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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.26 no.3 Marília jul./sept 2020  Epub 12-Ago-2020

https://doi.org/10.1590/1980-54702020v26e0147 

Relato de Pesquisa

Identificação de Estudantes com Altas Habilidades/Superdotação no Ensino Superior1

Eduarda BASSO2 
http://orcid.org/0000-0002-3799-9263

Tatiana Izabele Javorski de Sá RIECHI3 
http://orcid.org/0000-0001-6050-7442

Laura Ceretta MOREIRA4 
http://orcid.org/0000-0003-4569-7369

Elizabeth Carvalho da VEIGA5 
http://orcid.org/0000-0002-4665-147X

2Mestre em Psicologia, pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Curitiba/Paraná/Brasil. E-mail: eduarda.fbasso@hotmail.com.

3Pós-doutora em Psicologia Evolutiva e da Educação. Universidade Federal do Paraná - UFPR. Curitiba/Paraná/Brasil. E-mail: tatiriechi@hotmail.com.

4Doutora em Educação. Universidade Federal do Paraná - UFPR. Curitiba/Paraná/Brasil. E-mail: laurac.moreira@gmail.com.

5Doutora em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR. Curitiba/Paraná/Brasil. E-mail: bethveiga@hotmail.com.


RESUMO

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) prevê que estudantes com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) recebam um Atendimento Educacional Especializado. Contudo, as pesquisas apontam que o número de estudantes identificados e acompanhados no Ensino Superior ainda é muito aquém do esperado. O objetivo deste trabalho foi descrever os procedimentos do Programa de Evidências Globais de Altas Habilidades/Superdotação nas Universidades (PEGAHSUS), para identificar estudantes universitários do Estado do Paraná, com indicadores de AH/SD. Para tanto, foi realizado um estudo descritivo, retrospectivo dos estudantes acessados e avaliados durante o período de 2017 a 2018 pelo Programa. Os instrumentos utilizados foram um Questionário para Identificação da Expressão da Inteligência (QIEI) e o teste de inteligência WAIS III. Para a avaliação da inteligência, participaram 76 alunos, dos quais 63% apresentaram quociente de inteligência total (QIT) igual ou acima de 130. A respeito da fidedignidade do instrumento de rastreio, o QIEI apresentou uma sensibilidade de 64,2% nas indicações para AH/SD. O instrumento apresentou um impacto positivo na identificação, na medida em que acessou diversos estudantes que, de fato, apresentaram potencial intelectual acima da média. Aponta-se, por fim, a importância de identificar e acompanhar os estudantes com AH/SD no âmbito acadêmico, visto que evidencia dados a respeito dessa população e permite que sejam desenvolvidas estratégias condizentes com o perfil dos estudantes.

PALAVRAS-CHAVE: Altas Habilidades/Superdotação; Educação Especial; Identificação; Inteligência

ABSTRACT

The National Policy on Special Education from the Perspective of Inclusive Education (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI) provides that gifted students receive Specialized Educational Service. However, research indicates that the number of students identified and followed in Higher Education is still far below expectations. The objective of this paper was to describe the procedures of the Global Disclosure Program of Giftedness in Universities - known, in Brazil, as PEGAHSUS, to identify university gifted students from the State of Paraná. To this end, a descriptive, retrospective study of students accessed and evaluated during the period from 2017 to 2018 by the Program was performed. The instruments used were a questionnaire for identification of intelligence expression (QIIE) and the WAIS III intelligence test. For the assessment of intelligence, 76 students participated, from which 63% had a total intelligence quotient equal to or above 130. Regarding the reliability of the screening instrument, the QIIE had a sensitivity of 64.2% in the indications to giftedness. The instrument had a positive impact on identification as it accessed several students who, in fact, had above-average intellectual potential. Finally, the importance of identifying and monitoring gifted students in the academic scope is pointed out, since it highlights data about this population and allows strategies to be developed that are consistent with the profile of the students.

KEYWORDS: Gifted students; Special Education; Identification; Intelligence

1 Introdução

O número de pessoas com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) no Brasil e no mundo é de grande expressão. Contudo, compreende-se que a projeção da produção científica sobre AH/SD no Brasil ainda é muito pequena. Quando se trata de estudantes universitários, esse número é expressivamente menor, uma vez que raramente a superdotação na idade adulta é discutida na literatura. Por isso, observa-se uma urgente necessidade de desenvolver trabalhos que favoreçam a identificação e o acompanhamento desses estudantes (Martins, Pedro, & Ogeda, 2016; Rinn & Bishop, 2015).

De forma similar, tanto a pesquisa quanto a identificação e o acompanhamento dessa população são ações imprescindíveis para garantir o cumprimento de seus direitos. No Brasil, a Lei no 12.796, de 4 de abril de 2013, descreve as AH/SD como integrantes da Educação Especial, reforçando o dever do Estado em garantir Atendimento Educacional Especializado (AEE) e gratuito também a esses estudantes, preferencialmente nas escolas regulares da rede pública de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - garante, desde 1996, a constituição de práticas de aceleração para alunos com AH/SD.

Embora as legislações garantam aos estudantes com AH/SD o direito ao AEE, a sua prática pouco acontece. Segundo Pérez e Freitas (2014), um dos fatores para essa realidade seria a incompreensão por parte dos educadores a respeito das reais necessidades e das dificuldades encontradas por esses estudantes, bem como os preconceitos e os mitos envolvidos a respeito das AH/SD. Além desses fatores, há ainda um grande desconhecimento a respeito da legislação e da conduta de práticas educacionais para o estudante, o que contribui para o enfraquecimento do cumprimento das legislações e das resoluções (Martins, Chacon, & Almeida, 2018; Martins, Pedro, & Ogeda, 2016; Pérez & Freitas, 2014).

Assim, o primeiro passo é a identificação dessa população, já que grande parte dela chega à universidade sem apresentar um diagnóstico, ou mesmo sem ter recebido um acompanhamento qualificado que atendesse as suas necessidades educacionais especiais. Para tanto, mostra-se como fundamental o investimento em disseminar, a respeito das AH/SD, desenvolvimento de estratégias, formação qualificada de profissionais, identificação e acompanhamento desses alunos. A compreensão dos fatores que envolvem a inteligência e, portanto, um diagnóstico adequado de AH/SD é imperativo para desmistificá-las. Tais dificuldades impedem o acesso aos programas de estimulação e de desenvolvimento, além de diagnósticos negativos e falso positivos. Portanto, ao identificar corretamente os elementos subjacentes das AH/SD, é possível compreendê-los como um todo e assim melhorar as ações interventivas com essa população (Martins, Pedro, & Ogeda, 2016; Nakano et al., 2015).

Apesar de muitos conceitos serem amplamente difundidos no meio acadêmico, há, ainda, várias dificuldades em determinar quem seriam as pessoas com AH/SD, tais como: a ausência de medidas adequadas de avaliação e o estabelecimento de critérios ou de medidas específicas para avaliação. Além disso, as expectativas errôneas criadas a respeito dessa população também se mostram como um desserviço ao seu atendimento. De modo geral, as AH/SD podem ser identificadas em indivíduos que apresentam um alto potencial nas áreas intelectual, acadêmica, de liderança e psicomotricidade, sendo combinada ou isoladamente, somado, ainda, à elevada criatividade e ao envolvimento com a aprendizagem e a realização de tarefas de seu interesse (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva [PNEEPEI], 2008).

No aspecto da identificação, a nomeação por professores fornece dados mais abrangentes sobre o contexto comportamental e de expressão de inteligência por parte dos alunos superdotados em sala de aula, ampliando a qualidade do rastreio desses estudantes. A utilização de uma avaliação externa do indivíduo, realizada por professores, no processo de triagem dos participantes potenciais para AH/SD, serve como primeiro filtro, de modo que aqueles que forem indicados pelo professor são encaminhados para uma avaliação mais completa, economizando tempo e dinheiro no processo de identificação de AH/SD (Bahiense & Rossetti, 2014; Barbosa, Schelini, & Almeida, 2012; Nakano, Campos, & Santos, 2016).

Dito isso, o objetivo deste trabalho foi descrever o protocolo utilizado para identificar e avaliar estudantes de uma Universidade do Estado do Paraná, Brasil, realizado mediante o Programa de Evidências Globais de AH/SD (PEGAHSUS), o qual executa ações de identificação e de acompanhamento de universitários com indicativos de AH/SD. O Programa PEGAHSUS faz parte do Núcleo de Estudos e Práticas em Altas Habilidades/Superdotação (NEPAHS), que se caracteriza por um centro de referência nacional de produção de conhecimento e atuação em AH/SD. O Núcleo está locado no Núcleo de Atendimento à Pessoas com Necessidades Especiais - Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (NAPNE-SIPAD) nas dependências da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele tem como objetivo promover o desenvolvimento das AH/SD, oportunizando pesquisas, projetos de extensão, capacitação e divulgação sobre o tema.

Diante disso, realizou-se a descrição dos procedimentos de rastreio, de avaliação e de intervenção, no período de 2017 a 2018. O estudo visa, desse modo, contribuir para um aprofundamento no conhecimento e nas ações de inclusão a respeito das AH/SD, na população adulta, em especial com universitários.

2 Método

Foi feito um estudo descritivo, retrospectivo dos estudantes acessados e avaliados durante o período de 2017 a 2018, realizados pelo Programa de Evidências Globais de Altas Habilidades/Superdotação. Inicialmente, para o levantamento de indicadores de AH/SD, estabeleceu-se contato com os coordenadores dos cursos das Universidades para a apresentação do Projeto, análise do Índice de Rendimento Acadêmico (IRA) dos dois primeiros períodos do curso e agendamento da aplicação em sala do questionário de auto e hétero nomeação.

A primeira etapa consistiu na aplicação do Questionário para Identificação da Expressão da Inteligência (QIEI), a qual é realizada em sala de aula. Esse questionário avalia indicadores de AH/SD em uma classificação ponderada de 0 até 30 por meio de 25 itens que cruzam informações da autoavaliação e da heteroavaliação. A autoavaliação é composta por 24 perguntas de resposta única (sim ou não) sobre os canais expressivos e socioadaptativos da inteligência. A heteroavaliação é calculada pelo número de indicações do estudante como sendo um dos 5 alunos que mais se destacam, multiplicado por 100, dividido pelo total de questionários respondidos na disciplina. Para verificar a consistência interna de um instrumento de medida, utiliza-se o Coeficiente Alpha de Cronbach. Esse coeficiente varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior a consistência do teste. Valores acima de 0,7 são considerados satisfatórios (Streiner, 2003).

A avaliação psicológica, segunda etapa, foi realizada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual o participante, ou os responsáveis, foram informados sobre as pesquisas realizadas pelo Programa. Somente após seu consentimento, esses dados foram utilizados estatisticamente para fins de pesquisa. Para participar da avaliação, o estudante foi contatado por meio dos indicativos do QIEI ou por demanda espontânea, quando o estudante entrou em contato com o Núcleo e foi encaminhado para ser acompanhado pelo Programa. Foram avaliadas funções cognitivas por meio de testes, inventários e escalas, alguns padronizados e normatizados, outros em fase de normatização, com análise quantitativa e qualitativa, apresentados a seguir.

  • Escala de Inteligência Wechsler Adulto - WAIS III: Avalia a capacidade intelectual de adultos na faixa etária entre 16 e 89 anos. É um teste imprescindível para avaliações psicológicas e neuropsicológicas, sendo indicado, particularmente, para avaliação de adolescentes (com idades acima de 16 anos) e adultos, nos contextos clínico, educacional e de pesquisa (Wechsler, 2004). Pesquisas apontam forte confiabilidade do Instrumento para a avaliação de pessoas com AH/SD (Macedo, Mota, & Mettrau, 2017).

  • Figura Complexa de Rey: Avalia percepção e memória visual. Verifica o modo como o sujeito apreende os dados perceptivos que lhe são apresentados e o que foi conservado pela memória. O sujeito transcreve para uma folha, em um primeiro momento, com a visualização da figura. Na sequência, há a mesma transcrição, porém sem a visualização da figura (Strauss, Shermand, & Spreen 2006).

  • Teste dos cinco dígitos - FDT: Avalia a velocidade de processamento, funções executivas e funcionamento atencional, por meio de leitura e de contagem de números (Sedó, de Paula, & Malloy-Diniz, 2015).

  • Inventário de Depressão - BDI e Inventário de Ansiedade - BAI: Esses inventários, cada um, contém 21 grupos de afirmações que medem a intensidade da depressão. O examinando responde de acordo com uma escala de 0 a 3 no BDI e de 0 a 4 pontos no BAI, que vai de “Absolutamente não” à “Gravemente”. Apesar das normas terem sido desenvolvidas para uso com pacientes psiquiátricos, são usadas em sujeitos não-psiquiátricos, dentro da faixa etária de 17 a 80 anos de idade (Beck, Steer, & Brown, 2012).

  • Inventário de Habilidades Sociais - IHS-Del-Prette: Possibilita caracterizar o desempenho social em diferentes situações (trabalho, escola, família e cotidiano). O examinado responde a 38 itens, cada um deles descrevendo uma situação e reação social, em uma escala do tipo Likert de 0 (nunca ou raramente) a 5 (sempre ou quase sempre). As normas foram desenvolvidas para o contexto social brasileiro dentro da faixa etária entre 18 e 25 anos e nível escolar de Ensino Médio completo (Del Prette & Del Prette, 2009).

  • Inventário Cognitivo Modular para Jovens e Adultos (ICMJA): Avalia o perfil cognitivo modular, identificando a teoria Triárquica de Sternberg dentro das inteligências múltiplas de Gardner. Esse questionário é composto por 368 perguntas de resposta única (sim ou não), subdivididas em 46 perguntas segundo a teoria Triárquica de Sternberg: 19 sobre perfil prático; 15 sobre perfil analítico; 12 sobre perfil criativo; multiplicadas em uma matriz pelos 8 sistemas inteligentes, de acordo com a teoria de inteligências múltiplas de Gardner: linguística, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica, musical, naturalista, intrapessoal e interpessoal (Veiga & Garcia, 2006).

  • Teste de atenção concentrada - TEACO-FF: Avalia a capacidade de uma pessoa em selecionar apenas uma fonte de informação diante de vários estímulos (Rueda & Sisto 2009).

  • Teste de atenção dividida - TEADI: Avalia a capacidade do indivíduo procurar dois ou mais estímulos simultaneamente na presença de diferentes distratores em determinado período de tempo (Rueda, 2013).

  • Teste de atenção alternada - TEALT: Avalia a alternância da atenção, indicando se o avaliando consegue focar sua atenção em um estímulo e ora em outro, durante um período de tempo (Rueda, 2013).

Ao final da avaliação, realizou-se devolutiva ao participante, e ao responsável no caso de participantes menores de 18 anos, com entrega do Relatório de Avaliação de acordo com seus resultados. Ressalta-se que, em qualquer etapa da avaliação, quando houve necessidade de acompanhamento relacionado à demanda emocional ou cognitiva, fez-se encaminhamento para um profissional especializado. Na terceira etapa, os estudantes que participaram da avaliação foram convidados a permanecer em acompanhamento pela equipe multidisciplinar, a qual desenvolveu atividades voltadas para estratégias de inclusão e enriquecimento curricular.

A Figura 1 apresenta o fluxo das etapas realizadas pelo Programa, em que o estudante é contactado inicialmente com a aplicação do QIEI. Caso atinja a pontuação, ele é convidado para a avaliação psicológica e, por fim, recebe a devolutiva e o acompanhamento pela equipe multidisciplinar.

Fonte: Elaboração própria.

Figura 1 Fluxograma das etapas de rastreio e avaliação. 

Devido ao fato de que o QIEI permanece ainda em fase de validação, os participantes da avaliação não foram somente contatados pelo instrumento. Por isso, nessa etapa, mesmo que o estudante não tenha atingido a pontuação, poderia participar da avaliação, de modo a garantir a inclusão de estudantes que pudessem apresentar potencial acima da média, mesmo sem ter atingido a pontuação ou mesmo não tendo respondido ao questionário.

3 Resultados

Os resultados apresentam a caracterização da amostra dos estudantes (Tabela 1) que foram submetidos à avaliação psicológica e o desempenho dos estudantes na avaliação de inteligência, durante o período de 2017 a 2018.

Tabela 1 Caracterização dos estudantes com avaliação concluída (n=76). 

  Média DP Mínimo Máximo
Idade (anos) 20 3,75 17 34
  N %    
Masculino 58 76    
Feminino 18 23    
Cursos        
Biológicas 16 21    
Exatas 49 64    
Humanas 11 14    

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

Legenda: DP: Desvio padrão.

Na etapa de avaliação psicológica, a amostra foi composta por 76 estudantes, os quais foram convidados, seguindo o critério de pontuação do QIEI, indicação de pares e de professores ou quando entravam em contato com a equipe do NEPAHS/PEGAHSUS demonstrando interesse em participar da avaliação.

O predomínio foi de estudantes da área de exatas (64%), sendo a maior parte da população de alunos do gênero masculino (76%). A média de idade dos participantes foi de 20 anos (idade mínima foi de 17 e a máxima de 34 anos). Os resultados de desempenho na avaliação de inteligência (WAIS III) são descritos na Tabela 2.

Tabela 2 Resultados referentes ao Instrumento WAIS III. 

  QIT QIV QIE ICV IOP IMO IVP
Média 132 131,7 130,8 132 129,97 127 126
desvio padrão 7 8,58 6,59 8,7 6,478 5,89 5,42
≥130 48 45 41 41 37 35 23
% ≥130 63 59 54 54 48 46 30

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

Legenda: QIT (QI total), QIV (QI verbal), QIE (QI execução), ICV (Índice de compreensão verbal), IOP (Índice de organização perceptual), IMO (Índice de memória operacional), IVP (Índice de velocidade de processamento).

Com base na Tabela 2, foi identificado que os estudantes apresentaram média de QI Total (QIT) de 132 e desvio padrão de 7, cuja classificação é muito superior. Apenas o Índice de Velocidade de Processamento (IVP) apresentou uma média inferior a 130, com classificação superior. Constatou-se que a maior parte da amostra avaliada (63%) apresentou índice de QI Total igual ou acima de 130 (48 participantes). O menor percentil identificado foi nas áreas de Memória Operacional (46%) e Velocidade de Processamento (30%). A amostra apresentou resultados mais elevados no Índice de Compreensão Verbal (ICV). Os dados apresentados descrevem que a amostra apresenta um desempenho superior à média, sendo identificado um número expressivo de alunos com características de AH/SD acadêmica.

3.1 Resultado da relação entre WAIS III e QIEI

Foi analisada a relação entre os resultados do WAIS III e as respostas no QIEI, considerando a pontuação do questionário, o desempenho acadêmico e a indicação do professor. Ao todo, 48 sujeitos foram acessados pelo QIEI e avaliados pelo WAIS III. Da amostra total (76), o número de estudantes que responderam o QIEI foi de 48. Destes, três sujeitos não foram indicados pelo QIEI e, de fato, não apresentaram características de AH/SD. 15 sujeitos não foram indicados pelo QIEI, mas apresentaram características de AH/SD; três sujeitos foram indicados pelo QIEI, mas não apresentaram potencial intelectual acima da média no WAIS III; e 27 sujeitos foram indicados pelo QIEI e apresentaram características de AH/SD. Dessa forma, o questionário apresentou 62% de precisão para a amostra avaliada (Figura 2).

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

Figura 2 Precisão do questionário (QIEI), com base nas avaliações de 48 sujeitos, indicando 62% de precisão. 

A partir dos dados dos participantes avaliados pelo QIEI, pode-se verificar a Medida de desempenho de diagnósticos do instrumento referido. Na literatura, para verificar se o teste é útil para diagnosticar um evento, utilizam-se duas medidas: sensibilidade e especificidade (Gomes, 2005). A sensibilidade é a probabilidade de o teste captar indivíduos verdadeiramente positivos - quem foi indicado pelo QIEI para avaliação e realmente apresentou potencial intelectual acima da média, identificado pelo WAIS III. A especificidade é a probabilidade de detectar os verdadeiros negativos - os que o QIEI não apontou para avaliação e realmente no WAIS III não apresentaram desempenho muito superior.

A Tabela 3 apresenta os valores referentes à amostra dos 48 participantes que responderam ao QIEI e ao WAIS III.

Tabela 3 Sensibilidade e especificidade do QIEI. 

Medida de desempenho de diagnósticos
a- verdadeiro positivo = 27
b- falso positivo = 3
 
c- falso negativo = 15
d- verdadeiro negativo = 3
Sensibilidade: a/(a+c )= 27/27+15 = 64,2%
Especificidade: d/(b+d) = 3/6 = 50%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

Para a amostra avaliada, constatou-se que a sensibilidade (probabilidade de o teste dar positivo na presença do evento) do instrumento de rastreio foi de 64,2%, indicando que a sensibilidade do instrumento foi modesta. Com relação à especificidade (probabilidade de o teste dar negativo na não presença do evento) do instrumento de rastreio foi de 50%, indicando que a especificidade foi relativamente baixa.

3.2 Intervenção

O programa de intervenção com os estudantes ocorreu por meio de atendimentos individualizados a fim de auxiliar no planejamento de suas atividades acadêmicas e em forma de grupo. As atividades em grupo foram iniciadas no segundo semestre de 2018, sendo os encontros mensais com duração de 2 horas cada. O objetivo das atividades interventivas foram de favorecer a integração dos estudantes, oferecer um espaço de acolhimento, contribuir em ações de inclusão e de enriquecimento curricular.

4 Discussão

Os resultados evidenciam a importância da identificação e do acompanhamento dos estudantes inseridos no âmbito acadêmico. Há uma visível carência em pesquisas com ênfase no aluno com AH/SD no Ensino Superior no Brasil (Lima, 2011). Além disso, os alunos avaliados com características de AH/SD não haviam recebido acompanhamento especializado anteriormente, demonstrando a importância da identificação inicial, visto que o reconhecimento do potencial é extremamente relevante para que os estudantes saiam da invisibilidade. No âmbito da pesquisa, o programa realiza a identificação e o acompanhamento de indivíduos com AH/SD para que se possa compreender a respeito de seus comportamentos, desenvolvendo estratégias que sanem suas necessidades educacionais (Lima, 2011; Pedro, Ogeda, Moraes, & Chacon, 2016).

A respeito do gênero masculino ter sido mais prevalente, pesquisas evidenciam um número maior de alunos do gênero masculino, sendo uma das possíveis hipóteses para esse fenômeno uma visão historicamente permeada por preconceitos, principalmente relacionada à escolarização das mulheres (Gontijo, 2007; Lang, Matta, Parolin, Morrone, & Pezzuti, 2017; Tentes & Fleith, 2014). Em contrapartida, Pedro et al. (2016) afirmam que, por questões sociais, a vivência das AH/SD em mulheres é dada de maneira diferente, uma vez que precisam ser considerados e questionados valores culturais a respeito da inteligência. Esse resultado também é importante a ser considerado, visto que evidencia dados a respeito dessa população e permite que sejam desenvolvidas estratégias que levem em conta questões desse cunho dentro do ensino superior, tanto na identificação quanto na intervenção.

Com relação ao instrumento de rastreio, o QIEI, foram identificados 63% de estudantes com potencial intelectual acima da média. Embora esse instrumento ainda esteja submetido a avaliações de fidedignidade e validade, apresentou um impacto positivo, na medida em que acessou diversos alunos que foram, de fato, diagnosticados como superdotados. Os resultados indicaram, por meio da Medida de desempenho de diagnóstico, que o questionário apresentou uma sensibilidade de 64,2%, resultado importante, visto que são poucos os instrumentos destinados à identificação de AH/SD. Destaca-se que a falta de escalas de triagem e testes específicos voltados para essa população dificulta o processo de identificação (Zaia, Nakano, & Peixoto, 2018).

Os resultados apresentados oferecem uma possibilidade de identificar e de acompanhar esses alunos. A respeito da etapa de intervenção, as propostas trazidas estão de acordo com autores da área, os quais concordam com a necessidade de práticas que visem desenvolver enriquecimento curricular, podendo ocorrer de diferentes formas, disponibilizando também programas de desenvolvimento do aluno, de maneira individual ou em grupo (Lima, 2011; Matos & Maciel, 2016; Pérez & Freitas, 2014; Simonetti, Almeida, & Guenther, 2010).

5 Conclusão

O processo de avaliação apresentado neste artigo caracteriza-se por identificar e acompanhar os estudantes, sendo fundamental para o processo de inclusão, visto que os alunos avaliados pelo programa não possuíam laudo ou intervenção em sua história de vida. O protocolo do PEGAHSUS contribuiu ao acessar, identificar e intervir, com a inclusão e garantia de direitos desses alunos. Da mesma forma, favoreceu a formação de estratégias de acompanhamento de suas habilidades, estreitando os laços entre a realidade cognitiva e social dos universitários. Além disso, o QIEI poderá contribuir na identificação de pessoas com AH/SD dentro das Universidades. Por meio dos resultados, identificou-se que o QIEI deverá ser submetido a outras análises a fim de atestar sua validade e melhorar a precisão do instrumento. Destaca-se que uma das limitações do processo de identificação utilizado pelo Programa é o fato de ser voltado de maneira específica para a área acadêmica, sendo inadequado para identificar as AH/SD em outras áreas, como artística, psicomotora, liderança, criativa.

Os resultados encontrados fornecem indicativos da importância de estudos na área das AH/SD, principalmente voltados à produção científica. O trabalho mostra-se de grande impacto não apenas pela escassez de estudos na área, mas também porque contribui para que a garantia de direitos dessa população seja cumprida, na medida em que a pesquisa forneceu dados importantes a respeito da identificação e do acompanhamento social e acadêmico de universitários com AH/SD. Além disso, atrelar os conhecimentos da Psicologia com a Educação Especial é fundamental para os avanços científicos e para uma maior visibilidade a respeito do tema das AH/SD.

Os estudos do presente Programa continuarão e novas pesquisas na área serão divulgadas, com um número maior de participantes, a fim de contribuir para a melhoria de estratégias de identificação e de acompanhamento dos universitários com altas habilidades/superdotação.

Referências

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Recebido: 04 de Outubro de 2019; Revisado: 31 de Janeiro de 2020; Aceito: 22 de Fevereiro de 2020

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