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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.28  Rio de Janeiro  2023  Epub 23-Nov-2023

https://doi.org/10.1590/s1413-24782023280121 

Artigos

Questões dos/as jovens com deficiência:entrecruzamentos com o Estatuto da Juventude

CUESTIONES DE LOS JÓVENES CON DISCAPACIDAD: ENTRE CRUCES CON EL ESTATUTO DE LA JUVENTUD

Paulo Cesar Soares de Oliveira

Paulo Cesar Soares de Oliveira é doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). Professor da Superintendência do Ensino Fundamental (SEDUCE-GO). E-mail:libras.paulo@hotmail.com

, Escrita - Primeira Redação, Escrita - Revisão e Edição, Investigação, MetodologiaI 
http://orcid.org/0000-0003-4552-0264

Divino de Jesus da Silva Rodrigues

Divino de Jesus da Silva Rodrigues é doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). Professor da mesma instituição.E-mail:psico.divino@gmail.com

, Escrita - Revisão e Edição, Investigação, Metodologia, Conceituação, Análise Formal, SupervisãoII 
http://orcid.org/0000-0002-7661-1794

Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida

Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida é doutora em História pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). E-mail:zeneide.cma@gmail.com

, Metodologia, Análise Formal, SupervisãoII 
http://orcid.org/0000-0003-2220-9932

ISuperintendência do Ensino Fundamental, Goiânia, GO, Brasil.

IIPontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.


RESUMO

As questões dos/as jovens e da pessoa com deficiência destacam-se nas pautas de inclusão social nesta contemporaneidade, que completam um ciclo de leis que garantem direitos geracionais e de inclusão no Brasil. É nesta conjuntura sociopolítica que, em 2013, o Estatuto da Juventude foi estruturado e aprovado com a Lei nº 12.852 e, em 2015, foi aprovada a Lei nº 13.146, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Diante do montante legal e dos movimentos sociais, esses têm sido temas de pesquisas acadêmicas. Este trabalho, de caráter bibliográfico, objetivou levantar uma discussão sobre como as questões dos/as jovens com deficiência são tratadas no Estatuto da Juventude. Os resultados demonstram que a temática da juventude e dos/as jovens com deficiência no Brasil são entrecruzadas por lutas de direitos e que despontam igualmente em busca de sua centralidade no processo social do país.

PALAVRAS-CHAVE Estatuto da Juventude; Estatuto da Pessoa com Deficiência; direitos sociais

RESUMEN

Los temas de las mujeres jóvenes y las personas con discapacidad se destacan en los lineamientos de inclusión social en esta contemporaneidad, que completan un ciclo de leyes que garantizan los derechos generacionales y la inclusión en Brasil. Es en este contexto sociopolítico que, en 2013, se estructuró y aprobó el Estatuto de la Juventud con la Ley N° 12.852 y en 2015 se aprobó la Ley N° 13.146, que instituyó el Estatuto de las Personas con Discapacidad. Dada la cantidad legal y los movimientos sociales, estos han sido temas de investigación académica. Este trabajo bibliográfico tiene como objetivo plantear una discusión sobre cómo se abordan los problemas de las mujeres jóvenes con discapacidad en el Estatuto de la Juventud. Los resultados indican que el tema de la juventud y los jóvenes con discapacidad en Brasil están atravesados por luchas por los derechos y que también emergen en busca de su centralidad en el proceso social del país.

PALABRAS CLAVE Estatuto de la Juventud; Estatuto de las Personas con Discapacidad; derechos sociales

ABSTRACT

The issues of young people and people with disabilities stand out in the agendas of social inclusion in contemporaneity, which completes a cycle of laws that guarantee generational rights and inclusion in Brazil. It is in this socio-political situation that, in 2013, the Youth Statute was structured and approved with Law n. 12,852 and, in 2015, Law n. 13,146, which instituted the Statute of Persons with Disabilities. Given the legal amount and social movements, these have been subjects of academic research. This bibliographical work aimed to raise a discussion on how the issues of young people with disabilities are treated in the Youth Statute. The results show that the theme of youth and young people with disabilities in Brazil is intertwined with struggles for rights and that they equally emerge in search of their centrality in the country's social process.

KEYWORDS Youth Statute; Status of Persons with Disabilities; social rights

INTRODUÇÃO

As temáticas dos/as jovens e da pessoa com deficiência destacam-se nas pautas de inclusão social nas últimas décadas no Brasil. Mas estes temas passaram por períodos em esquecimento e descentralidade, tanto nos movimentos sociais quanto em políticas públicas. Como todo processo de luta por direitos nas sociedades modernas capitalistas, este movimento não acontece de forma linear e progressiva. Pelo contrário, como é próprio dos processos históricos, é repleto de avanços, retrocessos, rupturas e tensões. Somadas a demandas e anseios de parcelas da sociedade, permeiam-se as questões filosóficas, ideológicas, culturais, econômicas e políticas. Tal processo de inclusão dos grupos e sujeitos minoritários/as pode atravessar séculos ou décadas de lutas por direitos, legitimidades, espaço e cidadania. “A pedagogia da exclusão tem origens remotas, condizentes com o modo como estão sendo construídas as condições de existência da humanidade em determinado momento histórico” (Brasil, 2006, p. 306).

Nessa direção, Aranha (2004) alerta-nos da não linearidade do tema “deficiência” ao longo da história. Ainda, afirma que devemos ter o cuidado e nos atentar sobre o fato de que esses movimentos são processuais e dependentes a questões sócio-histórico-culturais, além de estarem subordinadas às demandas políticas e econômicas. Com essa clareza, buscou-se neste estudo perceber como a temática “deficiência” se apresenta e se encontra circunscrita no Estatuto da Juventude de 2013.

Assim, somos cientes da aparente ocasionalidade e não intencionalidade com que a temática da pessoa com deficiência tem sido inserida nas agendas de políticas públicas de vários países, ganhando, assim, aceitação e destaque no cenário global. A partir da segunda metade do século XX, as questões sobre as pessoas com deficiência ganharam cada vez mais o status de tema relevante e, por meios legislativos, têm sido legitimadas e empoderadas (Mendes, 2006).

No Brasil, esta categoria social alcança maior visibilidade entre as décadas de 1980 e 1990, por meio de pesquisas acadêmicas e esforços de grupo silenciados por séculos de exclusão. Segundo Lanna Júnior (2010, p. 18): “[…] narra-se a trajetória desse movimento político [o Movimento Político das Pessoas com Deficiência] que, como outros, se formaram no contexto da redemocratização brasileira após o regime da ditadura militar”. Após a constituição de 1988 surgiram os primeiros programas do governo federal destinados à população com deficiência como passível de atenção especial.

Esse processo potencializou-se com leis e decretos mais abrangentes, como a Lei da Acessibilidade nº 10.098, de 31 de dezembro de 2000 (Brasil, 2000). Mas a gama de direitos para a pessoa com deficiência continuou precisando de reforços legislativos específicos. Nesta atualidade já dispomos de amparo legislativo próprio para pessoas com deficiência. No caso, destaca-se o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015). O foco legislativo tem sido proeminente no contexto da educação, saúde, desportos, acessibilidade e mundo do trabalho.

Diante do montante legal e dos movimentos sociais, a temática da pessoa com deficiência tem despertado o interesse de vários estudos, como explica Mendes (2006, p. 395) ao afirmar que em uma “[…] sociedade inclusiva [a temática] passa a ser considerada um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção do estado democrático”. O paradigma da inclusão torna-se indispensável à sociedade atual.

Igualmente, de forma processual sócio-histórico-cultural, transitam as lutas e conquistas da categoria dos jovens no Brasil, nos Estados ibero-americanos e no mundo, com os direitos humanos e a dignidade humana como conceitos fundantes e essenciais. Neste contexto, cada vez mais grupos sociais diversos exigem sua ampla aplicabilidade e tornaram-se âncoras de direitos fundamentais ao exercício participativo da cidadania e inclusão social.

Para Castro e Macedo (2019, p. 1223), as discussões sobre os/as jovens ganham relevância enquanto categoria social distinta da adolescência a partir da década de 1990, por meio de “[…] intensa pesquisa no mundo acadêmico e com o surgimento dos primeiros programas do governo federal a caracterizar a população jovem como passível de uma atenção especial”.

Dessa maneira, temos ciência que no campo das políticas públicas a luta por direitos é sempre uma arena na qual os direitos precisam ser redefinidos. Para redefini-los é necessário disputar os espaços de poder, o que torna necessária a existência do sujeito categorizado e distinto. No Brasil, optou-se por garantir esses direitos por meio da distribuição dos sujeitos por faixa etária e em forma de estatutos.

Nesse contexto, destacam-se os estatutos que amparam grupos etários da população do país, com a constituição da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e a Lei federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que estabelece o Estatuto do Idoso (Brasil, 1990; 2003).

Esses dois estatutos ampararam e organizaram os direitos geracionais das duas extremidades da população brasileira. Os/as jovens ainda não possuíam um estatuto que organizasse de forma geracional seus diretos às diversas leis que foram aprovadas sobre este tema.

Assim, em 2013, depois de várias leis que tratavam do tema, as juventudes passaram a ser organizadas em forma de estatuto. Castro e Macedo (2019, p. 1225) explicam que “[…] o tema conquistou, assim, densidade política e, nesse sentido, desenha-se um campo de disputa de políticas públicas com a configuração de categorias identitárias de juventude”. É nesta conjuntura sociopolítica que o Estatuto da Juventude foi estruturado e aprovado com a Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013 (Brasil, 2013).

Foi seguindo esse anseio em estabelecer um marco legal e jurídico e visando a políticas públicas definidas que, em 6 de julho de 2015, foi aprovada a Lei nº 13.146, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015). Este não é um grupo etário da sociedade, mas uma parcela que luta por espaço e legitimidade social.

Nesse sentido, destaca-se que o objetivo deste estudo não é fazer um entrecruzamento dos dois estatutos, mas sim fazer uma reflexão sobre as políticas públicas para o/a jovem com deficiência apresentadas no Estatuto da Juventude — ou seja, analisar as questões que se apresentam sobre os/as jovens com deficiência no Estatuto da Juventude. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, neste estudo, abalizaria somente como fonte conceitual a sua análise e escrutínio. Na apertada síntese que este trabalho se propôs a realizar, parte-se da compreensão de que as categorias e conceitos apresentados nos Estatutos não são contraditórios, mas sim complementares. O conjunto de leis, decretos e estatutos aprovados no período proposto da pesquisa agrega-se, compondo um projeto inclusivo de cidadania e de políticas públicas nacionais que objetivam sinalizar o foco das políticas públicas desse período político-histórico a que estão circunscritos.

ESTATUTO DA JUVENTUDE

O Estatuto da Juventude dispõe sobre os direitos dos/as jovens, apresentando os princípios e diretrizes das políticas públicas voltadas para esse segmento da sociedade, além de estabelecer o Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE). Está organizado em dois títulos: o primeiro trata dos princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude, e o segundo institui o SINAJUVE.

O primeiro título organiza-se em 11 seções de direitos para os/as jovens, direitos estes que são o foco de reflexão deste estudo, em que se localizam citações sobre a temática de jovens com deficiência e também de temas relacionados à pessoa com deficiência e sua inclusão.

As 11 seções de direitos para a juventude contempladas no Estatuto são: direito à cidadania, à participação social e política e à representação juvenil; direito à educação; direito à profissionalização, ao trabalho e à renda; direito à diversidade e à igualdade; direito à saúde; direito à cultura; direito à comunicação e à liberdade de expressão; direito ao desporto e ao lazer; direito ao território e à mobilidade; direito à sustentabilidade e ao meio ambiente; direito à segurança pública e acesso à justiça (Brasil, 2013).

É importante ressaltar que a Carta Magna de 1988 já trazia os direitos dos/as adolescentes, como dos/as jovens intercruzados, especificados no Art. 227.1 Este garantia como “[…] dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária […]” (Brasil, 1988, n.p.). Ainda de acordo com o artigo citado, é dever “[…] colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Brasil, 1988, n.p).

Nessa direção, destaca-se que na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 1990), os direitos voltados aos/às jovens e adolescentes cruzam-se inevitavelmente. Contudo, o ECA trata especificamente dos direitos dos/as adolescentes e das crianças. Segundo Castro e Macedo (2019, p. 1219), essa conquista ocorreu pelo:

[…] crescente movimento em defesa dos direitos das crianças e adolescentes e a CF/88 contribuíram para embasar a elaboração do ECA, aprovado em 1990. Crianças e adolescentes passam a ser sujeito de direitos, a contar com uma Política de Proteção Integral e com prioridade absoluta. O ECA foi um marco no fortalecimento desta visão sobre este segmento na legislação e na sociedade brasileira.

Os conceitos que prevalecem tanto na Constituição da época quanto no ECA são “infanto-juvenil”, “adolescência” “adolescente”, “criança” e “infância”. No ECA, a palavra “juventude” também aparece algumas vezes. Como exemplo, no parágrafo único do art. 4º, a palavra aparece ao se estabelecerem as garantias de proteção e socorro e de atendimento nos serviços públicos e na execução das políticas sociais. Entretanto, ao que tudo indica, a palavra “juventude” neste e nos outros contextos do ECA ainda se apresenta muito mais como sinônimo de adolescente do que com o conceito amparado no Estatuto de 2013.

Dessa forma, na década de 1990, a prioridade era a criança e o/a adolescente. Não havia ainda visibilidade para a categoria juventude, que não tinha a relevância com que se apresenta atualmente. Sobre o ECA como marco legal de reconhecimento do direito a viver a infância e a adolescência de forma plena, Castro e Macedo (2019, p. 1222) explicam que:

[…] o ECA é fruto de um embate pelo próprio entendimento da sociedade brasileira sobre a população criança e adolescente. Em um primeiro momento estes são percebidos, claramente, a partir de um corte social e econômico, onde a visibilidade das políticas e ações do Estado estavam voltados para as crianças pobres tratadas como aquelas passíveis de intervenção para contenção e repressão. A partir da CF/88 e do ECA a percepção social sobre infância e adolescência assume outra configuração, em adequação com parâmetros de organismos internacionais. Crianças e adolescentes são igualados como sujeitos de direitos, ainda que resguardadas as desigualdades sociais e econômicas por elas vividas. Assim, tais desigualdades, bem como os marcadores sociais que reforçam e reproduzem essa condição de não acesso a serviços e direitos, passam a ser alvo de política de reparação e não mais punição. Trata-se de um processo de reconhecimento do direito a viver a infância e a adolescência de forma plena.

É nessa perspectiva que a temática da juventude entra no cenário nacional no século XXI. No caso dessa temática, as demandas socioculturais impactaram a atualização dos conceitos de criança, adolescência e juventude. Isso se deu pela sua ressignificação de sentidos e também pela expansão da sua faixa etária.

A partir dos anos 2000 o debate sobre juventude e seus direitos como população específica experimenta um grande impulso, ao mesmo tempo em que seu paradigma conceitual é alterado. Forja-se então a categoria juventude sujeito de direitos, que suplanta, no debate de políticas públicas, antigas categorias como juventude em situação de risco. (ibidem, p. 1222)

Nessa direção, Castro e Macedo (2019, p. 1225) salientam que “[…] de 2005 a 2015, o Brasil experimentou uma década de políticas públicas de juventude […] mas que também se capilarizou em iniciativas nos estados e municípios”. Para que esses anseios e lutas sociais pudessem materializar-se em políticas públicas, foi necessário ocorrerem mudanças de perspectivas conceituais sobre como tratar essas temáticas. Nessa direção, o envolvimento dos/as jovens no processo de legitimação de centralidade e espaços foi fundamental e impulsionou as esferas políticas e legislativas no novo milênio.

Essa mobilização juvenil resultou por ressignificar o deslocar da temática da juventude tanto no paradigma conceitual quanto no paradigma etário de sua classificação. Castro e Macedo (2019, p. 1223) sinalizam uma das questões do porquê da mudança conceitual dessa temática:

Essa mudança imprime, em primeiro lugar, um importante simbolismo para o debate público propondo uma leitura distinta do binômio juventude-violência, que contribui para retificar a imagem de juventude perigosa. Mas a repercussão é mais profunda e altera significativamente os rumos de uma política pública para a juventude.

A classificação e delimitação etária do conceito de juventude no Estatuto teve alterações e ressignificações. O caráter etário que definia a juventude até então foi redefinido e estendido na sua temporalidade. O conceito de adolescente entre 12 e 18 anos estabelecido no ECA alia-se agora a uma categoria mais ampla, a juventude. Tal ampliação inicialmente acontece com base nas novas concepções divulgadas pelas Nações Unidas (ONU) em 1996, quando esta passou a definir o jovem como um segmento da população, caracterizado pela idade entre 15 e 24 anos.

Assim, a perspectiva antes estritamente biológica do desenvolvimento humano e as definições anteriores que eram embasadas para definir e delimitar a fase e a idade entre a infância e fase adulta deram lugar a uma concepção que também considera os aspectos cultural e social do sujeito, não somente seu desenvolvimento biológico.

A utilização da faixa etária dos 15 aos 29 anos da juventude brasileira tem seu marco nos documentos oficiais estabelecidos por meio da Secretaria Nacional de Juventude, criada pela Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005 (Brasil, 2005), que entre as várias defesas da juventude brasileira alerta ao poder público que o segmento populacional no país que possui o maior índice de desemprego, encarceramento, homicídios e déficit na formação é a população dessa faixa etária.

Nessa direção, aponta o então secretário nacional de Juventude, Beto Cury (s.d., n.p.), que os dados “[…] revelam que o Brasil tem 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, dos quais 4,5 milhões se encontram fora da escola, sem ensino fundamental e estão desempregados”.

É importante ressaltar que essa classificação de faixa etária, “[…] a partir de limites mínimos e máximos de idade é amplamente discutida, muitos autores vão demonstrar que o recorte etário homogêneo esconde diferenças e desigualdades, varia histórica e socialmente […]” (Castro e Macedo, 2019, p. 1222).

Assim, a faixa etária estabelecida pelo Estatuto da Juventude adotou a idade mínima sugerida pela ONU de 15 anos, mas acaba indicando a extensão da idade final em 29 anos. Dessa forma, constata-se que a questão do corte etário se inicia dando ênfase a questões sociais, culturais e econômicas, para além de apenas biológica. Como afirmam Rodrigues e Sousa (2016, p. 245):

Desta maneira, apreende-se que o sujeito humano não é determinado apenas por constituintes dos processos de maturação biológica, mas que este desenvolvimento é entrelaçado historicamente pelas condições biológicas, culturais e sociais. Assim, compreende-se que o processo do desenvolvimento humano se dá nas práticas e nas relações sociais, onde é constituído e constituinte desse processo.

Nessa direção, concorda-se com Castro e Macedo (2019, p. 1222), que afirmam que:

[…] tanto o ECA quanto o Estatuto carregam o esforço do reconhecimento da diversidade cultural e social dessas populações. Se o corte etário estabelece os limites de quem terá acesso a esses direitos, a definição das categorias criança, adolescente e jovem, estabelecida nesses marcos legais, vão muito além desse recorte mecânico. E ainda, ambos expressam um processo de reconhecimento das desigualdades sociais que tornam essas categorias mais heterogêneas que homogêneas.

Ao seguir a idade mínima sugerida pela ONU de 15 anos para o início da juventude, criou-se no Brasil uma duplicidade legislativa sobre a mesma idade. O ECA caracteriza como criança aquele com idade de até 12 anos incompletos e como adolescente aquele que tiver entre 12 e 18 anos de idade (Brasil, 1990); assim, os sujeitos na idade de 15 aos 18 são duplamente qualificados nos dois Estatutos. Entretanto, essa duplicidade é esclarecida pelo Estatuto da Juventude, no art. 1º, parágrafo segundo, que afirma que: “Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos aplica-se a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e, excepcionalmente, este estatuto, quando não conflitar com as normas de proteção integral do adolescente” (Brasil, 2013, n.p.).

Os sujeitos nessa faixa etária são amparados tanto pelo ECA quanto pelo Estatuto da Juventude, sendo considerados pela lei brasileira na defesa dos direitos dos/as adolescentes e jovens.

Dessa forma, o complexo movimento sociocultural e legislativo ocorrido nas primeiras décadas do século XXI permitiu a definição mais complexa do conceito de juventude. Sua ressignificação na contemporaneidade possibilitou à juventude, no Estatuto de 2013, se iniciar aos 15 anos e se estender até os 29 anos.

A TEMÁTICA DA DEFICIÊNCIA

Somos cientes de que a história recente do Brasil tem sido um período fecundo para a inclusão da pessoa com deficiência. Esse período é marcado pela aprovação de várias leis e pela adoção de políticas públicas que pretenderam respaldar e estruturar a inserção da pessoa com deficiência na perspectiva da inclusão. Contudo, esse período de mudanças e centralidade da pessoa com deficiência precisa ser estudado com o cuidado de não silenciar séculos de lutas e debates de sujeitos e grupos que fizeram/fazem parte deste processo histórico.

Para Pesavento (2005, p. 21), é preciso buscar as “[…] matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real […]”. Isto porque são os sujeitos e grupos sociais que “[…] dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade”.

Nessa direção, afirma Lanna Júnior (2010, p. 14) que: “[…] a sociedade cria barreiras com relação a atitudes (medo, desconhecimento, falta de expectativas, estigma, preconceito), ao meio ambiente (inacessibilidade física) e institucionais (discriminações de caráter legal) que impedem a plena participação das pessoas”.

As discriminações/preconceitos surgem quando determinadas condições físicas, religiosas e outros destoam dos padrões normais sociais, pois “[…] um atributo ou comportamento pode ser motivo de inclusão e valorização ou de exclusão e rejeição social, em função de sua historicidade e contexto social” (Kelman, 2010, p. 25).

Compreender como esse processo ocorre e como essas tensões se materializaram nos marcos e fatos históricos são vitais para compreendermos o tempo presente. O conceito de “deficiência” e a relação com a sociedade se alteram no tempo e no espaço.

No decorrer da História da Humanidade foram se diversificando a visão e a compreensão que as diferentes sociedades tinham acerca da deficiência. A forma de pensar e por consequência a forma de agir com relação à deficiência enquanto fenômeno e à pessoa com necessidades educacionais especiais enquanto ser modificaram-se no decorrer do tempo e das condições sócio-históricas. (Aranha, 2004, p. 5)

Na Idade Antiga, a possibilidade de inserção das pessoas acometidas por alguma deficiência era bem remota. Tirando algumas sociedades e povos bem específicos, em geral tais indivíduos eram descartados, exilados e até sacrificados.

A partir da Idade Média essa relação tende a mudar. Segundo Strobel (2008), desse período em diante, duas particularidades principais passaram a cativar a atenção daqueles que se dedicavam a cuidar das pessoas com deficiência: havia aqueles que os queriam “curar” e aqueles que queriam “salvar sua alma”. Desta feita, o processo filosófico e metodológico de inclusão da pessoa com deficiência no mundo ocidental se pautou por dois “olhares”: o clínico e o religioso. “Os indivíduos com deficiências, vistos como ‘doentes’ e incapazes, sempre estiveram em situação de maior desvantagem, ocupando, no imaginário coletivo, a posição de alvos da caridade popular e da assistência social, e não de sujeitos de direitos sociais […]” (Brasil, 2001, p. 19).

Esse enfoque perdurou até a modernidade e ainda encontra espaço na contemporaneidade. Jannuzzi (2004) explica que a atenção às pessoas com deficiência no Brasil teve início nas Câmaras Municipais, que representavam o poder local das vilas no período colonial brasileiro. Essas Câmaras foram surgindo em função da necessidade da coroa portuguesa de controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. O objetivo principal era desocupar os espaços públicos e invisibilizar as pessoas que, na época, eram tidas como um fardo social, inútil e sem valor.

Neste período da história brasileira o modelo que se destacou era o seguimento das associações e confrarias religiosas. Estas eram regidas por princípios religiosos e funcionavam com esse fim, eram mantidas por pessoas piedosas e ligadas à religião. Essas instituições comprometiam-se a realizar práticas caritativas e assistenciais, como congregações, confrarias e irmandades no apoio aos “inválidos”, “incapazes”, “aleijados” e “defeituosos”. “No modelo caritativo, inaugurado com o fortalecimento do cristianismo ao longo da Idade Média, a deficiência é considerada um déficit e as pessoas com deficiência são dignas de pena por serem vítimas da própria incapacidade” (Lanna Júnior, 2010, p. 14).

O advento da modernidade e das revoluções interfere na forma de ver e pensar a “deficiência”. Agora o pensamento religioso do cuidado iria dividir espaço com ideias iluministas e da razão. Inaugura-se assim o cuidado pautado na ciência e na medicina.

Nessa nova perspectiva clínica, ser “deficiente” significava ser um sujeito faltoso/a, deficitário/a, fora do padrão, o que estava relacionado a anormalidades no corpo, nos membros, nos sentidos e no cérebro. Tais deformidades consequentemente afetariam o seu desenvolvimento cognitivo, emocional, psicológico e social. Sendo assim, tais indivíduos precisavam ser tratados e reorientados.

O Positivismo e a afirmação do saber médico do final do século XIX possibilitaram o surgimento de um modelo no qual as pessoas com deficiência passaram a ser compreendidas por terem problemas orgânicos que precisavam ser curados. No modelo médico, as pessoas com deficiência são “pacientes” – eram tratadas como clientela cuja problemática individual estava subentendida segundo a categoria de deficiência à qual pertenciam. Fazia-se todo o esforço terapêutico para que melhorassem suas condições de modo a cumprir as exigências da sociedade. (Lanna Júnior, 2010, p. 14)

Suas deformidades despertavam dedicação e empenho por parte da ciência, principalmente pela medicina. Os estudos da anatomia humana tiveram um importante papel para o desenvolvimento da medicina, o que levou a comunidade médica a sempre classificar o corpo com base no binômio “normal” e “deficiente” (Strobel, 2008), pois este corpo precisa ser moldado, consertado e adaptado para se adequar o mais possível ao modelo ideal estabelecido.

Como bem define Kelman (2010, p. 27), os avanços científicos e da medicina eram caminhos únicos de “[…] práticas medicalistas para classificar os desvios da normalidade. Essa concepção está subjacente à ideologia de uma pedagogia corretiva ou a da hegemonia do modelo de deficiência na Educação Especial”.

O modelo filosófico e metodológico de cuidado da época adotado pelo Estado e a ciência foi o segregacionista. Esse modelo positivista pautava-se em selecionar, classificar, ordenar e agrupar pessoas com deficiência semelhantes. O convívio de jovens “com deficiência” agora era possível com seus pares, mas só era aceitável entre os muros das instituições públicas ou religiosas, longe do olhar da sociedade dita “normal”. O objetivo era muito mais limpar os espaços públicos de “anormais” e escondê-los/las do convívio social do que garantir direitos e cidadania.

Os cuidados com as pessoas com deficiência de forma racional e clínica no Brasil ganharam atenção na segunda metade do século XIX com a estruturação do Brasil enquanto nação moderna no período imperial. O processo de estruturação e intervenção laica e científica teve início, de fato, com as ações oficiais de D. Pedro II na década de 1850. O modelo de projeto segregacionista que se realizou nos Estados Unidos e Europa foi copiado pela corte brasileira no período Imperial.

Segundo Jannuzzi (2004), as primeiras instituições públicas para abrigar e educar crianças e jovens com deficiência no Brasil também serviriam como asilo para esses alunos. Para as pessoas com deficiência desse período que buscavam alguma inserção social, só havia uma única opção: mudar definitivamente para esses estabelecimentos.

Em conformidade com essa filosofia de cuidado segregacionista, na década de 1880, o Imperador D. Pedro II fundou as primeiras instituições em formato asilo para jovens “com deficiência”, como aponta Lanna Júnior (2010, p. 20):

[O] Decreto nº 82, de 18 de julho de 1841, determinou a fundação do primeiro hospital “destinado privativamente para o tratamento de alienados”, o Hospício Dom Pedro II, vinculado à Santa Casa de Misericórdia, instalado no Rio de janeiro. O estabelecimento começou a funcionar efetivamente em 9 de dezembro de 1852. Em 1854, foi fundado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos e, em 1856, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos.

O estigma de que eram inaptos/as e incapazes para o mundo do trabalho e o convívio social ocasionava que a maioria possuísse qualificações profissionais inferiores e habilidades sociais limitadas.

Assim, sob a “tutela do Estado, da ciência, da medicina e da escola”, as pessoas com deficiência passaram a receber cuidados pautados em estudos e metodologias. Mas o lugar que as nações modernas dedicaram a essas pessoas ainda estava longe de ser inclusivo e ainda se empreenderia intensa luta por cidadania e respeito aos direitos humanos.

A opressão contra as pessoas com deficiência tanto se manifestava em relação à restrição de seus direitos civis quanto, especificamente, à que era imposta pela tutela da família e de instituições. Havia pouco ou nenhum espaço para que elas participassem das decisões em assuntos que lhes diziam respeito. (ibidem, p. 12)

As novas descobertas médicas e tecnológicas fizeram com que este pensamento dominasse vários séculos. O viés medicalista cristalizou-se na memória e no imaginário coletivo de tal forma que, até os nossos dias, ainda não se consegue pensar política pública a não ser por meios assistencialistas e de tratamentos com intervenções adaptativas no corpo “deficiente”.

Com o predomínio filosófico e metodológico de uma visão pautada na doença e não no sujeito, por muito tempo houve um esquecimento das outras demandas2 da pessoa com deficiência. Essa realidade perdurou por todo o século XX, e somente no final das décadas de 1980 e 1990 começaram a surgir mudanças conceituais importantes. “Anteriormente à década de 1970, as ações voltadas para as pessoas com deficiência concentraram-se na educação e em obras caritativas e assistencialistas” (Lanna Júnior, 2010, p. 12).

Embora durante todo o século XX surgissem iniciativas voltadas para as pessoas com deficiência, foi a partir do final da década de 1970 que o movimento das pessoas com deficiência surgiu, tendo em vista que, pela primeira vez, elas mesmas protagonizaram suas lutas e buscaram ser agentes da própria história. (ibidem, p. 12)

As duas primeiras décadas do século XXI com certeza foram profícuas em direitos para a pessoa com deficiência — tempos de mudanças de paradigma e de ressignificação do conceito de deficiência. Também foi o momento de sair do anonimato, de marginalizar as discussões e conquistar espaços e visibilidade.

O modelo social defendido pelo Movimento das Pessoas com Deficiência é o grande avanço das últimas décadas. Nele, a interação entre a deficiência e o modo como a sociedade está organizada é que condiciona a funcionalidade, as dificuldades, as limitações e a exclusão das pessoas. (ibidem, p. 14)

Os espaços ocupados por esses sujeitos, porém, não se restringem à consolidação legislativa inclusiva. Como bem apontam Shiroma, Moraes e Evangelista (2011, p. 73), a questão vai além do campo legal:

[…] é mais abrangente do que a legislação proposta para organizar a área. Realiza-se também pelo planejamento educacional e pelo financiamento de programas governamentais, em suas três esferas, bem como por uma série de ações não-governamentais que se propagam com informalidade, pelos meios de comunicação. Realiza-se para além destes espaços, por meio da difusão de seu ideário pelas publicações oficiais e oficiosas.

O conceito de deficiência teve de se distanciar da obrigatoriedade de a pessoa com deficiência ser “normal”, tão defendida por séculos pelo viés medicalista, e aproximar-se de práticas que respeitassem as diferenças e não somente a normalidade e estereotipia predeterminadas. São padrões que geraram e geram tanto preconceito e estigmas no imaginário sobre a pessoa com deficiência.

O fundamental, em termos paradigmático e estratégico, é registrar que foi deslocada a luta pelos direitos das pessoas com deficiência do campo da assistência social para o campo dos Direitos Humanos. Essa mudança de concepção da política do estado brasileiro aconteceu nos últimos trinta anos. O movimento logrou êxito ao situar suas demandas no campo dos Direitos Humanos e incluí-las nos direitos de todos, sem distinção. (Lanna Júnior, 2010, p. 14)

Para Kelman (2010), essas contradições precisam ser redimensionadas, pois “como o desenvolvimento humano é marcado pelas diferenças, necessitamos entendê-las para que todos possam se desenvolver. E é esta a mensagem que queremos passar: “[…] o substrato da inclusão são as diferenças” (Kelman, 2010, p. 25). “O lema ‘Nada sobre Nós sem Nós’, expressão difundida internacionalmente, sintetiza com fidelidade a história do movimento […]” (Lanna Júnior, 2010, p. 12).

Dessa perspectiva, quando se fala em respeito às diferenças, considera-se a diversidade de “expressão da vida humana”, pois as pessoas apresentam variações físicas, mentais ou psicossociais em seus comportamentos, capacidades e atributos. “O movimento surgido no final da década de 1970 buscou a reconfiguração de forças na arena pública, na qual as pessoas com deficiência despontavam como agentes políticos” (ibidem, p. 13).

Assim, “[…] o paradigma da inclusão globaliza-se e torna-se, no final do século XX, palavra de ordem em praticamente todas as ciências humanas” (Mendes, 2006, p. 395).

A TEMÁTICA DA DEFICIÊNCIA APRESENTADA NO ESTATUTO DA JUVENTUDE

Nas 11 seções de Direitos para a juventude contempladas no Estatuto, as palavras, verbetes e categorias ligados à temática da deficiência aparecem na seguinte disposição: a categoria “jovens com deficiência” é citada oito vezes no documento; as palavras “acessibilidade” e “adaptações”, cinco vezes; as palavras “tecnologia assistiva”, “deficiência”, “identidade”, “diversidade”, “acesso”, “enfrentamento” e “vulnerabilidade” duas vezes cada uma delas; e finalmente as palavras “discriminação”, “inclusão”, “capacitação dos profissionais para a inclusão”, “perspectiva multiprofissional para a inclusão”, “atendimento educacional especializado” (AEE), “jovens com surdez”, “condição peculiar”, “equidade”, “paradesporto”, “igualdade de oportunidades” e “igualdade de condições” são citadas apenas uma vez cada. A única seção que não faz nenhuma menção direta à inclusão da pessoa com deficiência é a décima, que dispõe sobre o direito à sustentabilidade e ao meio ambiente.

A seguir seguem alguns exemplos explícitos da importância desta temática no Estatuto da Juventude. Na Seção sobre o direito a educação, no inciso 3º, “[…] são assegurados aos jovens com surdez o uso e o ensino da Língua Brasileira de Sinais — LIBRAS em todas as etapas e modalidades educacionais” (Brasil, 2013, n.p.). No inciso 4º,

É assegurada aos jovens com deficiência a inclusão no ensino regular em todos os níveis e modalidades educacionais, incluindo o atendimento educacional especializado, observada a acessibilidade a edificações, transportes, espaços, mobiliários, equipamentos, sistemas e meios de comunicação e assegurados os recursos de tecnologia assistiva e adaptações necessárias a cada pessoa. (ibidem, n.p.)

O art. 10º afirma que é “[…] dever do Estado assegurar ao jovem com deficiência o atendimento educacional especializado gratuito, preferencialmente, na rede regular de ensino” (ibidem, n.p.).

Na seção do direito à diversidade e à igualdade, no art. 17, é garantido que o “[…] jovem tem direito à diversidade e à igualdade de direitos e de oportunidades e não será discriminado por motivo de […] deficiência”. E o art. 18 apregoa a “[…] capacitação dos professores dos ensinos fundamental e médio para a aplicação das diretrizes curriculares nacionais no que se refere ao enfrentamento de todas as formas de discriminação” (ibidem, n.p.) e a inclusão de temas relacionados à deficiência.

Na seção sobre o direito à saúde, o art. 20 garante a capacitação dos profissionais da área da saúde, “[…] em uma perspectiva multiprofissional, para lidar com temas relativos à saúde sexual e reprodutiva dos jovens, inclusive com deficiência, e ao abuso de álcool, tabaco e outras drogas pelos jovens” (ibidem, n.p.).

Na seção do direito à cultura, o art. 22 discrimina que compete ao poder público “[…] garantir ao jovem com deficiência acessibilidade e adaptações razoáveis […]” (ibidem, n.p.). Na seção do direito à comunicação e à liberdade de expressão, o art. 27 aponta como responsabilidade do poder público “[…] promover as redes e plataformas de comunicação dos jovens, considerando a acessibilidade para os jovens com deficiência […], garantir a acessibilidade à comunicação por meio de tecnologias assistivas e adaptações razoáveis para os jovens com deficiência” (ibidem, n.p.).

A seção do direito ao desporto e ao lazer, além de garantir que se considere a condição peculiar de cada pessoa em seu desenvolvimento com critérios que priorizem e promovam a equidade, também segue a valorização do paradesporto educacional. A seção do direito ao território e à mobilidade assegura que “[…] ao jovem com deficiência devem ser garantidas a acessibilidade e as adaptações necessárias” (ibidem, n.p.).

Na seção do direito à segurança pública e ao acesso à justiça é promovido o “[…] efetivo acesso dos jovens com deficiência à justiça em igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive mediante a provisão de adaptações processuais adequadas à sua idade” (ibidem, n.p.).

De acordo com a análise quantitativa das palavras que possuem alguma relação com a temática da deficiência, no Estatuto da Juventude são desveladas as garantias dos direitos da pessoa jovem com deficiência, ao passo que a palavra “deficiência” aparece 13 vezes no ECA. Percebe-se o esforço do Estatuto da Juventude em abranger as muitas esferas da vida juvenil da pessoa com deficiência. Os dispositivos legais do Estatuto da Juventude foram resultado de processos que balizaram a luta contínua por políticas públicas voltadas especificamente para jovens com deficiência.

TECENDO CONSIDERAÇÕES

A trajetória apresentada dessas temáticas sobre os/as jovens e jovens com deficiência desvelaram a existência de um processo com semelhanças, diferenças e complementariedades em relação a uma política de Estado que se desenrolou nas primeiras décadas do novo milênio.

Este recorte histórico da inserção da pessoa com deficiência no Brasil deixou claro que a preocupação recente com a temática na perspectiva da inclusão é parte constitutiva de uma política nacional de envergadura ainda maior e em andamento.

Todavia, com as mudanças recentes na direção das políticas públicas em nosso país, restará às futuras pesquisas nessa área averiguar o quanto ainda se caminha nessa direção. O recorte temporal da pesquisa bibliográfica demostrou que ainda há carência de estudos e trabalhos acadêmicos stricto sensu que entrecruzem essas duas temáticas aqui propostas.

Com esta pesquisa bibliográfica, conclui-se que a temática da juventude da pessoa com deficiência no Brasil é entrecruzada com a história dos outros grupos minoritários de direitos e que despontam igualmente em busca de sua centralidade no processo social do país.

São movimentos de sujeitos, mas também de organizações municipais, federais e mundiais, formando uma teia sócio-histórica e de entrelaces de lutas e ações sobre as juventudes e a pessoa com deficiência. Teia esta que ainda precisa ser desvelada por meio de novas e profundas pesquisas historiográficas.

Todo esse processo é permeado por lutas, idas e vindas, mudanças, avanços e retrocessos. Por certo, ao tentar entrecruzar essas duas temáticas, percebe-se que elas refletem a realidade de tantas outras temáticas que convivem com algum tipo de exclusão e estão em busca de sua centralidade no processo democrático de direito. E que igualmente são frutos históricos de uma trajetória sócio-político-cultural impactada por questões de ordem econômica, de mercado e de um Estado penalizador e assistencialista, que de acordo com Costa, Rodrigues e Arpini (2022, p. 308):

[…] revelam as contradições estabelecidas por este sistema neoliberal, que rege o Estado, marcado pelo poder concentrado da renda, pela exploração dos trabalhadores, cada vez mais pauperizados e endividados e por políticas sociais que não alteram as estruturas da divisão de classes para manter a ordem social estabelecida.

E afetam diretamente os/as jovens com ou sem deficiência, pobres e negros/as, demarcando “[…] uma profunda desigualdade social que gera injustiças sociais, exclusões e a marginalização da pobreza, que precisa ser contida e controlada” (Rodrigues e Sousa, 2017, p. 196).

É que, apesar dos aparentes avanços, principalmente no âmbito legal, na realidade não é permitido a essas pessoas ser nada mais nem menos que aquilo que as circunstâncias lhe permitem. Assim, concorda-se com Foucault (2014, p. 270), ao afirmar que: “[…] seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei é feita para todo mundo em nome de todo mundo; é mais prudente reconhecer que ela é feita por alguns e se aplica a outros […]”. Contudo, somos cientes que estes estatutos são instrumentos de garantias de direitos da sociedade civil organizada na luta pelos direitos de todos/as os/as jovens que estão à margem neste país.

1É importante lembrar que até o ano de 2010 a palavra “juventude” não aparecia na carta magna do nosso país. Foi somente com a Emenda Constitucional 65, de 13 de julho de 2010, que “[…] altera a denominação do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal e modifica o seu art. 227 […]” e insere a temática juventude no campo legislativo que foi respaldada a constitucionalidade do Estatuto em 2013 (Brasil, 2010, n.p.).

2Paralelamente às poucas ações do Estado, a sociedade civil organizou, durante o século XX, as próprias iniciativas, tais como: as Sociedades Pestalozzi e as Associações e Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), voltadas para a assistência das pessoas com deficiência intelectual (atendimento educacional, médico, psicológico e de apoio à família); e os centros de reabilitação, como a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) e a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), dirigidos, primeiramente, às vítimas da epidemia de poliomielite (Lanna Júnior, 2010).

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

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Recebido: 17 de Novembro de 2021; Aceito: 21 de Novembro de 2022

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

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