SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 número especialAbordagens da Educação Especial no Brasil entre Final do Século Xx e Início do Século XXI1Alunos com Surdez no Brasil: Espaços de Escolarização e Produção Acadêmica em Três Diferentes Contextos Regionais1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.24 no.spe Marília out./dez 2018  Epub 01-Out-2018

https://doi.org/10.1590/s1413-65382418000400006 

Relato de Pesquisa

A Escolarização de Alunos com Deficiência em Minas Gerais: das Classes Especiais à Educação Inclusiva1

Schooling of Students with Disabilities in Minas Gerais: from Special Classes to Inclusive Education

Adriana Araújo Pereira BORGES2 

Regina Helena de Freitas CAMPOS3 

2Pós-Doutorado em Educação do Departamento de Administração Escolar - DAE da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte - MG, Brasil. adriana.borges@terra.com.br.

3Pós-Doutorado em História da Ciência pelo Departamento de Ciências Aplicadas à Educação - DECAE da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte - MG, Brasil. regihfc@terra.com.br.


RESUMO:

O Brasil tem avançado muito em relação às políticas públicas relacionadas à educação inclusiva. Várias leis, decretos e portarias dos últimos anos buscaram garantir o acesso dos alunos com deficiências às escolas comuns. A partir da análise documental em fontes primárias e secundárias, foi construída a premissa de que, em Minas Gerais, seria possível localizar três fases do processo de consolidação da educação inclusiva. Essas fases não seriam estáticas, elas coexistiriam, se sobrepondo e permitindo visualizar a identidade de cada época. Os resultados demonstram que, na primeira fase (1930-1950), crianças com deficiência, que até então estavam afastadas das escolas, passam a frequentá-las, nas chamadas classes especiais. As classes especiais mineiras foram concebidas com o objetivo de receber crianças com deficiência em um modelo baseado nos ideais da Escola Nova. Na segunda fase (1950-1990), as escolas especiais multiplicam-se, fortalecendo esse modelo de escolarização. Uma das consequências do aumento das escolas especiais foi a migração dos alunos com deficiência para essas instituições, enquanto as classes especiais acabaram se tornando local para os chamados alunos com problemas de aprendizagem. Em uma terceira fase (1990 -), a educação inclusiva consolida-se como Lei de Estado, obrigando as escolas especiais e as escolas comuns a reinventarem seu papel. Nessa fase, as classes especiais são extintas e a Educação Especial provoca novos questionamentos. Dentre eles, o desafio de efetuar a educação para todos sem deixar de lado as especificidades de um público tão diverso.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Classes Especiais; Educação inclusiva

ABSTRACT:

Brazil has made great progress regarding public policies related to inclusive education. Several laws, decrees and ordinances of the last years have tried to guarantee the access of the students with disabilities to the common schools. From the documentary analysis on primary and secondary sources, the premise built was that in Minas Gerais, Brazil, it would be possible to locate three phases of the process of consolidation of inclusive education. These phases would not be static, they would coexist, overlap and allow to visualize the identity of each epoch. The results show that, in the first phase (1930-1950), children with disabilities who until then were out of the schools, started to attend them in the so-called special classes. The special classes in Minas Gerais were designed with the purpose of receiving children with disabilities in a model based on the ideals of the Progressive education. In the second phase (1950-1990), special schools multiplied, strengthening this model of schooling. One of the consequences of the increase in special schools was the migration of students with disabilities to these institutions, while special classes eventually became a place for the so-called students with learning disabilities. In a third phase (1990 -), inclusive education has been consolidated as a State Law, forcing special schools and common schools to reinvent their role. At this phase, special classes are extinguished and special education causes new questions. Among them, the challenge of implementing education for all without leaving aside the specificities of such a diversified population.

KEYWORDS: Special Education; Special classes; Inclusive education

1 Introdução

Este artigo é um recorte de uma pesquisa em andamento que teve por objetivo fazer um levantamento retrospectivo das políticas e das práticas educativas da educação das crianças com deficiência no Estado de Minas Gerais, Brasil, e, como consequência, avaliar os avanços e os retrocessos ocorridos. Para tanto, parte-se da premissa de que é possível identificar três fases distintas da Educação Especial: o período que vai dos anos de 1930 até os anos de 1950, considerado como a fase das classes especiais; de 1950 até 1990, denominado como a fase das escolas especiais; e dos anos 1990 até o momento atual, a fase da educação inclusiva. É importante afirmar que a divisão aqui proposta é puramente esquemática. As classes especiais perduraram para muito além da década de 1930, persistindo até os dias atuais. As instituições especiais também permanecem abertas, oferecendo a escolarização. A divisão, no entanto, permite que se possa avaliar momentos distintos e como eles se complementaram na sucessão dos acontecimentos, o que pode ter favorecido o fortalecimento das políticas inclusivas de hoje.

A primeira das fases em Minas Gerais teve início a partir do estabelecimento das classes especiais em 1931, as quais já estavam definidas por lei no Regulamento do Ensino Primário de 1927. Coube a Helena Antipoff, em seu trabalho à frente do Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte, orientar as primeiras tentativas de organização de classes homogêneas por nível intelectual nas escolas públicas estaduais, utilizando testes de inteligência (Antipoff, 2002a, 2002b). O processo de homogeneização correspondia ao princípio de organização racional do trabalho; assim, agrupar as crianças com características semelhantes de aprendizagem poderia contribuir para potencializar os resultados do trabalho escolar, tornando-o mais eficiente. Dentro dessa proposta, as primeiras classes especiais mineiras foram criadas.

A ideia de organização de classes especiais para a educação de crianças com dificuldades de aprendizagem ou retardo mental não surgiu no Brasil. Desde o século 19, essa proposta já estava sendo implementada em países da Europa, a partir da obrigatoriedade do ensino primário público, que se disseminou nessa época em diversos países. A reunião de crianças com capacidades, características de personalidade e experiências culturais diversas nas salas de aula das escolas públicas da época, evidenciava a presença das chamadas "diferenças individuais" em termos de aprendizagem e desenvolvimento psicológico. Essas diferenças passaram a ser observadas e vieram a constituir um capítulo importante da história da ciência psicológica, alimentando a área de estudo e de pesquisa denominada "psicologia das diferenças individuais". O próprio domínio de estudos da psicologia da inteligência foi erigido sobre a ideia de que as capacidades intelectuais humanas se distribuem desigualmente, dando lugar a modos diferenciados de aprendizagem. A partir dessa compreensão, o médico e psicólogo suíço Édouard Claparède propôs a organização da chamada "escola sob medida", na qual cada criança seria educada a partir de suas próprias características psicológicas e demandas de aprendizagem. Esse enfoque, na Suíça e em outros países, deu origem ao campo da Educação Especial, voltada à educação de crianças "pouco dotadas" ou "retardadas em seu desenvolvimento" (Claparède, 1920; Ruchat, 2003).

A fase caracterizada pela criação das primeiras classes especiais vai até a década de 1950, quando as escolas especiais se expandem e se fortalecem. Nessa época, o Ministério da Educação brasileiro começou a prestar assistência técnico-financeira às secretarias de educação e instituições especializadas, lançando as campanhas nacionais para a educação de pessoas com deficiências. De acordo com Drumond (2015), após a promulgação da LDB de 1961, o número de instituições privadas de cunho filantrópico voltadas à educação de excepcionais cresceu espantosamente. Dentre as instituições que se fortaleceram no período e que perduram até hoje, destacam-se as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) e as Sociedades Pestalozzi do Brasil. Em Minas Gerais, destaca-se a atuação do Instituto Pestalozzi (instituição filantrópica criada por iniciativa da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e que passou para a gestão do estado, após a fundação), a Fazenda do Rosário (internato rural) e a Escola Yolanda Martins Silva (escola anexada ao Hospital de Neuro Psiquiatria Infantil). Nessa fase, a integração de alunos com deficiência em escolas comuns poderia ocorrer, desde que o aluno demonstrasse estar preparado para tal (Mendes, 2006).

Por fim, inicia-se a terceira fase, a partir de 1990, caracterizada pela ideia da educação inclusiva, que, segundo Mendes (2017), foi popularizada pela Declaração de Salamanca e teve como foco a escola. Nesse período, o Brasil assume de forma mais contundente o compromisso de estabelecer um sistema educacional inclusivo. No entanto, embora as leis do país sejam avançadas em relação ao tema, a educação de qualidade tem sido um entrave. Desse modo, a garantia de acesso não garante aos alunos com deficiência, a aprendizagem de fato. Para que a educação inclusiva possa avançar, faz-se necessário retomar as experiências do passado, a fim de avaliar como algumas dessas experiências fizeram avançar a Educação Especial. Nesse sentido, é fundamental compreender as transformações das classes especiais e das concepções de Educação Especial e seu impacto cultural nas políticas educacionais ao longo do tempo.

2 Metodologia e fontes

Esta pesquisa objetiva aprofundar e compreender melhor as transformações das classes especiais nas diferentes fases da Educação Especial aqui propostas: a fase das classes especiais, a fase das escolas especiais e a fase atual, da educação inclusiva. Foram consultadas fontes primárias, além de outras fontes secundárias que permitiram abordar os documentos a partir dos questionamentos sobre o estabelecimento das classes especiais em Minas Gerais.

A hipótese é de que as classes especiais passaram por modificações influenciadas pelo contexto social e pelas pressões políticas de cada fase. Interessa compreender o que se ensinava e como se ensinava as crianças com deficiência, ou seja, como foi realizada a escolarização das crianças com deficiência nas fases delimitadas para o estudo. Faria Filho (2008) define a escolarização a partir de um duplo viés: por um lado, a escolarização designa o estabelecimento de processos e políticas que concernem à organização de redes ou de instituições. Por outro lado, pode designar também a forma escolar de socializar e transmitir conhecimentos.

Para o estudo do fenômeno a que temos dado o nome de escolarização social, a noção de cultura escolar mostra-se particularmente importante. Ela permite articular, descrever e analisar, de uma forma muito rica e complexa, os elementos chaves que compõe o fenômeno educativo, tais como os tempos, os espaços, os sujeitos, os conhecimentos e as práticas escolares. (Faria Filho, 2008, p. 85).

Quanto aos sujeitos, para Ruchat (2003), as palavras, as noções e os conceitos devem ser analisados como índices da construção de problemas sociais e dos mecanismos sociais de proteção das categorias patológicas. Nesse sentido, a história desenrola-se em três níveis diferentes de realidade - o dos atores, o dos discursos e o das práticas. No caso das classes especiais mineiras, concepção e prática estão intimamente ligadas. Interessa investigar, a partir do conceito de escolarização proposto por Faria Filho e de sujeitos, por Ruchat, como as classes especiais foram se modificando através do tempo.

3 De 1930 A 1950 - as classes especiais - a influência da escola nova

As classes especiais em Minas Gerais estavam previstas no Regulamento do Ensino Primário de 1927, e seu estabelecimento foi marcado pela influência da Escola Nova. Para Peixoto (1985, p. 6): "O escolanovismo, enquanto expressão da ideologia liberal, defendia a existência de uma escola única capaz de atender a todos, segundo suas características e potencialidades". A Escola Nova designa uma diversidade de iniciativas educativas que emergem no fim do século 19, em um contexto de mudança política, pedagógica, econômica e social que preconiza uma pedagogia funcional e uma pedagogia da atividade provocando o interesse da criança (Danvers, 2007). O Instituto Jean-Jacques Rousseau, onde Helena Antipoff realizou sua formação, foi um representante dos ideais desse movimento educacional.

No contexto das inúmeras mudanças sociais que resultaram em intenso processo de urbanização e de industrialização do país, nas primeiras décadas do século 20, um grande número de crianças, inclusive aquelas com deficiência, passou a frequentar as escolas públicas. Antes do estabelecimento das classes especiais, as crianças com deficiência encontravam-se internadas em hospitais psiquiátricos ou permaneciam em casa, sem acesso à educação (Borges, 2015).

Peixoto (1985) reafirma a importância do Regulamento para que os chamados anormais, na época, tivessem acesso à escola. No entanto, ela chama atenção para o fato de que a descrição do que seriam as classes especiais pressupunha um modelo de escolarização diferenciado, ou seja, apesar de nomeadas como classes e estarem localizadas nas escolas comuns, as classes especiais já se constituiriam como um sistema paralelo ao ensino comum. O formato de funcionamento das classes explicita o pensamento da época sobre o ensino dos alunos com deficiência: as salas deveriam ter no máximo 15 alunos; atender "débeis orgânicos" e "retardados pedagógicos"; deveria ser priorizado ensino ao ar livre; além de linguagem escrita e oral, cálculo e desenho, uma parte especial com trabalhos manuais, jogos e exercícios de ortopedia mental, que consistiam em atividades que visavam o desenvolvimento do aparelho sensório motor.

Helena Antipoff foi encarregada pelo governo local de instituir as classes especiais a partir da homogeneização. Por meio da aplicação de testes psicológicos, alunos seriam encaminhados para as classes escolares, de acordo com seu desempenho nos testes. Assim, as classes nas escolas mineiras passaram a ser identificadas por letras (A, B, C, D, E). A classe A para os alunos que tivessem as notas mais altas nos testes psicológicos e as classes B para os alunos medianos. As classes C para aqueles que tivessem um atraso de até 3 anos, "as crianças de espírito adormecido, ou turbulentas, mas sem defeitos notáveis no físico como no moral" (Antipoff, 1931). Já as classes D seriam denominadas de classes de educação individual e absorveriam as crianças com atraso visível, com particularidades físicas ou psíquicas fora do comum e que necessitassem de condições escolares especiais. Por fim, as classes E para as "crianças difíceis". Estas seriam as crianças que apresentavam problemas comportamentais.

Em termos da clientela, o Regulamento admitia como usuários do ensino especializado os débeis orgânicos e retardados, mas, ao estabelecerem-se as classes especiais, crianças com problemas de comportamento e até mesmo crianças órfãs foram consideradas público da Educação Especial. O conceito de anormalidade funcionava como um guarda-chuva conceitual da época e abarcava uma grande quantidade de termos, diagnósticos e classificações. Por um lado, o conceito de anormalidade abrangia um público maior do que o estipulado pelo Regulamento, tendo como consequência o rótulo. Por outro lado, o conceito permitia que uma população extremamente marginalizada na época pudesse frequentar a escola, em uma classe com ensino diferenciado. O fato é que, naquela época, não havia um consenso sobre qual seria a clientela da Educação Especial. Médicos e pedagogos não entravam em acordo sobre a questão. A dificuldade do período pode ser entendida a partir da afirmação de Antipoff, ao relatar os casos atendidos no consultório médico pedagógico do Instituto Pestalozzi:

Se deu também um fato bem curioso: os educadores e os psychologos ficavam certos que a melhora das crianças residia na medicina; os médicos, ao contrário, davam crédito sobretudo a educação e a psychotherapia. A psicanálise, em particular, se apresentava aos servidores do Esculápio como a verdadeira tábua de salvação. Foi tal a desadaptação, perante a variedade e à complexidade dos casos que enchiam o consultório e as classes especiais, que os educadores estavam prontos a prescrever vermífugos, pomadas, mercúrios e iodo, e os médicos achavam necessário recomendar aos pais os cuidados pedagógicos, ensinando-lhes a arte de formar hábitos morais. (Antipoff, 1937, p. 42).

Embora a definição do perfil dos alunos das classes especiais provocasse debates, havia diretrizes, naquela época, sobre o que ensinar e como ensinar. Com o estabelecimento das classes especiais, surge a figura do professor especialista. Helena Antipoff chega em 1929, advinda da Europa e permanece em Minas Gerais até o seu falecimento em 1974. Antipoff pode ser considerada uma das pioneiras da Educação Especial no Brasil; no entanto, sua influência na área não se limitou a Minas Gerais, mas se estendeu aos outros estados da federação. Embora o termo "excepcional" já circulasse no meio acadêmico em obras de autores estrangeiros, foi Helena Antipoff que propôs a sistematização de seu uso em substituição a anormais, inaugurando sua utilização em documentos oficiais e extraoficiais.

Para Antipoff, as classes especiais não eram uma novidade. Ela havia se formado em Ciências da Educação entre 1912 e 1914 no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, primeira escola de Ciências da Educação a ser criada na Europa (Hoffstetter, 2010). Lá, foi aluna de Édouard Claparède e, também, de Alice Descoeudres, uma das principais estudiosas da Educação Especial na Europa. Posteriormente, entre 1927 e 1929, foi assistente de Claparède no Laboratório de Psicologia do Instituto Rousseau, na época já incorporado à Universidade de Genebra.

Antipoff tinha uma formação sólida no campo da Educação Especial. Então, o que deveria ser ensinado nas classes especiais? Ela justificou o estabelecimento das classes especiais quando afirmou que um professor satisfeito com a maioria dos seus alunos segue seu plano de ensino sem se preocupar com aqueles "poucos retardatários", ou seja, se poucos na turma não aprendem, não seria viável mudar a prática (Antipoff, 1931). Contudo, se o professor recebesse uma classe inteira de crianças com dificuldades, ele não teria a opção de ignorar. Seria necessária uma atuação mais consistente. O principal pressuposto do trabalho nas classes especiais preconizado por Antipoff era a possibilidade de ofertar um ensino individualizado (cada criança poderia requerer um método diferenciado de aprendizagem). Além disso, a metodologia nas classes especiais deveria seguir os cinco princípios diretores propostos por Descouedres. Em primeiro lugar, levar em consideração a atividade da criança, criar condições para sua ação, para que ela pudesse explorar diferentes ambientes. Em segundo, a educação sensorial, as crianças deveriam aprender a utilizar melhor seus sentidos. Em terceiro, a concentração deveria ser estimulada a partir dos interesses da criança em assuntos concretos. Em quarto lugar, a individualização do ensino, o qual deveria ser planejado para a criança. Por fim, o caráter utilitário do ensino, visando um fim social, preparar a criança para a vida descobrindo e estimulando suas aptidões (Descoeudres, 1968).

Embora a teoria estivesse bem estabelecida, na prática, as coisas não iam bem nas classes especiais da capital mineira. Havia uma resistência grande por parte do professorado em assumir essa função. Quando assumiam, as condições não eram satisfatórias, o que inviabilizava o trabalho. Ao se deparar com esses impasses, Antipoff propôs a organização de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, que pudesse auxiliar os professores na busca de soluções para atender à chamada "infância excepcional". Em 1932, foi criada a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. Em 1935, iniciou o funcionamento do Instituto Pestalozzi, uma das primeiras escolas especiais do estado de Minas Gerais. Em 1945, Helena Antipoff fundou com colaboradores a Sociedade Pestalozzi do Brasil. Aos poucos, as escolas especiais foram se constituindo como local de escolarização das crianças com deficiência, e as classes especiais permaneceram atendendo à clientela que não podia ser denominada de excepcional e que, ao mesmo tempo, não se encaixava nos critérios de normalidade impostos socialmente.

4 Escolas especiais (1950-1990) - um outro lugar para as deficiências

Entre os anos de 1950 e de 1990, as escolas especiais assumem o protagonismo da educação dos alunos com deficiência. Nesse período, destacam-se, em Minas Gerais, o papel do Instituto Pestalozzi, da Fazenda do Rosário e da Escola Estadual Yolanda Martins Silva, anexada ao Hospital de Neuropsiquiatria Infantil de Minas Gerais. As três instituições escolarizavam crianças com deficiência, mas cada qual em uma perspectiva diferente. Paralelamente ao fortalecimento das escolas especiais, as classes especiais continuaram funcionando no estado, mas seu público foi sendo alterado aos poucos. As mudanças foram processuais, não ocorreram por rupturas ou quebra de paradigmas. A atuação das três instituições demonstra isso.

4.1 Instituto Pestalozzi

Em 1935, foi criado, em Belo Horizonte, o Instituto Pestalozzi. A Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais recebeu a doação de um terreno e solicitou ao governo de Minas que erguesse um prédio para a escola. O governo realizou a construção e assumiu o pagamento das professoras (Sociedade Pestalozzi, 1934). O Instituto foi concebido dentro da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, e sua criação respondia à crescente inquietação de Helena Antipoff em relação às classes especiais mineiras. Apesar de existir uma orientação clara sobre o funcionamento das classes, os relatórios realizados pelas alunas da Escola de Aperfeiçoamento apontavam dificuldades. No ano de 1933, nos 15 grupos escolares de Belo Horizonte, havia 34 classes especiais. O total de alunos dos grupos era de 9.272 crianças, 883 crianças frequentavam classes especiais, ou seja, 9,5% da população (Sociedade Pestalozzi, 1933) - um número considerável de alunos. Além do suporte recebido nas visitas da auxiliar de Antipoff, as professoras das classes especiais eram convidadas a participar de reuniões mensais que aconteciam no Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento. Das 34 professoras regentes, a média de comparecimento nas reuniões era de 50%, cerca de 17 professoras nas reuniões.

Os relatórios eram preocupantes: excesso de alunos nas salas, algumas salas pequenas, professoras desmotivadas. Todos esses pontos pesaram para que Antipoff decidisse que seria necessário abrir uma escola especial. Nesse ambiente, as classes especiais poderiam funcionar da forma planejada. Além disso, no Instituto funcionaria o Consultório Médico Pedagógico, para avaliação e acompanhamento das crianças; haveria a oferta de cursos sobre a condição da deficiência; foi previsto ainda um centro que faria os estudos estatísticos, que já naquela época era considerado estratégico para o avanço das discussões sobre a condição das pessoas com deficiência.

O Instituto deu início às suas atividades matriculando crianças com deficiência, mas também alunos de um abrigo para menores situado em Belo Horizonte. O consultório médico pedagógico funcionava com uma equipe multidisciplinar, formada por médico, pedagogo e psicóloga. Os casos eram discutidos e avaliados por essa equipe (Borges, 2015). Contudo, apesar do Instituto funcionar a contento, uma outra preocupação surgiu: qual seria o destino dos alunos das classes especiais após a saída da escola? A percepção de que os alunos se desligariam da escola, que se tornariam adultos e perderiam o apoio dos pais para seu sustento, a consciência de que era necessário profissionalizá-los fez com que Antipoff investisse em um outro modelo educacional na Fazenda do Rosário. O ambiente rural lhe pareceu adequado para não só responder adequadamente às demandas das crianças e dos jovens com deficiência, mas também seria a oportunidade de profissionalizar e de assegurar o futuro dessa população.

Em 1939, a primeira turma de alunos do Instituto Pestalozzi do curso primário finalizou essa etapa da escolarização, mas não havia condições de darem continuidade aos estudos em outros estabelecimentos, nem de conseguirem emprego. A Sociedade Pestalozzi fez uma intensa campanha e arrecadou donativos, sendo o mais importante conseguido por meio de uma campanha empreendida pela rede dos Diários Associados, pertencente ao jornalista Assis Chateaubriand. Com esses recursos, foi adquirido um sítio de 40 alqueires, localizado no munícipio de Ibirité, localizado a 26 km de Belo Horizonte (A Fazenda do Rosário através dos registros, n.d.).

4.2 Fazenda do Rosário

No dia 2 de janeiro de 1940, duas professoras, Cora Duarte e Iolanda Barbosa, partiram de caminhão para a Fazenda com 5 meninos do abrigo de menores. A casa era pequena e velha, com fogão a lenha. Tiveram que desbravar a fazenda, limpar os caminhos, tirar o mato. Em 12 de fevereiro de 1940, a escola iniciou as atividades, com 10 alunos. No dia 21 de fevereiro de 1940, já eram 16 alunos. A Escola recebeu o nome de Escola Rural Dom Silvério. Em 1942, a fazenda já contava com luz elétrica e estava melhor organizada. Naquele ano, a fazenda recebeu os primeiros "meninos retardados, às vezes fortemente prejudicados, já pela hereditariedade, já pelos acidentes sofridos desde tenra idade" (A Fazenda do Rosário através dos registros, n.d., p. 26).

No relatório escrito por Iolanda Barbosa em 1952, 12 anos após a fundação da Fazenda, ela relata que haviam passado pela instituição 343 crianças, e ainda permaneciam 121 internadas. As crianças receberam diagnósticos de idiotas, imbecis, débeis mentais e retardados leves. Os diagnósticos foram elaborados a partir da aplicação dos testes e das observações realizadas pelas professoras. A grande maioria dos casos, segundo o relatório, era formada pelos alunos com retardo mental (Barbosa, 1952). Apesar dos atrasos significativos, aprendiam a ler e a escrever, foram integrados ao trabalho em ocupações como pedreiros, carpinteiros, operários, empregados no comércio. Alguns se casaram e mantinham suas famílias. A Fazenda recebeu ainda alunos com deficiências sensoriais e físicas. Fica claro que o Rosário recebeu o público denominado hoje como público-alvo da Educação Especial.

4.3 Escola Estadual Yolanda Martins Silva

O Decreto-Lei nº 2094, de 14 de março de 1947, criou o Hospital de Neuropsiquiatria Infantil (HNPI) e o Instituto de Psicopedagogia. O hospital seria destinado a atender à hospitalização e ao tratamento de crianças "portadoras de doenças nervosas e mentais". O Instituto Psicopedagógico seria "destinado à classificação e orientação de crianças anormais" (Cirino, 1992, p. 69). Cirino (1992) relata que, no ano de 1949, foram aplicados testes psicológicos em 410 pessoas. Além disso, foi criado um curso técnico de professores, com aulas de psicologia experimental e pedagogia para crianças psicopatas. O termo psicopata, na época, significava "doente mental" (Alvim, 1971). O Instituto ainda colaborava com a alfabetização das crianças internadas. O Hospital começou funcionando somente com ambulatório; em 1949, foram inaugurados 150 leitos. No ano de 1963, foram 450 internações:

Verificou-se um aumento progressivo das internações até 1963, quando chegaram a atingir, aproximadamente, o número de 450. Segundo os autores, três fatores contribuíram especialmente para esse elevado número: escassez de outros órgãos assistenciais especializados em psiquiatria infantil, bem como de escolas para excepcionais, critérios precários para a seleção dos casos de internamento. No hospital era grande o número de abandonados sociais e de outros casos não psiquiátricos, falta de atendimento psiquiátrico extramural (Cirino, 1992, p. 71).

Com o funcionamento de ambulatório, constatou-se que 70% dos casos eram de crianças com quociente intelectual na média, mas com dificuldades escolares, que poderiam continuar frequentado as classes nas escolas comuns, desde que fossem convenientemente assistidas. Foi observado ainda que muitas crianças eram encaminhadas a escolas especializadas, no problema específico do chamado retardamento mental, o que acabava por produzir sérios prejuízos pedagógicos e a cronificação das dificuldades. Em 1969, foi criada a Escola Primária de Ensino Emendativo, junto ao Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. A expressão Ensino Emendativo, inspirada na obra da médica italiana Maria Montessori, era utilizada na época no sentido de ensino especial. A demanda das escolas aumentava significativamente, desembocando na criação de uma unidade especializada, a Unidade Psicopedagógica (UNP).

Em 1977, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) assumiu a direção do Hospital. Em 1980, o HNPI e o UNP foram unidos e juntos passaram a compor o Centro Psicopedagógico (CPP) (Silveira, 2011). Em 1987, o CPP possuía uma estrutura complexa formada pelo setor de internação (o antigo HNPI), ambulatório, setor de avaliação e tratamento, além da escola especializada, a Escola Estadual Yolanda Martins Silva (Costa, 1987). Costa (1987) relata ainda que foi realizada uma espécie de recrutamento nas escolas. Os profissionais, na época da implantação, iam até as escolas para falar aos professores da importância de realizarem os encaminhamentos, o que acabou gerando o espantoso número de 18.000 atendimentos em até o ano de 1982.

4.4 Classes especiais entre 1950/1990

Já as classes especiais em Minas Gerais, foram objeto de regulamentação em 1960. De acordo com Machado (1985), a instrução nº 1, do Serviço de Orientação e Fiscalização do Departamento de Educação da Secretaria, publicada em janeiro de 1960, definiu a organização e o funcionamento do ensino nas escolas públicas estaduais. Os alunos que não obtivessem promoção em classes preliminares seriam considerados AE (alunos especiais), de CE (classes especiais). Desse modo, já na entrada na escola, os alunos mal avaliados iriam para as classes preliminares, iniciando um percurso excludente na escola. "Estava consagrada a existência de classes e alunos que não se enquadram nos padrões estabelecidos pelo sistema" (Machado, 1985).

Em 1962, o Código do Ensino Primário do estado utilizou a categoria de ensino emendativo, que deveria ser ofertado em classes especiais ou escolas especiais. No caso das classes especiais, a regulamentação ocorreu em 1964 e seria necessário cumprir uma série de exigências para que as classes funcionassem nas escolas comuns. Dentre as exigências, a classe deveria ser composta por alunos mentalmente retardados, educáveis, de acordo com a classificação feita pela equipe técnica da Secretaria que deveria atender a todo o Estado; a existência de professores especializados, e de uma equipe formada por psicólogo, foniatra, enfermeira, assistente escolar; a existência de salas e de equipamentos para o desenvolvimento do currículo que previa exercício de "ortopedia mental", terapia ocupacional, jardinagem, criação de animais domésticos, atividades artísticas ou práticas especializadas em oficinas pedagógicas; a disponibilidade de recursos financeiros para as despesas necessárias (Machado, 1985). Segundo a autora, "a preocupação com a organização das classes revela o reconhecimento da diversidade da clientela e da complexidade dos recursos indispensáveis a seu atendimento" (Machado, 1985, p. 15). A preocupação demonstrada no Código contrastava com o fato de não existirem nos quadros das escolas ou nos órgãos regionais os profissionais exigidos. Não havia os profissionais necessários para o cumprimento das atividades específicas previstas na Portaria, nem espaço para as atividades ao ar livre.

A clientela das classes especiais foi se modificando: "Desde 1964 a designação classes especiais reserva-se ao grupo das DME (Deficiências Mentais Educáveis)" (Ferreira, 1985, p. 37). Em 1968, a Portaria nº 135/68, que revoga a de nº 03/64, mantém o conceito de educação emendativa, mas surgem outras categorias: Ensino Domiciliar, Ensino Itinerante, junto aos Estabelecimentos de Ensino e aos Institutos ou Estabelecimentos Especiais. As Classes especiais são reagrupadas em Classes Preparatórias, com o objetivo de preparar o deficiente para o sistema escolar comum; Classe de Ajustamento, para atender alunos portadores de dupla deficiência: deficiência mental e cegueira ou deficiência mental e surdez; Classe Recurso, para cegos ou surdos e Classe Especial, para Deficientes Mentais e Inadaptados que não tenham condições de serem integrados em classes comuns (Machado, 1985).

A Portaria nº 70/69 apresenta uma nova proposta quanto ao programa a ser desenvolvido, às etapas, aos tipos de classe e à promoção automática. Os programas seriam divididos em quatro etapas (A, B, C, D), e, ao vencer uma etapa em qualquer época do ano, o aluno seria promovido automaticamente, abolindo-se a repetição. Não é possível dizer se essa experiência ocorreu de fato. Com o Decreto Federal nº 72.425/73, de 3 de julho de 1973, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), centralizando no âmbito Federal as ações da Educação Especial no Brasil. A Resolução nº 318/73 suprimiu a classificação por tipos de alunos e tipos de classes, prevendo a organização das turmas observando-se a idade do aluno, sua escolaridade e seu rendimento escolar. O Decreto Estadual nº 16.433, de 18 de julho de1974, passou a prever uma gratificação de 20% em cima dos salários dos professores das classes especiais. Assim, embora não houvesse mais a tipificação dos alunos para as classes especiais, era necessário que os estabelecimentos de ensino comprovassem a existência destas para a bonificação dos professores. A partir daí, o número de classes especiais cresceu vertiginosamente (Machado, 1985).

Em 1976, "a equipe de direção superior da Secretaria, preocupada com os altos índices de repetência na 1ª série e a constatação do grande número de 'classes especiais' existentes no sistema, desenvolveu o Projeto (ALFA)" (Machado, 1985). Constatou-se então, que a maior parte das crianças nas classes especiais as frequentavam de forma indevida.

Uma das ações do projeto foi a oferta de assistência psicopedagógica, realizada a parir da avaliação de "prontidão" para leitura e escrita dos alunos. A equipe contava com um orientador educacional, um psicólogo e um supervisor. Em 1978, a assistência encaminhou 378 crianças para a escola especial, 9.250 para as classes especiais e 1.884 para as classes comuns. A atuação dessa equipe foi sendo alterada com o tempo. Por fim, ela ficou responsável por fazer a testagem dos alunos e realizar o encaminhamento para as classes especiais.

Ela se restringia, e de forma ineficiente, à fase de diagnóstico, a testar e legitimar as classes especiais. Ineficiente porque muita pouca orientação - e, em alguns casos nenhuma orientação - foi dada às professoras de tais classes. Ineficiente porque nem mesmo o diagnóstico era realizado no prazo previsto, ou seja, no início do ano letivo, dificultando o trabalho pedagógico das escolas. (Paixão, 1986, p. 72).

Em muitos casos, as crianças "suspeitas" de serem de classes especiais ficavam abandonadas, esperando o diagnóstico. A criança da classe especial, nesse período, era definida nos documentos oficiais do estado como aquela que, com inteligência normal ou mesmo superior, sem problemas sensoriais ou emocionais graves, apresentava atraso nos domínios cognitivo, motor e perceptivo, prejudicando o rendimento da aprendizagem. Portanto, estavam excluídos das classes especiais, nesse período, os alunos que, hoje, são público-alvo da Educação Especial. Cataldo (1985) cita a Instrução 1 da Diretoria de Educação Especial do estado de Minas Gerais que fala sobre o perfil dos alunos das classes especiais:

Classes especiais são, em 1981, as que reúnem alunos com diagnóstico de imaturidade, sob o ponto de vista, físico, intelectual e emocional; leves desvios em funções importantes para aprendizagem escolar, ritmo de aprendizagem mais lento que a média, estimulação perceptiva inadequada que por não aconselharem socialização em ambiente à parte, tornam imperiosa a criação de um ambiente especial na escola regular. (Cataldo, 1985, p. 97).

Pode-se supor, a partir dos dados apresentados, que, na fase das escolas especiais, alunos com deficiência paulatinamente vão deixando as classes especiais das escolas comuns e migram para as escolas especiais. E as classes especiais vão sendo ocupadas pelos alunos que não possuíam deficiência, mas que não conseguiam se enquadrar dentro dos padrões da escola. Estabelece-se, então, um certo "pacto", em que as escolas especiais, grande parte delas da iniciativa privada e filantrópicas, assume a escolarização dos alunos com deficiência, enquanto as classes especiais passam a ser ocupadas pelas crianças que não aprendiam, a maior parte delas "as que vem da favela, as que já tem irmãos na mesma condição, aquela cujos pais não tem condições de acompanhar o trabalho da escola, são sujas, etc." (Paixão, 1986, p. 75).

Um ponto importante que merece ser destacado diz respeito ao tipo de educação ofertado nas classes e escolas especiais. Tanto em um espaço quanto em outro, as expectativas em relação à aprendizagem desse público eram mínimas. As classes especiais mineiras operavam em um "longo e discutível período preparatório para a aprendizagem da leitura e escrita. Pouco se espera da criança especial" (Paixão, 1986, p. 76). Já, nas escolas especiais, grande parte do currículo trabalhado com os alunos passou a cuidar das atividades de vida diária, das atividades de vida prática e dos trabalhos manuais. A escolarização formal ficou em segundo plano. Uma ênfase especial era dada ao tratamento das crianças nos atendimentos da psicologia, fisioterapia e foniatria. O Parecer nº 375/85, que aprovou o regimento escolar do Instituto Pestalozzi, dizia que o currículo seria adaptado às peculiaridades dos alunos, dando-se especial importância à preparação para o trabalho (Instituto Pestalozzi, 1985). Na prática, eram realizadas oficinas pedagógicas de trabalhos manuais (bordado, pintura, artesanato em geral) e as profissionalizantes eram constituídas de oficinas de alfaiataria, artesanato em couto, cabelereiro e manicure, costura, gráfica, marcenaria e sapataria. Na Escola Estadual Yolanda Martins Silva, o currículo também enfatizava as atividades de vida diária e prática, em detrimento do conhecimento formal, que a escola deveria ofertar.

5 A década de 1990 até os dias atuais - novos desafios

Em 1995, Torezan e Caiado publicaram um artigo na Revista Brasileira de Educação Especial (Torezan & Caiado, 1995), no qual problematizaram o fim das classes especiais. Em primeiro lugar, deram ciência dos inúmeros estudos que apontavam para o fato de que a maioria das crianças das classes especiais não tinham deficiência, mas, sim, problemas que não requeriam ensino especial, como problemas de comportamento, por exemplo. As classes serviam mais para segregar os alunos considerados indesejáveis do que para trazer as crianças com deficiência para a escola. Para as autoras:

Um primeiro ponto a considerar diz respeito à crença de que a extinção das classes especiais possa resolver ou minimizar o problema da discriminação/segregação na escola regular. A questão da identificação e rotulação de crianças como diferentes envolvem dimensões complexas que extrapolam o fato de existir ou não classes especiais. É sabido que a presença de tais classes, numa determinada comunidade, propicia uma maior identificação de alunos especiais, como já foi demonstrado por alguns estudos. No entanto, isso não é suficiente para explicar o processo de identificação e de rotulação de alunos por parte dos professores (Torezan & Caiado, 1995, p. 32).

As autoras lançam outras perguntas sobre as classes especiais. Perguntam se as crianças mais comprometidas (lesionadas ou sindrômicas) frequentariam as classes regulares. Se sim, em quais condições. Para elas, o movimento natural seria de migração dessas crianças para as escolas regulares, deixando para trás as escolas especiais, locais segregadores, a maioria instituições filantrópicas onde as crianças não aprendiam, apenas se ocupavam. As autoras continuam o artigo problematizando se seria realmente o caso de acabar com as classes especiais.

Omote (2000) retoma o artigo. Para ele, dois fatores seriam inquietantes em relação às classes especiais: os critérios de encaminhamento (por vezes, arbitrários) e a permanência prolongada dos alunos nas classes especiais, sem a perspectiva de irem para as classes comuns. Ele discute os argumentos das autoras e apresenta outros, como a propensão a considerar o fracasso escolar um problema do aluno e não do sistema educacional. Para o autor, é função da Educação Especial educar os alunos com deficiência e a Educação Especial não poderia ser responsabilizada pelo fracasso escolar das crianças das camadas populares, pois estaria havendo uma apropriação indevida do campo para justificar esse fracasso. E mais:

São dois problemas distintos que se confundem no uso dos recursos de Educação Especial nas escolas públicas: (1) o ensino deficiente das crianças de camadas populares e (2) a educação escolar de crianças deficientes que, em função de sua condição, não podem ser escolarizadas através de recursos comuns. São dois problemas distintos para os quais é necessário buscar soluções distintas seguindo caminhos próprios para isso. É inaceitável a ideia de que um recurso de educação especial seja extinto devido ao seu mau uso que resulta na segregação de seus usuários. É inaceitável admitir que o discurso da educação especial seja usado para dissimular problemas tão graves como o do fracasso escolar na educação de crianças de classes populares. (Omote, 2000, p. 51).

O autor defendia, naquele momento, a manutenção das classes especiais, indicando que o fechamento tinha mais a ver com os equívocos no uso desse recurso, do que com sua inoperância. Problematiza, ainda, a falta de outros recursos que poderiam ser utilizados para promover a inclusão das pessoas com deficiência.

Os dois artigos representam um momento histórico importante da Educação Especial. Ambos trazem à tona as questões que estavam sendo discutidas pelos pesquisadores naquele momento. Dessa maneira, o campo teve de lidar com os conflitos que implicaram mudanças de percurso que se refletem nos dias atuais, com a progressiva incorporação, pelos educadores e pela própria legislação brasileira, do paradigma de educação inclusiva.

De acordo com a legislação federal vigente, a educação de alunos com deficiência deve ocorrer nas escolas comuns. A Educação Especial, considerada como modalidade de ensino, na perspectiva da educação inclusiva, perpassa todos os níveis de escolarização: a Educação Infantil, Fundamental, o Ensino Médio e Superior (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2008). Ainda segundo o documento, o público-alvo da Educação Especial são os alunos com deficiência, transtorno global do desenvolvimento (atualmente, o termo utilizado é transtorno do espectro do autismo) e superdotação/altas habilidades. Por um lado, são inegáveis os avanços da educação inclusiva. Assiste-se, nos últimos anos, à crescente entrada de alunos com deficiência nas escolas comuns. Segundo Hudson (2017, p. 24):

Essa ampliação é significativa ao longo dos anos, pois no Brasil, de 2010 a 2016, registra-se 312.154 novas matrículas, em Minas Gerais o avanço é de 42.927 e em Belo Horizonte/MG de 2014 a 2016 houve o aumento de 1.012 novos alunos nas classes comuns, enquanto nas classes especializadas houve o decréscimo.

Por outro lado, os desafios permanecem. Apesar do acesso, a permanência e a aprendizagem desses alunos ainda é um grande desafio. Em relação ao Ensino Médio, o acesso ainda é um problema. O Relatório dos Impactos 2016, do Ensino Médio Inclusivo, publicado pelo Instituto Rodrigo Mendes, analisa os dados do censo escolar referentes ao ano de 2015. A inclusão de alunos com deficiência no Ensino Médio triplicou em 10 anos. Em 2007, eram 15.935 alunos; em 2011, 30.152 alunos; e, em 2015, o número subiu para 62.167 alunos. Um dos problemas apontados pelo relatório é o baixo índice de aprendizagem.

Comparando etapas de ensino em 2015, mais um dado importante: no ensino fundamental a parcela de estudantes com deficiência representa 2,9% das matrículas nos anos iniciais e 1,8% nos anos finais, ou seja, ocorre um afunilamento progressivo da presença desse grupo na sala de aula ao longo da vida escolar. (Instituto Rodrigo Mendes, 2016, p. 7).

Quanto às classes especiais, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no ano de 2015, funcionaram as últimas classes especiais em escolas comuns da capital mineira. Eram três escolas, uma delas com 3 salas, outra com duas e a última com uma sala. As escolas públicas de Belo Horizonte e de Minas Gerais recebiam, obrigatoriamente, alunos com deficiência. As matrículas não eram rejeitadas, o que garantia o acesso. Ainda funcionavam escolas especiais públicas. O objetivo seria que elas fossem paulatinamente fechadas.

As classes especiais cumpriram um papel importante na primeira metade do século 20, quando abriram suas portas para os alunos com deficiência. No entanto, a partir da intensificação da oferta de ensino nas escolas especiais, elas passaram a receber outra clientela, as crianças com dificuldades de aprendizagem. Esse modelo demonstrou falhas e acabou se esgotando. Acabaram as classes especiais e surgiram as salas de aula inclusivas. O paradigma atual traz novos desafios: como considerar as especificidades de sujeitos tão diversos em um modelo único, a sala de aula inclusiva.

6 Considerações finais

As classes especiais tiveram um forte papel em Minas Gerais. Na primeira fase, considerada entre o período de 1930-1950, as classes receberam alunos com diversas deficiências. Havia no período uma proposta metodológica diferenciada para a educação das crianças. A influência da Escola Nova, representada pela figura de Helena Antipoff, tentou impor um trabalho baseado no respeito às diferenças individuais.

Entretanto, a partir dos anos de 1950, as escolas especiais iniciam um processo de expansão. Ocorre então uma alteração do público das classes especiais. Antes formado por alunos com deficiência, passa a ser formado por crianças com problemas de aprendizagem ou dificuldades escolares. O lócus classes especial passa a ser ocupado por aquelas crianças que não se encaixam na escola. Ruchat (2002) afirma que a anormalidade é um conceito fluído. Esse conceito envolve normas, valores tanto sociais quanto culturais, mas também as políticas de intervenção de cada período. A criança anormal seria aquela que vive em condições anormais - aquela da classe especial, do instituto, da casa de correção. Ruchat inverte a ordem das coisas: não é porque é anormal que a criança está na classe especial, mas é por estar na classe especial que a criança é anormal. Embora não tivesse deficiência, o aluno da classe especial, do período compreendido entre os anos de 1950 e 1990, estava fora da norma, por isso ocupava a classe especial.

A história das classes especiais mineiras demonstra que é necessária atenção para as especificidades dos sujeitos que constituem o público-alvo da Educação Especial. Demonstra ainda que, concebidas para alunos com características específicas, as classes especiais sofreram as influências de determinações governamentais que alteraram seus objetivos iniciais. Por isso, para Omote (2008), "em última instância, a caracterização de uma condição como deficiência ou não depende de critérios antes políticos que científicos ou técnicos" (Omote, 2008, p. 20).

Referências

A Fazenda do Rosário através dos registros (n.d.). Documento datilografado localizado na Sala Helena Antipoff da Biblioteca Central da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. [ Links ]

Alvim, C. F. (1971). Vocabulário de termos psicológicos e psiquiátricos. Belo Horizonte: Publicação da Imprensa Oficial para a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. [ Links ]

Antipoff, H. (1931). A pedagogia nas classes especiais (C. D). Revista do Ensino, 6(56-58), 24-39. [ Links ]

Antipoff, H. (2002a). Organização das classes nos grupos escolares de Belo Horizonte (1931). In R. H. F. Campos (Org.), Helena Antipoff - Textos Escolhidos (pp. 197-212). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]

Antipoff, H. (2002b). Das classes homogêneas (1935). In R. H. F. Campos (Org.), Helena Antipoff - Textos Escolhidos (pp. 213-14). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]

Antipoff, H. (1937). Breve relatório da Sociedade Pestalozzi para o ano de 1936 e o primeiro trimestre de 1937 (1937) (Coleção do Departamento Nacional da Criança). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. [ Links ]

Barbosa, I. (1952). Notas sobre os alunos internos na Escola Rural D. Silvério, na Fazenda do Rosário (7 p., Datilografado). Ibirité: Memorial Helena Antipoff - Fundação Helena Antipoff. [ Links ]

Borges, A. A. P. (2015). De anormais a excepcionais: História de um conceito e de práticas inovadoras em educação especial. Curitiba: CRV. [ Links ]

Cataldo, E. M. (1985). Por uma educação integradora. Cadernos Faculdade de Educação UFMG, (1), 89-106. [ Links ]

Cirino, O. (1992). O descaminho daquele que desconhece. Fascículos FHEMIG, (7), 39-83. [ Links ]

Claparède, É. (1920). L'école sur mésure. Neuchâtel: Payot. [ Links ]

Costa, D. A. F. (1987). Diferença não é deficiência: Em questão a patologização do fracasso escolar (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. [ Links ]

Danvers, F. (2007). Orienter selon l'Education nouvelle. In A. Ohayion, D. Ottavi, & A. Savoye. L'Education nouvelle, histoire, presence et devenir (pp. 163-184). Berne: Peter Lang. [ Links ]

Decreto-Lei nº 2094, de 14 de março de 1947. Cria o Hospital de Neuro-psiquiatria Infantil e o Instituto de Psico-pedagogia, subordinados à Divisão de Assistência Neuropsiquiátrica do Departamento Estadual de Saúde. Recuperado em 27 de junho de 2018 de https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=DEL&num=2094&comp=&ano=1947Links ]

Descoeudres, A. (1968). A educação das crianças retardadas. Belo Horizonte: Publicações da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. [ Links ]

Drumond, A. C. (2015). A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Barbacena e o atendimento às pessoas com Síndrome de Down (1962-1976): Diálogos com pestalozzianos (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. [ Links ]

Faria Filho, L. M. (2008). O processo de escolarização em Minas Gerais: Questões teórico-metodológicas e perspectivas de pesquisa. In C. G. Veiga, & T. N. L. Fonseca (Orgs.), História e historiografia da educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica Editora. [ Links ]

Ferreira, M. L. A. C. (1985). De monjolos e cataventos ou da legislação em vigor em Minas Gerais, para classes especiais. Cadernos Faculdade de Educação UFMG, (1), 27-38, 1985. [ Links ]

Hoffstetter, R. (2010). Genève: Creuset des sciences de l'éducation. Paris: Librairie Droz. [ Links ]

Hudson, B. C. S. (2017). A percepção dos professores sobre a contribuição da psicologia na educação inclusiva: Ações conjuntas com a rede pública em Belo Horizonte/MG (Trabalho de Conclusão do Curso). Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil. [ Links ]

Instituto Pestalozzi (1985). Regimento Escolar do Instituto Pestalozzi aprovado em 30/04/1985 19 p. [ Links ]

Instituto Rodrigo Mendes (2016). Relatório de impactos 2016: Ensino médio inclusivo: Construindo uma escola para todos. Recuperado em 27 de junho de 2018 de https://institutorodrigomendes.org.br/ensino-medio-inclusivo/relatorios/relatorio2016/ensino-medio-inclusivo.pdfLinks ]

Machado, M. A. C. (1985). As classes especiais em Minas Gerais a partir dos anos 1960. Cadernos Faculdade de Educação UFMG, (1), 13-26. [ Links ]

Mendes, E. G. (2006). A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, 11(33), 387-405. [ Links ]

Mendes, E. G. (2017). Sobre alunos "incluídos" ou "da inclusão": Reflexões sobre o conceito de inclusão escolar. In S. L. Victor, A. B. Vieira, & I. M. Oliveira (Orgs.), Educação Especial Inclusiva: Conceituações, medicalização e políticas (pp. 60-83). Campos dos Goytacazes, RJ: Brasil Multicultural. [ Links ]

Omote, S. (2000). Classes especiais: Comentários à margem do texto de Torezan e Caiado. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, 6(1), 43-64. [ Links ]

Omote, S. (2008). Diversidade, educação e sociedade inclusiva. In A. A. S. Oliveira, S. Omote, C. R. M. Giroto (Org.), Inclusão escolar: As contribuições da educação especial (pp. 15-32). Cultura acadêmica editora: São Paulo. [ Links ]

Paixão, L. P. (1986). A escola dos carentes: Um projeto em Minas Gerais. In M. G. Arroyo (Org.), Da escola carente à escola possível (pp. 55-84). São Paulo: Edições Loyola. [ Links ]

Peixoto, L. C. (1985). A perspectiva da educação especial nos anos 20 em Minas Gerais. Cadernos Faculdade de Educação UFMG, (1), 6-11. [ Links ]

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Recuperado em 1 de fevereiro de 2018 de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdfLinks ]

Ruchat, M. (2002). Entre militance e science: La cause des enfants anormaux à l'Institut Jean- Jacques Rousseau 1913-1933. Les Sciences de l'éducation - Pour l'Ère nouvelle, 35(4), 63-83. [ Links ]

Ruchat, M. (2003). Inventer les arriérés pour créer l'intelligence: L'arriéré scolaire et la classe spéciale: Histoire d'un concept et d'une innovation psychopédagogique. Berna: Peter Lang. [ Links ]

Silveira, R. D. (2011). Centro Psicopedagógico - 1980 (Hospital de Neuropsiquiatria Infantil 1947-1980). In A. M. Jacó-Vilela (Org.), Dicionário histórico de instituições de Psicologia no Brasil. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]

Sociedade Pestalozzi (1934). Projecto do Instituto Pestalozzi de Bello Horizonte. Boletim da Secretaria da Educação e Saúde Pública de Minas Gerais, Publicação a cargo da Sociedade Pestalozzi - A Infância Excepcional (sub-normaes e desamparados), (16), 09-15. [ Links ]

Torezan, A. M., & Caiado, K. R. M. (1995). Classes especiais: Manter, ampliar ou extinguir? Revista Brasileira de Educação Especial, Piracicaba, 2(3), 31-38.4Links ]

Recebido: 14 de Março de 2018; Revisado: 05 de Maio de 2018; Aceito: 20 de Maio de 2018

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.