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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.26 no.2 Marília abr./jun 2020  Epub 11-Mayo-2020

https://doi.org/10.1590/s1413-65382620000100005 

Relato de Pesquisa

Avaliação e Treinamento das Técnicas Básicas e Iniciais para a Locomoção com A Bengala em Ambientes Escolares1

Loiane Maria Zengo ORBOLATO2 
http://orcid.org/0000-0001-7396-0457

Eduardo José MANZINI3 
http://orcid.org/0000-0002-7157-8227

2Mestre em Educação. Discente no Programa de Doutorado em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciência, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Campus de Marília. Marília/São Paulo/Brasil. E-mail: lozengo@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7396-0457

3Docente do Departamento de Educação Especial da Unesp de Marília. Marília/São Paulo/Brasil. E-mail: eduardo.manzini@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7157-8227


RESUMO:

Este estudo teve como objetivo avaliar um programa de treinamento das técnicas básicas com a bengala em ambiente escolar. Uma estudante com 13 anos de idade, com cegueira congênita, matriculada no 6º ano/ 5ª série do Ensino Fundamental, participou do estudo. Os instrumentos utilizados foram os protocolos de avaliação das técnicas básicas de orientação e mobilidade. As avaliações ocorreram em três ambientes: corredores, sala de aula e pátio, e o design quase experimental foi composto por pré-teste, intervenção e pós-teste. A análise foi quantitativa para os desempenhos da estudante e, na intervenção, qualitativa para a escolha das estratégias de ensino. Os resultados do pré-teste apontaram que a estudante não teve dificuldades em executar os comportamentos básicos das técnicas propostas, porém deixou de realizar aqueles que são específicos, que foram o foco do treinamento. As estratégias de ensino foram explicações, instruções e apresentação de modelos cinestésicos. Os resultados do pós-teste apontaram que a estudante conseguiu executar a maioria dos comportamentos de todas as técnicas em todos os ambientes. Conclui-se que o programa de treinamento teve sucesso devido: ao tipo de estudo quase experimental, que possibilitou objetivamente a avaliação dos comportamentos; às fichas de registro e de filmagem, que garantiram o controle do processo de ensino; às estratégias de ensino empregadas; ao ensino e ao treinamento focado no ambiente natural da aluna cega. Dois pontos foram identificados como necessários para melhora do uso das técnicas: o tipo de vestimenta, os acessórios, os calçados da aluna e o tempo de treinamento.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Treinamento; Bengala; Orientação e Mobilidade

ABSTRACT:

The aim of this study was to evaluate a program for training basic probing cane techniques in the school environment. A 13-year-old female student with congenital blindness enrolled in the 1st grade of Middle School participated in the study. The instruments used were the evaluation protocols of the basic orientation and mobility techniques. The evaluation took place in three environments: corridors, classroom and schoolyard, and the quasi-experimental design consisted of pretest, intervention and posttest. The analysis was quantitative for the student’s performance and, in the intervention, it was qualitative for the choice of the teaching strategies. The results of the pretest indicated that the student had no difficulty in performing the basic behaviors of the proposed techniques, but failed to perform those that are specific, which were the focus of the training. The teaching strategies were explanations, instructions and presentation of kinesthetic models. Posttest results pointed out that the student was able to perform most behaviors of all techniques in all environments. It was concluded that the training program was successful due to: the quasi-experimental study type that objectively allowed the evaluation of behaviors; registration and filming forms, which ensured control of the teaching process; the teaching strategies employed; teaching and training focused on the blind student’s natural environment. Two points were identified as necessary to improve the use of the techniques: the type of clothing, the accessories, the student’s shoes and the training time.

KEYWORDS: Special Education; Training; Probing Cane; Orientation and Mobility

1 Introdução

Dentre todas as técnicas propostas pelos programas de Orientação e Mobilidade, o ensino e o treinamento das técnicas de locomoção com a bengala pode ser considerado o mais complexo de ser implantado, uma vez que seu uso depende não somente da execução perfeita das técnicas propriamente ditas, mas também da apropriação eficiente das diferentes capacidades, habilidades e competências interdependentes, tais como: postura, força, equilíbrio, coordenação, orientação espaço-temporal e uso dos sentidos remanescentes; que devem ser estimuladas constantemente (Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010).

Além de influenciar no desenvolvimento e, consequentemente, no aumento da autoconfiança da pessoa cega, o ato de utilizar a bengala corretamente, para se locomover tanto em ambientes internos quanto externos, está diretamente associado ao desenvolvimento da autonomia, da independência, do domínio pessoal e ao aumento da autoestima (Felippe & Felippe, 1997; Maciel, 1988, 2003; Melo, 1991).

Em se tratando do contexto escolar, o ensino das técnicas básicas com a bengala é indispensável, uma vez que é por meio do uso correto dessas técnicas, juntamente aos sentidos remanescentes, que o aluno poderá dominar os espaços com maior segurança, autonomia e tornar-se-á independente para ir e vir nos ambientes escolares, quer sejam eles internos ou externos. Além disso, o domínio das técnicas possibilita o desenvolvimento de um melhor contato social além de oferecer “uma facilitação cíclica no seu desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social, podendo inclusive adquirir, em longo prazo, capacidade e recurso para a futura obtenção de melhores oportunidades de emprego e poder econômico” (Hoffmann, 1998, p. 147). Utilizar a bengala, portanto, é muito mais do que estar com ela durante a locomoção, é saber o que, como e quando executar determinados movimentos com ela e com o próprio corpo, para que o risco de quedas, de impactos, de choques e/ou de traumas possa ser minimizado (Maciel, 1988, 2003).

De acordo com a literatura, são 14 as técnicas básicas com a bengala que devem ser ministradas durante o atendimento em Orientação e Mobilidade: 1) empunhadura da bengala na posição estática; 2) empunhadura da bengala para o movimento; 3) toque; 4) marcha; 5) alterar superfícies; 6) subir escadas; 7) descer escadas; 8) subir e descer rampas; 9) abrir e fechar portas; 10) passagens estreitas; 11) alinhamento do corpo; 12) sentar-se; 13) seguir linhas guias; e 14) mudança de direção (Bruno & Mota, 2001; Felippe & Felippe, 1997; Felippe, 2001; Garcia, 2003; Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010; Maciel, 1988, 2003; Melo, 1991).

Para executar essas técnicas corretamente, é preciso que a pessoa tenha conhecimento sobre os comportamentos que as compõem. Somente após compreender as especificidades de cada uma delas, e dominá-las, que a pessoa poderá se locomover com independência, autonomia e, principalmente, com segurança, evitando o risco de acidentes durante a locomoção tanto em ambientes internos quanto externos (Garcia, 2003).

Apesar de as técnicas de locomoção com a bengala serem essenciais na vida das pessoas cegas, nem todas possuem o conhecimento sobre como executá-las corretamente. Atualmente, é possível perceber que grande parte dos alunos cegos se locomove com certa independência e autonomia nos ambientes escolares, porém não considera a segurança durante a locomoção (Zengo, Fiorini, & Manzini, 2017). Vale ressaltar que o número de materiais nacionais sistematizados, que discorram sobre o processo de ensino, treinamento e avaliação dessas técnicas, é escasso, principalmente em se tratando dos ambientes escolares, dificultando que profissionais da área proporcionem o ensino, o treinamento e a avaliação de qualidade (Orbolato, 2018).

Frente a isso, este estudo aportou-se no seguinte problema de pesquisa: como planejar, aplicar e avaliar um programa de treinamento das técnicas básicas com a bengala, nos ambientes escolares por meio de um delineamento pré e pós-teste? A partir desse problema, o estudo teve como objetivo avaliar um programa de treinamento das técnicas básicas com a bengala nos ambientes escolares.

2 Método

Este trabalho refere-se a uma pesquisa quase experimental, intrassujeito, que se configura com um design composto por três elementos: 1) uma avaliação ou pré-teste; 2) uma intervenção; e, posteriormente, 3) uma reavaliação ou pós-teste. Esse tipo de pesquisa tem sido assim denominado pela literatura da área (Cozby, 2003; Portney & Watkins, 2008). Ele se insere dentro de uma pesquisa maior4 que utilizou as 14 técnicas básicas com a bengala.

Neste estudo, serão apresentadas seis técnicas básicas, que são iniciais para que a pessoa cega possa se locomover com a bengala: 1) empunhadura da bengala na posição estática; 2) empunhadura da bengala para o movimento; 3) toque; 4) marcha; 5) alinhamento do corpo; e 6) seguir linhas guias. A coleta de dados ocorreu em uma escola de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Foram adotados os seguintes critérios para seleção do participante: 1) ter diagnóstico de cegueira, garantindo a ausência de outras deficiências; 2) estar matriculado no ensino regular (a partir do 6º ano/ 5ª série); e 3) ter mais de 11 anos.

Com base nesses critérios, participou do estudo uma adolescente de 13 anos de idade, matriculada no 6º ano/5ª série do Ensino Fundamental, diagnosticada como cega congênita e que não havia recebido treinamento sistematizado referente às técnicas de Orientação e Mobilidade. Os procedimentos para a coleta de dados foram realizados nas dependências da escola onde estava matriculada5.

2.1 Estudo exploratório e elaboração do circuito de avaliação

A pesquisa teve início com o estudo exploratório. Para tanto, os ambientes escolares foram mapeados, a fim de auxiliar a pesquisadora6 a delinear como, onde e quando as técnicas básicas com a bengala seriam realizadas (Sampieri, Collado, & Lucio, 2006). Após uma conversa informal com a diretora da instituição e com o cuidador responsável por acompanhar a estudante no momento de chegada à escola, foram identificados os ambientes internos, externos, mais e menos frequentados pela estudante.

Considerando a necessidade de tornar o treinamento o mais desafiador possível e a importância de mensurar uma mesma variável em diferentes ambientes, iniciou-se o processo de elaboração do Circuito de Avaliação. Com base nas informações obtidas por meio do estudo exploratório, foram selecionados três ambientes que possuíam estruturas que favorecessem a realização e o treinamento das seis técnicas propostas. Os critérios para seleção desses ambientes foram: 1) ter espaço o suficiente para a estudante movimentar-se com segurança; e 2) possuir estruturas guias para a estudante orientar-se durante o percurso. Os ambientes selecionados foram: 1) corredor; 2) sala de aula; e 3) pátio.

2.2 Elaboração dos protocolos de avaliação

Considerando que cada uma das técnicas básicas e iniciais com a bengala possui diferentes comportamentos que devem ser realizados a fim de garantir a segurança e a naturalidade durante a locomoção, foi preciso que tais comportamentos fossem identificados na literatura. Assim, com o intuito de que esses comportamentos pudessem ser avaliados antes e após o treinamento, foram elaborados os Protocolos de Avaliação das Técnicas Básicas com a Bengala.

A fim de contemplar as especificidades de cada técnica - em decorrência dos seus diferentes objetivos -, foi elaborado um protocolo de avaliação para cada uma. Para exemplificar, segue, no Quadro 1, parte do protocolo de avaliação referente à técnica de Empunhadura da bengala na posição estática.

Quadro 1 Protocolo de avaliação: técnica de Empunhadura da bengala na posição estática. 

Técnica de Empunhadura da bengala na posição estática
1. Segurar com uma das mãos na parte superior da bengala (com todos os dedos).
2. Manter a mão, que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça.
3. Manter a bengala na posição vertical.
4. Manter a ponta da bengala em contato com o solo.
5. Manter toda a bengala próxima ao corpo.
6. Manter o outro braço estendido na lateral do corpo.
7. Manter postura ereta.

Fonte: Elaboração própria.

2.3 Procedimentos para coleta de dados

A filmagem foi utilizada como forma de registro que garantiu a revisão dos dados obtidos durante o processo de avaliação e treinamento. A coleta foi divida em três etapas: 1) pré-teste; 2) treinamento; e 3) pós-teste. No estudo, o pré-teste configurou-se na avaliação da estudante durante a execução de cada uma das técnicas básicas com a bengala em cada um dos ambientes, sem que houvesse intervenção da pesquisadora.

Em se tratando da estratégia utilizada para a realização do pré-teste, é importante destacar que esta não foi baseada em comandos pontuais para a execução das técnicas, como, por exemplo, “faça a técnica de empunhadura da bengala na posição estática”. Pelo contrário, foram elaboradas situações naturais, do dia a dia escolar, em que a estudante deveria se locomover. Assim, de acordo com cada situação apresentada, a estudante deveria realizar a locomoção da forma que achasse ser correta.

Posterior à execução de todas as técnicas no Ambiente 1, elas foram executadas no Ambiente 2 (sala de leitura), posteriormente, no Ambiente 3. Para que o desempenho da estudante fosse avaliado e quantificado, foram elaboradas Fichas de Registro pré e pós-teste. Esse instrumento foi composto pelos mesmos comportamentos propostos pelos Protocolos de Avaliação (Quadro 1), porém, para cada um dos ambientes, foram acrescidos campos de registro para os momentos de pré e pós-teste. Foi elaborada, assim, uma Ficha de Registro para cada técnica.

Para o preenchimento das fichas de registro de cada técnica, as filmagens do pré-teste foram analisadas e os comportamentos realizados corretamente pela estudante foram marcados com um “x”. Posterior ao preenchimento das fichas de registro de cada técnica, em cada ambiente, referente ao pré-teste, iniciou-se a segunda etapa da coleta de dados: o treinamento.

O treinamento ocorreu semanalmente, nos mesmos ambientes onde foram realizadas as avaliações pré-testes. A partir do momento que a pesquisadora constatou que a estudante havia assimilado a execução correta dos comportamentos de cada uma das técnicas, em cada um dos ambientes, iniciou-se a terceira etapa da coleta: o pós-teste. A avaliação pós-teste, ocorreu em um único dia. Para tanto, foram atribuídas às mesmas condições, orientações e situações do dia a dia escolar, propostas no pré-teste.

2.4 Tratamento e análise dos dados

O tratamento e a análise dos dados ocorreram quantitativamente. Foi considerada a soma da frequência absoluta dos comportamentos realizados corretamente pela estudante nas avaliações pré e pós-testes, em cada um dos ambientes. Tais valores foram dispostos em gráficos para posterior análise comparativa.

3 Resultados e discussão

O treinamento teve início com a técnica de Empunhadura da bengala na posição estática que tem o objetivo de permitir que a pessoa cega pudesse manusear a bengala, de forma natural e com segurança, enquanto estivesse parada, sem interferir no espaço do outro. O Gráfico 1 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de Empunhadura da bengala na posição estática.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 1 Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de empunhadura da bengala na posição estática. 

Essa técnica foi composta por sete comportamentos distintos. Ao analisar a ficha de registro do pré-teste, foi possível identificar que a estudante teve facilidade em executar cinco deles. Em contrapartida, foi identificado que a estudante não executou os outros dois comportamentos, o de manter a mão, que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça e o de manter o outro braço estendido na lateral do corpo. Em se tratando desses comportamentos, acredita-se que o fato de a estudante nunca ter recebido um treinamento específico de Orientação e Mobilidade fez com que ela não soubesse a existência e a importância do uso desses comportamentos.

De fato, estar familiarizada com a bengala é fundamental para a pessoa cega, uma vez que, por meio desse domínio, o sujeito poderá ter mais confiança para utilizá-la e mais segurança durante a locomoção (Felippe & Felippe, 1997). Por isso, é essencial que se conheça as partes da bengala, que saiba desmontá-la e montá-la, e, ainda, saiba identificar as condições físicas desse recurso, a fim de identificar quando ela deve passar por uma revisão, por exemplo. Assim, é somente após estar familiarizada com a bengala - e todas as suas especificidades - que a pessoa poderá iniciar a treinamento das técnicas propriamente ditas com eficiência, favorecendo a possibilidade de se locomover de forma confiante e segura.

O comportamento de manter a mão, que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça, por exemplo, é fundamental mesmo quando a pessoa cega não estiver em movimento, para que ela não corra o risco de “perder a bengala” se, por algum motivo, ela escapar da mão. Mesmo sendo tão importante, é possível perceber que a literatura não discute sua importância para a locomoção.

O momento do intervalo, por exemplo, que ocorre no pátio, que é um ambiente aberto, oferece situações em que não manter a mão dentro da alça da bengala pode comprometer a segurança da pessoa cega. Nesses ambientes, geralmente há um grande número de pessoas transitando e o risco de alguém, sem intenção, esbarrar e/ou chutar a bengala é muito grande. Nesses casos, se a pessoa cega não estiver com a mão dentro da alça da bengala, ela poderá soltar-se, acarretando uma recuperação dificultosa. Nessa perspectiva, é preciso que a pessoa cega tenha interiorizado esse comportamento para evitar situações de constrangimento.

Avaliou-se, também, que a estudante não manteve o outro braço estendido na lateral do corpo. As filmagens indicaram que ela permaneceu com as duas mãos sobre o cabo da bengala. Embora este seja um comportamento que também não é discutido pela literatura, estar com as duas mãos sobre o cabo da bengala não se torna uma estratégia favorável em nenhum tipo de ambiente, uma vez que, caso alguém esbarre na bengala ou trombe na pessoa, o risco de que ela se desequilibre e/ou caia é muito grande, considerando que a pessoa mantém todo o peso do corpo sobre ela.

O treinamento baseou-se na execução correta desses dois comportamentos que a estudante não conseguiu realizar no pré-teste e teve início no corredor (A1). Ao iniciar o treinamento, a pesquisadora identificou que a estudante não sabia identificar as partes da bengala, por esse motivo, o treinamento iniciou-se com a apresentação das respectivas partes da bengala.

Ao final do reconhecimento, a pesquisadora iniciou a explicação verbal sobre como realizar corretamente a técnica da empunhadura e informou sobre os prejuízos acarretados pela não execução e/ou execução incorreta dos comportamentos necessários. Além disso, foi identificado que a estudante demorou a deixar de posicionar as duas mãos sobre o cabo da bengala. A cada vez que ela executava essa ação, a pesquisadora verbalizava a forma correta de executá-los. O treinamento encerrou-se após a pesquisadora perceber que a estudante teria se apropriado da importância e da execução dos sete comportamentos.

Ao analisar o gráfico do pós-teste dessa técnica, foi possível perceber que o desempenho da estudante melhorou significativamente em todos os ambientes, com destaque para a execução na sala de aula e pátio (A2 e A3), onde a estudante executou todos os comportamentos corretamente.

Dos sete comportamentos, a estudante teve dificuldades em executar o de manter o outro braço estendido na lateral do corpo no corredor (A1). Nesse caso, não há como inferir uma causa para a não realização desse comportamento, uma vez que a estudante conseguiu executá-lo nos dois outros ambientes. O Gráfico 2 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de empunhadura da bengala para o movimento.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 2 Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de empunhadura da bengala para o movimento. 

A técnica de empunhadura da bengala para o movimento tem o objetivo de permitir que a pessoa cega faça a empunhadura correta da bengala para que possa se locomover com naturalidade e segurança, sem que interfira negativamente no espaço do outro. Essa técnica foi composta por oito comportamentos. Ao analisar a ficha de registro referente ao pré-teste, foi possível perceber que a estudante teve facilidade em executar quatro: 1) manter a mão, que está segurando na parte superior, dentro do elástico da bengala; 2) manter o braço que está segurando a bengala na linha mediana do corpo (aproximadamente); 3) estender o dedo indicador sobre a parte superior da bengala, deixando o polegar e o indicador visíveis; e 4) realizar meia rotação do punho, permitindo que a palma da mão volte-se para a lateral. Nesse caso, entende-se que, por serem comportamentos específicos da técnica, e pelo fato de a estudante não conhecer a existência deles, é que ela não manifestou a intenção, em nenhum dos três ambientes, de executá-los. Considerando esses fatos, o treinamento baseou-se na aprendizagem desses comportamentos.

O treinamento teve início no corredor (A1), com a explicação da importância de cada um dos comportamentos para a segurança durante a locomoção. Para instruí-la, além de verbalizar como a estudante deveria agir, a pesquisadora foi posicionando o braço, a mão e os dedos da estudante conforme a especificidade de cada um dos comportamentos. Cada vez que a estudante executava a técnica, a pesquisadora observava seu desempenho de modo a identificar os comportamentos que ela não estava executando corretamente, para, então, fazer a correção.

Após o treinamento de todos os comportamentos dessa técnica, iniciou-se o terceiro momento da pesquisa, a avaliação pós-teste. A partir dos dados do gráfico, foi possível observar que a estudante conseguiu realizar com naturalidade, autonomia e segurança todos os comportamentos propostos por essa técnica, nos três ambientes. Nesse sentido, entende-se que as estratégias utilizadas para o treinamento foram bem sucedidas.

O Gráfico 3 apresenta os valores obtidos ao realizar a técnica de toque.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 3 Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de toque. 

Segundo Garcia (2003, p. 109), a técnica de toque tem o objetivo de proporcionar “o máximo de proteção e informação do ambiente no que se refere a diferentes objetos que possam ser encontrados desde o solo até a linha da cintura”. É por meio dessa técnica que a pessoa cega pode se locomover com a bengala de forma coordenada, natural, segura, autônoma e independente, de maneira que consiga perceber o ambiente de maneira eficiente (Felippe & Felippe, 1997). Para a realização dessa técnica, é preciso que a pessoa, além de possuir uma boa coordenação para realizar o movimento da bengala, tenha também a força necessária nos dedos, no punho e no braço para manter a bengala sem contato com o solo ao executar o movimento.

Neste estudo, a técnica de toque foi composta por 11 comportamentos. Ao analisar a ficha de registro, identificou-se que a estudante conseguiu executar com facilidade os quatro comportamentos que são básicos dessa técnica. Em contrapartida, foi possível perceber que a estudante não conseguiu realizar, nos três ambientes, nenhum dos sete que são caracterizados como específicos: 1) manter a mão que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça; 2) manter o braço que está segurando a bengala na linha mediana do corpo; 3) estender o dedo indicador sobre a parte superior da bengala, deixando o polegar e o indicador visíveis; 4) realizar a flexão do punho para ambos os lados, sem movimentar o braço que está segurando a bengala; 5) tocar a ponta da bengala nos dois pontos direito e esquerdo (sem arrastar); 6) manter abertura da bengala (ao tocar os pontos do solo) em uma distância um pouco maior do que a dos ombros; e 7) permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). Para esses comportamentos, percebeu-se que a estudante não tinha conhecimento sobre a necessidade e a importância de executá-los. O treinamento teve como foco esses comportamentos e iniciou-se no corredor (A1) com informações sobre a importância dessa técnica para a locomoção.

O fato de alguns comportamentos propostos por essa técnica terem sido treinados na técnica anterior (empunhadura da bengala para o movimento) favoreceu a aprendizagem da estudante. Referente ao outros quatro comportamentos, a pesquisadora informou a importância deles para a segurança durante a locomoção e a instruiu fisicamente quanto à forma de executá-los. Ainda assim, a estudante teve dificuldades em executar o comportamento de realizar a flexão do punho para ambos os lados, sem movimentar o braço que está segurando a bengala corretamente.

Em vez de realizar somente a flexão do punho para ambos os lados, a estudante estava movimentando o braço, impedindo que a mão permanecesse posicionada na linha central do corpo. Para esse comportamento, foi necessário oferecer um modelo de execução. Assim, foi observado que, após a instrução verbal, física e cinestésica, a estudante conseguiu executar o comportamento de maneira correta. Concomitante com a execução desse comportamento, a pesquisadora solicitou que a estudante, ao movimentar a bengala, a tocasse no solo. Esse comportamento foi prontamente compreendido e executado pela estudante. No entanto, a estudante relatou que tinha medo de que as pessoas tropeçassem na sua bengala e, por isso, preferia se locomover com ela parada. Diante disso, a pesquisadora informou as possíveis consequências de ela andar com a bengala parada e a forma correta para fazer isso, de modo a não ocupar o espaço do outro. Ao encerrar esse momento, a pesquisadora solicitou que a estudante realizasse a técnica de toque, que foi executado com excelência. Nesse momento, a estudante demonstrou ter aprendido os comportamentos ensinados.

Ao verificar os dados do pré-teste do Gráfico 3, foi possível perceber que, dos 11 comportamentos, a estudante deixou de executar um, em todos os ambientes. Ao analisar a ficha de registro, esse comportamento foi o de permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). Para esse comportamento, acredita-se que a estudante tenha se sentido desconfortável e insegura para se locomover utilizando somente a bengala, permanecendo, assim, com o braço e a mão, que não estavam segurando a bengala, tensos - neste caso, segurando a barra da camiseta. Nessas situações, acredita-se que mais tempo de treinamento poderia fazer com que a estudante minimizasse essa falta de segurança e se locomovesse de maneira mais natural nesses ambientes.

O Gráfico 4 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de marcha.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 4 Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de marcha. 

A técnica de marcha possui o objetivo de permitir que a pessoa cega se locomova de forma equilibrada, coordenada, segura e natural utilizando a bengala. Ela é composta por nove comportamentos distintos. Ao analisar a ficha de registro do pré-teste, foi possível identificar que, destes, a estudante teve facilidade em realizar quatro.

Em relação aos comportamentos que a estudante teve dificuldade em realizar, os quais executou em pelo menos um dos ambientes, está o de realizar a passada com o pé esquerdo quando a bengala tocar no lado direito do solo e o de realizar a passada com o pé direito quando a bengala tocar no lado esquerdo do solo. Ambos foram realizados somente no pátio da escola (A3). Mediante esse dado e após a análise das filmagens, acredita-se que ela tenha executado esse comportamento de forma não intencional, uma vez que, no corredor e na sala de aula (A1 e A2), ela não demonstrou intenção de executá-los corretamente.

Os três comportamentos que a estudante não realizou em nenhum dos ambientes foram: 1) permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção com movimentos naturais; 2) retirar todo o pé do chão na passada, sem arrastar o calçado; e 3) manter ritmo, entre pés e mãos. Referente a esses comportamentos, supõe-se que os fatores principais para que a estudante não conseguisse executar tais comportamentos, em nenhum dos três ambientes, foi o fato de ela utilizar um calçado aberto (estilo chinelo) e também pela falta de costume em se locomover utilizando somente a bengala.

De acordo com a literatura, o treinamento dessa técnica pode ser realizado de duas formas. A primeira é individualmente, quando a marcha e suas especificidades - coordenação, equilíbrio, altura, distância entre os pés, distância entre os passos, entre outros - são estimuladas, desenvolvidas e aprimoradas (Felippe & Felippe, 1997; Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010) e, concomitantemente, quando a pessoa já está apropriada das capacidades e das habilidades físicas e motoras necessárias. No segundo caso, o treinamento da marcha ocorre concomitantemente com o treinamento de outras técnicas, como, por exemplo, a de toque (Felippe & Felippe, 1997; Garcia, 2003; Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010; Maciel, 1988, 2003; Melo, 1991).

Em decorrência de a estudante ter se mostrado bem apropriada das capacidades e das habilidades físicas e motoras necessárias para a realização da marcha, neste estudo, o treinamento dessa técnica foi realizado concomitantemente ao treinamento da técnica de Toque. O treinamento baseou-se no desenvolvimento dos comportamentos que a estudante teve dificuldade, e ainda, daqueles que ela deixou de executar durante o pré-teste.

Considerando que realizar a técnica de Marcha, principalmente quando ela ocorre concomitantemente à técnica de Toque, torna-se uma das técnicas mais complexas dessa categoria, é preciso que a pessoa cega mantenha uma sincronia nos movimentos dos membros superiores e inferiores a fim de manter-se segura durante a locomoção. O treinamento dessa técnica teve início no corredor (A1). Foram informados quais eram as ações a serem executadas e os benefícios da execução correta dos comportamentos.

Ao demonstrar ter compreendido essas informações, a pesquisadora começou a explicar a como executar os comportamentos de realizar a passada com o pé esquerdo quando a bengala tocar no lado direito do solo e realizar a passada com o pé direito quando a bengala tocar no lado esquerdo do solo. Além de informar verbalmente o que a estudante deveria fazer, foi necessário que a pesquisadora utilizasse a informação cinestésica. A maior dificuldade da estudante foi em conseguir mover o quadril sem girá-lo ao executar a passada. Esse foi o foco do treinamento.

O treinamento encerrou-se quando a pesquisadora percebeu que a estudante estava conseguindo executar todos os comportamentos propostos da maneira mais correta possível. Após o período de treinamento, deu-se início ao pós-teste. Apesar de a coordenação, entre a passada e o toque, ser o fator mais complexo dessa técnica, foi observado, na ficha de registro, que a estudante não teve dificuldades em executá-la no pós-teste. Ao analisar a ficha de registro, foi observado que seu maior desafio foi em executar o comportamento de permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção com movimentos naturais. Esse comportamento não foi executado em nenhum dos três ambientes. Nesse caso, infere-se que, mesmo a pesquisadora tendo informado tanto os detalhes do ambiente onde ela se encontrava (corredor, sala de aula e pátio) quanto à situação em que ela estava envolvida (ambiente com poucas pessoas transitando), a estudante não tenha se sentido confortável, mantendo seu braço e mão livres sem movimentos naturais.

O Gráfico 5 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de alterar superfícies.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 5 Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de enquadramento e/ou alinhamento do corpo. 

A técnica de enquadramento e/ou alinhamento do corpo tem a função de permitir que a pessoa cega estabeleça uma linha retilínea de marcha, a fim de que possa estabelecer condições para determinar sua posição em relação aos objetos e, a partir disso, estabelecer a linha de tomada de direção desejada utilizando a bengala.

Neste estudo, essa técnica foi composta por nove comportamentos. Destes, a estudante teve a facilidade em executar sete. Em contrapartida, a estudante não conseguiu realizar dois deles - que podem ser caracterizados como específicos - em nenhum dos três ambientes: 1) permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais); e 2) retirar todo o pé do chão na passada (sem arrastar o calçado).

Para o primeiro, o fato de a estudante não ter o costume de se locomover utilizando somente a bengala fez com que ela aparentasse não estar confiante em executar essa técnica; por isso, manteve o braço e mão livres, sem movimentos naturais de locomoção. Já para o segundo, foi observado que o fato de a estudante utilizar um calçado inapropriado, pode ter contribuído para que ela não tivesse um bom desempenho. No segundo caso, acredita-se que, caso a estudante estivesse utilizando um calçado fechado, seu desempenho poderia ter sido melhor no pré-teste.

Referente aos outros dois comportamentos que são caracterizados como específicos dessa técnica, foi possível identificar que a estudante não executou o comportamento de alinhar os pés em direção ao som, em nenhum dos três ambientes, e realizou o de realizar a locomoção em linha reta apenas na sala de aula (A2).

O treinamento teve como foco os comportamentos que a estudante teve dificuldade e/ou deixou de executar durante o pré-teste. O treinamento iniciou no pátio (A3). Ao iniciar o treinamento, a pesquisadora percebeu que a estudante não estava conseguindo localizar o som com facilidade e, por isso, iniciou a estimulação auditiva, a fim de favorecer a localização do som com mais precisão durante o deslocamento. A estimulação ocorreu até o momento que a estudante conseguiu direcionar seu corpo corretamente na maioria das vezes. Posteriormente, os comportamentos referentes às técnicas que a estudante teve dificuldade em realizar foram ensinados e treinados durante a locomoção. Na maioria das vezes, as instruções verbais foram suficientes para que a estudante executasse os comportamentos corretamente. Quando necessário, instruções físicas também foram empregadas.

Ao analisar os dados referentes ao pós-teste, foi possível identificar que, mesmo tendo um desempenho melhor do que no pré-teste, a estudante teve dificuldades em executar três comportamentos: 1) alinhar os pés em direção ao som; 2) realizar a locomoção em linha reta; e 3) permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais).

Em se tratando da locomoção no corredor (A1), foi identificado que a estudante não realizou nenhum desses três comportamentos. Acredita-se que o fato de que outros alunos estivessem conversando dentro de salas próximas possa ter distraído a estudante. Diante desses dados, vale ressaltar a importância da concentração durante o treinamento das técnicas de Orientação e Mobilidade e os prejuízos que a falta dela pode acarretar.

Na sala de aula (A2), foi observado que a estudante deixou de realizar os comportamentos de permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais) e de realizar a locomoção em linha reta. Desse modo, embora a estudante tenha conseguido alinhar seus pés em direção ao som, ele não conseguiu se deslocar em linha reta. Infere-se que ela pode não ter se apropriado das ações motoras necessárias para executar tal ação. Acredita-se, portanto, que seja necessário mais tempo de treinamento para que a aluna possa elaborar conceitos da memória motora.

No pátio (A3), a estudante deixou de realizar apenas o comportamento de permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). Supõe-se que, por não ter se sentido confortável em se locomover nesse ambiente, ela manteve o braço e mão livres, em constante tensão (segurando a camiseta). Assim sendo, mais do que ensinar comportamentos específicos das técnicas de Orientação e Mobilidade, é preciso que questões, tais como, concentração e autoconfiança, sejam desenvolvidas. Em linhas gerais, elas são determinantes para uma locomoção segura.

O Gráfico 6 apresenta os dados em relação à técnica de seguir linhas guias.

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 6 Valores obtidos pelo cálculo da frequência absoluta dos comportamentos realizados pela estudante referente à técnica de seguir linhas guias. 

De acordo com Garcia (2003), a técnica de seguir linhas guias tem como intuito proporcionar à pessoa cega condições para andar independentemente e com segurança em ambientes familiares, garantir um deslocamento com direção e facilitar a locomoção em áreas congestionadas utilizando a bengala como recurso. Essa técnica contou com a avaliação de 11 comportamentos. Destes, sete são considerados como básicos para a locomoção e quatro que são específicos da técnica. Foi possível identificar, que a estudante não conseguiu realizar três deles: 1) permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais); 2) retirar todo o pé do chão na passada (sem arrastar o calçado); e 3) manter ritmo constante.

Em se tratando dos comportamentos específicos da técnica de seguir linhas guias, foi possível identificar que a estudante teve dificuldades em realizar três deles: o de posicionar o corpo paralelamente à linha guia e o de tocar a ponta da bengala na linha guia durante a locomoção (sem arrastá-la), que foram executados no corredor e no pátio (A1e A3) e o de manter uma distância aproximada de 20 cm da linha guia, que foi executado somente na sala de aula (A2). Nesses casos, percebe-se que, embora a estudante tivesse conhecimento sobre como guiar-se, ele não sabia ao certo como executar os comportamentos necessários. Referente ao comportamento de manter abertura da bengala (ao tocar os pontos do solo) numa distância pouco maior do que a dos ombros, foi identificado que a estudante não realizou em nenhum dos três ambientes.

A partir da análise do desempenho da estudante na avaliação pré-teste, deu-se início ao treinamento. O treinamento teve início no corredor (A1) com a pesquisadora informando sobre o que era a técnica de seguir linhas guias e o porquê de essa técnica ser tão importante para a locomoção. A partir das instruções verbais, já, no primeiro ensaio, a estudante conseguiu executar os comportamentos de maneira correta.

O maior desafio da estudante foi conseguir permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). A estudante executava o comportamento corretamente somente quando a pesquisadora a instruía verbalmente, quando não, ela voltava a permanecer com o braço e a mão livres, em padrão de tensão. Nesses casos, em vez de interromper a locomoção para explicar como a estudante deveria agir, a pesquisadora instruía verbalmente com frases do tipo: “Não perde a parede”, “Cadê a parede?”, ou, então, “Se concentra para não se perder”; dessa forma, a estudante ia se autocorrigindo.

Ao perceber que a estudante estava tendo um bom desempenho nesse ambiente, o treinamento teve continuidade na sala de aula (A2). Nesse local, a pesquisadora utilizou duas estruturas que poderiam servir como linhas guias: espaço da lousa até a porta da sala e as fileiras de carteiras encostadas na parede. A estudante teve dificuldade em se locomover na fileira das carteiras. Para fazer isso, foi preciso que a pesquisadora oferecesse um modelo para o toque da bengala. Após essas instruções, foi observado que a estudante conseguiu se locomover, em todos os ensaios, utilizando os comportamentos propostos pela técnica.

Após ser identificado que a estudante havia conseguido executar a maioria dos comportamentos propostos da maneira mais correta possível, nos três ambientes, deu-se início ao pós-teste. Ao analisar o Gráfico 6, é possível identificar que a estudante conseguiu realizar todos os comportamentos com naturalidade, segurança, autonomia e independência no pátio (A3). Já no corredor e na sala de aula (A1 e A2), apesar de seu desempenho ter melhorado em relação ao pré-teste, ela ainda deixou de executar o comportamento de permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais).

Sobre esse comportamento, embora a estudante tivesse sido instruída sobre a importância de se locomover com naturalidade, ela teve dificuldades em desconstruir os padrões de locomoção criados por ela ao longo da vida. Acredita-se que, com mais tempo de treinamento, esses vícios de locomoção poderiam ser minimizados.

4 Conclusão

Os dados permitiram concluir que o programa de treinamento e de avaliação que foi sistematizado contribuiu, positivamente, para que a aluna aprendesse a realizar as técnicas de locomoção com a bengala nos ambientes escolares.

Os pontos que podem ser avaliados como positivos, no programa, são: 1) por se tratar de um sujeito único, o estudo do tipo quase experimental possibilitou a avaliação antes e após o treinamento, o que permitiu aferir, de forma objetiva, a aprendizagem dos comportamentos necessários para cada uma das técnicas; 2) as fichas de registros especificavam detalhadamente os comportamentos a serem ensinados e foram importantes no momento de avaliação, de ensino e de treinamento, o que garantiu o controle desse processo; 3) a filmagem foi outro procedimento de registro importante para rever e avaliar as situações de ensino e de treinamento; 4) as estratégias de ensino empregadas pela pesquisadora foram importantes para o sucesso da aquisição dos comportamentos-alvo da participante, dentre elas, podem ser enfatizadas as explicações, as instruções verbais, os modelos cinestésicos apresentados; 5) a sistematização do trabalho também foi fator importante, a exemplo do circuito composto pelos três ambientes (corredor, sala de aula e pátio), o que possibilitou a avaliação, o ensino e o treinamento focado no ambiente natural da aluna cega.

Na avaliação do programa, como pontos que merecem atenção por parte de quem realiza o treinamento de técnicas de orientação e mobilidade, devem ser ressaltados: 1) o tipo de vestimenta, os acessórios e os calçados do aluno; 2) tempo de treinamento. O tipo de vestimenta, os acessórios e o calçado a ser utilizado pelo aluno durante o treinamento é determinante para o (in)sucesso de sua locomoção. É preciso que, ao fazer essa escolha, o aluno tenha consciência do que poderá favorecer e do que poderá prejudicar sua aprendizagem.

Não há um padrão em relação ao tempo necessário para o treinamento. Cada aluno traz consigo diferentes experiências que devem ser avaliadas. Após o ensino, há necessidade de treinar as técnicas, e o fator tempo é uma variável a ser considerada. O mais importante é que o aluno encerre o treinamento se sentindo seguro, autônomo e independente, para se locomover nos ambientes escolares, quer sejam internos ou externos.

4A pesquisa maior, intitulada Treinamento e avaliação de técnicas de orientação e mobilidade em ambientes escolares (Orbolato, 2018), teve como objetivo avaliar o treinamento das técnicas de Orientação e Mobilidade, em ambientes escolares e foi financiada pelo CNPq.

5Os Termos de Consentimento e Assentimento Livre e Esclarecido (TCLE/TALE) e de Fotografia e Filmagem foram entregues e assinados pelos responsáveis da estudante.

6A primeira autora realizou o curso de capacitação promovido pelo Instituto Educacional do Estado de São Paulo, com carga horária de 120 horas, e possui o título de Técnico em Orientação e Mobilidade. O segundo autor possui certificação de 40 horas pelo Instituto Benjamin Constant, Rio de Janeiro.

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Recebido: 02 de Agosto de 2019; Revisado: 05 de Dezembro de 2019; Aceito: 02 de Janeiro de 2020

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