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Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.26 no.3 Marília jul./set 2020  Epub 12-Ago-2020

https://doi.org/10.1590/1980-54702020v26e0092 

Relato de Pesquisa

Implementação do Pecs Associado ao Point-Of-View Video Modeling na Educação Infantil para Crianças com Autismo2

3Doutorado em Educação Especial. Docente do Departamento de Ciências Humanas da Unisagrado. Bauru/São Paulo/Brasil. E-mail: viviane_reb@hotmail.com.

4Doutorado em Educação Especial pela George Peabody College For Teachers, Vanderbilt University, Nashville, Tennessee, EUA. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/São Paulo/Brasil. E-mail: ameliama@terra.com.br.


RESUMO

Este estudo teve por objetivo analisar os efeitos do Picture Exchange Communication System (PECS) associado ao Point-of-view Video Modeling (POVM) nas habilidades comunicativas de três crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Necessidades Complexas de Comunicação. Empregou-se o delineamento experimental de múltiplas sondagens combinado ao delineamento de tratamentos alternados, sendo o PECS associado ao POVM a variável independente e as habilidades de comunicação a variável dependente. Os dados foram analisados considerando aspectos como: a porcentagem de non-overlapping, a porcentagem de respostas corretas quanto ao desempenho dos participantes e os dados da escala Likert quanto à validade social. Os resultados mostraram que a partir do início da intervenção, os níveis e as tendências de seus dados mudaram, todos os participantes obtiveram o critério, atingindo o non-overlapping de 100%. Em todas as fases do PECS associado ao POVM, os participantes obtiveram porcentagem média acima de 90%. O estudo foi considerado pelos responsáveis, pelas estagiárias e pelas professoras como socialmente válido. Conclui-se que os participantes com TEA indicaram uma mudança após a intervenção, ao comparar a condição de linha de base com a intervenção e follow-up, demonstrando uma possibilidade em Comunicação Suplementar e/ou Alternativa para as crianças com TEA.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Comunicação Suplementar e/ou Alternativa; Transtorno do Espectro Autista; Sistema de Comunicação por Troca de Figuras; Videomodelação

ABSTRACT

This study aimed to analyze the effects of the Picture Exchange Communication System (PECS) associated to Point-of-view Video Modeling (POVM) in communicative skills of three children diagnosed with Autistic Spectrum Disorder (ASD) and Complex Communication Needs. The experimental design of multiple probe combined with the design the alternate treatments was used, being PECS associated to POVM the independent variable and the communication skills were the dependent variables. Data were analyzed considering aspects such as: the percentage of non-overlapping, participants’ performance percentage of correct responses and Likert scale data on social validity. The results showed that from the beginning of the intervention, the data levels and trends changed, all the participants obtained the criterion, reaching 100% non-overlapping. In all phases of PECS associated to POVM the participants had an average percentage above 90%. The study was considered by those responsible for the child, the trainees and the teachers. It was concluded that the participants with ASD indicated a change after the intervention, when comparing baseline condition with intervention and follow-up, demonstrating a possibility in Augmentative and Alternative Communication for children with ASD.

KEYWORDS: Special Education; Augmentative and Alternative Communication; Autistic Spectrum Disorder; Picture Exchange Communication System; Video Modeling

1 Introdução

O início da escolarização é um momento de adaptação da criança a um novo ambiente, o qual exigirá habilidades de comunicação, acadêmicas e sociais que são importantes para a inserção na escola. A primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil, busca assegurar “acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções para as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação” (Resolução nº 1, 1999, p. 19).

Dessa forma, crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), inseridas na Educação Infantil, necessitam que suas necessidades sejam atendidas, que os apoios e os serviços sejam garantidos. De acordo com as proposições do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o déficit na comunicação social é um dos domínios de critério diagnóstico do TEA, sendo caracterizado como diminuição da capacidade de utilizar a comunicação verbal e não verbal durante uma interação com outras pessoas, além de limitações em compartilhar ideias e interesses ou negociar de forma positiva e amigável (American Psychological Association [APA], 2014).

Diante dessas necessidades e das demandas que são exigidas pela sociedade, em específico no processo de escolarização na Educação Infantil, a intervenção em Comunicação Suplementar e/ou Alternativa é uma possibilidade a ser implementada na escola para oferecer suporte às limitações comunicativas de crianças que apresentam necessidades complexas de comunicação. Dessa forma, uma prática baseada em evidências em Comunicação Suplementar e/ou Alternativa é o Picture Exchange Communication System (PECS), desenvolvido em formato de protocolo de treinamento por Bondy e Frost (1994) enquanto trabalhavam com crianças no Programa de Autismo em Delaware (Delaware Autism Program) em 1985.

Os autores aplicaram o treinamento do PECS em 85 crianças da Educação Infantil, constatando que 85% das crianças aprenderam a fazer pedidos utilizando pelo menos duas figuras. Os pesquisadores ressaltaram que 76% das crianças que usaram o PECS começaram a usar a fala concomitantemente. Somente em 1994, os autores desenvolveram o manual de treinamento do PECS com a finalidade de orientar profissionais e pais para compreenderem a abordagem e o aplicarem com mais segurança e confiabilidade. Inicialmente, o programa foi aplicado em crianças com TEA que não podiam usar a fala como meio primário de comunicação. Atualmente, tem sido aplicado com pessoas de diferentes idades e diagnósticos para aumentar suas habilidades de comunicação dentro do contexto social.

A partir da literatura internacional referente ao PECS, verificou-se, em três estudos de meta-análises (Flippin, Ruzka, & Watson, 2010; Hart & Banda, 2010; Tincani & Devis, 2011), contemplando os anos de 1994 a 2009, que dos 19 estudos analisados que aplicaram o PECS somente dois conseguiram completar as seis fases do programa. Na revisão sistemática da literatura nacional, realizada por Mizael e Aiello (2013), não foi delimitada a data de início por não haver nenhuma revisão sistemática referente ao assunto; no entanto, foi fixada como data limite o ano de 2011, quando finalizaram o estudo. Dessa forma, os autores encontraram seis estudos, mas nenhum aplicou as seis fases do PECS. Tincani e Devis (2011) apontam alguns fatores com relação a não aplicação de todas as fases do PECS e a demora em sua finalização. Um deles foi o critério de mudança de fase de 80% de acertos, que poderia impedir os pesquisadores de finalizarem todas as fases do sistema até a conclusão da pesquisa. Outra limitação refere-se às habilidades cognitivas dos participantes que poderiam ter influenciado a aprendizagem, sendo esta uma hipótese, pois a maioria dos estudos não tinha descrições suficientes dos níveis de funcionamento cognitivo dos participantes para que essa habilidade fosse considerada uma variável que influenciou a aquisição do PECS. Entretanto, dados empíricos das Fases V e VI do sistema são escassos.

A literatura demonstrou que as crianças com TEA são caracterizadas por déficits severos na atenção, além de não serem propensas a aprender habilidades observando o comportamento dos outros. Esse déficit as coloca em uma intensa desvantagem ao tentarem manter o ritmo educacional, social e funcional dos seus colegas. Mesmo que a aquisição de um repertório imitativo seja proposta por uma instrução explícita, crianças com TEA não necessariamente adquirem um repertório de aprendizagem observacional (Bandura, 1977; Greer, Dudek-Singer, & Gautreaux, 2006; Plavnick & Hume, 2014).

Nessa perspectiva, tendo por base a teoria de Bandura (1969), o Video Modeling (VM), ou Videomodelação, é uma técnica que tem sido amplamente utilizada e pesquisada. As pesquisas apontam a eficácia na aquisição e no desenvolvimento de diferentes habilidades às pessoas com TEA, como: habilidades sociais, habilidades de comunicação, habilidades vocacionais, jogos, atividades físicas, atividades de vida diária, imitação, treinamento de equipe, habilidades acadêmicas e de atenção (Bellini & Akullian, 2007; Huang & Wheeler, 2006). O Video Modeling é caracterizado por Shukla-Mehta, Miller e Callahan (2010) com o seguinte procedimento: a) uma pessoa é convidada a assistir ao vídeo; b) a habilidade a ser desenvolvida é modelada por um adulto ou pares em um contexto de atividade; c) o instrutor fornece estímulos e reforço para a pessoa atender a estímulos relevantes; d) a pessoa imita o comportamento do modelo com a oportunidade de desempenhar as habilidades exibidas no vídeo.

Existem três tipos de VM: VM com outros como modelo (VMO), Video Self-Modeling (VSM) e Point-of-view Video Modeling (POVM). O VMO utiliza um adulto ou pares como modelo, que pode ser conhecido ou não pelo aprendiz; o VSM é uma forma específica de videomodelação que utiliza o aprendiz como modelo para oferecer oportunidades de aprendizagem, em que ele visualiza a si próprio desempenhando uma tarefa (Rodrigues & Almeida, 2017). E, por último, o Point-of-view Video Modeling (POVM), que consiste em uma filmagem realizada na perspectiva da primeira pessoa. O vídeo é elaborado como se a filmadora estivesse na altura do ombro e como se estivesse vendo pelos olhos da pessoa o comportamento-alvo a ser realizado (Shukla-Mehta, Miller, & Callahan, 2010).

Dada a natureza da perspectiva visual, estímulos externos não são incluídos no vídeo, naturalmente dirigindo a atenção do expectador às etapas necessárias para completar a tarefa desejada ou demonstrar o comportamento apropriado. Apesar da maior eficiência e foco na tarefa, o POVM tem recebido menos atenção empírica do que os outros tipos de vídeos. O POVM é altamente eficaz para participantes com TEA e deficiências do desenvolvimento, embora os resultados indiquem efeitos expressivos para aqueles com TEA. Como já foi observado, os participantes com TEA são tipicamente mais responsivos aos estímulos visuais, e as intervenções baseadas em VM capitalizam essa preferência (Bellini & Akullian, 2007). O POVM tem um aspecto diferencial com relação aos outros vídeos, visto que os estímulos externos irrelevantes são significativamente reduzidos devido à natureza da filmagem, permitindo que o espectador se concentre nos estímulos relevantes (Mason, Davis, Boles, & Goodwyn, 2013).

Devido à eficácia da Videomodelação no ensino de diversas habilidades, os estudos voltados a sua associação ao PECS mostraram que a aprendizagem torna-se mais rápida, pois, ao observar alguém desempenhando o comportamento-alvo nas fases do PECS, o aluno necessita de menos auxílios, atingindo os acertos necessários para as mudanças de fases em menos tempo.

Os estudos que realizaram a associação entre PECS e a Videomodelação foram de Cihak, Smith, Cornett e Coleman (2012); Smith, Hand e Dowrick (2014); Rodrigues, Campos e Almeida (2015). O estudo de Cihak et al. (2012) avaliou o aumento de iniciativas independentes para a comunicação por meio de uma combinação da Fase I do PECS associado à videomodelação em crianças com autismo com idades pré-escolares. Os autores concluíram que os estudantes conseguiram aprender a Fase I do PECS e aumentaram as iniciações independentes para a comunicação nessa fase. No entanto, os estudantes aprenderam mais rápido a Fase I do PECS quando o usaram associado ao VM. Smith, Hand e Dowrick (2014) examinaram a eficácia do VSM para ensinar o PECS até a Fase IV. Os participantes foram dois meninos (9 e 11 anos) com autismo e um homem com Síndrome de Down (36 anos). Todos os três participantes eram não verbais e com nenhum sistema funcional de comunicação; os dois meninos tinham longo histórico de fracasso de PECS. Todos os participantes mostraram rápida aprendizagem de seus comportamentos-alvo quando foi introduzido o VSM; além disso, os efeitos foram generalizados sem a necessidade de intervenção adicional.

Rodrigues, Campos e Almeida (2015) aplicaram o PECS associado ao VMO em uma criança com Síndrome de Down de nove anos, em todas as fases do PECS. Os resultados indicaram que o desempenho da participante foi satisfatório, tanto em relação à cada fase, como em relação à aprendizagem de todo o processo de intervenção. A participante aprendeu o PECS em poucas sessões e observou-se que o uso da figura foi um suporte para o aumento de vocabulário presente nas formulações de palavras e frases tanto por meio das figuras como por meio da fala. As autoras demonstraram uma possibilidade de intervenção que favoreceu as habilidades comunicativas da participante.

De acordo com os estudos delineados pela literatura sobre essa temática, este estudo tem por objetivo analisar os efeitos do Picture Exchange Communication System (PECS) associado ao Point-of-view Video Modeling (POVM) nas habilidades comunicativas de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Necessidades Complexas de Comunicação matriculadas na Educação Infantil.

2 Método

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob o Parecer CAAE: 45113615.4.0000.5504. Assim, teve como variável dependente as habilidades de comunicação dos participantes e como variáveis independentes o PECS isoladamente e o PECS associado ao POVM. Para tanto, foi conduzida por meio do Delineamento de Múltiplas Sondagens combinado ao Delineamento de Tratamentos Alternados (Gast & Ledford, 2010).

O Delineamento de Múltiplas Sondagens é similar ao Delineamento de Linha de Base Múltipla, pois a variável independente (no caso deste estudo, teve-se inicialmente duas variáveis independentes: PECS isoladamente e PECS+POVM) é sistemática e sequencialmente introduzida, em diferentes momentos, aos comportamentos, ambientes ou sujeitos. Contudo, difere do delineamento de linha de base múltipla com relação à linha de base que não é coletada continuamente nos comportamentos que não estão sob condições de intervenção. Ao contrário, a linha de base é conduzida de forma intermitente nos comportamentos que serão submetidos à intervenção (Gast & Ledford, 2010).

O Delineamento de Tratamentos Alternados permite comparar intervenções. Neste estudo, a intervenção 1 (PECS isoladamente) e a intervenção 2 (PECS associado ao POVM) são alternadas em sua aplicação para comparar qual intervenção é mais eficaz. Deve-se ter no mínimo cinco intervenções de cada uma. Após a comparação das intervenções, pode-se finalizar o estudo quando há estabilidade dos resultados ou permanecer com a intervenção mais eficaz até a sua finalização (Wolery, Gast, & Hammond, 2010).

2.1 Participantes com TEA

Para a seleção dos participantes, as pesquisadoras estabeleceram contato com a responsável pelo setor de Educação Especial do município que forneceu uma relação de alunos com Transtorno do Espectro Autista e com Necessidades Complexas de Comunicação, contendo um total de 12 alunos. Em seguida, foram selecionados os participantes que tivessem faixas etárias aproximadas. Desse modo, somente três crianças com TEA e necessidades complexas de comunicação foram selecionadas para participarem do estudo: P1, P2 e P3. P1 era uma menina de 4 anos e 4 meses de idade no início do estudo, matriculada, no ano de 2016, em uma Escola Municipal de Educação Infantil, no Jardim I (penúltima etapa da Educação Infantil). Ela apresentava habilidades de comunicação limitadas, quando havia a fala (agrupava sons e sílabas repetidas com entonação), que não era inteligível, falava algumas palavras como: não, mamãe (para se referir à avó) e Didi (para se referir à tia). As pessoas não compreendiam o que desejava, demonstrando irritabilidade diante da situação. Poucas vocalizações eram compreendidas pelos parceiros de comunicação, não falava nenhuma frase, poucas vezes mantinha contato visual com as pessoas de seu convívio.

Com relação à P2, um menino de 6 anos e 6 meses no início do estudo, que frequentava a Escola Municipal de Educação Infantil desde os quatro anos de idade. No momento da pesquisa, estava matriculado no Jardim II (etapa final da Educação Infantil). Quanto às habilidades de comunicação, o participante fazia uso frequente da ecolalia, repetição de palavras, frases que ouviu em programas de televisão e músicas infantis, nunca iniciava a comunicação. Apresentava comportamento estereotipado (flapping de mãos) e comportamentos repetitivos (movimento com a cabeça e ombro), hipersensibilidade olfativa (cheirava todos os objetos que pegava em sua mão). Não verbal, não se comunicava com os adultos e com os pares, principalmente não respondendo a perguntas básicas.

P3 tinha 6 anos e 7 meses no início do estudo, começou a frequentar a escola regular no ano de 2016 - anteriormente frequentava a escola especial. No momento da pesquisa, estava matriculado no Jardim II (etapa final da Educação Infantil). No início do estudo, o participante era não verbal, fazia uso de fralda, não apresentava iniciativa para a comunicação. Quando queria algo, puxava as pessoas e levava até o item que desejava. Apresentava comportamento de birra (irritava-se, jogava-se ao chão, gritava e chorava); vocalizações não articuladas, somente balbuciava; comportamento estereotipado (flapping de mãos) e raramente usava a ecolalia (somente com a expressão “e aí”).

2.2 Local

O estudo foi realizado nas dependências de uma Escola Municipal de Educação Infantil, localizada em uma cidade de médio porte no interior do estado de São Paulo. Essa escola contava com um total de 205 alunos matriculados, dos quais somente quatro alunos eram público-alvo da Educação Especial. O estudo foi conduzido na sala de aula, na sala do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e no pátio. Algumas sessões foram conduzidas na casa dos participantes com seus responsáveis (de acordo com suas disponibilidades).

2.3 Modelos para a elaboração dos vídeos

Os modelos que desempenharam o comportamento-alvo foram selecionados para a pesquisa por meio de uma indicação da professora. Foi pedido à professora que indicasse um colega de classe que mais se identificava com os participantes, embora os participantes muitas vezes não demonstravam preferência, havia colegas que se preocupavam mais e aproximavam-se mais dos participantes. Selecionaram-se três crianças com idades semelhantes às dos participantes, um do sexo masculino e duas do sexo feminino.

As crianças modelos realizavam as trocas de figuras das fases do PECS com adultos modelos que desempenharam o papel de Parceiros de Comunicação nos vídeos. Todos os modelos foram ensinados a realizarem as fases do PECS por meio de role-plays. Em seguida, os vídeos foram editados. Nenhum dado foi coletado a respeito da participação dos modelos, pois somente executavam o comportamento para serem filmados.

2.4 Procedimentos

Após o estabelecimento dos horários e dos dias, iniciaram-se os procedimentos experimentais. O procedimento experimental adotado foi linha de base intermitente, intervenção e follow-up. Todas as sessões foram conduzidas quatro vezes por semana com duração aproximada de 40 minutos, nas dependências da escola e da casa dos participantes.

Linha de base. Antes de iniciar a intervenção, sessões de linha de base foram conduzidas intermitentemente até a estabilidade em três sessões consecutivas do primeiro participante. Quando o primeiro participante atingiu o critério de 60% de respostas corretas, iniciou-se a intervenção com o segundo que estava em linha de base. Quando o segundo atingiu o critério de 60% de respostas corretas, iniciou-se a intervenção com o terceiro que estava em linha de base. Dessa forma, finalizou-se a condição de linha de base do estudo. As sessões de linha de base caracterizaram-se pela apresentação de um item favorito e a figura correspondente desse item, e não foi solicitado ao participante que fizesse o pedido do item. Nesse momento, somente realizou-se a observação de como o participante fez o seu pedido e como o fez, além da sua postura diante da figura. Para tanto, em seguida, observou-se o vocabulário do participante durante as sessões de linha de base.

Intervenção 1 - aplicação do PECS isoladamente - e Intervenção 2 - aplicação do PECS associado ao POVM. Exemplo: na Fase I, na primeira sessão, aplica-se o PECS isoladamente e avalia-se o desempenho do aluno; na segunda sessão da Fase I, também se aplica o PECS isoladamente; na terceira sessão da Fase I, aplica-se o PECS associado ao POVM; assim, alterna-se a intervenção e observa-se o desempenho do participante. Não será sempre a mesma sequência, as intervenções serão alternadas aleatoriamente, respeitando o delineamento empregado. Como critério de mudança de fase do PECS tem-se que o participante deverá atingir 100% em três sessões consecutivas, ou atingir a média igual ou superior a 80% em cinco sessões. A seguir será explicado com detalhes a intervenção.

Foram confeccionados três vídeos para cada fase do PECS, sendo a Fase III dividida em A e B, totalizando 21 vídeos, cada qual teve duração de 8 a 44 segundos e eram apresentados antes de começar cada sessão de aplicação das seis fases do PECS (Bondy & Frost, 2002). Os vídeos foram editados no programa Wondershare Filmora. O participante assistia ao vídeo do modelo desempenhando o comportamento-alvo em cada sessão do PECS.

Antes de exibir os vídeos, os participantes eram convidados a sentarem para assistir a um vídeo de um coleguinha de classe fazendo uma atividade. Após se sentarem, o vídeo era exibido; se o participante desviasse o olhar, este era convidado pela pesquisadora a voltar o olhar novamente para o vídeo. Ela dizia: “Olha que legal o que o modelo (nome do modelo) está fazendo”. Após o vídeo, iniciavam-se as aplicações das fases do PECS conforme o protocolo de Bondy e Frost (2002), considerando a presença de estimulador físico nas Fases I e II, bem como as correções de erro, auxílios e dicas previstos no programa conforme exposto na Tabela 1. As sessões ocorreram quatro vezes por semana.

Tabela 1 Síntese da Intervenção PECS associado ao Point-of-view Video Modeling

Fase I- O participante assiste ao vídeo do modelo pegando a figura, entregando na mão do parceiro de comunicação (PC) e recebendo o item desejado. No início do vídeo, aparece o modelo de corpo inteiro; em seguida, ao pegar a figura, a câmera é aproximada para que só as mãos do modelo apareçam realizando a troca. Após assistir ao vídeo, iniciam-se as etapas do Protocolo PECS (Bondy & Frost, 2002). Nesse momento, há a presença de duas pessoas, uma será o parceiro de comunicação e a outra será o estimulador físico, e, durante as sessões, as posições são trocadas, o PC torna-se estimulador físico e vice-versa. O estimulador físico oferece auxílio físico e, aos poucos, vai retirando esse auxílio até que a criança faça independentemente a troca. Denomina-se essa fase como sequência de objetivos: pegar, levar e entregar. Assim que o participante entrega a figura, o PC reforça, em meio segundo, entregando o item desejado referente à figura.
Fase II- O participante assiste ao vídeo do modelo caminhando até a pasta de comunicação; em seguida, a câmera é aproximada para captar somente as mãos do modelo para pegar a figura. O modelo caminha até o PC e a câmera é novamente aproximada para focar a troca. Após assistir ao vídeo, iniciam-se as etapas do Protocolo PECS (Bondy & Frost, 2002), em que se deve colocar na capa da pasta de comunicação uma figura de um item. O aluno e o parceiro de comunicação estarão sentados um de frente para outro, pode ser no chão ou em uma cadeira (opcional). O item que correspondente à figura deve estar à disposição. Um estimulador físico deve estar presente. É importante que a pasta e o parceiro de comunicação estejam distantes do participante para que este caminhe até a pasta e até o PC.
Fase III-A- O participante assiste ao vídeo da mão do modelo discriminando a figura do item preferido e ignorando o item desinteressante, pega a figura do item preferido e a entrega ao PC. Após assistir ao vídeo, iniciam-se as etapas do Protocolo PECS (Bondy & Frost, 2002). O participante e o parceiro de comunicação estão sentados um de frente para o outro. Deve-se ter à disposição figuras de itens interessantes e desinteressantes, bem como seus respectivos itens. Será realizada a discriminação entre item altamente interessante e um desinteressante.
Fase III-B- O participante assiste ao vídeo da mão do modelo realizando a correspondência da figura com item preferido, ou seja, pega a figura, entrega-a ao PC, este último diz: "Pode pegar", o modelo seleciona o item correspondente à figura e entrega-a ao PC. Após assistir ao vídeo, iniciam-se as etapas do Protocolo PECS (Bondy & Frost, 2002), em que será realizada a discriminação entre figuras de dois itens altamente atrativos para que se verifique se o participante está realizando a correspondência entre a figura e o item que ele selecionou.
Fase IV- Nessa fase, somente as mãos do modelo aparecem no vídeo, o modelo coloca a figura "Eu quero" e a figura do item na tira de sentenças, retira a tira da pasta de comunicação e a entrega ao PC, o PC segura o seu dedo indicador e lê a tira para o modelo. Após assistir ao vídeo, iniciam-se as etapas do Protocolo PECS (Bondy & Frost, 2002). Nesse sentido, o participante deve aprender a construir frases utilizando figuras que representem verbos, por exemplo: Eu quero. Retira da pasta de comunicação a figura "Eu quero" e a coloca na tira de sentença (um espaço na prancha de comunicação específico para a construção da frase), em seguida escolhe a figura representativa do item desejado e a coloca na tira de sentenças, formando uma frase.
Fase V- O PC faz a pergunta ao modelo: "O que você quer?". O modelo fixa as figuras "Eu quero" e a figura do item na tira de sentenças, retira a tira da pasta de comunicação e a entrega ao PC, o PC segura o seu dedo indicador e lê a tira para o modelo conforme este último aponta para as figuras na tira. Após assistir ao vídeo, iniciam-se as etapas do Protocolo PECS (Bondy & Frost, 2002). Nesse sentido, segue a mesma sequência da Fase IV, a diferença é que o participante responde à pergunta: "O que você quer?".
Fase VI- O PC faz a pergunta ao modelo: "O que você vê?" ou "O que você ouve?", dentre outras perguntas. O modelo fixa as figuras "Eu vejo", "Eu ouço" e a figura dos itens na tira de sentenças, retira a tira da pasta de comunicação e a entrega ao PC, o PC segura o seu dedo indicador e lê a tira para o modelo conforme este último aponta para as figuras na tira. Após assistir ao vídeo, iniciam-se as etapas do Protocolo PECS (Bondy & Frost, 2002). Nesse sentido, seguem-se os mesmos passos da Fase V, acrescentados outros iniciadores como: "Eu vejo", "Eu ouço", "Eu estou", "Meu nome é", "Meu aniversário é", "O tempo está", "Eu não quero", dentre outros.

Fonte: Base de dados da pesquisa.

Follow-up. O Follow-up aconteceu após um mês do término da intervenção e teve por finalidade demonstrar se houve aprendizagem, se esta permaneceu com o passar do tempo. Essa condição foi idêntica às sessões de linha de base sem que nenhum auxílio ou estímulo fosse fornecido, com a finalidade de verificar se, com a ausência da intervenção, os participantes seriam capazes de estabelecer a comunicação por troca de figuras com seus parceiros de comunicação.

2.5 Análise dos dados

Os dados foram analisados a partir da Análise Visual de Dados Gráficos (Spriggs & Gast, 2010). Antes de tudo, realizou-se a análise visual entre condições adjacentes, de modo a observar e calcular a performance dos participantes durante a aplicação das duas condições, para assim determinar qual o efeito sobre a variável dependente, permanecendo com a mais eficaz. Dessa forma, calculou-se a porcentagem de non-overlapping que consiste na medida que determina o ponto mínimo e máximo da linha de base em estudos quase-experimentais e experimentais, considerando o número de pontos da segunda condição que ficaram acima da linha de base, dividido pelo número de pontos da segunda condição, multiplicados por 100 (Scruggs & Mastropieri, 1998).

Após determinar a condição mais eficaz, calculam-se as possíveis mudanças nos dados por meio de porcentagens, considerando as propriedades de tendência e nível. Assim, para determinar o cálculo das porcentagens referentes ao desempenho dos participantes com TEA, estes tinham de 10 a 20 tentativas para realizarem cada fase do PECS. Nesse sentido, a pontuação de cada tentativa era de 0 a 3 pontos, sendo 0- Sem êxito, quando não há troca de figuras; 1- Auxílio físico total, quando o participante necessita de auxílio do estimulador físico em todo o processo ou quando necessita de dicas do parceiro de comunicação; 2- Auxílio físico parcial, quando o participante necessita somente de auxílio em alguns momentos do processo, por exemplo, para iniciar a troca ou para pegar a figura; 3- Independência, quando o participante realiza todo o processo de troca de figuras sozinho. Assim, o total de pontos da sessão foi dividido pelo total de pontos possíveis e, em seguida, foi calculada a porcentagem de comunicação por troca de figuras em cada sessão. A validade social foi analisada por meio do Questionário de escala Likert entregue aos pais, estagiárias e responsáveis. Foram analisadas as variáveis: grau de importância e grau de satisfação destas pessoas quanto a todo o processo de intervenção, considerando a porcentagem média de respostas.

2.6 Concordância Inter observadores

O índice de fidedignidade foi realizado por uma observadora mestra em Educação Especial. Explicou-se à observadora os objetivos esperados em cada fase por meio do video modeling, bem como as correções de erros e estratégias de ensino presentes em cada fase. A observadora analisou 25% das sessões de cada fase. Todas as sessões foram filmadas; a sua escolha, portanto, foi aleatória. Foram considerados fidedignos os dados com, no mínimo, 75% de concordância.

O índice de fidedignidade foi calculado pelo número de concordância, dividido pelo número de discordância somado ao de discordância. O resultado desse cálculo deve ser multiplicado por 100 (Hersen & Barlow, 1982). Dessa forma, em relação ao desempenho de P1, as pontuações atingiram médias de 95% de fidedignidade em todas as condições do estudo (linha de base, intervenção e follow-up). Em relação ao desempenho de P2, a média foi de 97% de fidedignidade em todas as condições do estudo (linha de base, intervenção e follow-up). Quanto ao desempenho de P3, atingiu a média 98% de fidedignidade em todas as condições do estudo (linha de base, intervenção e follow-up).

3 Resultados e discussão

Os resultados dos participantes quanto à implementação do PECS associado ao POVM são representados na Figura 1 que demonstra o número de respostas corretas durante as condições de linha de base intermitente, intervenção e follow-up para os participantes P1, P2 e P3.

Fonte: Base de dados da pesquisa.

Figura 1 Desempenho dos participantes. 

A partir dos dados apresentados na Figura 1, nenhum dos participantes obteve respostas corretas quanto ao comportamento alvo durante as sessões de linha de base. A partir do momento que se iniciou as intervenções com o PECS isoladamente e PECS associado ao POVM, os níveis e as tendências de seus dados mudaram - todos os participantes obtiveram o critério, atingindo o non-overlapping de 100%. As pontuações mostram que houve uma imediata e abrupta mudança na variável dependente após a introdução da variável independente. O fato de a intervenção incluir estímulos, dicas, organização de reforço, fornece uma grande probabilidade de aumento de respostas corretas e mudança abrupta de nível.

Ao comparar a Fase I, com relação às condições do PECS isoladamente e PECS associado ao POVM, a porcentagem média das respostas corretas foi calculada para cada condição. Nessa perspectiva, para todos os participantes, o PECS associado ao POVM foi mais eficaz do que o PECS isoladamente, pois 100% dos participantes tiveram maior número de respostas corretas com o PECS associado ao POVM, com a média de 89,3% (variação: 86% a 94,2%) para PECS e 95,1% (variação: 92% a 98,4%) para PECS associado ao POVM. Assim, respeitando os parâmetros do delineamento empregado, deu-se continuidade à intervenção com a condição que demonstrou ser mais eficaz: o PECS associado ao POVM.

Na Fase II, a partir das informações da Figura 1, permaneceu-se com a intervenção PECS associada ao POVM. Todos os participantes puderam atingir o objetivo da fase que era caminhar até a pasta de comunicação, pegar a figura, caminhar até o parceiro de comunicação, entregar a figura e receber o item. O critério de mudança de fase foi atingido em cinco sessões para todos os participantes, sendo a média de respostas independentes para a troca de figuras de 97,2% (variação: 88% A 100%) para P1, 90,6% (variação: 70% a 98%) para P2, 93,4% para P3, com uma média de 93,7% (variação:84% a 100%) de respostas independentes.

Na Fase III-A, P1 e P2 precisaram de um número mínimo de sessões para atingir o critério de mudança de fase, sendo a média das respostas independentes para ambos de 100% (M: 100%; variação: 100%); dessa forma, em três sessões consecutivas, eles obtiveram o maior número de respostas independentes e atingiram o critério para a mudança de fase. Para P3, foram necessárias cinco sessões para que atingisse o critério de mudança de fase; nas três últimas sessões consecutivas, obteve 100% de respostas independentes (M: 95,6%; variação: 81% a 100%). Nessa fase, todos conseguiram discriminar a figura do item interessante da figura do item desinteressante. Desse modo, P1 e P2, em nenhum momento, pegaram a figura do item desinteressante, demonstrando grande habilidade em discriminar figuras. Embora P3 tenha necessitado de cinco sessões para atingir o critério, também demonstrou muitos acertos em discriminar as figuras.

Na Fase III-B, todos os participantes foram capazes de fazer a correspondência entre a figura e o item. Nesse momento, mesmo que havia cinco figuras de itens interessantes, os participantes foram capazes de selecionar a figura do item que queriam e pegar o item correspondente à figura, demonstrando habilidade em discriminar. Para P1, foram necessárias três sessões; em todas elas, ela obteve 100% (M: 100%; variação: 100%), atingindo o critério para a mudança de fase. Para P2, foram necessárias cinco sessões; nas três últimas sessões, consecutivas obteve 100% (M: 98%; variação: 93% a 100%), atingindo o critério para a mudança de fase. Para P3, foram realizadas cinco sessões; ele atingiu o critério para a mudança de fase a partir da média das sessões (M: 97,2; variação: 94% a 100%).

Na Fase IV, os participantes obtiveram uma média de respostas independentes de 93,4% (variação: 91,4% a 94,4%). Para P1, foram necessárias quatro sessões e, nas três últimas sessões consecutivas, obteve 100% (M: 94,3%; variação: 77% a 100%) de respostas independentes, atingindo o critério para a mudança de fase. Para P2, foram necessárias cinco sessões, em que, nas três últimas, obteve 100% (M: 91,4%; variação: 76% a 100%) de respostas independentes. Para P3, foram realizadas cinco sessões e, nas três últimas consecutivas, obteve 100% (M: 94,4%, variação: 82% a 100%) de respostas independentes. No início dessa fase, os participantes demonstram uma queda no número de respostas independentes, visto que ela envolve muitas novas habilidades como pegar o iniciador de frase “Eu quero”, colocar na tira de sentença, pegar a figura do item, colocar na tira de sentenças, retirar a tira de sentenças e entregar ao parceiro de comunicação para a leitura da mensagem. Devido à essa grande quantidade de passos novos, os participantes precisaram de mais auxílios físicos para completar a sequência, mas, nas sessões posteriores, aprenderam toda a sequência e atingiram o critério para a mudança de fase.

Na Fase V, a média geral dos participantes foi de 97,2% (variação: 96,2% a 97,8%). Para P1, foram necessárias cinco sessões, atingindo a média maior que 80% para a mudança de fase (M: 97,6%; variação: 96% a 100%). Para P2, foram necessárias cinco sessões, em que a média foi maior que 80% (M: 97,8; variação: 91% a 100%). Para P3, foram necessárias cinco sessões em que a média foi maior que 80% (M: 96,2%; variação: 92% a 100%). Nessa fase, todos os participantes conseguiram responder, por meio das figuras, à pergunta: “O que você quer?”.

Na Fase VI, os participantes usaram, além do iniciador de frase “Eu quero”, outros iniciadores. Essa fase incentiva o aumento de comentários espontâneos, a sua continuidade é permanente. A média geral dos participantes foi de 96,1% (variação: 95% a 96,8%). Para P1, foram realizadas quatro sessões, nas três últimas sessões obteve 100% (M: 95%; variação: 80% a 100%) de respostas com independência, atingindo o critério para a mudança de fase. Para P2, foram necessárias cinco sessões e a média das sessões foi maior que 80% (M: 96,8%; variação: 90% a 100%). Para P3, foram necessárias cinco sessões, sendo que a média destas foi maior que 80% (M: 96,6%; variação: 93% a 100%).

O Follow-up foi coletado para todos os participantes. Os dados mostraram que todos mantiveram os seus comportamentos-alvo (realizar a troca de figuras para se comunicar de forma independente) com 100% de respostas independentes após um mês da finalização da intervenção, demonstrando que são capazes de utilizar o PECS com independência, sem necessidade de nenhum auxílio.

Neste estudo, o efeito do uso do PECS associado ao Video Modeling mostrou-se efetivo em facilitar a aprendizagem dos participantes com TEA e necessidades complexas de comunicação. Na Fase I, na intervenção do PECS isoladamente, os participantes demonstraram de 86% a 94% de acertos, o que caracteriza um bom desempenho. No entanto, nas sessões em que o PECS foi associado ao Video Modeling, os acertos variaram de 92% a 98%, considerando que essa segunda condição favoreceu uma aprendizagem mais rápida e com maior número de acertos do que o PECS isoladamente.

Nas fases subsequentes (II a VI), considerando o desempenho mais satisfatório com o uso do PECS associado ao POVM na Fase I, continuou-se a intervenção com o POVM. Assim, o desempenho dos participantes manteve-se acima da condição de linha de base, considerando que nenhuma sessão esteve abaixo de 58%. Dessa forma, em todas as fases, os participantes atingiram o critério de mudança de fase em, no máximo, cinco sessões, sendo necessária uma média de 43 sessões de intervenção para a conclusão das seis fases do PECS. De acordo com a literatura internacional, somente um estudo apresenta as seis fases do PECS para crianças com TEA (Charlop-Christy, Carpenter, Le, LeBlanc, & Kellet, 2002). Na literatura nacional, somente dois estudos aplicaram as seis fases do PECS associado ao Video Modeling (Rodrigues, 2015; Rodrigues, Campos, & Almeida, 2015); no entanto, envolveram participantes com Síndrome de Down. Nesse sentido, os resultados do presente estudo podem confirmar que o POVM auxiliou a aprendizagem das crianças com TEA em todas as seis fases, contribuindo para a finalização do treinamento em pouco tempo, em poucas sessões e com a maioria das tentativas com trocas independentes.

Esses resultados foram semelhantes aos encontrados no estudo de Cihak et al. (2012), em que seus participantes, dois com autismo e dois com atraso no desenvolvimento com três anos, tiveram mais iniciativas independentes na Fase I do PECS quando o usaram associado ao Video modeling com outros como modelo. No estudo de Smith, Hand e Dowrick (2014), os autores demonstraram que o uso do PECS associado à automodelação (Video Self-Modeling) pode fornecer alternativa acessível e de fácil uso para o ensino de comunicação suplementar e alternativa para dois garotos com TEA com 11 anos e um adulto com Síndrome de Down de 36 anos. O estudo de Plavnick e Vitale (2016) demonstrou que a videomodelação foi mais eficaz do que a modelação ao vivo no ensino de operantes verbais (troca de figuras pelo item desejado).

Uma limitação do estudo está relacionada aos aspectos como número de participantes. Nesse sentido, os delineamentos de sujeitos únicos, como o delineamento de múltiplas sondagens, sugerem mais replicações. Mais estudos poderão ser realizados para que os resultados possam ser comparados.

Pesquisas futuras poderão replicar os estudos com pessoas com TEA das mais diversas idades e diagnósticos, além de envolverem outros níveis de ensino. Os resultados deste estudo poderão possibilitar o uso da videomodelação na prática clínica e educacional no ensino do PECS, além de possibilitar o seu uso para o ensino de outras estratégias em comunicação suplementar e/ou alternativa, como no estudo de Mason et al. (2013), em que utilizaram o Video Modeling para desenvolver habilidades de contato visual, expressões faciais, trocas de turno e emoções compartilhadas de dois participantes com autismo. Considerando a realidade brasileira, essa intervenção pode ser uma possibilidade nas escolas, visto seu baixo custo, bem como trazer contribuições para alunos com necessidades complexas de comunicação.

3.1 Validade social

A seguir, são apresentados os resultados do questionário de validade social (Figura 2) que teve por finalidade verificar o grau de satisfação e de importância das pessoas envolvidas diretamente com os participantes e com o estudo.

Fonte: Base de dados da pesquisa

Figura 2 Resultado do questionário de validade social. *PP1= Professora do P1, PP2= Professora do P2, PP3= Professora do P3, PEE: Professora de Educação Especial, RP1= Responsável do P1, RP2= Responsável do P2, RP3= Responsável do P3, EP1= Estagiária do P1, EP2= Estagiária do P2, EP3= Estagiária do P3. 

Foram selecionadas, então, algumas respostas das pessoas que participaram do questionário de validade social. Solicitou-se aos envolvidos que dissessem espontaneamente as suas percepções quanto ao estudo realizado.

Professora de P3: “Ele é inteligente, ele sabe, ele entende, mas, às vezes, não conseguia falar o que entendeu. Nossa, amei demais, foi uma oportunidade, ainda bem que teve essa oportunidade, eu falo que ajudou na escola, vai ajudar em casa, vai ajudar na vida dele, muito bom, eu agradeço”.

Responsável de P3: “Como tem pessoas que acham que o PECS é uma coisa muito repetitiva, que a criança fica robotizada e que não vai estimular a fala, como no caso do P3, que não fala nada, só vai ficar na troca de figura? Eu não concordo. Deu super certo e se a mente dele trabalha por imagens, a mente dele, a gente nota que é um fliperama desorganizado; no caso, o PECS ajudou a organizar o pensamento e ele só vai falar com o pensamento organizado. (...). Ele distingue uma figura da outra, isso é excelente para o trabalho cerebral. Demonstra que ele tem um raciocínio e que a visão dele é boa, porque teve gente que até falou se ele não era cego, então eu vejo além disso, eu vejo não só o PECS, porque mesmo que ele não fale, ele se comunicando perfeitamente através das figuras, pode soltar quem sabe um dia alguma palavra. Como soltou colheres, carrinho, não aconteceu mais, mas pode acontecer. O autista precisa de várias repetições mesmo, é uma rotina diária de repetição, e, em poucas tentativas, ele conseguiu, ele já está conseguindo mais rápido do que antes, você modela uma vez, você faz uma modelação e já é o suficiente. Por isso eu acho que funciona”.

Responsável de P2: “Está bom até demais (risada), ele vai deitar e leva a pasta junto, ele põe do lado, eu tiro, coloco de outra forma, ele não, é daquele jeito ali. Eu disse assim, não aguento mais essa pasta (risada), onde eu vou esta pasta também está e tipo assim, aqui é o lugar da pasta, você que sente em outro lugar, se vira, mais ou menos assim (risada). Em todo lugar se estamos conversando com ele, ele monta a frase, em todo lugar ele leva, você não tem noção, se ele vai na cozinha ele leva. Excelente, muito bom”.

Estagiária de P2: “Eu achei que foi muito importante assim, na comunicação dele tudo, eu achei que ele evoluiu muito. No começo, eu achei que, por mim, eu achei que no começo ia ser difícil, mas desde a primeira vez que ele já começou, nossa, foi excelente”.

Professora de P1: “Achei que foi muito importante para o desenvolvimento dela, da comunicação né, dela com a gente porque até então a gente não entendia o que ela se expressava né, agora por meio da pasta a gente já está entendendo melhor o que ela está querendo expressar, o que ela está querendo”.

Os comentários foram ilustrativos quanto à percepção que eles tiveram da intervenção realizada, demonstrando aspectos positivos para os participantes com TEA e Necessidades Complexas de Comunicação: a comunicação alternativa possibilitou aos participantes demonstrarem suas habilidades de comunicação que ainda não haviam sido manifestadas, aumento de vocabulário, suporte para a inteligibilidade da fala e melhora na interação social.

4 Considerações finais

O PECS associado ao POVM mostrou-se efetivo no ensino de habilidades de comunicação para crianças com Transtorno do Espectro Autista e Necessidades Complexas de Comunicação. Para tanto, os participantes tiveram um grande número de respostas independentes, caracterizando a aprendizagem do PECS. Quanto às habilidades de comunicação, houve ganhos nas habilidades previstas pelo PECS e em habilidades não previstas.

Um aspecto que merece discussão envolve a aplicação do PECS associado ao POVM no ambiente de contexto educacional. Considerando as nuances presentes nesse ambiente como: número de alunos, presença de um único professor, planejamento curricular a ser cumprido; aplicar um programa individualizado em um ambiente coletivo é um desafio. Entretanto, pesquisas que ocorrem em ambientes naturais, como a escola, beneficiam a formação e a aprendizagem de todos os envolvidos, em consonância com os apontamentos demonstrados por Schirmer e Nunes (2011), considerando que pesquisas in loco oferecem maiores oportunidades de desenvolvimento e participação de todos. Nesse sentido, pode-se concluir que é possível aplicar o PECS associado ao POVM no ambiente de sala de aula de ensino regular; entretanto, muitos fatores corroboram para que, de fato, aconteça, mas esses fatores não estão relacionados às limitações do PECS, mas, sim, a fatores próprios da dinâmica escolar.

Por fim, proporcionar meios de comunicação é possibilitar a sobrevivência, independência e qualidade de vida. A Comunicação Suplementar e/ou Alternativa deve ser garantida às crianças, aos adolescentes e aos adultos com Necessidades Complexas de Comunicação, e essa garantia deve ser advinda fundamentalmente da legislação, de políticas públicas, contando com o incentivo à pesquisa e à divulgação dos seus resultados.

2Este artigo caracteriza-se em um recorte da tese de Doutorado intitulada Efeitos do PECS associado ao Point-of-view Video Modeling na comunicação de crianças com Transtorno do Espectro Autista (Rodrigues, 2018). Apoio Financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Recebido: 10 de Dezembro de 2019; Revisado: 26 de Janeiro de 2020; Aceito: 26 de Janeiro de 2020

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