos saberes ancestrais. As forças instintivas e positivas geram os saberes-do-corpo que surgem de forma caótica e desordenada, e é o próprio sujeito quem deve ter a tarefa de ordenar/interpretar esses impulsos. Não fosse o conservadorismo, a escola poderia ser constantemente um espaço de emergência desse conteúdo e liberação dos sujeitos para que entendam as experiências de descoberta de si e do mundo do conhecimento.

Sabemos que, na África sob domínio, o corpo era um poderoso instrumento estético, de luta e fé (transcendência). Na atualidade, para jovens periféricos, a estética ancestral resiste e o corpo continua sendo expressão de celebração, de comunicação, pensamento e crítica especialmente direcionada aos limites impostos pelo modo de produção capitalista. A potência dessa nova perspectiva pedagógica imbuída dessa moralidade marginal se choca com o academicismo tradicional colonialista e com os valores morais de muitos estudantes e docentes, causando aquilo que Freud (2010b) chamou de mal-estar da civilização.

O MAL-ESTAR

Vamos agora discorrer brevemente sobre o sentido e o significado de mal-estar, sentimento este que se fez notar nos discursos docentes e discentes relatados pelos pesquisadores diante do trabalho com os conteúdos afrocentrados e seus desdobramentos no espaço da escola. De um modo geral, a escola é o lugar em que crianças, jovens e adultos desenvolvem o processo de socialização e agenciam a transmissão e a assimilação tanto do conhecimento historicamente constituído pelas gerações anteriores, quanto do conjunto dos referenciais valorativos que a sociedade instituiu como fundamentais para sua própria manutenção e continuidade. Entretanto, essa transmissão está longe de ser um ato pacífico, uma vez que o ambiente escolar é cenário para um jogo de forças conscientes e inconscientes que buscam afirmação, que se cruzam e se opõem, experimentando, por exemplo, felicidade e sofrimento, instinto e civilização. Esse quadro tensional, ou o jogo de forças, é produtor daquilo que Freud chama de mal-estar.

O Mal-Estar na Civilização (Freud, 2010b) pode ser lido como uma reflexão ética, tendo em vista sua tendência a pensar sobre o sujeito que transita entre a busca do prazer e da felicidade e as barreiras restritivas a esse prazer que são impostas pela cultura. Freud considera que a educação não seria eficaz em preparar as pessoas para viver em sociedade, uma vez que oculta o papel que a sexualidade5 desempenhará nas vidas dos jovens. Ela não faz mais que substituir as pulsões reprimidas/inibidas por outras que seriam, segundo Freud, igualmente nocivas para os sujeitos, contribuindo apenas para a produção das neuroses e, nesse caso, pela produção das satisfações substitutivas que a escola insiste em proteger e vincular a uma tradição que precisa ser mantida.

A religião é um exemplo dessa satisfação substitutiva. Freud acredita que o fundamento da religião é uma defesa ilusória contra o mal-estar ou o desamparo infantil que não se desfaz até a vida adulta, além disso, comporta a ideia de um pai zeloso e protetor, que garantirá a segurança e a vida plena, nem que seja após a morte. O indivíduo apega-se de tal forma a essa ideia que acaba abrindo mão de si mesmo, de suas pulsões e potências e se sacrificando em nome dessa ilusão criada para negar o fato de que o sofrimento e a incompletude fazem parte de nossa constituição. Muitas vezes, acreditando no caráter redentor dessa verdade, o indivíduo a transforma em uma ideia absoluta não só para si, mas para todo o grupo e vê como ameaçadora toda força que se coloca em oposição.

Freud alerta que esse processo não ocorre sem deixar sequelas. Aponta a diminuição da agressividade necessária à autoproteção e da própria sexualidade entendida como libido ou vontade de vida como sequelas. Quando esses fatores se encontram no espaço da escola, tem-se a fórmula geradora da moral dos fracos descrita por Nietzsche (1998), de indivíduos dóceis, servis e neuróticos que não identificam nem se revoltam contra opressões. Na obra Mal-Estar na Cultura, Freud (2011) expande a discussão ao apontar as coerções estatais como meios de eliminação da agressividade entendida como pulsão de morte posta a favor da vida. É contra essa apatia, contra a formação de um rebanho de fracos que o próprio Freud defende, em 1927, na obra O Futuro de uma Ilusão, uma “educação para a realidade”, isto é, uma educação que oferece condições aos indivíduos para reconhecerem os sistemas baseados em ilusões e a natureza inalcançável do desejo, escapando assim da “miséria psicológica das massas” (Freud, 2010a).

PROFESSOR, EU SEI QUE VOU PARA O INFERNO! A RELIGIÃO COMO CAUSA DO MAL-ESTAR

Franz Fanon (2008), o pensador e psiquiatra da Martinica, na obra Pele negra, máscaras brancas, trabalha uma perspectiva fundamentalmente crítica sobre a forma como o negro é visto nas sociedades contemporâneas de tradição religiosa judaico-cristã. O autor usa (Fanon, 2008, p. 160) a noção de “sujeira moral” em referência à ideia eurocentrada de que o negro representa o pecado e o mal, oferecendo assim, riscos à manutenção do monoteísmo cristão:

É possível compreender esta proposição? Na Europa, o Mal é representado pelo negro. É preciso avançar lentamente, nós o sabemos, mas é difícil. O carrasco é o homem negro, Satã é negro, fala-se de trevas, quando se é sujo, se é negro — tanto faz que isso se refira à sujeira física ou à sujeira moral. Ficaríamos surpresos se nos déssemos ao trabalho de reunir um grande número de expressões que fazem do negro o pecado. Na Europa, o preto, seja concreta, seja simbolicamente, representa o lado ruim da personalidade. Enquanto não compreendermos esta proposição, estaremos condenados a falar em vão do “problema negro”. O negro, o obscuro, a sombra, as trevas, a noite, os labirintos da terra, as profundezas abissais, enegrecer a reputação de alguém; e, do outro lado: o olhar claro da inocência, a pomba branca da paz, a luz feérica, paradisíaca.

Após séculos de exploração e de associação do negro com um mal moral, essa percepção já se tornou estrutural, isto é, a depreciação do negro encontra-se tão profundamente arraigada que passa a dar forma às relações sociais contemporâneas. Na escola, essa estrutura se manifesta claramente pelo mal-estar de muitos estudantes negros evangélicos nos primeiros contatos com a cultura e a ancestralidade africana em sala de aula:

Fizemos, também, uma atividade de canto. Uma cantiga das crianças da Tanzânia. Simama Ka. Teve uma aluna que resistia a dançar por desconhecer a música. Embora tivesse a tradução da letra, ela viu macumba ali. O preconceito e a falta de informação é [sic] tão grande que só por ser de algum país africano é visto como macumba, coisa do diabo. Temos que ter muita coragem, paciência e força de vontade para explicar essas questões para os estudantes, há dois anos trabalhando no projeto muitos mudam de escola, outros chegam, e a repetição do preconceito é constante. Os que permaneceram na escola já estão mais descontraídos e não se referem mais a esses fatos desse modo, só os evangélicos que ficam mais calados. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 601, grifo nosso)

Por ser estrutural, muitos jovens negros periféricos não desenvolvem orgulho de sua cultura e até duvidam da grandeza de sua ancestralidade. Na escola, esses estudantes resistem às práticas pedagógicas que pretendem fazer o resgate dessa percepção. Já outros, mesmo tendo recebido a informação deturpada e colonizada que associa o negro à “sujeira moral” dita por Fanon (2008), se entregam à força da cultura e alcançam o que Nietzsche (1998) nomeou como transvaloração dos valores:

Neste ensaio, uma das alunas me chamou atenção, porque ela gosta muito de atabaque, mas a família é evangélica, então ela tocava o atabaque e sussurrava para mim: Professor, eu sei que vou para o inferno, professor, eu sei que vou para o inferno, mas não interrompia o toque, nem abandonava o ensaio. Acredito que ela, por ser afrodescendente, sente um forte chamado da sua ancestralidade, pois se identifica com o atabaque e as cantigas, não só da Puxada de Rede, como também as da Capoeira, porém sofre o dilema da pressão, então feita pela família evangélica, que talvez tenha orientações discriminatórias com relação às atividades das Culturas Africanas e Afro-brasileiras. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 363, grifo nosso)

Para alguns docentes, trabalhar a dimensão do corpo no espaço da escola é muito desafiador. Na tradição judaico-cristã, o corpo carrega a dimensão do sagrado e do intocável, o que torna pecaminosa toda ação que cultiva os seus múltiplos sentidos e potências. A escola confirma essa visão do proibido quando trata o corpo como tabu e censura determinados temas de altíssimo interesse e curiosidade do adolescente. Enquanto o referencial valorativo de grande parte dos docentes é o de reproduzir e conservar, os estudantes experimentam o enfrentamento e a superação dos valores da tradição por meio da descoberta das potencialidades do corpo por meio da arte periférica.

Como foi observado pelas pesquisadoras, há músicas apreciadas pelos jovens que não são consideradas apropriadas para a sala de aula por alguns professores, por tratarem de temas “vexatórios”. Estes temas, porém, são de grande interesse na adolescência, fase em que se encontram os alunos do 8º A. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 393)

No trecho a seguir, uma demonstração de como os estudantes percebem o mal-estar docente e as limitações da escola e ocultam ou protegem certas manifestações artísticas periféricas por entenderem que certas demandas da vida não são desejáveis no contexto escolar:

Ao final da aula, a coordenadora, a professora e a pesquisadora propuseram aos alunos um improviso. P. levantou-se, desafiando W. para uma roda de improviso. H. sugeriu cantarem um funk. Tratava-se de um funk do MC Livinho, Oliver Decesary Santos, cantor brasileiro de uma nova vertente do funk, chamado funk ousadia. […] A temática do MC Livinho gira em torno de relações amorosas na fase da adolescência, seus conflitos, desencontros, dúvidas e descobertas. T. estava ao lado de P. e percebeu uma estratégia utilizada pelos alunos na escola. P. começou a música, batendo palmas e cantando sozinho, cercado pelos colegas, que dançam animadamente. Não é o caso aqui interpretar o conteúdo da letra, mas evidenciar que, num determinado trecho, todos batem palmas muito forte para encobrir o canto e dificultar a compreensão das palavras. O importante foi constatar a forma utilizada pelos alunos na roda de funk que ali se formou. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 393- 394, grifo nosso)

O olhar colonizado e o posicionamento moral/religioso de alguns professores diante de ações consideradas rebeldes confirmam o fato de que a origem do desconforto está no atrito entre posicionamentos morais tão diferentes: a moral dominante, colonizadora e a força disruptiva que se impõe pela moralidade marginal sob a forma de arte periférica. Durante uma atividade realizada pelas psicólogas que conduziam o grupo operativo, os docentes deveriam escolher um objeto que portavam/vestiam e descrevê-lo em sua simbologia:

AN continuou falando sobre sua escolha que foi um terço, o qual representa a fé, a família, os ensinamentos e valores aos quais sempre teve acesso. Questionada sobre o que era mais fácil de pensar sobre sua escolha, respondeu que era acreditar, e o mais difícil era a fé. Acrescentou que ficou com medo de falar sobre sua escolha no grupo, devido à longa discussão sobre a escola ser laica. No entanto, sua dupla MC a incentivou a falar o que pensava independente de qualquer coisa. AN frisou o quanto isso foi importante para ela se encorajar e se abrir com o grupo. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 210)

Além da religião e dos valores morais estremecidos pelas moralidades marginais, os relatos a seguir trazem um novo elemento para nossa análise, que é o comportamento e a “indisciplina” dos estudantes que desafiam a autoridade do professor. Por mais que exista uma força que deseja dominar, aquietar os corpos tornando-os dóceis, a arte periférica irrompe de todos os lados, se infiltra onde não se espera, restituindo aos corpos sua potência natural, pulsão, libido e liberdade, subvertendo a lógica disciplinar.

[…] a pesquisadora T. trouxe os instrumentos para que os alunos pudessem ensaiar. O grupo dos jovens que participariam foi dividido entre os que iriam tocar, dançar, cantar, não sendo estas atribuições fixas, com aberturas para revezamentos. Combinamos também que as pesquisadoras iriam dar suporte, mas não estariam em cena, porque quem teria que protagonizar eram os alunos, uma vez que já haviam desenvolvido autonomia para a atuação. Com o som dos instrumentos tocados pelos jovens, o ambiente foi se transformando em um espaço de expressão. Os alunos que iriam dançar pediram algumas bases (de rap/funk) de movimentos a C. [pesquisadora]. Eles realmente se envolveram. Mas ainda que estivessem todos tentando dar o melhor de si, o mal-estar no grupo era nítido. Alguns alunos estavam bravos e a professora R., chateada com eles. Esse tipo de situação, este mal-estar entre alunos e professores é que deve ser observado e levado em conta ao criar estratégias, para solucionar a falta de comunicação e conclusões precipitadas, sobre a real motivação dos jovens ao apresentarem comportamentos considerados “inadequados” nas escolas. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 396, grifos nossos)

Outras situações relatadas pelos pesquisadores denotam mal-estar diante de comportamentos lidos como indisciplinados e rebeldes dos adolescentes.

J. disse que foram criados em um regime autoritarista, então pensam porque devem mudar, agora que são professores. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 318)

J. acreditava que, por vezes, os professores não sabiam usar a autoridade e o limite para atuar como professor, já que existiam situações em que os jovens não colaboravam a contento. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 197)

Os projetos desenhados para o trabalho nas duas escolas seguiam a lógica do protagonismo e da autonomia do estudante. Desse modo, o estudante poderia se apropriar das noções teóricas trabalhadas tendo assegurado o direito de recriá-las a seu modo. As coreografias, o teatro negro, a capoeira, entre outras estratégias desenvolvidas, não podiam ser realizadas em uma sala de aula com a turma enfileirada e em silêncio. Os saberes do corpo, que são trabalhados a partir da lógica da arte periférica, são dinâmicos, ruidosos e imprevisíveis. Ou seja, a entrada da arte periférica na escola acarreta outro tipo de mal-estar pelo choque que brota do impulso e da ação criadora e disruptiva, bem como diante das necessidades da ação obediente e conservadora que vamos analisar agora.

MAL-ESTAR: FORMATAR PARA SOBREVIVER

Em outro encontro do grupo operativo, os docentes foram instados a pensar sobre as principais dificuldades encontradas e as angústias próprias de sua condição laboral. Nesta parte da conversa, há uma reflexão sobre o sentido de formação e de formatação escolar:

Um dos professores ressalta que a escola é um aparelho ideológico de formatação dos estudantes: AR. frisou que “a escola é um espaço de discussão de concepções, de conflitos de interesses, do saber, da sociabilidade, de ‘formatação e de formação’ do aluno, para que, no nono ano, este saiba qual é o seu papel como cidadão” (sic). Rapidamente, J. ironizou o uso do termo “formatação”, por sugerir ser algo autoritário, que enquadra, ao invés de formar. Entendeu o termo usado pelo colega como algo negativo, mas afirmou que, às vezes, eles acabam por fazer as duas coisas. K. completou que entende “formatação” como sinônimo de disciplina, de metodologia de ensino, por exemplo, passos que um aluno precisa para passar em um concurso. AR. explicou que, para ele, a escola é um aparelho ideológico e que ‘formatação’ tinha sim um peso negativo. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 205)

Alinhado(a) com o discurso oficial de formação para a cidadania, o(a) professor(a) A.R. considera que, ao fim do ensino fundamental II, no 9º ano, o(a) estudante deverá saber qual é seu papel de cidadão(ã). Não temos mais elementos para entender o significado que o(a) docente atribuiu a esse conceito, mas, com base nesse encontro com os professores, é possível inferir que estaria atrelado ao cumprimento de um papel social específico, para o qual seria necessária uma formação/formatação escolarizada. A transcrição revela que não há concordância entre os docentes sobre a diferença entre formação e formatação. De um modo geral, os documentos oficiais revelam que os objetivos da educação para essa faixa etária são dois: o exercício da cidadania e a inserção no mercado de trabalho.6 Não vamos aqui problematizar o que significa “cidadania” no contexto de um país que nunca conseguiu se livrar dos efeitos infaustos do ímpeto explorador/colonizador, mas faremos algumas considerações no sentido de compreender o projeto de formação para o trabalho que a educação básica enfatiza tanto, o que contribui para a tecnificação dos corpos. Esse projeto neoliberal nem sempre é claro para os docentes das escolas públicas, como vemos em muitas das falas transcritas no corpo deste texto.

Outros professores participantes do projeto reconhecem que a disciplina para a obediência e “formatação” desses jovens nos moldes do mercado neoliberal não seria tão ruim, já que garantiria a eles uma possibilidade, ao menos uma esperança de ser aceito, de arranjar um emprego e alcançar, assim, a dignidade que lhes é negada na periferia: “MI. - Fund I, há seis anos na EMEF, […] acrescentou que já foi na casa de alguns alunos e muitos deles não possuíam condições básicas para viver dignamente e que era difícil ter que lidar com isso em sala de aula.” (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 198).

Sem uma alimentação adequada, sem um corpo limpo, aquecido e descansado, não se tem condições mínimas de escolarização. As escolas de educação básica fazem o que podem para acolher esses estudantes e educá-los, já que sabem que, se essa educação escolar falhar, haverá novas formas de vigilância e controle sobre os corpos periféricos muito mais violentas do que aquelas que podem se dar simbolicamente em sala de aula.

A Professora M. nos disse que três jovens do bairro haviam sido assassinados durante a madrugada por causa de uma disputa entre traficantes. Por isso, a comunidade havia obstruído o acesso da polícia, não permitindo a retirada dos corpos. A comunidade da Cidade Tiradentes sabe que a polícia, embora não tivesse participado diretamente das mortes, não é neutra e poderia aumentar o número de mortes. Na escola, todos estavam tomados por uma expectativa angustiante, pois, se a polícia entrasse, pais, mães, irmãos, irmãs e amigos correriam risco. Não havia clima para as aulas, que foram substituídas pela solidariedade entre alunos, professores, funcionários e pesquisadores. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 144)

Para este aluno, a periferia é marcada pela violência policial, pois como ele mesmo me disse: “na periferia eles só prendem negro, e muitas vezes é o branco que faz as coisas erradas e quem leva a culpa é o negro.”. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 722)

Contudo, para muitas vidas periféricas, nem mesmo a formatação — adequação dos estudantes ao projeto neoliberal — é garantia eficaz de sobrevivência. Ser negro e viver na periferia já se configura em um tipo de condenação. Os próprios docentes, sejam estes conscientes ou alienados, encontram-se subjetivados pelo sistema. Como nos explica Bourcier (2017, p. 108), “A subjetivação capitalista, a subjetivação neoliberal requer, acima de tudo, a morte do corpo como sujeito e a colocação do corpo em funcionamento.”.7 No caso específico da escola, os corpos em funcionamento vivem diariamente na fronteira entre a necessidade histórica de trabalhar com a construção e a libertação das consciências pela via do conhecimento e a instrumentalização de sua função para conter a insurgência de figuras dissidentes. Mais um paradoxo portador de mal-estar:

Os professores possuem diversas demandas, as quais denotam certo esgotamento de suas funções, uma vez, que os papéis se confundem, o limite institucional parece perdido e eles acabam acumulando suas angústias pessoais com as da prática da docência. (Análise da psicóloga — Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 201)

[…] frente às várias funções que a escola pública assumiu, os professores se veem forçados a lidar com exigências para além de suas formações básicas. Por vezes, os docentes se tornam, além de professores, agentes públicos, enfermeiros, psicólogos, dentre outras funções. Este acúmulo de funções gera nos docentes um sentimento de desvalorização, de perda da identidade profissional, deixando-os aturdidos, sem saber o que priorizar: o ato de ensinar ou lidar com as mazelas sociais cotidianas. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 219)

Após alguns minutos, ARN pontuou que são as ditas “classes perigosas”, ou seja, a população carente é tida como a população inclinada a ser da bandidagem. E, neste cenário, a escola entrou como um instrumento de controle que, por tantas demandas, acaba alienando o próprio professor, este se vê perdido. E a escola é o aparelho que terá que dar conta de todas as mazelas sociais, com isso, “os professores não se reconhecem mais”. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 216)

O pensador francês Sam Bourcier demonstra que a geração de uma vita laborativa, de um corpo burguês requer educação, disciplina e autodisciplina. É preciso abrir mão das pulsões geradoras de expressões autênticas em nome da sobrevivência. O autor faz referência ao pensamento de Silvia Federici8 para explicar que a apropriação dos corpos pelo Estado está fundamentada conceitualmente no século XVIII, no pensamento cartesiano. Para que surgisse o “corpo máquina” que será utilizado pelo capital como corpo “força de trabalho”, foi preciso destruir a ideia de um “corpo mágico”, o que contribuiu para que se desenvolvesse, ao mesmo tempo, um projeto formativo de corpos industriais. Fica claro, assim, porque as forças que emergem das estratégias afrocentradas, como o gingar da capoeira, as coreografias alegres do hip-hop e a energia do funk causam estranhamento no espaço da escola, já que ele foi pensado para preparar o corpo máquina. Bourcier (2017, p. 113) aponta ainda que, atualmente, “[…] a universidade é um desses espaços públicos em que o neoliberalismo exerce agora seu poder de predação.”.9 É nas universidades que se formam os docentes que, por sua vez, promoverão a educação de uma nova geração em conformidade com o regime.

SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE

Pedindo a todos que abram a cabeça e o coração para o que está além das fronteiras do aceitável, para pensar e repensar, para criar novas visões, celebro um ensino que permita as transgressões — um movimento contra as fronteiras e para além delas. É esse movimento que transforma a educação na prática da liberdade. (hooks, 2013, p. 23-24)

Bourcier (2018) denuncia que a estrutura disciplinar francesa rejeita, de muitas maneiras, a entrada dos saberes marginalizados. O que há são estudos de gênero que não fazem mais do que historiografia e estatística. Não há um saber com força e resistência que venha das margens. A ausência dos saberes marginais torna a escola um lugar de reprodução da epistemologia ocidental e referencial valorativo judaico-cristão, contribuindo para a manutenção do modo de produção capitalista. No Brasil, as dificuldades da formação docente da educação básica são percebidas e denunciadas por muitos professores abertos para entender e incluir os saberes marginais.

A.R. argumentou que o conteúdo sobre o ensino da cultura e da história da África ainda é incipiente, pois ainda prevalece uma ‘caricatura’ do continente, que ainda não foi superada em razão do que a mídia passa, alienando a opinião pública. Completou que os alunos são mais educados pela mídia do que pelos pais e até mesmo a própria escola. Passam muito tempo com a atenção voltada a outros assuntos que dispersam a todos. Ele mesmo contempla o estudo da África em suas aulas com ênfase no período colonial. J. completou que a formação dos professores também contribui de modo positivo e negativo. Há formações de docentes que não contemplam tal estudo, tão pouco, a sua disseminação em sala de aula. Todavia, se fosse algo discutido desde a formação superior dos docentes, certamente, haveria uma facilidade maior em lidar com tal tema junto aos alunos. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 203, grifo nosso)

Mesmo após a obrigatoriedade da lei, a precariedade da formação docente fez com que os saberes da ancestralidade africana continuassem aparecendo nas escolas como folclore ou mero apêndice de um aporte curricular estereotipado e caricaturizado, mantendo a grandeza do continente africano reduzido às mazelas da escravidão. Além disso, são raras as experiências formativas capazes de introduzir, na sala de aula, experiências afetivas, sensoriais e culturais, experiências capazes de promover reconhecimento e emancipação dos jovens negros periféricos.10 O movimento de implantação de núcleos de estudos africanos e afro-brasileiros nas universidades foi uma iniciativa que buscou suprir essas carências. O Parecer CNE/CP nº 03, de 10 de março de 2004 (Brasil, 2004), que institui diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, incentiva a existência desses núcleos.

Art. 4° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de ensino. (Brasil, 2004, n. p.)

Esses núcleos, ou Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), agem como polos de disseminação de uma formação política contra a discriminação e o racismo na educação, por meio da implementação de ações afirmativas e fomento de projetos de extensão e pesquisa. Trabalham também na disseminação de uma epistemologia decolonial e na valorização dos saberes tradicionais. Alguns relatos docentes presentes no relatório analisado demonstram que as propostas e as parcerias incitadas também por esses núcleos alcançam efetivamente as comunidades, ressignificam os olhares e transformam as práticas docentes, como se pode verificar no relato desta professora:

M.I. continuou relatando que nunca parou para pensar nas questões étnico raciais, e que hoje percebe a importância de se refletir a respeito. Samanta lhe perguntou quando que ela começou a desenvolver este olhar. M.I. respondeu que foi a partir da entrada do projeto da Universidade […], em parceria com a escola, por meio da Docência Compartilhada. Antes, ela não entendia que o negro não se percebia como sujeito na sociedade, hoje, porém, percebe a importância de se “pensar fora da caixa”. M.I., de certo modo, chegou a se criticar pelo fato de ter demorado tanto tempo para entender a questão do negro em nosso país. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 223)

Da mesma forma, o relatório apresenta evidências muito consistentes sobre o alcance da ação formativa sobre os estudantes. O trecho a seguir demonstra como uma visita ao Museu Afro, seguida de uma discussão promovida pelos monitores do museu com os pesquisadores e docentes locais, foi capaz de desestabilizar preconceitos estruturados na educação que muitas crianças recebem antes mesmo de chegar na escola:

A monitora [do Museu Afro] retomou sua fala e introduziu a conversa sobre as religiões pedindo aos adolescentes que tocassem instrumentos como o reco-reco e o agogô. Em seguida, ela informou aos alunos que a madeira na qual eram fabricados aqueles instrumentos se chamava macumba. Os alunos ficaram espantados e começaram a fazer várias perguntas. Então, paulatinamente ela foi tentando desconstruir as concepções dos alunos que afirmavam durante o diálogo: “Imagina, Deus é um só!” – “Essa religião é do diabo, pois faz mal para as pessoas, já o Espírito Santo não faz mal pra ninguém!” – “Esse negócio de oferecer comida não é de Deus, Ele não precisa disso”. Enfim, foi uma discussão muito proveitosa e que gerou um grande impacto nos alunos. Mesmo depois que saímos do museu, eles continuaram falando sobre isso, inconformados, e ao mesmo tempo, estarrecidos em ter que colocar em cheque [sic] suas próprias convicções. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 489, grifo nosso).

O mal-estar sentido pelos estudantes na saída do museu denota a instalação de um contraponto ao discurso estruturado pelo preconceito e pela intolerância. O trabalho de acolhimento desse mal-estar nas aulas seguintes foi fundamental para que todos tivessem condições de avaliar subjetiva, histórica e socialmente os sentidos e a relevância desse contraponto. No trecho a seguir, o resultado do trabalho formativo que já operou positivamente sobre a mudança de percepção dos estudantes:

[…] durante a visita ao Museu [Afro] ficou claro o peso das versões pentecostais e mesmo católicas que tendem a demonizar a religiosidade iorubá, aparecendo o receio em torno da figura do Exu, dos rituais do candomblé e até mesmo dos tambores, do agogô, associados à macumba. Já outros alunos que haviam participado das experiências de docência compartilhada em que se produziram instrumentos de matriz africana de modo artesanal trouxeram suas experiências, desmistificando essa visão distorcida da religiosidade africana. (Amaral, Reis e Vieira, 2018, p. 30, grifo nosso)

Como vimos, a escola poderá deixar de ser um espaço de reprodução quando toda a comunidade educativa — dos docentes da educação básica até os professores e pesquisadores universitários que trabalham e pesquisam a educação dos educadores — tomar consciência do significado dos padrões e das mentalidades que reproduzem e toda a violência que opera sobre os sujeitos que não aceitam o referencial valorativo colonial escolarizado como legítimo no contexto de suas existências periféricas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise que fizemos dos discursos docentes e discentes transcritos pelos pesquisadores do projeto O ancestral e o contemporâneo nas escolas: reconhecimento e afirmação de histórias e culturas afro-brasileiras possibilitou validar a ideia de que o desconforto desses agentes é, em tese, um mal-estar decorrente principalmente do atrito entre uma mentalidade ou moralidade dominante e uma moralidade marginal.

Por moralidade dominante, entende-se o conjunto dos referenciais valorativos eurocentrados que estruturam a sociedade brasileira e, consequentemente, os currículos escolares e as práticas pedagógicas oferecidas à juventude periférica. As manifestações mais claras dessa moralidade aparecem na escola sob a forma do evangelismo neopentecostal (praticado por muitos estudantes e docentes), inspirado na tradição monoteísta judaico-cristã, de onde decorrem os ideais ascéticos, isto é, a negação da vida em sua força e potência em prol da promessa de recompensa de outra vida, entendida como legítima e eterna. Resignação, obediência e docilidade também decorrem desse mesmo pressuposto.

Por moralidade marginal, entende-se o conjunto das práticas da cultura urbana periférica, como o rap, o hip-hop e o funk recriados a partir da ancestralidade africana notadamente presente na participação ativa dos corpos, no improviso, nas músicas e no gingar em roda, que raramente ocupam lugar nos currículos e nas práticas pedagógicas. Esse referencial valorativo entende que o corpo não é um “lugar” individual, mas participativo, isto é, ao portar as cores, as pinturas, os gestos e as posturas, porta a identidade coletiva. Além disso, os corpos marcam lugares sociais e realizam a comunicação entre o mundo visível e o invisível, material e espiritual.

Os olhares que ainda se encontram colonizados pela moralidade dominante enxergam o corpo como carne que rapidamente se deteriora ou se perverte. Exaltar sua potência, celebrar sua força e alegrar-se com sua energia são práticas vistas como vergonhosas e impuras e, por isso, foram historicamente anuladas, dominadas e relegadas às margens. Contudo, os saberes do corpo nunca foram anulados, a ancestralidade cruzou o Atlântico e resiste na arte urbana periférica. Os discursos analisados no relatório final evidenciaram a importância e a necessidade da formação docente para a efetiva desconstrução de imagens estereotipadas e intolerantes em relação às culturas afro-brasileiras e que seja capaz e tenha coragem de problematizar, questionar e subverter os valores da moralidade dominante que legitima e sustenta a marginalização da cultura negra e periférica. Foi possível reconhecer que o projeto foi um importante instrumento de reconhecimento e restituição dos vínculos com a ancestralidade, por meio do resgate da “autoconfiança, autorrespeito e autoestima” (Honneth, 2003, p. 266) da juventude negra periférica.

1Esse grupo foi ampliado e conta, atualmente, com a participação de pesquisadores do Rio de Janeiro (Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ — e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro — UFRRJ) e da Paraíba (Universidade Estadual da Paraíba — UEPB). Passou a ser denominado Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Afroperspectivas (CNPq/2022).

2“Art. 26 - A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira. - § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo de História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” (Brasil, 2003, n. p.).

3Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil América: encontros e desencontros (2012).

4 Gomes (2019), inspirando-se em Maldonado-Torres (2019), salienta que a colonialidade do poder se impõe sobre as estruturas subjetivas e que, no campo da educação, opera por meio dos currículos e das práticas pedagógicas distanciadas dos interesses dos estudantes, diríamos nós.

5De acordo com Antônio Quinet (1991), a noção de sexualidade em Freud não pode ser entendida como sinônimo de coito ou genitalidade, mas sim algo muito mais simples e, ao mesmo tempo, mais amplo. A sexualidade freudiana corretamente interpretada surge como toda e qualquer forma de busca de prazer e gratificação que implica necessariamente em linguagem. A linguagem é essencial para estruturar os universos de representação e regulação tanto do princípio do prazer quanto da própria realidade. Freud ressignifica a sexualidade e explica que a libido é a energia que preside os atos humanos e presentifica-se na relação entre o objeto e a palavra representada.

6A Lei de Diretrizes e Bases (Brasil, 1996, n. p., grifos nossos) da educação nacional garante, no artigo 1º, § 2º, que “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.” O artigo 2º garante, do mesmo modo, que a educação “[…] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”.

7Tradução livre do trecho: “Comme la subjectivation capitaliste, la subjectivation néolibérale requiert avant tout la mort du corps, la mort du corps en tant que corps sujet et la mise du corps au travail.” (Bourcier, 2017, p. 108).

8Silvia Federici é filósofa, professora e ativista feminista italiana radicada nos Estados Unidos. Sam Bourcier se refere às pesquisas dessa autora, particularmente ao Calibã e a Bruxa: Mulheres, corpos e acumulação primitiva (Federici, 2017) e Le capitalisme patriarcal (idem, 2019).

9Tradução livre do trecho: “[…] l'université fait partie de ces espaces publics dans lesquels le néo-liberalisme exerce désormais son pouvoir de prédation.” (Bourcier, 2017, p. 113).

10Sugerimos fortemente outra obra de Mônica do Amaral (2018), Culturas ancestrais e contemporâneas na escola: novas estratégias didáticas para implementação da Lei 10.639/2003, que apresenta um compilado de subsídios didáticos para os ensinos fundamental e médio.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

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Recebido: 27 de Fevereiro de 2022; Aceito: 21 de Setembro de 2022

Lidiane Fatima Grützmann é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Rede Jesuíta de Ensino e professora colaboradora do Departamento de Teorias e Fundamentos da Educação (DTFE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail:lidigrutzmann@gmail.com

Conflitos de interesse: A autora declara que não possui nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

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