SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28Black/quilombola identity: intergenerational dialogues on self-naming in a community in the Northeastern sertãoReflecting on the peripheries locus in the development of educational trajectories: observations from a narrative study with Brazilian and Portuguese youth author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.28  Rio de Janeiro  2023  Epub Nov 23, 2023

https://doi.org/10.1590/s1413-24782023280117 

Artigos

A implementação do Programa Mais Alfabetização segundo os atores de linha de frente1

THE IMPLEMENTATION OF THE MORE LITERACY PROGRAM ACCORDING TO THE PERCEPTION OF STREET LEVEL BUREAUCRATS

LA IMPLEMENTACIÓN DEL PROGRAMA MAIS ALFABETIZAÇÃO SEGÚN LOS ACTORES DE LÍNEA DE FRENTE

José Edmar de Queiroz

José Edmar de Queiroz é mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Consultor legislativo da área de educação no Senado Federal. E-mail: joedmar@gmail.com; edmarq@senado.leg.br

I 
http://orcid.org/0000-0002-1999-8734

ISenado Federal, Brasília, DF, Brasil.


RESUMO

Este trabalho discute a implementação de políticas públicas com base em um estudo de caso do Programa Mais Alfabetização, iniciativa do Ministério da Educação que visava a colocar um assistente de alfabetização em suporte ao alfabetizador. Baseado em entrevistas com professoras e gestoras de três escolas do Distrito Federal, o estudo explora a implementação segundo a percepção dos “burocratas de linha de frente”, servidores que atuam diretamente com os cidadãos beneficiários das políticas públicas. Dentre outras conclusões, a análise das entrevistas mostra que a implementação não é uniforme, mas que, mesmo em cada estabelecimento de ensino, há níveis de poder e discricionariedade que precisam ser levados em conta. Além disso, demonstra que os atores adaptam a política pública ao contexto. Identifica, ainda, diversos problemas no modelo do programa, demonstrando que a implementação não foi bem-sucedida..

PALAVRAS-CHAVE análise de implementação; alfabetização; Programa Mais Alfabetização; discricionariedade

ABSTRACT

This paper is to discuss the implementation of public policies based on a case study of the More Literacy Program, an initiative of the Ministry of Education that aimed to support public schools to place a literacy assistant in supporting the literacy teacher. Based on interviews with teachers and managers from three schools in the Federal District, the study explores implementation according to the perception of “street-level bureaucrats”, civil servants who work directly with citizens who benefit from public policies. Among other conclusions, the analysis of interviews shows that implementation is not uniform, but that, even within each educational establishment, there are levels of power and discretion that need to be considered. Besides, it highlights that the protagonists adapt public policy to the context. It also identifies several problems in the program model, demonstrating that the implementation was not successful.

KEYWORDS implementation analysis; literacy; More Literacy Program; discretion

RESUMEN

Este artículo discute la implementación de políticas públicas a partir de un estudio de caso del Programa Mais Alfabetização, una iniciativa del Ministerio de Educación con el objetivo de poner un auxiliar de alfabetización para apoyar al alfabetizador. Con base en entrevistas con docentes y administradores de tres escuelas del Distrito Federal, el estudio explora la implementación según la percepción de los “burócratas de primera línea”, empleados públicos que trabajan directamente con los ciudadanos que se benefician de las políticas públicas. Entre otras conclusiones, el análisis de entrevistas muestra que la implementación no es uniforme, sino que, incluso dentro de cada establecimiento educativo, existen niveles de poder y discrecionalidad que es necesario tener en cuenta. Además, muestra que los actores adaptan la política pública al contexto. También identifica varios problemas en el modelo del programa, lo que demuestra que la implementación no fue exitosa.

PALAVRAS CLAVE análisis de implementación; alfabetización; Programa Más Alfabetización; discrecionalidad

A partir dos anos 1990, as avaliações padronizadas (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica — SAEB) passaram a mostrar o baixo desempenho dos estudantes brasileiros na educação básica. Nos anos 2000, com a participação do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as comparações com os resultados dos estudantes de outros países passaram a ser o mote principal, com o uso dos resultados para responsabilizar gestores e educadores pelo desempenho dos estudantes (Araújo e Tenório, 2021) e pressionar pela melhoria do ensino (Oliveira e Araujo, 2005; Carnoy et al., 2015).

Na busca de explicações, as deficiências no processo de alfabetização foram apontadas como uma das causas desse quadro (Brasil, 2007). Esse cenário contribuiu para que o tema se tornasse uma espécie de diretriz prioritária (Oliveira e Couto, 2019) das políticas educacionais tanto em âmbito federal quanto nos sistemas subnacionais, levando ao surgimento de iniciativas voltadas para solucionar o problema da alfabetização insuficiente, geralmente por meio da formação continuada de professores e, posteriormente, da implementação de programas de alfabetização mediante cooperação federativa (Fernandes e Colvero, 2019).

O exemplo típico desse último modelo em âmbito subnacional é o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) do Estado do Ceará (Bonamino et al., 2019), que serviu de modelo, nacionalmente, para o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Este trabalho trata de outra importante iniciativa do governo federal: o Programa Mais Alfabetização (PMAlfa), implementado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2018 e 2019. Por meio de um estudo de caso (Yin, 2015) em três escolas do Distrito Federal (DF), entrevistamos professoras, supervisoras e diretores de escola, de forma a captar a percepção desses atores de linha de frente (Lipski, 2019) a respeito da implementação desse programa, cuja principal ação era a colocação de um assistente de alfabetização junto à alfabetizadora.

Nosso trabalho é um estudo de implementação, que busca entender como a política pública ganha forma na escola, com base na visão dos seus principais implementadores. Assim, trata-se de uma leitura bottom-up do processo de implementação, com foco nas estratégias e práticas levadas a efeito no interior das escolas.

POLÍTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL: READING WARS E PACOTES PRONTOS

A Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), instituída no âmbito do PNAIC, visava a aferir a proficiência dos estudantes em leitura, escrita e matemática, criando expectativas sobre o que deve ser a aprendizagem ideal (Alves e Marassi, 2019). Assim, na última edição da ANA, em 2016, os estudantes foram distribuídos em uma escala de proficiência com cinco níveis (elementar 1, elementar 2, elementar 3, adequado e desejável), na qual os três primeiros foram classificados como “insuficiente” e os dois últimos como “suficiente”. Os resultados em escrita não foram animadores, pois 33,9% apresentaram proficiência insuficiente. Na escala de leitura, que contava com quatro níveis (elementar, básico, adequado e desejável), 54,7% também foram classificados com proficiência “insuficiente”. Em matemática, também com quatro níveis (elementar 1, elementar 2, adequado e desejável), 54,4% dos alunos foram classificados com proficiência “insuficiente” (Brasil, 2018d). Esses resultados são citados nos “considerandos” da norma que instituiu o PMAlfa, a justificar a necessidade de implementação do programa. Cabe registrar que o DF apresentou proficiência média acima das médias regional e nacional nas três edições da ANA (ibidem).

A solução do problema de baixos resultados de proficiência nos primeiros anos do ensino fundamental, no entanto, não é simples. Isso por causa de uma série de fatores que vão da necessidade de coordenação federativa e das características das escolas, passando pela formação docente, pelo contexto socioeconômico (Alves e Marassi, 2019) e por discussões de cunho epistemológico e pedagógico que se corporificam nas disputas dos métodos de alfabetização (as chamadas reading wars) (Mortatti, 2006), notadamente entre defensores dos métodos construtivistas popularizados no Brasil por Emília Ferrero e Ana Teberosky (Soares, 2003; Machado, s.d.) e seus críticos, defensores de abordagens sintéticas.

No Brasil, a partir dos anos 1980, popularizou-se tanto a organização do tempo escolar em ciclos quanto o construtivismo, concepção que vê o processo de alfabetização como algo que ocorre progressivamente por meio da interação com o mundo da escrita (Soares, 2003). O construtivismo muda o foco do debate para o processo de aprendizagem (como se aprende), colocando a técnica (como alfabetizar) em um segundo plano e questionando a necessidade das tradicionais cartilhas (Mortatti, 2006).

Assim, Emília Ferrero e Ana Teberosky propunham uma visão ativa do processo de alfabetização, na qual a criança que chega à escola é vista não como uma tábula rasa, mas como sujeito que constrói hipóteses sobre o mundo e sobre a linguagem, sendo detentora de saberes prévios com relação à escrita (Machado, s.d.). Essa concepção, no entanto, segundo os críticos, levou ao menosprezo das técnicas e da necessidade de “codificar e decodificar” como meio para o domínio da escrita e da leitura. Como resultado, teríamos educadores com boa teoria da aprendizagem, mas sem método para implementá-la, tornando a alfabetização um processo aleatório e esparso (Soares, 2003).

Mais recentemente, a crítica aos métodos construtivistas tornou-se mais aguda, apontando sua utilização em larga escala, em grande medida, como responsável pela má qualidade da alfabetização das crianças no país. Segundo essa perspectiva, ao desprezar a importância da consciência fonêmica, esses métodos seriam menos eficazes que aqueles mais estruturados, como mostrariam as evidências empíricas (Brasil, 2007). O debate não é novo e não tem perspectiva de conclusão, em razão das dificuldades técnicas e políticas que decorreriam da imposição de um método específico (Sousa, 2019).

De todo modo, ao longo das últimas décadas, diferentes políticas, além de inovações legais, foram propostas para enfrentar o problema da alfabetização insatisfatória dos estudantes brasileiros, o que pode mostrar que, se o cenário ainda não é o ideal, isso não se dá por falta de inciativas.

Do ponto de vista das políticas governamentais, especialmente aquelas originadas no MEC, o período pós-Lei de Diretrizes e Bases (LDB) foi também bastante prolífico, com destaque para os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Guillen e Miguel, 2020). Nesse sentido, entre as ações mais importantes, destacam-se os Parâmetros em Ação (Menezes e Santos, 2001), o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA) (Brasil, 2001), o Pró-Letramento — Mobilização pela Qualidade na Educação (ibidem), o PNAIC (Brasil, 2012; Ramos e Bonamino, 2022) e, por fim, o PMAlfa, objeto deste trabalho.

Após a abrupta mudança de gestão em 2016, o novo governo descontinuou o PNAIC e propôs o PMAlfa como sua marca no tema da alfabetização. Nessa iniciativa, utilizava-se, do ponto de vista operacional, da lógica de programas anteriores que transferiam recursos diretamente para escolas, a exemplo do chamado Programa Mais Educação, voltado para ações de educação integral e de apoio pedagógico.

Dessa forma, uma coisa tem permanecido igual ao longo do tempo: a cada governo, um novo programa tende a ser formulado, “empacotado” em Brasília e “pactuado” com estados e municípios. É sobre isso que falaremos a seguir.

POLÍTICAS EDUCACIONAIS: DE BRASÍLIA ATÉ SUA ESCOLA

Desde os anos 1990, o governo federal passou a investir em programas que buscam transferir para as comunidades escolares a responsabilidade pela gestão de recursos financeiros (MEC→escola), inicialmente para pequenas reformas, manutenção predial e compras básicas e posteriormente para a implementação de programas específicos (ações agregadas). Essa descentralização e autonomia estavam alinhadas com reformas educacionais que aconteciam em todo o mundo. De modo geral, as iniciativas visavam a dar mais poder às escolas e às comunidades sobre a gestão e o processo educativo junto com medidas de accountability que exerceriam controle sobre o pessoal docente e levariam a melhorias nos resultados educacionais (The World Bank, 2007). Além disso, esperava-se que essas abordagens descentralizadoras contribuíssem para a eficiência e eficácia orçamentária, uma vez que os recursos seriam aplicados diretamente nas escolas, segundo suas próprias necessidades e não segundo a decisão do planejador central (Lobo, Lustosa e Paz, 2018).

No Brasil, esse movimento encontra terreno fértil diante do fato de as políticas públicas e, especialmente as políticas de educação, nos anos 1980, estarem focadas no incentivo à participação e à autonomia como antídotos ao tempo em que a sociedade civil ficou sufocada sob o regime militar.

Na área da educação, a descentralização foi além da esfera municipal, chegando até as escolas (ibidem), como estratégia do governo federal para induzir as políticas no âmbito local. A primeira iniciativa nesse sentido foi o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE), criado em 1995 (Peroni e Adrião, 2007) e mantido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com o objetivo de prestar assistência financeira para apoiar a manutenção e a melhoria da infraestrutura de escolas de ensino fundamental e de escolas de educação especial mantidas por entidades filantrópicas (Lobo, Lustosa e Paz, 2018).

Herdeiro dessa lógica, o PDDE destina recursos em caráter suplementar às escolas públicas com mais de 50 alunos.1 Como em geral essas instituições não são unidades orçamentárias, os recursos são repassados para as Unidades Executoras (UEx), entidades privadas sem fins lucrativos representativas das escolas beneficiárias, após a adesão do respectivo ente federativo ao programa em plataforma digital própria.

Com a expansão do programa surgiram as ações agregadas, que têm objetivos pedagógicos, pois se espera que sua implementação impacte os resultados educacionais. Isso exige maior capacidade estatal para associar o gasto dos recursos a esses objetivos, além de requerer assistência técnica por parte dos entes subnacionais e a criação de infraestrutura de informática para permitir a execução e o monitoramento (ibidem). Essas mudanças, somadas à escassez de canais de comunicação e troca de informações entre os atores participantes e aos desafios de gestão por parte das unidades executoras, resultaram em acúmulo de saldos nas contas bancárias das UEx (ibidem) em razão da baixa execução orçamentária dos recursos.

Também limitações de conhecimento técnico dificultaram a execução do PDDE, com repasse de recursos superior ao necessário em alguns casos e retenção de recursos em outros, muitas vezes porque os gestores não entenderam claramente como deviam empregar essas verbas (ibidem). Tais problemas demonstram as dificuldades de coordenação entre as diversas instâncias, que persistiram apesar de algumas medidas tomadas pelo FNDE (ibidem).

É nesse contexto que foi criado o Programa Mais Alfabetização (PMAlfa), uma das ações agregadas ao PDDE na conta Qualidade.

O PROGRAMA MAIS ALFABETIZAÇÃO: OUTRA BOA IDEIA VEIO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Instituído pela Portaria MEC n° 142, de 22 de fevereiro de 2018 (Brasil, 2018c; Anexo D), o PMAlfa integra a Política Nacional de Alfabetização (Brasil, 2019b). Os normativos do programa em âmbito federal incluem também a Resolução (CD/FNDE) n° 7, de 22 de março de 2018, e o Manual Operacional do Sistema de Orientação Pedagógica e Monitoramento (Brasil, 2018b). Merece destaque, ademais, como documento importante para a compreensão do programa, o Modelo Lógico do PMAlfa, da Assessoria Estratégica de Evidências do MEC (Brasil, 2018a).

A principal ação do PMAlfa é a garantia do assistente de alfabetização para assegurar apoio em sala de aula ao professor alfabetizador nos dois primeiros anos do ensino fundamental. O programa visa também a fortalecer a gestão das secretarias e das unidades escolares, à formação dos profissionais e à disponibilização de avaliações diagnósticas e formativas2 para acompanhar o processo de alfabetização, cujos resultados devem alimentar o sistema de monitoramento.

As principais finalidades do programa são a alfabetização (leitura, escrita e matemática) e a prevenção ao abandono, à reprovação, à distorção idade/ano, conforme o art. 2° da portaria, embora os normativos não falem de metas ou percentuais.

O apoio técnico do MEC dá-se por meio de cursos de formação, de monitoramento pedagógico, do oferecimento de sistema de gestão e do auxílio do assistente de alfabetização. O apoio financeiro, por sua vez, destina-se à aquisição de materiais de consumo, à contratação de serviços e ao ressarcimento de despesas com transporte e alimentação dos assistentes de alfabetização, com base na Lei do Voluntariado (Brasil, 1998).

A participação no programa exige a assinatura de termo de compromisso pelos gestores máximos das redes, além da adesão ao Sistema de Integrado de Monitoramento e Controle do MEC (SIMEC), com a indicação das escolas participantes. De acordo com os normativos, a decisão de aceitar o assistente de alfabetização é do professor alfabetizador (Brasil, 2018c).

Tanto o MEC quanto os entes subnacionais têm obrigações de apoio técnico e de articulação e operacionalização da política (Brasil, 2018c). Às escolas, por sua vez, compete a articulação das ações e sua integração ao Projeto Político-Pedagógico, além da promoção de ações formativas, de acompanhamento da evolução da aprendizagem (Brasil, 2018c, art. 8°).

O Manual Operacional (Brasil, 2018b) traz, ainda, as competências dos professores, dos gestores e dos assistentes de alfabetização. Neste último caso, destaca-se a responsabilidade de fazer acompanhamento pedagógico sob a supervisão do professor, apoiar o trabalho de sala de aula, participar do planejamento, fazer controle de frequência, elaborar relatório e outras tarefas (Brasil, 2018c). Os normativos preveem, ainda, avaliação de impacto do programa, especialmente nas unidades escolares vulneráveis, por meio de amostra.

Nas escolas vulneráveis, o assistente pode atender até cinco turmas e naquelas não consideradas vulneráveis3 até dez turmas, não podendo ultrapassar 40 horas semanais. Como ele recebe R$ 300 por turma, no caso das escolas vulneráveis, e R$ 150 no caso das não vulneráveis, pode vir a receber até R$ 1.500 (Distrito Federal, 2018; 2019).

Em linhas gerais, não encontramos uma fundamentação teórica consistente para justificar a iniciativa de colocar um assistente de alfabetização (bidocência) em sala de aula. O Modelo Lógico do PMAlfa cita levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que teria mostrado resultados positivos na aprendizagem com a utilização dessa sistemática (Brasil, 2018a).

A PESQUISA E A ANÁLISE DOS DADOS: A IDA À LINHA DE FRENTE

Tendo em vista o desenho e a implementação do PMAlfa, procuramos analisar aqui em que medida gestores e professores de escolas públicas do DF (“atores de linha de frente” ou “burocratas de linha de frente”) participaram efetivamente da implementação do PMAlfa e qual a visão deles sobre esse processo.

Para tanto, realizamos um estudo de caso, de forma a analisar a implementação do programa em três escolas públicas do DF: duas da cidade de Ceilândia (Coordenação Regional de Ensino — CRE Ceilândia) e uma de Brasília (CRE Plano Piloto). Além de entrevistas, o trabalho baseia-se na análise dos documentos do programa.

A definição das escolas foi feita com base em visitas prévias às regionais de ensino escolhidas para fazer as entrevistas e em contatos com professoras que atuam no âmbito regional em apoio às escolas. A opção por estudo de caso justifica-se principalmente porque a teoria utilizada — análise baseada na posição dos burocratas de linha de frente — está bastante consolidada e pode iluminar a leitura dos casos particulares, permitindo uma visão mais abrangente sobre a implementação do programa.

A questão principal é verificar como a política, elaborada pelo MEC, foi implementada no “chão da escola”, e como foram tomadas as decisões sobre sua implementação, do ponto de vista dos atores responsáveis por essa etapa do ciclo da política pública. Em outras palavras, analisar como o texto da política (elaborado em instância distante daquela que a executa) se relaciona ao contexto, a realidade concreta na qual ela vai tomar efeito (Lejano, 2012) e como essa conexão é percebida pelos principais implementadores.

Os dados foram analisados por meio da técnica da análise de conteúdo (Mendes e Miskkulin, 2017), com foco nos três eixos de interesse do trabalho: como se deu a implementação, a eficácia da implementação e a discricionariedade dos atores.

O corpus é composto das entrevistas, além da portaria instituidora do PMAlfa, das informações orçamentárias do programa e de dados sobre cada escola pesquisada. Assim, as respostas dos sujeitos são o ponto de partida para inferir respostas para cada problema de pesquisa. As categorias de análise já estavam definidas a priori, sem, porém, impedir que a exploração permitisse que novos temas viessem à tona. A análise empreendida é de cunho qualitativo, uma vez que se baseia na percepção dos atores envolvidos na implementação do programa, não buscando quantificar ocorrências nos discursos, mas procurando, por meio de processo indutivo, encontrar no material uma descrição do processo de implementação da política de acordo com os atores de linha de frente e, por meio da interpretação, com base nos pressupostos teóricos (Campos, 2004), traçar um quadro crítico sobre o tema analisado. Assim, os grandes temas a serem trabalhados no material relacionaram-se diretamente com os objetivos do trabalho, que constituíram três grandes categorias: a primeira é a que trata do “processo de implementação e o contexto da escola”; a segunda, da “eficácia da implementação segundo os atores”; e a terceira, da “discricionariedade dos atores” no processo de implementação. Dessas categorias, foram extraídas do material 21 subcategorias relacionadas às questões das entrevistas realizadas. E dessas subcategorias derivou a análise apresentada ao final deste artigo.

IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS: QUEM DESENHA E QUEM FAZ

Estudos de implementação são aqueles que buscam compreender o momento da materialização das políticas, com base na ideia de que elas seguem uma sequência (policy circle) que passa por fases como agenda, formulação, implementação, monitoramento e avaliação (Secchi, 2014; Lotta, 2019), embora a realidade nem sempre funcione segundo essa perspectiva compartimentada. Esse modelo é chamado de top-down, pois parte do desenho para entender o restante do ciclo da política até a sua fase de implementação. O problema é que, dessa forma, o desenho costuma ser retratado como um processo praticamente perfeito, atribuindo-se as dificuldades e eventuais problemas de determinada política exclusivamente à implementação (Lima e D'Ascenzi, 2014).

Na perspectiva bottom-up, por sua vez, destacam-se aqueles estudos que analisam o que acontece na ponta, geralmente tentando entender as circunstâncias que fazem a política se tornar realidade ou não, conforme as reações dos atores no campo às imposições que vêm de cima. Um dos recortes possíveis na análise de implementação é o do olhar sobre os burocratas de linha de frente (Lipski, 2019), de que falaremos mais à frente.

Atualmente, os temas diversificaram-se e muitas disciplinas passaram a ter influência nos estudos de implementação, como a sociologia, consolidando-se a ideia de que as fases desse ciclo não são estanques (Lotta, 2019). Nessa direção, Gomes (2019) propõe que é necessária a junção das perspectivas top-down e bottom-up, de forma que os diferentes tipos de implementação e seus contextos sejam relacionados à formulação que acontece em diferentes contextos institucionais. Hill (2009) também questiona a separação dos modelos, apontando para a existência de diferentes situações nas quais as regras iniciais são muito claras, facilitando uma abordagem top-down, e outras em que a implementação se confunde com o momento de elaboração da política, além de situações intermediárias entre esses extremos.

Nossa abordagem neste trabalho parte da compreensão do desenho da política, especialmente porque o PMAlfa assume feições top-down, porém buscamos compreender o processo de implementação a partir das escolas, onde essa fase do ciclo acontece. Para tanto, nossos interlocutores privilegiados são os atores de linha de frente, segundo a concepção de Lipski (2019) sobre o tema.

BUROCRATAS DE LINHA DE FRENTE: QUEM FAZ A POLÍTICA NA PONTA

Lipski (2019) faz uma delimitação do processo de implementação, focando no que ele chama de street level bureaucracy,4 ou servidores públicos que trabalham em interação direta com os cidadãos beneficiários das políticas públicas. Dado o alto grau de discricionariedade nas decisões que tomam “na ponta”, esses atores são considerados como policymakers, ou fazedores de políticas públicas (Cavalcanti, Lotta e Pires, 2018), com “[…] relativa autonomia em relação à autoridade organizacional” (Lima e D'Ascenzi, 2014, p. 55).

Na perspectiva de Lipski (2019), é central o conceito de discricionariedade, bem como a avaliação do contexto como fator importante para a implementação. A discricionariedade é a estratégia utilizada pelos agentes para solucionar os problemas que aparecem na interação concreta com os usuários dos serviços públicos (Lima e D'Ascenzi, 2014; Lipski, 2019; Lotta, 2019), seja deixando de fazer determinadas tarefas, seja escolhendo o que pretendem fazer, ou como vão fazer, ou, ainda, classificando o público-alvo da política e destinando diferentes tratamentos aos demandantes dos serviços. Isso ocorre não apenas por cálculo racional dos agentes, mas porque as condições na ponta geralmente não são fáceis e os recursos e meios de implementação são inadequados ou a política não é clara ou foi mal desenhada.

Ao tomar tantas decisões sobre a execução, os burocratas de linha de frente, efetivamente, são as pessoas que fazem a política, segundo Lipski (2019, p. 19): “Eu argumento que as decisões de burocratas de linha de frente, as rotinas que eles estabelecem e os artifícios que eles inventam para tratar com as incertezas e as pressões do trabalho efetivamente tornam-se as políticas públicas que eles executam”.

Munidos desse referencial teórico, partimos para as escolas com vistas a ouvir os atores de linha de frente sobre a implementação do PMAlfa.5

A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA MAIS ALFABETIZAÇÃO: CRÔNICA DE IDAS E VINDAS

De acordo com o MEC, 4.620 municípios, 49 mil escolas, 144 mil professores alfabetizadores, 66 mil assistentes de alfabetização e 3,2 milhões de estudantes participaram do programa em 2018, tendo sido repassado o total de R$ 183 milhões (Brasil, 2019a, p. 30).

A execução orçamentária do programa conta uma história ao mesmo tempo de sua dimensão e de sua brevidade. Pelas cifras que vemos no Quadro 1, o PMAlfa teve sua existência praticamente circunscrita a 2018.

Quadro 1 Execução orçamentária do Programa Mais Alfabetização – Brasil (2018 e 2019). 

Ano Dotação Inicial (R$) Autorizados (R$) Pagos (R$)
2018 184.167.145,00 184.167.145,00 183.649.473,00
2019 27.044.629,91 27.044.629,91 25.338.133,91
Total 211.211.774,91 211.211.774,91 208.987.606,91

Fonte: Elaboração do autor.

O valor de R$ 208,9 milhões para um programa que deveria atender todos os rincões do País não é tão significativo, mostrando que do ponto de vista orçamentário o PMAlfa não representa um desafio tão grande. Apesar disso, os recursos foram pagos, basicamente, no primeiro ano do programa. Em 2019, os R$ 25,3 milhões pagos representam apenas 12,1% do total e evidenciam a redução no ritmo de implementação. O mesmo cenário ocorreu no DF (Quadro 2).

Quadro 2 Execução orçamentária do Programa Mais Alfabetização – Distrito Federal (2018 e 2019). 

Ano Pagos (R$)
2018 988.143,00
2019 57.564,00
Total 1.045.707,00

Fonte: Elaboração do autor.

No caso do DF, o valor pago mostra-se baixo até mesmo em 2018, embora o programa tenha sido implementado em muitas escolas nesse ano. Em 2019, o valor corresponde a apenas 5,5% do total dos dois anos, mostrando que o programa estava praticamente parado. Além desses percentuais baixos de desembolso por parte do FNDE, deve-se considerar, ainda, que nem todos os recursos podem ter sido gastos pelas escolas. De fato, entre as escolas pesquisadas, duas afirmaram terem gastado apenas os recursos do pagamento do transporte e da alimentação dos auxiliares de alfabetização. A terceira afirmou ter gastado tudo.

No DF, o programa foi implementado a partir de 2018. Em 2019, foi novamente lançado processo seletivo simplificado de assistentes de alfabetização (Distrito Federal, 2019) pela Secretaria de Estado de Educação (SEDF) e as escolas participantes chegaram a realizar a seleção dos candidatos. No entanto, apenas 16 escolas receberam recursos para implementar o programa nesse ano. Em 2019 houve liberação de uma primeira parcela dos recursos, porém o MEC comunicou posteriormente aos secretários de educação que havia discrepâncias nos recursos repassados e que eles só poderiam ser executados por algumas escolas constantes de uma lista específica enviada aos gestores. Essa e outras deficiências na execução do PMAlfa foram apontadas no relatório da Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar a gestão do MEC (Câmara dos Deputados, 2019).

O CONTEXTO: TRÊS ESCOLAS, TRÊS IMPLEMENTAÇÕES

Nas três escolas da SEDF pesquisadas, todas consideradas não vulneráveis pelos critérios do programa, os assistentes de alfabetização acompanhavam cada turma por um período de cinco horas semanais.

A primeira escola, aqui chamada de Escola A, é urbana e está localizada em Ceilândia. A escola conta com 20 professores e atendia em 2018 o total de 440 alunos na pré-escola e nos anos iniciais do ensino fundamental. A equipe gestora é composta de diretora, vice-diretora, supervisora pedagógica, além de duas coordenadoras pedagógicas.6 Nessa escola foram entrevistadas a supervisora pedagógica e uma professora que atuou em 2018 com turma de alfabetização e recebeu a assistente de alfabetização do PMAlfa.

A unidade de ensino encontra-se no Grupo 4 de nível socioeconômico (INSE),7 e sua gestão está no Nível 3 no Indicador de Complexidade de gestão.8

A segunda escola pesquisada, também localizada na cidade de Ceilândia, será chamada aqui de Escola B. Segundo o Projeto Político-Pedagógico da instituição, trata-se de unidade de ensino urbana que atende crianças na pré-escola e nos anos iniciais do ensino fundamental. Em 2018 a escola tinha o total de 423 alunos e contava com turmas inclusivas, nas quais estudam crianças com deficiência. A equipe gestora é composta de diretora, vice-diretora e supervisora pedagógica. A escola tem também três coordenadoras pedagógicas. O corpo docente era composto de 20 professores. Na Escola B, foram entrevistadas, além da diretora, a supervisora pedagógica e duas professoras que em 2018 receberam o assistente do PMAlfa em suas turmas.

A terceira escola pesquisada, por sua vez, chamada aqui de Escola C, está localizada na Asa Sul, em Brasília. É uma escola urbana que atende os anos iniciais do ensino fundamental. De acordo com o Inep, a escola tem 310 matrículas, divididas em 17 turmas, com 17 professores. A escola tem Inse 5 e Indicador de Complexidade de Gestão nível 3. Nessa escola foi entrevistada a coordenadora pedagógica,9 além de uma professora alfabetizadora que atuou com o PMAlfa em 2018 e 2019.

O Quadro 3 mostra como se deu a implementação do programa em cada escola. Nota-se que há pouca uniformidade, com o programa chegando e sendo encerrado em momentos diferentes, o que adiciona um complicador para o processo de implementação.

Quadro 3 A implementação do Programa Mais Alfabetização nas três escolas. 

Escola A Escola B Escola C
Anos de implementação 2018 (maio a novembro) 2018 (começou no segundo semestre) 2018 e 2019 (em 2019 começou em setembro)
Número de assistentes 2 (um para o matutino e outro para o vespertino) 1 1
Turmas participantes 5 (todas as turmas elegíveis) 6 (todas as turmas elegíveis) 6 (uma das turmas elegíveis ficou de fora do programa)
Optaram por continuar nos anos seguintes? Sim (mas não receberam assistente) Não (discutiram o tema com professores e decidiram descontinuar) Sim (implementaram o programa em 2019, a partir de setembro)
Papel dos assistentes no começo do programa Assistentes ficavam 2 horas por dia em 2 turmas e 1 hora em uma terceira. Assistente atendia 3 turmas da manhã e outras 3 da tarde. Atendia os alunos nas salas de aula.
Alterações feitas pela escola no primeiro ou no segundo ano do programa Assistentes passariam a atuar um dia inteiro na mesma turma em 2019. Não houve alterações. No segundo ano, um grupo de alunos com mais dificuldades de aprendizagem passou a ser atendido pelo assistente fora da sala de aula.
Avaliações Maio (inicial), setembro (final). Não aplicaram prova do meio. Em 2019 aplicaram a inicial em julho. Não aplicaram a última em 2018. Aplicaram as três avaliações em 2018. Em 2019, não aplicaram a última avaliação.
Capacitação Não. Apenas as reuniões iniciais de apresentação do programa. Não. Apenas o material da plataforma. Não. Apenas as reuniões iniciais de apresentação do programa.
Execução orçamentária Não executou todo o recurso. Não executou todo o recurso. Executou todo o recurso, segundo o diretor.

Fonte: Elaboração do autor.

A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA MAIS ALFABETIZAÇÃO: UM PIQUENIQUE NA ESCOLA

A primeira informação que os atores de linha de frente (professoras, supervisoras, gestoras) tiveram sobre o programa chegou por meio de reunião nas CRE, com as equipes gestoras das escolas, principalmente sobre as regras de funcionamento da plataforma digital. Não há, no entanto, informação sobre consulta anterior a gestores ou professores sobre a viabilidade ou sobre o desenho do novo programa, o que demonstra que ele assumiu desde o início uma feição top-down.

Apesar de o programa prever o instrumento da adesão, em um primeiro momento, essa decisão não parece ter passado por outras instâncias das escolas que não a direção. Ninguém citou, por exemplo, o Conselho Escolar ou a UEx como atores consultados. Nesse sentido, a adesão parece não ter envolvido uma decisão de cunho pedagógico mais geral, revestindo-se apenas de caráter administrativo. Tampouco as entrevistadas demonstram terem questionado a viabilidade do programa ou se o seu desenho era adequado para aquelas escolas. As críticas referem-se apenas ao momento da implementação, pois o programa não começou no início do ano:

[…] foi uma ajuda muito grande (Coordenadora, Escola C). […] é muito difícil alfabetizar sozinho […] os alunos estão em vários níveis de desenvolvimento, então uma pessoa a mais é claro que seria sensacional (Supervisora, Escola A). […] à época eu achei interessante fazer a adesão, né, mesmo sabendo da questão da prestação de contas que é trabalhosa. (Diretora, Escola B)

As três escolas pesquisadas realizaram a seleção de assistentes tanto em 2018 quanto em 2019, embora apenas a Escola C tenha executado o programa nesse último ano.

As gestoras afirmam que tiveram liberdade de escolha e que selecionaram os candidatos “mais capazes” e aqueles com “algum contato com alfabetização”, demonstrando que os critérios eram bastante fluidos. Apesar disso, à exceção de uma professora entrevistada, os selecionados parecem ter agradado às alfabetizadoras. Pelas informações das docentes e gestoras, a maioria dos que passaram pelas escolas pesquisadas segue na profissão docente como contrato temporário ou professor de escola privada. Trata-se de um impacto indireto de um programa dessa natureza: a formação em serviço de novos professores.

As normas do programa deixavam bastante espaço para que os docentes definissem a melhor forma de aproveitar o trabalho do novo colaborador. Os editais (Distrito Federal, 2018; 2019) eram também bastante flexíveis, prevendo, no entanto, o tempo mínimo por dia de 60 minutos para o assistente de alfabetização em cada turma.

De início, os assistentes foram alocados nas turmas com base em critérios próprios de cada escola. A Escola A, por exemplo, optou por alocá-lo duas horas por dia em cada turma. Posteriormente, avaliaram que não era uma boa estratégia e decidiram que no ano seguinte iriam alocar o assistente em uma turma por dia, o que aconteceu na Escola B já no primeiro ano do programa.

Nas Escolas A e B, o assistente trabalhou em cada turma com grupos de alunos formados pelas professoras. Já na Escola C, no primeiro ano, o auxiliar trabalhou dentro da sala junto com a professora, enquanto em 2019 a escola optou por retirá-lo da sala de aula com determinado grupo de alunos, para executar um planejamento feito pela professora.

Outra estratégia utilizada foi a de alocar o auxiliar como um apoio nas atividades de educação inclusiva, o que não era originalmente um dos objetivos do programa.

A princípio, as escolas procuraram seguir a orientação que haviam recebido de manter os assistentes dentro das salas de aula, porém, mais à frente, duas delas decidiram por estratégias próprias: retirar os alunos com mais dificuldades das salas para serem atendidos por eles, porque, entre outras razões, o arranjo “não tava funcionando” (Supervisora, Escola A).

Nessa escola (A), foi com base em um plano de ação que se decidiu que o assistente não iria entrar “picadinho” em várias salas no mesmo dia, mas que iria atender uma única turma por dia, de forma que pudesse acompanhar os grupos de alunos nos termos dos “documentos da Secretaria”. A decisão foi a mesma na Escola C: retirada dos alunos com mais dificuldades para receberem acompanhamento pedagógico fora da sala de aula.

Desse modo, colocar as assistentes para trabalhar com os grupos de crianças com mais dificuldade parece ter sido a estratégia mais comum nas escolas pesquisadas. Se, por um lado, essa estratégia é positiva, pois dá atenção especial a quem mais necessita, por outro, pode-se questionar o fato de que justamente as crianças com mais dificuldades tenham sido atendidas por uma assistente, que provavelmente tinha menos experiência profissional com alfabetização do que a professora regente. Observe-se, ainda, o pouco tempo que os assistentes ficavam em cada turma e a pouca interação com os docentes, uma vez que não eram remunerados para participar da coordenação pedagógica e recebiam da professora o material para trabalhar.

A definição da forma de atuação do auxiliar de alfabetização, em cada uma das escolas, parece ter acontecido por tentativa e erro. À exceção da Escola B, que manteve o mesmo formato na utilização do trabalho dos assistentes, as equipes gestoras e as professoras, no pouco tempo de funcionamento do programa, foram vendo o que funcionava melhor, mesmo que fosse necessário não seguir estritamente a orientação original dos normativos do programa. Uma das gestoras afirma que, no segundo ano de implementação do programa, eles resolveram tirar os alunos da sala de aula porque a portaria daquele ano teria permitido. No entanto, nos editais da SEDF, não encontramos essa mudança. É necessário para ela, contudo, “fundamentar” legalmente algo que os atores de linha de frente faziam segundo seus critérios subjetivos e o bom senso. Nesse sentido, as professoras têm uma discricionariedade que é dada pela própria norma, porém a exercem de formas diferentes na ação cotidiana, no sentido do que Lotta (2019, p. 26) chama de “discricionariedade como ação”.

A decisão sobre as adaptações necessárias em cada contexto foi tomada pelos atores de linha de frente, buscando adequar a atuação do assistente de alfabetização aos objetivos de cada escola. Assim, na Escola A, a supervisora relata a distância entre o universo do programa e aquele das crianças da comunidade, o que exigiu uma adaptação bastante interessante. Ao notar que um exercício de produção de texto exigia que as crianças escrevessem sobre um piquenique, a supervisora não hesitou:

E o que que a gente fez? “Vamos fazer um piquenique!” Por quê? Ele vai ter material pra escrever, porque, imagina: e aquele que nunca participou de um piquenique, como que ele vai fazer isso? Então nós fomos, planejamos o piquenique, fizemos o piquenique. (Supervisora, Escola A)

Nesse exemplo, a escola ressignificou completamente o programa, dando-lhe uma feição de socialização que não está presente na norma, mas que não pode ser negada no campo da educação, se ela não quiser se transformar apenas em instrução. O grau de liberdade para inovar dentro de uma escola pública é muito grande e é provável que apenas o controle via resultados das avaliações padronizadas não venha a ser suficiente para captar tudo o que ali acontece.

Na Escola C, no entanto, a coordenadora relata uma alteração diferente:

[…] só 1° e 2° ano pode ser atendido, só que a gente tinha aluno lá do 3° ano que tava [sic] precisando muito desse apoio […] “Vamos dar um jeitinho aqui”. […] então a gente trouxe alguns alunos, eram dois alunos do 3° ano, pra sala do 2° ano no momento em que o assistente do PMAlfa estaria na sala […]. (Coordenadora, Escola C)

Os atores de linha de frente fazem uma avaliação, com base em critérios de justiça social, sobre a necessidade de aproveitar o programa para atender a crianças que não eram originalmente seu público-alvo. É bastante interessante que, em sua fala, a coordenadora utilize a expressão “jeitinho”, de alguma forma estigmatizada, mas que se encaixa na solução de problemas reais que as normas formais não conseguem resolver.

Essa autonomia para executar o programa, realizando até mesmo pequenas adaptações, encontrava respaldo nos documentos normativos (Brasil, 2018b; Distrito Federal, 2018; 2019) e era também facilitada pelo controle bastante fluido implementado em nível local.

Em conversa informal com coordenadores locais, notou-se certo desconhecimento sobre o que ocorria nas escolas com relação ao programa. E os atores de linha de frente entrevistados foram unânimes em afirmar que tiveram liberdade para implementar, sem maiores pressões das coordenações regionais ou central.

A exigência mais forte das coordenações regionais e central foi quanto à aplicação das avaliações. No mais, as escolas tiveram amplo espaço de liberdade no processo, segundo nos relataram.

Assim, os atores de linha de frente fazem o programa à sua maneira, mas não percebem esse fato como exercício de uma discricionariedade autônoma e parecem agir como se tivessem sido forçadas pelas circunstâncias a fazer como fazem, tendo em vista a ausência de suporte e as falhas de comunicação e de gestão dos escalões superiores.

Ademais, não houve pressão “de cima”, tampouco houve “de baixo” [aspas nossas]. De acordo com as entrevistadas, os pais não tiveram participação na implementação do programa na escola. Eles foram comunicados da existência do assistente de alfabetização por meio de bilhete ou em reuniões escolares, com destaque para a cobrança no sentido de que as crianças não faltassem nos dias de aplicação das avaliações. A ausência de mães, pais ou responsáveis reforça a percepção de que o programa é visto pelos atores de linha de frente como um assunto interno, de caráter pedagógico e que deve ser tratado pelas profissionais da área, ou seja, elas.

Nesse sentido, seria possível questionar se os pais concordariam que seus filhos fossem tirados de sala para serem atendidos por uma professora com pouca experiência ou se seriam a favor da continuidade do programa depois das falhas na implementação no primeiro ano.

Outro aspecto importante do contexto de implementação refere-se à questão dos métodos de alfabetização, especialmente no contexto em que o debate sobre essa questão se torna cada vez mais acirrado nos meios educacionais. Em relação a esse ponto, não houve consenso entre as entrevistadas. A supervisora da Escola A foi consistente na afirmação de que não havia alinhamento entre a metodologia do programa e o currículo da SEDF. Nesse sentido, fez uma defesa do construtivismo e afirmou que o programa peca por descontextualizar a alfabetização das crianças, além de trazer a exigência de alfabetização já no primeiro ano.

Nas outras duas escolas não houve essa mesma leitura. A diretora da Escola B, por exemplo, afirma que o programa estava alinhado com a forma de trabalho da escola e com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018). A coordenadora da Escola C tinha a mesma opinião.

O fato de o programa vir pronto de cima (top-down) não passa despercebido. Muitas reclamaram de problemas com a plataforma digital, por exemplo. As provas que não condiziam com a realidade foram um problema para a supervisora da Escola A:

[…] quando eles planejam eles planejam pro Brasil todo, certo? […] Aí, a primeira coisa que acontece é a plataforma não funcionar. […] Ah, ele funciona, mas essa distância que tem… e o MEC é bem ali, mas essa distância que tem do que eles planejam e do que a gente executa… é, assim, um dos maiores desmotivadores da gente aplicar um programa. (Supervisora, Escola A)

A leitura feita pela supervisora da Escola A é crítica aos programas com características top-down e atribui os seus problemas à cadeia desconexa entre o MEC e a escola. A supervisora da Escola B é mais crítica ainda:

[…] muito burocrático, esses dinheiros… esses programas do PDDE vêm, eles são bem limitados, o que pode fazer com o dinheiro e o que não pode […] É burocracia demais, dinheiro de menos e efetividade… pouca […]. Porque eu acho desumano uma… uma… é… educadora ganhar R$ 900 por mês. (Supervisora, da Escola B)

Observe-se que a crítica da supervisora é mais profunda, apontando também a injustiça da “remuneração” da auxiliar que, na verdade, oficialmente é apenas uma compensação dos gastos com alimentação e transporte e que mostra uma faceta questionável de muito programas implementados no modelo MEC-Escola: a precarização o trabalho docente.

Não existe consenso entre as entrevistadas sobre a implementação de programas como o PMAlfa. O mesmo ocorre com relação às avaliações. Algumas entrevistadas afirmaram que elas aportaram informações importantes para o trabalho e para o planejamento, outras (Escola C) que elas não traziam muitas novidades quanto aos testes realizados pela própria escola, podendo até mesmo estar aquém dos que a escola e a SEDF já faziam (Distrito Federal, 2020).

Em linhas gerais, os atores de linha de frente consideram os recursos financeiros importantes para o andamento do programa. Contudo, à exceção do diretor da Escola C, ressaltam que as exigências em matéria de prestação de contas são demasiadamente complexas. Especificamente no que tange ao PMAlfa, a não liberação dos recursos no segundo ano foi bastante criticada, especialmente porque as escolas já tinham feito a seleção dos auxiliares, que não puderam assumir.

Considerando todas essas questões, as escolas tiveram que decidir se continuariam ou não com o programa em 2019. Nas três escolas, essa decisão foi tomada pelos gestores, ouvidos os professores em maior ou menor grau. Na Escola A, por exemplo, a opção foi pela continuidade e essa decisão foi tomada pela direção, embora a avaliação positiva das professoras tenha sido levada em conta.

De acordo com a supervisora, não houve participação das professoras porque o número de contratos temporários é muito grande (16) e não faria sentido debater um assunto para o ano seguinte com quem não estaria lá.

Na Escola B, por sua vez, a supervisora afirma que os professores foram determinantes na decisão e que eles “não viram necessidade de continuar”, pois não teriam percebido “um avanço significativo” a ponto de fazer diferença. Apesar dessa afirmação da supervisora, uma das professoras explica que não houve uma discussão centralizada sobre a questão e que não foi a escola que não quis continuar com o programa, mas que ele teria sido extinto.

Na Escola C a decisão foi no sentido de continuar com o programa em 2019, decisão tomada pela direção da escola com base em conversas com a equipe, conforme afirmou a coordenadora pedagógica. Segundo ela, os professores foram ouvidos sobre o funcionamento do programa, e a direção tomou a decisão final.

Nas três escolas estudadas o programa foi implementado de formas diferentes (Ball, Maguire e Braun, 2016), com base nas decisões ali tomadas. Os contextos são bastante semelhantes nas duas escolas da região de Ceilândia, nas quais a implementação não parece ter mobilizado os atores tanto quanto na escola do Plano Piloto, a única das três que continuou com o PMAlfa em 2019. Em comum, temos que as dificuldades de implementação na ponta foram reforçadas pelas idas e vindas do MEC e pela descontinuidade da política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ATÉ QUE VENHA UM NOVO PROGRAMA DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

O PMAlfa, implementado via PDDE, faz parte de um modelo de políticas públicas na área de educação que se vale do diálogo direto entre o MEC e as escolas. A intenção é reduzir a distância entre o órgão definidor da política e a ponta, onde ela é implementada, com acompanhamento e controle da execução financeira por meios digitais. Isso, no entanto, não parece suficiente para assegurar uma boa implementação, pelo menos do ponto de vista dos atores de linha de frente. Apesar de ser implementado após uma adesão explícita tanto da SEDF quanto das escolas, o programa não se desfaz de sua natureza tipicamente top-down, em que os atores responsáveis pelo desenho da política criam mecanismos de controle e de monitoramento para acompanhar o trabalho das burocracias de linha de frente.

Diante desse cenário, este trabalho buscou mostrar como professoras e gestoras de três escolas públicas do DF percebem a implementação do programa e exercem a discricionariedade no contexto escolar (Lipski, 2019). Por meio das falas desses agentes, constata-se que as equipes gestoras das unidades de ensino tiveram grande incidência tanto na entrada do programa nas escolas quanto na decisão sobre sua continuidade no segundo ano, confirmando a hipótese inicial, com a ressalva de que a diretora nem sempre é a figura central nesse momento, uma vez que ela compartilha a deliberação com toda a equipe: vice-diretoras, supervisoras e coordenadoras. O depoimento da direção das escolas B e C, nesse sentido, aponta para uma importância muito grande do incentivo financeiro oferecido via PDDE para a tomada de decisão, ao mesmo tempo que as dificuldades nas prestações de contas são empecilhos para continuar com o programa.

Também transparece nas falas, ao contrário do previsto incialmente, que há uma diferença no grau de discricionariedade de professoras e gestoras na implementação de programas como o PMAlfa. A equipe gestora detém maior poder no relacionamento com as instâncias superiores. No âmbito da escola, no entanto, a implementação parece ocorrer muito a critério das professoras, que tiveram bastante liberdade de ação quanto à atuação dos assistentes de alfabetização em suas turmas.

Em linhas gerais, os atores de linha de frente das escolas pesquisadas (especialmente das duas primeiras) apontam diversos problemas no modelo MEC→escola (dificuldades na comunicação, pouca coordenação local, inadequação à realidade e burocracia excessiva), demonstrando que a implementação do programa não foi bem-sucedida nessas escolas nos dois primeiros anos. O fato de que os assistentes chegaram às escolas em 2018 já com o ano letivo bastante adiantado e que, na única das três escolas que implementou o programa no ano seguinte, a assistente chegou só em setembro, mostra que a entrega dos produtos do programa não foi totalmente eficaz.

O PMAlfa, como parte das ações agregadas do PDDE, tem um componente que outros programas do mesmo estilo não têm. De fato, no caso desse programa, as ações de monitoramento e avaliação pretendem ir além do aspecto contábil (Peroni e Adrião, 2007) de prestação de contas, exigindo que se faça também um acompanhamento de resultados, de forma a retroalimentar a implementação do próprio programa em cada escola e sala de aula. Assim, as avaliações diagnósticas visam a apontar as deficiências de aprendizagem das crianças, permitido que professores e gestores possam planejar atividades para superá-las. A forma como isso vem sendo feito, no entanto, parece não agradar aos docentes e gestores, uma vez que esse processo toma muito tempo e amplia o rol de responsabilidades a que já estão vinculados.

Uma questão central no programa a exigir análises e debates mais aprofundados é a eficácia da colocação do segundo professor na sala da aula, objetivo central do PMAlfa. A portaria que instituiu o programa (Brasil, 2018c) não aponta em seus considerandos as razões para a opção pelo segundo professor para a melhoria dos resultados da alfabetização das crianças. Tampouco existem estudos suficientes que mostrem a viabilidade e a efetividade dessa medida. Nesse sentido, o desenho do programa parte de um pressuposto que precisaria ser mais bem avaliado antes de continuar norteando uma política pública de largo alcance.

Do ponto de vista dos impactos esperados, na visão dos atores de linha de frente, a situação também não foi satisfatória. Segundo o que afirmam as professoras e as gestoras, não é possível dizer se houve melhoria no nível de alfabetização dos alunos em razão do programa. Mais especificamente, elas dizem expressamente que isso não ocorreu. Sem os resultados das avaliações ou de avaliação de impacto, não foi possível mensurar os efeitos da iniciativa. Um segundo impacto esperado do programa era o da redução do abandono, da reprovação e da distorção idade/ano. Em todo caso, as professoras e as supervisoras entrevistadas atribuem os poucos casos de fracasso escolar nesse ano à existência de algum transtorno não diagnosticado ou tratado na criança, o que precisaria ser investigado.

Não se pode também desconsiderar o fato de que os objetivos e finalidades do programa podem estar superdimensionados. De fato, os obstáculos para melhorar a alfabetização das crianças são muitos, conforme o discurso das professoras mostra. Um programa que coloca um assistente de alfabetização um dia por semana na sala de aula, mesmo se o trabalho for muito bem feito, talvez fosse insuficiente diante dos desafios postos.

Sobre a questão da discricionariedade dos atores de linha de frente na implementação do PMAlfa, os depoimentos das professoras e das gestoras mostra que ela advém principalmente da autoridade docente. As professoras têm autonomia para definir o trabalho das assistentes em suas salas e as equipes gestoras reconhecem isso. Ademais, as gestoras também utilizam o discurso da experiência dessas professoras, confrontada com a inexperiência das assistentes.

Outra fonte da discricionariedade advém das próprias regras do programa e da forma como foram comunicadas para as escolas. No primeiro caso, as regras são bastante flexíveis com relação à forma de atuação das assistentes, permitindo assim que as escolas possam decidir a esse respeito. A forma de comunicação sobre o programa e o pouco contato com as coordenações locais também deixam os atores de linha de frente com grande espaço de discricionariedade. Some-se a isso a distância em relação ao MEC, que torna fluido o controle do “principal” sobre o “agente”. O resultado, na prática, é haver um programa diferente executado em cada escola.

Também a ausência do “público-alvo” da política (pais, mães ou responsáveis pelas crianças) nas decisões sobre sua implementação deixa essas decisões inteiramente nas mãos de professoras e gestoras, mas principalmente destas últimas. Nesse sentido, nas três escolas pesquisadas a discricionariedade é bastante elevada, o que transparece nas falas dos próprios atores de linha de frente.

Por outro lado, nem tudo pode ser explicado por meio do conceito de discricionariedade. No caso específico do PMAlfa, as idas e vindas do MEC e até as indefinições em razão das mudanças de governo podem contribuir para explicar as vicissitudes da implementação, o que é evidenciado também pela execução orçamentária muito baixa no segundo ano.

Para além do esperado conflito entre quem desenha e quem faz, os problemas do PMAlfa podem, na verdade, ser de origem. Embora do ponto de vista formal o programa esteja bem organizado, isso não é suficiente. Afinal, a forma pode não estar veiculando um bom conteúdo. Com a transformação do PMAlfa e sua renomeação para Tempo de Aprender (Brasil, 2020; Passarelli, 2020), será necessário verificar se os problemas apontados pelos atores de linha de frente persistem e se as mudanças feitas no programa se mostraram efetivas, notadamente aquelas que visam a aumentar a coordenação federativa na implementação. Também é necessário considerar a hipótese de que a intenção do governo central seja justamente a de “passar por cima” dos sistemas subnacionais, impondo seu ponto de vista na educação.

De forma mais ampla, o novo desenho não parece trazer inovações com potencial para alterar completamente os rumos do programa de apoio federal à alfabetização das crianças, mantendo a aposta no mesmo modelo top-down. Ademais, não consta que os atores de linha de frente tenham sido ouvidos sobre a continuidade desse apoio. Na melhor hipótese, o novo programa corre o risco de ser recebido com desconfiança, uma vez que as dificuldades na implementação do PMAlfa podem ter criado expectativas negativas já de início.

1Há outras instituições recebedoras. Nosso foco são as escolas públicas.

2Avaliação Diagnóstica ou de Entrada; Avaliação Formativa ou de Processo; e Avaliação Formativa de Saída. Havia ainda a possibilidade de um teste de fluência.

3Definidas com base nos resultados da ANA e em critérios socioeconômicos.

4A expressão street level bureaucracy, utilizada por Lipski (2019), é geralmente traduzida literalmente como “burocratas de nível de rua”. Em nosso trabalho preferimos “burocratas de linha de frente” ou “atores de linha de frente”.

5Tendo em vista a distância em que diretoras e professoras se situam em relação ao órgão formulador da política, o MEC, esses dois atores foram tratados na pesquisa como burocratas de linha de frente, não os diferenciando para fins de análise. Oliveira e Abrucio (2018), por outro lado, consideram os diretores como burocratas de médio escalão, uma vez que eles trabalham na mediação entre os órgãos centrais e os burocratas de linha de frente, que seriam os professores, que atuam diretamente com os usuários.

6Considerando que todas as entrevistas (à exceção da pequena participação do diretor da Escola C) foram feitas com mulheres, nesta parte do texto vamos tratá-las como “gestoras”, “professoras” e “supervisoras”, ao invés de utilizar o gênero masculino que usamos até aqui.

7O Indicador de Nível Socioeconômico (INSE) é desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).

8O Indicador de Complexidade de gestão das escolas elaborado pelo Inep traduz as informações de porte, turnos de funcionamento, nível de complexidade das etapas e quantidade de etapas ofertadas em cada instituição.

9A vice-diretora participou da entrevista a pedido da coordenadora, ajudando a lembrar de detalhes da implementação.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

REFERÊNCIAS

ALVES, F. A.; MARASSI, T. B. Panorama da alfabetização no Brasil: uma análise a partir dos resultados da avaliação nacional da alfabetização 2016. In: MORAES, G. H.; ALBUQUERQUE, A. E. M. (org.). Cadernos de Estudos e Pesquisa em Políticas Educacionais: Pesquisa em educação e transformação. v. 3. Brasília: INEP; MEC, 2019. p. 65-111. [ Links ]

ARAÚJO, M. L. H. S.; TENÓRIO, R. M. Resultados brasileiros no PISA e seus (des)usos. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 28, n. 68, p. 344-380, 2021. https://doi.org/10.18222/eae.v28i68.4553Links ]

BALL, S. J.; MAGUIRE, M.; BRAUN, A. Como as escolas fazem as políticas. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2016. [ Links ]

BONAMINO, A.; MOTA, M. O.; RAMOS, M. E. N.; CORREA, E. V. Arranjo institucional de implementação do PAIC e burocratas de médio escalão. In: LOTTA, G. (org.). Teoria e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil. Brasília: Enap, 2019. [ Links ]

BRASIL. Lei n° 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, p. 2, 19 fev. 1998. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Programa de formação de professores alfabetizadores: Documento de apresentação. jan. 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Profa/apres.pdf. Acesso em: 11 mar. 2020. [ Links ]

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Educação e Cultura. Grupo de trabalho alfabetização infantil: os novos caminhos: relatório final. 2. ed. Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2007. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/1924. Acesso em: 9 out. 2023. [ Links ]

BRASIL. Portaria 867, de 04 de julho de 2012. Institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes gerais. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília, p. 22, 5 jul. 2012. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Assessoria Estratégica de Evidências. PMALFA: Programa Mais Alfabetização. Modelo Lógico: apresentação do desenho do programa. 2018a. Disponível em: https://evidencias.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/12/RELATORIO_MaisAlfa_VFinal.pdf. Acesso em: 20 fev. 2020. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e de Educação Integral. Coordenação-Geral de Ensino Fundamental. Programa Mais Alfabetização: Manual Operacional do Sistema de Orientação Pedagógica e Monitoramento. abr. 2018b. [ Links ]

BRASIL. Portaria n° 142, de 22 de fevereiro de 2018. Institui o Programa Mais Alfabetização, que visa fortalecer e apoiar as unidades escolares no processo de alfabetização dos estudantes regularmente matriculados no 1° ano e no 2° ano do ensino fundamental. Diário Oficial da União, edição 37, seção 1, p. 54-55, 23 fev. 2018c. [ Links ]

BRASIL. Relatório SAEB/ANA 2016: panorama do Brasil e dos estados. Brasília: INEP, 2018d. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. 2018e. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79601-anexo-texto-bncc-reexportado-pdf-2&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 7 mar. 2020. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Relatório de Gestão 2018. Brasília, 2019a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=138311-relatorio-de-gestao-mec-2018-27&category_slug=janeiro-2020&Itemid=30192%20Acesso%20em:%2016%20jun.%202020. Acesso em: 16 jun. 2020. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização PNA: Política Nacional de Alfabetização. Brasília: MEC; SEALF, 2019b. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n° 280, de 19 de fevereiro de 2020. Institui o Programa Tempo de Aprender, que dispõe sobre a alfabetização escolar no âmbito do governo federal. Diário Oficial da União, seção 1, Edição 37, p. 69, 21 fev. 2020. [ Links ]

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão Externa destinada a acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos do Ministério da Educação (MEC), bem como da apresentação do seu Planejamento Estratégico (Comex). Relatório de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=881AF437A4D40E498DDEA3496D1790A3.proposicoesWeb1?codteor=1843764&filename=REL+2/2019+CEXMEC. Acesso em: 9 jun. 2020. [ Links ]

CAMPOS, C. J. G. Método de análise de conteúdo: ferramenta para a análise de dados qualitativos no campo da saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 5, p. 611-614, set.-out., 2004. https://doi.org/10.1590/S0034-71672004000500019Links ]

CARNOY, M.; KHAVENSON, T.; FONSECA, I.; COSTA, L.; MAROTTA, L. A educação brasileira está melhorando? Evidências do PISA e SAEB. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 157, p. 450-485, 2015. https://doi.org/10.1590/198053143331Links ]

CAVALCANTI, S.; LOTTA, G. S.; PIRES, R. R. C. Contribuições dos Estudos sobre Burocracia de Nível de Rua. In: PIRES, R.; LOTTA G., OLIVEIRA. V. E. (org.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: IPEA; ENAP, 2018. p. 227-246. [ Links ]

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF). Processo seletivo simplificado de monitores — assistentes de alfabetização — para atuarem no programa mais alfabetização. [2018]. [ Links ]

DISTRITO FEDERA L. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF). Edital n° 36, de 26 de julho de 2019. Diário Oficial do Distrito Federal, n. 144, 1° ago. 2019. [ Links ]

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação. Portaria n° 38, de 18 de fevereiro de 2020. Revoga a Portaria n° 420, de 21 de dezembro de 2018 que normatiza o Sistema Permanente de Avaliação Educacional do Distrito Federal (SIPAEDF). Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, n. 35, p. 8, 19 fev. 2020. [ Links ]

FERNANDES, S. B.; COLVERO, R. B. Políticas públicas educacionais contraditórias: a alfabetização em foco. RPGE: Revista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 23, n. 2, p. 286-305, maio-ago. 2019. https://doi.org/10.22633/rpge.v23i2.11963Links ]

GOMES, S. Sobre a viabilidade de uma agenda de pesquisa coletiva integrando implementação de políticas, formulação e resultados. In: LOTTA, G. (org.). Teoria e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil. Brasília: ENAP, 2019. [ Links ]

GUILLEN, C. H.; MIGUEL, M. E. B. A alfabetização nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): o que mudou de 1997 a 2017. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 101, n. 259, p. 567-582, 2020. https://doi.org/10.24109/2176-6681.RBEP.101I259.3910Links ]

HILL, M. The public policy process. 5. ed. Harlow, England: Pearson Longman, 2009. [ Links ]

LEJANO, R. P. Parâmetros para análise de políticas públicas: a fusão de texto e contexto. Campinas: Editora Arte Escrita, 2012. [ Links ]

LIMA, L. L.; D'ASCENZI, L. Estrutura Normativa e Implementação de Políticas Públicas. In: MADEIRA, L. M. (org.). Avaliação de Políticas Públicas. Porto Alegre: UFRGS/CEGOV, 2014. [ Links ]

LIPSKI, M. Burocracia de nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019. [ Links ]

LOBO, C.; LUSTOSA, D.; PAZ, A. D. Os desafios da descentralização e capacidade estatal no contexto do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). In: XIMENES, D. A. (org.). Implementação de políticas públicas: questões sistêmicas, federativas e intersetoriais. Brasília: ENAP, 2018. p. 125-171. [ Links ]

LOTTA, G. A política pública como ela é: contribuições dos estudos sobre implementação para a análise de políticas públicas. In: LOTTA, G. (org.). Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil. Brasília: ENAP, 2019. p. 11-38. [ Links ]

MACHADO, L. B. O que pensam os alfabetizadores sobre a abordagem construtivista? In: REUNIÃO DA ANPED, 27., s.d., s.l. GT: Psicologia da Educação / n. 20. Disponível em: http://27reuniao.anped.org.br/gt20/t209.pdf. Acesso em: 29 jul. 2020. [ Links ]

MENDES, R. M.; MISKKULIN, R. G. S. A análise de conteúdo como uma metodologia. Cadernos de Pesquisa. v. 47, n. 165, p. 1044-1066, jul.-set., 2017. [ Links ]

MENEZES, E. T.; SANTOS, T. H. Parâmetros em Ação [verbete]. Dicionário Interativo da Educação Brasileira: Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. [ Links ]

MORTATTI, M. R. L. História dos Métodos de Alfabetização no Brasil. Conferência proferida durante o Seminário “Alfabetização e letramento em debate”. Brasília: Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação: 27 abr. 2006. [ Links ]

OLIVEIRA, V. E.; ABRUCIO, F. L. Burocracia de médio escalão e diretores de escola: um novo olhar sobre o conceito. In: PIRES, R.; LOTTA G., OLIVEIRA. V. E. (org.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: IPEA; ENAP, 2018. p. 207-225. [ Links ]

OLIVEIRA, R. P.; ARAUJO, G. C. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação, n. 28, p. 5-23, 2005. https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000100002Links ]

OLIVEIRA, V. E.; COUTO, C. G. Diretrizes prioritárias e fases da implementação: como mudam as políticas. In: LOTTA, G. (org.). Teoria e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil. Brasília: ENAP, 2019. p. 67-98. [ Links ]

PASSARELLI, H. Plano do MEC para alfabetização recicla ideias de Mendonça Filho. Valor Econômico, 18 fev., 2020. [ Links ]

PERONI, V. M. V.; ADRIÃO, T. Programa Dinheiro Direto na Escola: uma proposta de redefinição do papel do Estado na educação? Brasília: INEP, 2007. [ Links ]

RAMOS, M. E. N.; BONAMINO, A. M. C. O PNAIC no Rio de Janeiro: três arranjos institucionais de implementação. Educação & Realidade, v. 47, 2022. https://doi.org/10.1590/2175-6236108494vs01Links ]

SECCHI, L. Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2014. [ Links ]

SOARES, M. A reinvenção da alfabetização. Presença Pedagógica, v. 9, n. 52, p. 15-21, jul.-ago. 2003. [ Links ]

SOUSA, S. N.; ROCHA, C. R. C. Concepções de alfabetização e formação nos programas nacionais de formação de alfabetizadores no Brasil. In: REUNIÃO NACIONAL ANPED, 39., 2019, Niterói. Anais […]. Niterói: ANPED, out. 2019. [ Links ]

THE WORLD BANK. What is school-based management? Washington, DC: The World Bank, nov., 2007. [ Links ]

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015. [ Links ]

Recebido: 06 de Junho de 2022; Aceito: 17 de Novembro de 2022

Conflitos de interesse: O autor declara que não possui nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

1

Este artigo é parte da monografia de conclusão de Especialização em Avaliação de Políticas Públicas realizada no Instituto Serzedello Corrêa, do Tribunal de Contas da União, sob a orientação da Professora Suylan de Almeida Midlej e Silva (Lattes: http://lattes.cnpq.br/9693261612063921), da Universidade da Brasília.

Creative Commons License Este es un artículo publicado en acceso abierto bajo una licencia Creative Commons