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Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.25 no.1 Marília jan./mar 2019  Epub 02-Jan-2019

https://doi.org/10.1590/s1413-65382519000100002 

Relato de Pesquisa

Desenvolvimento da Imaginação e da Criatividade por meio de Design de Games por Crianças na Escola Inclusiva

Adriana Gomes ALVES2 
http://orcid.org/0000-0001-8960-6006

Regina Célia Linhares HOSTINS3 
http://orcid.org/0000-0001-8676-2804

2Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali, Itajaí - SC, Brasil. adriana.alves@univali.br. ORCID https://orcid.org/0000-0001-8960-6006

3Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutora no Institute of Education, University of London. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali, Itajaí - SC, Brasil. reginalh@univali.br. ORCID https://orcid.org/0000-0001-8676-2804


Resumo:

Este artigo examina o desenvolvimento da imaginação e da criatividade de crianças com e sem deficiência por meio do design de games. O estudo sustenta-se nas teorias de Vygotski relacionadas à elaboração conceitual, à imaginação e à criatividade na infância e nos estudos avançados em design de jogos com crianças. O Design-Based Research (DBR) foi adotado como abordagem metodológica, configurando pesquisa qualitativa e colaborativa de criação de jogos. Realizaram-se encontros semanais em uma escola da rede de ensino de Itajaí - SC, durante seis meses, os quais envolveram um grupo de quatro crianças de nove anos, dentre as quais duas com deficiência intelectual, pesquisadores e acadêmicos das áreas de computação, design e educação. Buscou-se demonstrar o potencial da abordagem coletiva, criativa e compartilhada de criação de jogos para o desenvolvimento intelectual de crianças em contextos de inclusão escolar. Como resultado definiu-se o framework “Eu fiz meu game” para desenvolvimento de jogos em contextos escolares. As análises dos resultados da pesquisa revelam o empoderamento das crianças envolvidas frente aos desafios propostos, a operação intelectual em níveis complexos, o protagonismo na construção de soluções e a valorização das diferenças individuais, favorecidas pelas atividades coletivas e colaborativas vivenciadas no processo de criação de jogos digitais.

Palavras-chave: Educação Especial; Jogos; Deficiência intelectual; Criação de tecnologia; Aprendizagem cooperativa

ABSTRACT:

This paper examines the development of imagination and creativity in children with and without disabilities through game design. The study is based on Vygotsky’s theories related to conceptual elaboration, imagination and creativity in childhood, and in advanced studies in game design with children. The Design-Based Research (DBR) was adopted as a methodological approach, configuring qualitative and collaborative research for game creation. Encounters were held weekly at a public school in the city of Itajaí, Santa Catarina, Brazil, for six months, involving a group of four nine-year-old children, including two with intellectual disabilities, and researchers and undergraduate students in the areas of computing, design, and education. The aim was to demonstrate the potential of the collective, creative and shared approach of game creation for the intellectual development of children in contexts of school inclusion. As a result, the framework “I’ve made my game” was defined for the development of games in school contexts. The analysis of the research results reveals the empowerment of the children involved in face of the proposed challenges, the intellectual operation at complex levels, the protagonism in the construction of solutions and the valorization of individual differences, favored by the collective and collaborative activities experienced in the process of creating digital games.

KEYWORDS: Special Education; Games; Intellectual disability; Technology creation; Cooperative learning

1 Introdução

O desenvolvimento de jogos digitais como proposta pedagógica oferece o uso das tecnologias na educação em uma abordagem que favorece o protagonismo dos estudantes, que passam de consumidores a construtores de soluções tecnológicas. A estratégia alia-se às tendências contemporâneas de uso de tecnologias na educação não somente como método, mas também como conteúdo ou objeto de ensino. Essa tendência propõe a substituição do uso da tecnologia como software de ensino por um novo paradigma tecnológico, no qual “a principal fonte de produtividade é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos” (M. R. Oliveira, 2014, p. 162).

A criação de jogos digitais como abordagem educacional é discutida por Kafai (2006), Li (2014), Moser (2015) e De Paula, Valente e Hildebrand (2016). Os estudos evidenciam avanços significativos na aprendizagem, pois permitem trabalhar conceitos e estratégias complexos e, para além dos conhecimentos da tecnologia, propiciam a interação entre diferentes áreas do conhecimento (De Paula et al., 2016). Para Kafai (2006), a abordagem construcionista por meio da criação de jogos digitais permite o desenvolvimento de competências tecnológicas e novas formas de pensar baseadas no uso das ferramentas. Segundo Li (2014), as atividades requeridas para o desenvolvimento de um jogo digital favorecem a criação de uma cultura participativa e a preparação do aluno para o Século 21, pautada em necessidades pedagógicas como princípios de colaboração, liberdade, suporte, compartilhamento e reflexão, favorecidas pela aprendizagem baseada na prática (Moser, 2015).

A atividade de desenvolvimento de jogos digitais não é trivial e requer a adoção de metodologias adequadas para sua eficácia como abordagem pedagógica. Apesar da existência de alguns frameworks para desenvolvimento de jogos digitais envolvendo estudantes (Li, 2014; Moser, 2015), quando se pensa na inclusão de estudantes com deficiência, em particular a intelectual, poucos estudos são encontrados. Börjesson, Barendregt, Eriksson e Torgersson (2015) identificaram, em um estudo que avaliou a participação de crianças com deficiência no processo de criação de tecnologias, que apenas 2,2% dos trabalhos têm foco em pessoas com deficiência intelectual e 13% de grupos mistos, isto é, crianças com diferentes deficiências atuando em conjunto. Isso motivou a pesquisa ora apresentada.

Ao pensarmos em crianças com deficiência, na perspectiva da educação inclusiva, podemos refletir sobre as possibilidades de desenvolvimento favorecidas pela criação de jogos digitais. Para isso, buscamos, nos pressupostos de Vygotski4 estreitamente relacionados à aprendizagem de alunos, em especial daqueles com deficiência intelectual e sua inclusão escolar: a coletividade, a colaboração, a experiência, a mediação simbólica, a imaginação e a criatividade (Vigotski, 1997; Vigotski, 2007; Vigotski, 2010, 2014). Para o autor, os processos superiores do pensamento infantil surgem de seu processo de desenvolvimento social “por meio da tradução a si mesmo das formas de colaboração que a criança assimila durante a interação com o ambiente social que a rodeia” (Vigotski, 1997, p. 219). É a interação social que precede e sustenta a conduta individual, portanto a coletividade, a colaboração com as pessoas e a experiência social faz surgir na criança suas funções intelectuais superiores.

As experiências vividas são preservadas por nosso cérebro e facilitam sua repetição. No entanto, a capacidade intelectual humana vai além de somente repetir aquilo que é conhecido; desse modo, podemos combinar e criar. “A capacidade de elaboração e construção a partir de elementos, de fazer novas combinações com elementos conhecidos, constitui o fundamento do processo criativo” (Vigotski, 2014, p. 7). A atividade criativa é a base de tudo que conhecemos que foi produzido pelas mãos humanas, e é o processo necessário ao desenvolvimento intelectual, pois permite ao sujeito criar e modificar o seu presente, edificando seu futuro.

O desenvolvimento de tais habilidades e competências é favorecido quando apoiado por metodologias que deem suporte aos processos necessários à complexa consecução de um jogo digital. Assim, ao considerarmos os pressupostos de Vygotski e a ausência de uma metodologia para criação de jogos digitais envolvendo crianças com deficiência, elaboramos a seguinte pergunta de pesquisa: Quais os elementos que constituem um processo metodológico que faculte a atuação criadora das crianças com e sem deficiências no desenvolvimento de um jogo digital? Como tese, defendemos que um processo metodológico colaborativo e mediado permite a atuação criadora de crianças com e sem deficiências no desenvolvimento de jogos digitais. Para tanto, tivemos como objetivo a definição de um framework denominado “Eu fiz meu game”, o qual propõe a produção de jogos digitais por meio de um processo mediado, favorecido pelo trabalho coletivo e colaborativo. A abordagem fundamenta-se na relação com o outro para a produção de signos e significados, resultando na promoção da imaginação e da criatividade (Alves, 2017).

Destacamos a importância da pesquisa que apresenta três características que lhe conferem um caráter inovador no campo da Educação e da Educação Especial: resulta de um trabalho interdisciplinar conectando educação, ciência da computação e design de jogos; constrói um processo metodológico exclusivo de criação de jogos que potencializa a colaboração e a mediação entre crianças com e sem deficiências, em uma efetiva experiência de inclusão escolar; e instaura o protagonismo das crianças como criadoras de tecnologia, e não somente usuárias.

Nesse cenário, trazemos à análise o material empírico coletado na pesquisa para definir o framework “Eu fiz meu game”. A pesquisa envolveu quatro alunos de nove anos de idade, incluindo dois com deficiência intelectual, e culminou com a criação de um jogo digital chamado “Brinquedos que criam vida”. Este artigo apresenta um recorte das intervenções, especificamente o estágio “Criação de jogos digitais” proposto no framework. A escolha por esse estágio, o mais importante e mais longo da pesquisa, deve-se à maior ênfase nos processos criativos de design de jogos. O estudo foi desenvolvido no Grupo de pesquisa Observatório de Políticas Educacionais do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e ao projeto A escolarização de alunos com deficiência intelectual: políticas públicas, processos cognitivos e avaliação da aprendizagem (Pletsch, Lunardi-Mendes, & Hostins, 2012). Além disso, teve subvenção da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio de bolsas de doutorado e iniciação científica. Apresentamos, na seção Método, a abordagem metodológica da pesquisa, baseada no Design-based Research (DBR); na seção Resultados e discussões, descrevemos o framework “Eu fiz meu game” e os resultados da etapa de Criação de Jogos Digitais; e, por fim, as conclusões deste artigo.

2 Método

A abordagem metodológica da pesquisa baseou-se no DBR, que alia a pesquisa em educação aos problemas e às questões vivenciados na prática, de forma a produzir conhecimento utilizável. A abordagem considera uma profunda colaboração entre pesquisadores e participantes no sentido de alcançar os objetivos teóricos e práticos da pesquisa, de modo a resultar em mudanças educacionais práticas em sua máxima extensão (Wang & Haffanin, 2005; Baumgartner et al., 2003). No DBR, os pesquisadores tomam o papel de designers e provocam as interações que desejam - conduzindo ao desenvolvimento de teorias - e não simplesmente observam interações. A abordagem propõe a implementação de intervenções, baseadas em arcabouços teóricos, por meio de ciclos iterativos, propiciando a análise e revisão do design de forma sistemática e permanente (Barab & Squire, 2004). Sua aplicação tem sido relevante em pesquisas envolvendo a tecnologia na educação.

O DBR divide-se em quatro fases: Fase 1: análise de um problema prático pelos pesquisadores e participantes em colaboração; Fase 2: desenvolvimento de soluções informadas pelos princípios de design existentes e inovações tecnológicas; Fase 3: ciclos iterativos de teste e refinamento das soluções na prática; e Fase 4: reflexões para produzir “princípios de design” e melhoria da solução implementada (Amiel & Reeves, 2008; Herrington, Mckenney, Reeves, & Oliver, 2007). Na primeira fase, os problemas de pesquisa foram identificados, tendo por base a revisão de literatura e os estudos pretéritos do grupo de pesquisa na adoção de jogos digitais na educação inclusiva de alunos com deficiência intelectual (Schmidt, Alves, & Hostins, 2013; Hostins, Alves, Frisoni, & Mendes, 2014). Na segunda fase, elaboramos um rascunho do framework de desenvolvimento de jogos com crianças, baseando-se na literatura (Li, 2014; Moser, 2015; Sommerville, 2011; Novak, 2011) e em experiências com design participativo (Alves & Lamim, 2015; Schmidt et al., 2013). A terceira fase consistiu na especificação e no refinamento do framework “Eu fiz meu game” por meio de oficinas semanais com um grupo de estudantes, nas quais foram realizadas atividades com o objetivo de criação coletiva de um jogo digital. A quarta fase consistiu na análise da pesquisa e na documentação do framework.

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética sob o Protocolo Nº 23083.007306/2012-61, autorizado pela Secretaria de Educação do Município de Itajaí, Santa Catarina, Brasil, bem como pelos responsáveis das crianças por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), incluindo uso de imagens. Foram participantes da pesquisa quatro alunos de nove anos do 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública de ensino. Também constituiu o grupo um acadêmico de Engenharia de Computação e duas pesquisadoras, uma da Educação e outra da Computação. Em face da autorização dos pais e da escola para a pesquisa e considerando a participação das crianças como cocriadoras, optamos por manter seus verdadeiros nomes. O grupo foi composto por Leonardo, Manuela, Raphael e Vitória, todos colegas da mesma turma. Raphael é diagnosticado com autismo associado à deficiência intelectual e Vitória é diagnosticada com deficiência intelectual. O número reduzido de crianças foi uma escolha de pesquisa, que visou observar particularmente cada aluno, a mediação com e entre eles e o estabelecimento do processo metodológico.

Mediante oficinas semanais realizadas na escola no horário regular de aula, com duração de uma a duas horas, durante seis meses, foram desenvolvidas atividades orientadas com as crianças para empregar técnicas de construção de jogos das áreas de design de jogos e da computação e técnicas pedagógicas que requeriam o compartilhamento de ideias e a colaboração. As atividades eram planejadas pelas pesquisadoras e revisadas a cada encontro. As oficinas forneciam subsídios para a definição das próximas atividades, bem como para busca de novos referenciais teóricos da pesquisa, constituindo, assim, o arcabouço para definição do framework proposto.

A coleta de dados deu-se por meio de registros fotográficos, filmagens, formulários, observação participante nas oficinas, artefatos construídos pelas crianças, artefatos de software, dentre outros. Para análise dos dados, efetuou-se a análise narrativa que tem como base a ideia de reconstruir acontecimentos sociais a partir do ponto de vista dos sujeitos envolvidos. Essa abordagem foi significativa para recompor o processo de construção do framework. A narrativa como um método opõe-se ao modelo lógico-científico e implica uma abordagem subjetiva e interpretativa que considera os indivíduos em seus ambientes sociais, de forma a interagir e atribuir significado aos objetos do mundo (Bamberg, 2012). Por meio da narrativa das oficinas realizadas com as crianças, analisamos os comportamentos, os diálogos, as evoluções e as dificuldades do grupo. Ao longo da narrativa, identificamos as categorias que evidenciassem os pressupostos da pesquisa, quais sejam: a mediação, a colaboração, a criatividade e a produção. As evidências encontradas nas narrativas foram alinhadas aos referenciais teóricos, notadamente os trabalhos de Vigotski relacionados à criatividade, à defectologia e à mediação simbólica (Vigotski, 1997; Vigotski, 2007; Vigotski, 2014).

3 Resultados e discussões

Os jogos digitais possuem características que os diferenciam dos outros gêneros de software. Neles, não se pensa somente em necessidades a serem atendidas para o cumprimento de uma tarefa, mas na interação que devem proporcionar, na imersão para gerar a diversão, na satisfação, na arte visual ou sonora e nos sentimentos que devem provocar. Isso faz com que o processo de desenvolvimento de um jogo digital tenha essa diferenciação, incluindo atividades essenciais de design para garantir que os objetivos do jogo sejam alcançados.

Na indústria, encontramos a proposta de Novak (2011) 5 para desenvolvimento de jogos digitais por meio de um processo composto por estágios: Conceito, Pré-produção, Prototipação, Produção, Alpha, Beta, Gold e Pós-produção. No começo do processo, é criada a ideia do jogo, definido seu público-alvo, recursos necessários e avalia-se seu potencial; em seguida especifica-se o jogo; por meio de protótipos o jogo idealizado é trazido à realidade. A produção é o estágio em que o jogo é realmente desenvolvido: arte, interface, som e programação são criados e resultarão no jogo acabado. Alpha, Beta e Gold são os estágios em que o jogo é avaliado e testado, antes que vá para o mercado. Finalmente, a pós-produção é o estágio que irá tratar eventuais defeitos revelados e gerar novas versões com correções e melhorias. Esse processo define todas as etapas necessárias ao sucesso da construção de um jogo; no entanto, é insuficiente para a pesquisa, porque é focado no produto a ser construído, e não contempla aspectos educacionais, tampouco atividades que envolvam crianças.

Ao considerar a participação de estudantes no processo de desenvolvimento de jogos, Moser (2015) propõe e avalia o framework metodológico Child-centered game development (CCGD). Assim como o processo de Novak, CCGD é dividido em fases: análise, conceito, design, implementação e avaliação, mas ele se difere por adicionar diferentes técnicas de design adotadas de acordo com os propósitos desejados. A flexibilidade da instanciação do framework e a liberdade da adoção das técnicas de design viabilizam as abordagens propostas por Moser. Do ponto de vista de aprendizagem, a estratégia pedagógica proposta é o design centrado no aluno, que visa compreender suas necessidades, compreender como aprende, ter motivação como base da aprendizagem, considerar a diversidade (trabalhando-a com flexibilidade) e ter o crescimento como desafio. A abordagem considera a criação de um relacionamento interpessoal positivo, o respeito e a consideração à fala das crianças e o incentivo ao pensamento de ordem superior e a autorregulação (Moser, 2015).

Os princípios defendidos pela CCGD são particularmente interessantes e conectam-se com nossa pesquisa especialmente por sua preocupação com o protagonismo das crianças, a interação e o desenvolvimento do pensamento. Destacamos, aqui, a conexão com os princípios propostos por Vygotski em relação à mediação simbólica e à atividade criadora e imaginativa, necessárias ao desenvolvimento dos processos mentais superiores. Assim, nós alinhamos os conceitos desses trabalhos com os conceitos de aprendizagem em Vygotski para a definição do framework “Eu fiz meu game” que objetiva o desenvolvimento de jogos com e por crianças em uma perspectiva educacional.

O framework “Eu fiz meu game” requer a participação ativa dos envolvidos - educadores, acadêmicos e crianças - por meio de atividades que englobam as etapas pedagógicas e de design para o desenvolvimento de um jogo digital. Para tanto, o processo é composto por quatro etapas, conforme apresenta a Figura 1, a saber: (i) Envolvimento, (ii) Experiência, (iii) Transposição e (iv) Criação de Jogos Digitais. Destacamos como ação transversal a mediação simbólica, compreendida como condição necessária à cada etapa ou atividade a ser realizada e a fundamentação para o desenvolvimento cognitivo proposto nos subprocessos (Alves, 2017).

Fonte: Alves (2017, p. 61).

Figura 1 Framework “Eu fiz Meu Game” 

A etapa de Envolvimento consiste no engajamento dos participantes no projeto e sua integração. Esta constitui-se etapa essencial para o estabelecimento de um relacionamento de confiança entre educadores e crianças, facultando seguir para as etapas posteriores. Além disso, possibilita aos educadores identificar algumas características das crianças em termos de aprendizagem e relacionamento, apontando diretrizes para o planejamento das atividades. Esses aspectos são particularmente relevantes quando o grupo envolve crianças com algum tipo de deficiência. Nas atividades com as crianças, realizamos atividades colaborativas e coletivas de criação de uma história, utilizando como recursos a construção de personagens e cenários com sucatas, desenhos e produção textual.

A etapa de Experiência visa ampliar o conhecimento das crianças acerca de jogos analógicos e digitais. A riqueza e a variedade das experiências permitem o acúmulo de materiais necessários à imaginação (Vigotski, 2014); dessa forma, necessita-se ampliar essa experiência caso deseja-se o desenvolvimento da atividade criativa das crianças. Consideramos que, para a criação de novos jogos, são indispensáveis a experiência com jogos e a reflexão dos elementos que os compõem. As atividades propostas nessa etapa são momentos de lazer e reflexão com jogos analógicos (tabuleiros, cartas) ou digitais (em computadores pessoais, tablets, smartphones). Para tanto, conduzimos atividades de lazer com diferentes jogos.

A etapa de Transposição propõe promover a percepção da criança acerca do processo de criação de um jogo digital. Diferentemente da etapa de Experiência, em que a criança utilizou jogos prontos, nessa etapa ela vai criar seus próprios jogos em meio digital. Aqui propõe-se a elaboração de jogos que utilizem ferramentas de autoria em jogos que sejam simples e acessíveis ao nível de conhecimento das crianças. A reflexão sobre os elementos que compõem um jogo - regras, metas ou objetivos, resultados e feedback, conflito, interação, representação ou enredo (Prensky, 2012) - e a criação dos jogos colaborativamente foram de fundamental importância para a etapa de construção do jogo digital pelas crianças. Aqui estabeleceram-se principalmente as premissas para o trabalho coletivo: aprender a negociar, discutir suas ideias, respeitar o colega, pensar juntos em soluções dos problemas.

Essas primeiras etapas buscaram construir um arcabouço conceitual para as crianças sobre jogos digitais, bem como promover o trabalho coletivo e colaborativo, necessários à criação de um novo jogo digital a ser proposto pelo grupo, legitimando o que nos afirma Vigotski (2014, p. 32): “Nenhuma invenção ou descoberta cientifica surge antes de se criarem as condições materiais e psicológicas necessárias para seu aparecimento. A obra criativa representa um processo histórico contínuo, onde cada forma nova tem por base a precedente”.

A etapa de Criação de Jogos Digitais, a mais longa do processo, consiste em aplicar técnicas de desenvolvimento de jogos digitais, tais como brainstorms, ideia cards, dentre outros, na especificação de um jogo digital com as crianças, mediadas pelos educadores e acadêmicos. A implementação, conduzida por acadêmicos com a participação das crianças, propõe que o processo criativo não se limite em função dos conhecimentos complexos necessários à codificação, tampouco a ferramentas de autoria que estabelecem gêneros específicos de jogos. Ao final, as crianças deverão poder jogar o jogo por elas criado em conjunto aos acadêmicos.

A etapa de criação de jogos digitais é baseada em processos reconhecidos na área de design de jogos e adaptados às necessidades da proposta pedagógica da pesquisa. Está organizada nas fases de Conceito, Design, Desenvolvimento e Avaliação e, paralelamente, aplicamos a fase de Reconstituição do processo, voltada à retomada das atividades nas etapas anteriores e reflexão sobre o que foi aprendido. Como foco deste artigo, examinamos com mais detalhes as atividades desenvolvidas com as crianças de forma a analisarmos seus resultados.

Na criação do jogo digital, foram realizados 15 encontros com as crianças, que culminaram no design, no desenvolvimento e na avaliação do jogo “Brinquedos que criam vida”. Nessa etapa, as participações de acadêmicos e designers foram fundamentais para a concretização do jogo. Estes realizaram em laboratório atividades de transposição das especificações do jogo para o meio digital, seja pela criação gráfica, seja pela programação do jogo. As próximas subseções detalham cada fase desta etapa da pesquisa.

3.1 Fase de conceito

O conceito de um jogo digital consiste em especificar as principais ideias que deverão compô-lo. É necessário responder algumas perguntas tais como: quem vai jogar? porque vai jogar? quando? Schuytema (2013, p. 12) elucida que essa etapa do desenvolvimento de jogos é “um momento para discussões, brainstorms e avaliação de games concorrentes”.

Propusemos a atividade w-questions cards, na qual são realizadas algumas perguntas que o grupo deve discutir e responder, para chegar a um consenso (Moser, 2015). As respostas irão permear os objetivos do jogo a ser construído. Por meio do diálogo, o grupo definiu alguns quesitos do jogo que seria desenvolvido, como: o público-alvo de crianças entre 7 a 10 anos; aparelhos tablet ou celular; jogo para lazer; poder ser jogado em qualquer lugar; possibilitar aprender alguma coisa.

Em particular, a questão sobre “O que?” seria o jogo foi a que suscitou mais discussão, pois as crianças pensaram em elementos como estrelas, loja, poderes, em vez no tema do jogo. Observamos que Raphael se manteve em silêncio quase todo o tempo, apenas acenando com a cabeça às perguntas que lhe fazíamos, aparentemente alheio à discussão. Entretanto, em dado momento, o menino refletiu sobre sua preferência pelo jogo “Angry Birds6 e trouxe à discussão sua opinião sobre o que gostava ou desgostava em jogos. Por meio da mediação das pesquisadoras e dos colegas, Raphael criou relações sobre o que estava se discutindo e seu conhecimento sobre jogos, o que lhe permitiu participar de forma ativa e sugerir que o jogo tivesse “estrelinhas” e “poderes para atirar”.

A próxima atividade de definição do conceito do jogo consistiu em realizar um brainstorm. Essa atividade propõe que sejam lançadas ideias, sem julgamentos, e depois analisá-las para definir o jogo. Salientamos, inicialmente, a importância de um roteiro, ou história, de um jogo, o qual justifica a jogabilidade e os objetivos do jogo digital. Leonardo levantou a mão e sugeriu: “porque a gente não usa a nossa história que a gente criou e transforma num jogo?”, referindo-se à história criada na etapa de Envolvimento. A reflexão de Leonardo foi favorecida pela atividade de reconstituição do processo que foi realizada momentos antes com as crianças.

A reconstituição do processo foi realizada por meio da criação de um pôster sob a forma de linha do tempo. Nele, foram coladas imagens e pequenos textos, a cada mês de atividade realizada. As crianças reconheceram nas imagens o que haviam realizado, relembraram, discutiram e ponderaram sobre as produções e os resultados. A reconstituição foi retomada em diversos momentos durante a criação de jogos, sempre no intuito da reflexão da experiência vivida, como podemos observar na evolução do pôster ao longo do projeto (Figura 2). Segundo Cathcart (2017, p. 23), “As atividades realizadas, distribuídas na linha do tempo sob forma de imagens das vivências do grupo, tornaram-se elementos de estimulação autogerada, capazes de promover mudanças de comportamentos e significativas aprendizagens”.

Fonte: Alves (2017, p. 146, 187, 209)

Figura 2 Evolução da linha do tempo da reconstituição do processo 

O grupo decidiu adotar, conforme a sugestão de Leonardo, a história criada no início do projeto. Desenvolvemos uma atividade adaptada de ideia cards na qual cada participante deveria desenhar ou escrever uma ideia para o jogo, como podemos observar na Figura 3 (a). Essa técnica consiste em distribuir alguns cartões e registrar ideias simples em cada um deles, depois misturá-los e agrupá-los em pares, gerando novas combinações de ideias (Fullerton, 2014). Essa atividade é democrática, no sentido de que todos podem dar sua opinião, defendê-la, ouvir a opinião dos demais, para então se chegar a um consenso do como deve ser o jogo.

Fonte: Alves (2017, p. 151)

Figura 3 Primeiras ideias do jogo digital 

Para decidirmos acerca dos principais elementos e mecânicas do jogo, elaboramos uma ficha de avaliação na qual cada criança, pesquisadoras e acadêmico, deveriam expressar sua opinião sobre as ideias apresentadas. Nessa ficha, analisamos a adequação do jogo proposto à história, seu potencial de diversão, o atendimento ao público-alvo definido e a complexidade do seu desenvolvimento. Utilizamos adesivos que expressavam com “carinhas” e cores - amarelo, verde e vermelho - para indicar nossas opiniões, como podemos observar na Figura 3 (b).

A atividade de avaliação das ideias foi particularmente interessante, pois revelou preferências, comportamentos, gostos e desgostos das crianças. Manuela e Leonardo respondiam rapidamente à ficha para um determinado jogo, e, em seguida, queriam ir imediatamente para o próximo. Vitória e Raphael, por outro lado, necessitavam de ajuda para ler as questões e refletir sobre suas opiniões. A mediação foi importante nessa tarefa, pois tivemos de conduzir o grupo em um mesmo ritmo, solicitando que todos esperassem pelos demais para poder avaliar o próximo jogo. Também pedimos a Manuela e a Leonardo que auxiliassem Vitória e Raphael; no entanto, na ansiedade de finalizar rapidamente, as crianças respondiam por eles ao invés de auxiliá-los. Nessas interações, foi importante o posicionamento de Raphael, que não aceitou que o colega respondesse por ele, o que se revela na sua fala: “O Leo só quer colocar esse verde”, queixando-se de Leonardo que não o deixava responder. Aqui observamos a importância do que Vygotski nos elucida quanto à coletividade e à necessidade da participação da criança com deficiência em um grupo. Para Vygotski, o desenvolvimento incompleto das funções superiores da criança com deficiência é uma superestrutura secundária ao defeito:

O desenvolvimento incompleto decorre do fato que podemos chamar “exílio” da criança anormal da comunidade. Aqui, o processo ocorre da seguinte maneira: à raiz de um determinado defeito, aparece na criança uma série de características que dificultam o desenvolvimento normal da comunicação coletiva, da colaboração e da interação dessa criança com as pessoas que o rodeiam. O afastamento da coletividade ou a dificuldade de desenvolvimento social, por sua vez, determina o desenvolvimento incompleto das funções psíquicas superiores, as quais, quando é normal o curso das coisas, surgem diretamente em relação com o desenvolvimento da atividade coletiva da criança (Vigotski, 1997, p. 223).

Os dados informados nas fichas de avaliação das propostas de jogos foram compilados de forma a revelar os principais aspectos do jogo que seria construído. O exercício realizado valorizou as ideias de cada integrante do grupo e, ao mesmo tempo, convergiu para uma única ideia, ou uma combinação de ideias, selecionadas de forma democrática. A intenção foi que todos refletissem acerca das propostas dos colegas e fizessem uma avaliação crítica de suas próprias sugestões. Essa análise permitiu a realização das atividades seguintes, com vistas ao detalhamento do jogo.

A partir das ideias selecionadas para a criação do jogo digital, Raphael elaborou alguns desenhos e definiu um roteiro em que um brinquedo malvado roubaria as moedas do jogo. Raphael revelou, nessa atividade, o quanto estava envolvido com a criação do jogo. Ele sugeriu elementos propostos pelo grupo - as moedas, incluiu um brinquedo como vilão, construiu todo o enredo. Em seguida, Vitória também criou seus cenários e apresentou suas ideias. Ela evidenciou em sua fala a influência do roteiro de Raphael: “Aqui tá a menina, né, tava dormindo, ela dormiu dentro da cama, né. Daí tinha um menininho que é o irmãozinho, que é o Gabrielzinho. Ele tava vendo as moedas, ele queria pegar as moedas dela pra comprar alguma coisa. Era a cama assustadores”.

Leonardo, que deu a ideia original do jogo, desenvolvida pelos colegas por meio dos desenhos, sugeriu que todas as ideias fossem aproveitadas, e concluiu: “Senão vai dar briga, um quer um, outro quer outro...”.

Enfatizamos como cada um contribuiu com suas ideias e desenhos, o quanto as sugestões dos colegas ajudaram na construção de novas ideias e a preocupação de Leonardo em que todas as ideias fossem aproveitadas no jogo. Vygotski descreve semelhante experiência vivenciada por Tolstói na produção literária coletiva com crianças e conclui:

A compreensão adequada e científica da educação não consiste em incutir artificialmente nas crianças os ideais, sentimentos ou critérios que lhes sejam completamente alheios. A verdadeira educação consiste em despertar na criança aquilo que ela já tem em si, ajudá-la a desenvolvê-lo e orientar seu desenvolvimento em determinada direção (Vigotski, 2014, p. 61).

Segundo Schuytema (2013), a criatividade em design de jogos tem como recurso vital o conhecimento em jogos, suas formas e seus gêneros, a desconstrução e a análise das partes, de forma a compreender como estas contribuem para o todo do jogo. Ao partirmos desse pressuposto, buscamos jogos que se assemelhassem às ideias das crianças para que fizéssemos algumas experiências e extraíssemos mais elementos para o jogo a ser construído. Cada criança recebeu um tablet ou celular com os jogos a serem avaliados: Blocky Raider; Lily’s Journey, Creative Fox e Super Chaves World (Alves, 2017). Após jogarem, elas preencheram uma ficha de avaliação na qual identificamos os seguintes elementos de cada jogo: título, objetivos, personagens, inimigos, obstáculos, interface e funcionalidade. A atividade permitiu ao grupo refletir sobre os jogos e seus elementos: Manuela comparou o jogo Creative Fox em termos de mecânica: “Ele é igualzinho, parecidíssimo com o Mario”, referindo-se ao jogo Super Mario da Nintendo; Leonardo ponderou acerca da jogabilidade de Blocky Raider: “Quando a parede abria, subia uns espinhos, daí não tinha como passar”, observando a dificuldade do jogo; Vitória mencionou a interface de Lily’s Journey: “Tinha a setinha que ele ia levar para quatro lados”; e Raphael extrapolou o jogo Super Chaves World imaginando o Kiko, personagem do seriado “Chaves”7, como um inimigo.

Ao unir as ideias do jogo a ser criado às experiências com jogos similares, o grupo definiu os principais elementos do jogo. Eles preencheram em conjunto uma ficha igual à que fora preenchida para os jogos avaliados. Nessa atividade, muitas discussões surgiram, novas ideias apareceram, detalhes foram elaborados. Definiu-se que o objetivo do jogo seria coletar lixos e com eles montar brinquedos recicláveis. Haveria um vilão, uma lixeira, que ia querer pegar os lixos coletados e impedir o jogador. Contudo, todos falavam ao mesmo tempo, surgiam sugestões fora de contexto, faltava uma compreensão unânime do que estava se definindo. Nesse dia, Vitória, que era sempre participativa e falante, estava emburrada e calada. Saiu da mesa e começou a falar de uma outra ideia de jogo, e se movimentava na sala como se fosse a personagem. Ao observar Vitória, Leonardo sugeriu que criássemos um teatro para simular o jogo, cada um interpretaria um item do jogo, como a lixeira, os obstáculos, a personagem. Intuitivamente, Leonardo propôs uma atividade denominada “Protótipo Experimental”. A atividade proposta deu início à nova fase do processo.

3.2 Fase de design

A fase de design objetiva desenvolver o conceito do jogo, de forma a detalhar todos os aspectos necessários à sua implementação. Um protótipo é uma manifestação do design que permite aos participantes do projeto experimentarem um determinado aspecto do jogo, enfatizando um conjunto de características em detrimento de outro. São especialmente úteis para a discussão das ideias, servindo de instrumento de comunicação entre os projetistas e usuários. Podem ser modelos em escala, um conjunto de telas, ou esboços em papel (Rogers, Sharp, & Preece, 2011).

A técnica de “Protótipo Experimental” é uma alternativa que permite às crianças validarem as ideias do jogo por meio de uma simulação física, tal como um teatro ou brincadeira (Buchenau & Suri, 2000 como citado em Moser, 2015). Nessa atividade, as crianças interpretaram as personagens e agiram como se fossem o “jogo”, verificaram se o que foi idealizado funcionaria na prática, identificaram dificuldades ou problemas e propuseram melhorias. Essa técnica facilitou a compreensão acerca do jogo, notadamente para crianças que têm dificuldade de abstração, pois o jogo se tornou “físico” ou “real”. A Figura 4 apresenta a atividade de simulação do jogo, em que as crianças se revezaram nos diferentes elementos e personagens.

Fonte: Alves (2017).

Figura 4 Momentos da simulação do jogo por meio de protótipo experimental 

Na simulação, observamos o “faz de conta” tão necessário ao processo de imaginação individual e coletiva, a elaboração e a reelaboração de conceitos pela linguagem, a vivência corporal da história construída, a incorporação de papéis diferenciados no jogo, a antecipação dos fatos pensados na construção da história do jogo, a busca de soluções para os problemas vivenciados, a comunhão na criação de signos. Como enfatiza Vigotski (2007), o signo produz-se nas relações entre os homens e, como produção humana, afeta os participantes nessas relações.

A simulação despertou um problema que se tornou fonte de inúmeras discussões ao longo do projeto: como a personagem iria derrotar o inimigo Lixeira? Para isso, surgiram inúmeras sugestões, que foram calorosamente discutidas até que se chegasse a um consenso. Isso foi particularmente importante, pois suscitou a oportunidade de resolução de um problema de forma colaborativa. A partir dos questionamentos e das ideias, Raphael tomou a iniciativa de desenhar no quadro branco uma solução (Figura 5). Sua atitude despertou em Manuela o interesse de também fazer um desenho no quadro, e, a partir disso, todos puderam decidir qual seria a melhor estratégia para que o problema fosse resolvido.

Fonte: Alves (2017, p. 200).

Figura 5 Raphael desenha como derrotar a lixeira no jogo 

A interação proporcionada na atividade, assim como em tantas outras durante o projeto, é fundamental para o desenvolvimento humano. Para M. K. Oliveira (1995, p. 38), “é através da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico”. Vygotski entende que essa cultura é um “palco de negociações” em que os conceitos e significados são recriados e reinterpretados constantemente.

As próximas atividades consistiram em prototipar as personagens do jogo. As crianças definiram as personagens “controláveis” - menino e menina -, o “chefão” lixeira e os brinquedos recicláveis que seriam montados no jogo. Para isso, usamos desenhos e protótipos com sucatas. Eles foram transpostos para o meio digital por uma designer e avaliados pelo grupo para verificar a fidedignidade com as ideias do projeto. Por exemplo, na Figura 6, vemos à esquerda a criação de uma sereia por Vitória, que, inicialmente, construiu o objeto com sucata e depois desenhou e pintou no papel (a), ao lado a versão digital da sereia (b). Vitória também criou um elefante, porém, desta vez, sem a utilização do material concreto, mas por meio de desenho, no qual ela indicou quais as sucatas comporiam o animal: garrafa PET, colheres, canudos de refrigerante e cordão. A menina demonstrou nessa atividade sua capacidade de abstração, pois pôde criar algo a partir de sua imaginação, sem a necessidade dos signos concretos usados na primeira personagem.

Fonte: Alves (2017, pp. 194, 196)

Figura 6 Sereia criada por Vitória 

3.3 Fases de desenvolvimento e avaliação

Apesar de serem compreendidas como duas fases diferentes, uma vez que possuem distintos objetivos, desenvolvimento e avaliação ocorrem concomitantemente pois um gera subsídios para o outro, em um processo iterativo de desenvolvimento de jogos. O primeiro visa implementar o jogo projetado na plataforma de destino escolhida, já a avaliação visa realizar testes do jogo desenvolvido, e refiná-lo até que se alcance um nível apropriado para sua liberação.

A implementação do jogo realizada pelo acadêmico de Computação foi acompanhada pelas crianças, que fizeram sucessivas avaliações das versões do jogo, de forma que puderam ver o jogo pouco a pouco tornando-se real no meio digital. Em uma primeira versão, não havia cenário, nem personagens, apenas placeholders8, e foi testada somente a mecânica do jogo. Isso causou surpresa às crianças; entretanto, foi importante para que percebessem que o computador faria aquilo que lhe fosse determinado, e que o jogo não seria transportado para a máquina de maneira simples ou automática. O código do jogo foi apresentado, com o intuito de que as crianças compreendessem que existem linguagens de programação. Elas alteraram os valores de variáveis e perceberam o efeito no jogo: a personagem pulava mais alto ou não saia do chão. Elas se divertiram e apontaram as falhas e as sugestões para que o jogo refletisse aquilo que imaginaram.

3.4 Finalização do processo de criação do jogo digital

O jogo “Brinquedos que criam vida” foi concluído e, conforme requisitos das crianças, foi disponibilizado na Google Play Store para ser executado em dispositivos móveis com o Sistema Operacional Android. O jogo final consiste de uma fase de plataforma e seis minigames. A Figura 7 apresenta alguns screensshots do jogo.

Fonte: Alves (2017, p. 216).

Figura 7 Imagens do jogo “Brinquedos que criam vida” 

Algumas avaliações finais foram realizadas com o objetivo de verificar se o jogo estava conforme as especificações do grupo e permitir uma reflexão acerca de todo o processo realizado para construí-lo. Questionamos às crianças quem eram os autores do jogo. Em um primeiro momento, elas disseram que foi o acadêmico. Fizemos refletirem sobre o que estava no jogo (personagens, brinquedos, lixeira, mecânicas, cenário) e sobre quem havia definido tudo isso. A resposta dessa vez se alterou e elas compreenderam que o jogo havia sido construído por todos. Aqui ressaltamos a importância do sentimento de protagonismo de cada criança no processo de criação do jogo digital.

O conceito de criar um jogo foi se modificando ao longo de todo processo. Inicialmente, para Vitória, consistia em “baixar” da internet; para Leonardo, “copiar em um CD”. A medida em que foram experenciando as diferentes etapas do processo e construindo o jogo digital, as crianças compreenderam o que era necessário: “Tem que desenhar, criar o cenário, bonecos”, argumentou Leonardo. Manuela disse: “Eu morro na frente dele”, quando perguntada como poderiam explicar o processo de desenvolvimento do jogo para outra pessoa, constatando o quanto foi complexo desenvolver o jogo digital.

A emoção de Leonardo ao derrotar pela primeira vez a Lixeira - “Eh! Passei, passei, passei, passei!” - destaca a importância no processo de concluir o jogo com sucesso, pois isso efetivamente encerra o processo criativo, a cristalização. Vygotski, a respeito da cristalização, ou forma material assumida por meio da atividade criativa, afirma:

Esses produtos da imaginação atravessaram uma longa história que talvez se deva resumir de um modo esquemático e sucinto: deve-se mencionar que descreveram um ciclo no curso do seu desenvolvimento. Os elementos a partir dos quais foram construídos foram apropriados pelo homem da realidade e em seu pensamento foram sujeitos a um trabalho de reconstrução, transformando-os em produtos da imaginação. Por fim, ao serem materializados, voltaram outra vez à realidade, mas trazendo consigo uma força ativa nova, capaz de transformar essa mesma realidade, fechando-se, assim, o ciclo da atividade criativa da imaginação humana (Vigotski, 2014, pp. 19-20).

O processo de criação do jogo digital evidenciou aspectos importantes nas atitudes das crianças e no relacionamento entre todos. No início, o grupo teve dificuldades em trabalhar em equipe, o que observamos na criação da história com os brinquedos de sucata. Por meio das atividades propostas e intervenção das pesquisadoras, as crianças passaram a cooperar mais, procurando contribuir com suas ideias ou complementar as ideias dos colegas. Ao observarem a produção de um colega, muitas vezes as crianças inspiravam-se para suas produções e, em outras, reconheciam o trabalho do colega, tecendo elogios. Raphael que, no início, apenas olhava para o chão, passou a verbalizar e interagir mais. Vitória e Manuela tiveram momentos de cumplicidade ao comemorarem uma decisão sobre uma ideia da história. Leonardo reconheceu que a ideia de todos precisava ser respeitada. Vitória se sentiu segura para ensinar a professora a jogar. O grupo de alunos tímidos que se reuniu no início do projeto tornou-se uma equipe alegre que aprendeu a colaborar e se respeitar, viabilizando a criação do jogo coletivamente. É importante destacarmos que isso foi possível porque a abordagem permitiu a todos participarem de forma igualitária, possibilitando às crianças atuarem de diferentes formas e revelarem suas competências e habilidades, independentemente de suas deficiências.

O framework “Eu fiz meu game”, tendo por meta a produção do jogo digital, favoreceu as ações colaborativas e de mediação, o que também implicou na criatividade e na consequente produção dos artefatos. Contudo, isso não é um movimento linear; pelo contrário, são relações complexas que se estabeleceram a cada momento durante a atuação com as crianças. Significa que a colaboração pode gerar a criatividade, que se favorece da mediação, que, por sua vez, oportuniza a colaboração, e assim por diante.

4 Considerações finais

Em face do objetivo de discutir o uso do design de games como abordagem educativa de desenvolvimento da capacidade intelectiva e criativa de crianças em idade escolar, a pesquisa partiu da hipótese de que um processo metodológico colaborativo e mediado permite a atuação criadora de crianças com e sem deficiências no desenvolvimento de jogos digitais. Para tanto, definimos um framework, denominado “Eu fiz meu game”, que contempla todas as etapas de design e pedagógicas necessárias ao desenvolvimento de jogos digitais no contexto escolar, incluindo crianças com deficiência intelectual.

A adoção do Design-based Research foi determinante porque permitiu a especificação do framework na medida em que as atividades foram desenvolvidas com um grupo de crianças do terceiro ano do Ensino Fundamental. Adotamos conceitos da área de design de jogos e computação, bem como estudos que utilizam o design de jogos como abordagem pedagógica, mas foi na prática da escola que o processo se estabeleceu, pois as competências e as dificuldades das crianças frente aos desafios foram consideradas.

Nesse processo, pesquisadores e pesquisados construíram o caminho, redesenharam etapas e negociaram sentidos. Nessa experiência, ou nesse “palco de negociações”, como diria Vigotski (2008), imaginação e criatividade foram construídas na coletividade, entre pares, mas tecidas com os fios da subjetividade de cada criança, que, a seu modo e com suas vivências, foi se posicionando e demarcando sua autoria na criação.

A experiência de investigação analisada procurou evidenciar não somente o processo metodológico de criação, como o protagonismo das crianças na construção de soluções para o jogo. Ao considerarmos os objetivos da pesquisa, identificamos, na configuração do processo e sua prática, resultados e concepções primordiais, a saber: (i) a diferenciação, ou seja, a configuração de um grupo de crianças com a mesma idade escolar, mas com características de aprendizagens diferenciadas; (ii) a coletividade, a colaboração e a experiência, como princípios orientadores em todas as decisões de design; (iii) a mediação, nas quais os pesquisadores tinham papel relevante de construção do repertório criativo, pautado na elaboração e na reelaboração de conceitos e no desenvolvimento de competências tecnológicas; (iv) o uso de técnicas do design para impulsionar os processos criativos e o desenvolvimento do jogo, resultando em formas de pensar baseadas no uso das ferramentas; (v) a exploração de diferentes formas de letramento - corporal, imagéticos, iconográficos, sonoros, escritos, computacionais; e (vi) a instituição de práticas coletivas de registro e reflexão sobre o realizado para decidir os próximos passos.

Nas narrativas de Raphael, Vitória, Manuela e Leonardo, a evidência do princípio de compartilhamento e de reflexão, que consiste em pensar sobre suas próprias ideias e sobre as dos colegas, sobre o processo de desenvolvimento e sobre os produtos construídos - “tem que desenhar, criar o cenário, bonecos” - diz sobre como se constrói um jogo. “Faltou testar!”, comentou Leonardo após avaliar alguns jogos digitais que não funcionavam. Todas as ideias terão de ser aproveitadas, concluiu Leonardo - “senão vai dar briga, um quer um, outro quer outro...”. “Eu morro na frente dele”, afirmou Manuela quando questionada como explicaria o processo do desenvolvimento do jogo a outra pessoa, constatando o quanto foi complexo desenvolver o jogo digital. Nessas narrativas, as crianças demonstraram suas aprendizagens, refletiram sobre o vivido, construíram novos conceitos, empregaram diferentes linguagens, exercitaram sua liberdade e o seu respeito ao outro.

Em outra perspectiva, pesquisadores de diferentes áreas - design, educação e computação - aprenderam a compartilhar conhecimentos, a mediar processos de criação individual e coletiva e a aprender com as crianças. Também eles construíram novos conceitos em design de jogos e reconheceram a criatividade e a colaboração como recurso vital para seu desenvolvimento e interface com a educação contemporânea.

4Nas obras do autor, encontramos diferentes grafias para seu sobrenome. Assim sendo, neste artigo, respeitaremos as formas utilizadas.

5A proposta pode ser encontrada na obra Desenvolvimento de Games, nas páginas 340-352.

6Angry Birds é uma série de jogos digitais desenvolvido por Rovio Entertainment. Em sua primeira versão, utilizam-se estilingues para arremessar os pássaros e eliminar os porcos. Site oficial: https://www.angrybirds.com/.

7Chaves é uma série de TV mexicana exibida na televisão.

8Placeholders são objetos gráficos utilizados durante a prototipação e que são substituídos posteriormente por gráficos criados ou adquiridos em um projeto de jogo.

Referências

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Recebido: 05 de Maio de 2018; Revisado: 16 de Novembro de 2018; Aceito: 18 de Novembro de 2018

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