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Revista Brasileira de Educação Especial

Print version ISSN 1413-6538On-line version ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.26 no.3 Marília July/Sept 2020  Epub Aug 12, 2020

https://doi.org/10.1590/1980-54702020v26e0156 

Relato de Pesquisa

Sobre a Participação Social da Pessoa com Deficiência Intelectual

Jacqueline Caroline Costa FREDERICO2 
http://orcid.org/0000-0002-6668-1561

Adriana Lia Friszman de LAPLANE3 
http://orcid.org/0000-0003-0755-3110

2Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Campinas/São Paulo/Brasil. E-mail: jaccostaf@gmail.com.

3Doutora em Educação, docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Campinas/São Paulo/Brasil. E-mail: adrifri@fcm.unicamp.br.


RESUMO

A legislação vigente, no Brasil, reconhece as pessoas com deficiência como sujeitos de direitos e estabelece a diminuição de barreiras para que esse público possa exercer sua cidadania, porém ainda existem diversos obstáculos que dificultam esse processo. Documentos como a Constituição de 1988, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007 e, mais recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão de 2015 afirmam a necessidade de promover o protagonismo social das pessoas com deficiência. Entre as formas de protagonismo, as organizações das próprias pessoas com deficiência têm papel importante na defesa dos direitos. No caso da deficiência intelectual, embora existam organizações que defendem os direitos dessas pessoas, os defensores são, em sua maioria, familiares, profissionais especializados ou mesmo políticos. Nesse contexto, este estudo propõe a investigação das formas de participação social e escolar das pessoas com deficiência intelectual. A metodologia do estudo incluiu a análise de dados estatísticos públicos do Censo Demográfico Brasileiro (2010) e Censo Escolar (de 2014 a 2018), no que se refere à participação escolar e no mercado de trabalho. Foi utilizado o programa IBM SPSS Statistics para o tratamento dos dados, que foram analisados à luz da literatura especializada e da legislação vigente. O estudo revelou que, na educação, a maioria de alunos com deficiência são estudantes com deficiência intelectual. Em relação ao mercado de trabalho, dentre todas as deficiências, a deficiência intelectual apresenta menores índices de participação. A conclusão aponta para a necessidade de levar-se em consideração esse estado de coisas para ampliar e formular novas políticas de participação social.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Deficiência intelectual; Participação social

ABSTRACT

The current legislation in Brazil recognizes people with disabilities as subjects of rights and establishes the reduction of barriers so that this population can exercise their citizenship, but there are still several obstacles that hinder this process. Documents such as the 1988 Brazilian Constitution, the 2007 International Convention on the Rights of Persons with Disabilities and more recently, the Brazilian Law on Inclusion, from 2015, affirm the need to promote the social protagonism of people with disabilities. Among the forms of protagonism, the organizations of persons with disabilities play an important role in defending rights. In the case of intellectual disability, although there are organizations that advocate the rights of these people, the defenders are mostly family members, specialized professionals or in some cases politicians. In this context, this study proposes the investigation of the forms of social and school participation of people with intellectual disabilities. The methodology of the study included the analysis of public statistical data from the Brazilian Demographic Census (2010) and School Census (from 2014 to 2018), regarding school and labor market participation. The IBM SPSS Statistics program was used to process the data, which were analyzed in the light of specialized literature and current legislation. The study revealed that, in education, the majority of students with disabilities are students with intellectual disabilities. In relation to the labor market, among all disabilities, intellectual disability has lower participation rates. The conclusion points to the need to take into account this state of affairs in order to expand and formulate new policies of social participation.

KEYWORDS: Special Education; Intellectual disability; Social participation

1 Introdução

De acordo com os dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, no Brasil, há um grande número de pessoas com deficiência (23,9%). O Censo de 2010 investigou quatro tipos de deficiência: visual, auditiva, motora e intelectual. A deficiência intelectual foi autodeclarada por 1,4% (2.611.536) da população. Mesmo considerando-se que os dados do censo são autodeclarados ou declarados por um morador do domicílio - por leigos ou não especialistas -, chama atenção o número de pessoas com deficiência intelectual no Brasil. Entre todas as deficiências, a deficiência intelectual é a que apresenta maiores desafios para a educação e para o trabalho, e as pessoas que compõem esse grupo irão se deparar com importantes barreiras que dificultam sua participação.

Apesar dos avanços observados no marco legal que garantem os direitos das pessoas com deficiência intelectual, a realidade, no que se refere aos modos de participação social, é bastante diversa, conforme faixa etária, condição socioeconômica e outros fatores. Existem políticas e equipamentos sociais que se destinam ao atendimento desse grupo já na primeira infância. Contudo, as oportunidades diminuem à medida que essas pessoas se tornam adolescentes, adultos e idosos. Considerando esse contexto, conhecer os termos da participação social da pessoa com deficiência intelectual pode colaborar para equacionar os problemas existentes e auxiliar na formulação de soluções. Este estudo propõe, assim, a investigação das formas de participação social e escolar das pessoas com deficiência intelectual. Trata-se de um estudo quanti-qualitativo que analisa os dados públicos sobre escolaridade e participação no mercado de trabalho de pessoas com deficiência intelectual.

1.1 Participação social da pessoa com deficiência intelectual: educação e trabalho

A participação social pode ser compreendida como prática de cidadania e relaciona-se com a participação nos espaços e nas organizações da sociedade. Assim, ser cidadão é usufruir dos direitos necessários para ação e participação social (Alencar, 2010; Serapioni, 2014). Silva, Jaccoud e Beghin (2005) acrescentam que a participação social teria papel fundamental em dois aspectos: na expressão de demandas, como a democratização da gestão, bem como na execução de políticas sociais. Desse modo, a participação social tem relevante função no que se refere à construção de uma sociedade democrática.

A ideia de participação social foi sendo gestada ao longo de uma história que se entrecruza com a das concepções sobre deficiência. Desde a Antiguidade, as concepções sobre a deficiência intelectual enfatizaram a impossibilidade da cura e a incapacidade de se desenvolver. Essas ideias fizeram com que muitas pessoas fossem marginalizadas, abandonadas, segregadas e institucionalizadas.

Somente no século XX, a deficiência intelectual passou a ser vista não mais como impedimento, mas, sim, como parte das características do sujeito. Essa foi uma das razões para que, a partir desse momento, as pessoas com deficiência intelectual se tornassem alvo de pesquisas e de ações de saúde e de educação, as quais pretendiam levar em conta as suas condições de desenvolvimento.

No Brasil, a institucionalização das pessoas com deficiência ocorreu no início do século XIX (Rodrigues & Maranhe, 2008). No século XX, a deficiência intelectual era considerada um problema de saúde pública e, por isso, foram criados espaços, dentro de hospitais, para atender a crianças com deficiência. A partir da década de 1930, as instituições de caráter filantrópico expandiram-se, o que favoreceu que o cuidado das pessoas com deficiência intelectual fosse majoritariamente realizado na esfera da caridade pública (Giordano, 2000). Até mais da metade desse século, o atendimento ocorreu em instituições, escolas especiais e classes exclusivas para alunos com deficiência nas escolas. O trabalho era realizado em várias frentes: abrigo das pessoas com deficiência intelectual, educação desse público por meio de oficinas pedagógicas e cursos de formação de professores (Lanna Júnior, 2010; Mendes, 2010).

O encaminhamento para as classes especiais era baseado no baixo desempenho escolar e, portanto, nem todos que frequentavam essas classes eram alunos com deficiência intelectual. Entretanto, a chance de retorno ao ensino regular era mínima devido a que o atendimento focado na reabilitação substituía o ensino acadêmico (Glat, Plestch, & Fontes, 2007).

No início da década de 1960, a iniciativa do governo ao criar a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (Decreto nº 48.961, de 22 de setembro de 1960), sinaliza uma tentativa no sentido de “promover em todo o território nacional, a educação, treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo” (Decreto nº 48.961, 1960).

De acordo com Jannuzzi (2012), a necessidade de mão de obra para atuar no mercado de trabalho, impulsionada pelo desenvolvimento econômico do país, contribuiu para mudar as concepções de educação. Essas mudanças estenderam-se à população com deficiência, que passou a ser vista como passível de ser educada em instituições que proveriam esse tipo de atendimento, durante o tempo necessário para que seus familiares pudessem trabalhar. A atuação das instituições especializadas fortaleceu-se ao longo dos anos e obteve apoio do poder público por meio de convênios. Nessa época, vigorava a concepção de integração, que implicava a responsabilização do aluno (quando conseguia ingressar em uma sala regular), pela sua adaptação ao sistema de ensino e, portanto, não havia uma preocupação com o ambiente, nem com as condições de ensino.

Até a década de 1970, as iniciativas brasileiras, assim como as existentes em outros países, estavam centradas nos saberes médicos, nos especialistas, nos familiares e nos políticos, aos quais era atribuída a capacidade de tomar decisões sobre a vida das pessoas com deficiência intelectual (Lanna Júnior, 2010).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, resultado da luta de movimentos que reivindicavam o direito da cidadania para todas as pessoas, estabelece-se o direito de todos à educação e, no caso das pessoas com deficiência, ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Entretanto, persistia ainda a prática da educação especial concentrada em instituições filantrópicas e as experiências de inclusão eram isoladas (Caiado, 2014). Apesar disso, a participação social começa a ser reconhecida (Alencar, 2010; Silva et al., 2005). Ela aparece como um dos fundamentos na organização das políticas públicas e como mecanismo institucional capaz de garantir a proteção social no que se refere a riscos e a vulnerabilidades. A Constituição Federal afirma a necessidade de criar serviços e programas de prevenção e de atendimento acessíveis, que facilitem a integração social da pessoa com deficiência, seja na educação ou no trabalho.

Na década de 1990, o projeto de participação social fortalece-se no sentido de ampliar a participação da sociedade civil voltada à solidariedade social (Silva et al., 2005). A sociedade organizou-se para começar o processo de institucionalização da participação social. Um exemplo disso é a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, que estabelece a obrigatoriedade de as empresas contratarem pessoas com deficiência.

No que se refere à Educação, a Declaração de Salamanca, proclamada pela United Nations Educational, Scientific And Cultural Organization (UNESCO), em 1994, coloca em questão a diversidade de formas de participação de alunos de diferentes grupos tradicionalmente preteridos pelos sistemas escolares e a responsabilidade das nações e da sociedade civil na efetivação de uma educação de tendência inclusiva. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) incorpora a perspectiva presente na Declaração de Salamanca e menciona a necessidade de apoiar o ingresso e a permanência de estudantes com deficiência em todos os níveis de ensino.

As Diretrizes Nacionais de Educação Especial (2001) abordam os diferentes aspectos envolvidos na provisão de serviços e na eliminação das barreiras que dificultam o acesso à educação. O Brasil também é signatário da Convenção de Guatemala de 1999 (Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001). O Decreto trata da eliminação da discriminação contra as pessoas com deficiência. A deficiência é entendida como o conjunto de dificuldades que restringe a participação de uma pessoa em diferentes tipos de atividades, de forma permanente ou transitória, e que pode ser causada ou agravada por diferentes fatores ambientais.

O documento de 2004, O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular (Brasil, 2004), discute as mudanças necessárias para que as escolas se tornem inclusivas e para que nelas sejam colocados em prática: a solidariedade, a cooperação, o diálogo, a criatividade e o espírito crítico.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2007, promulgada no Brasil em 2009, por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, afirma que a deficiência resulta da interação das pessoas com as barreiras decorrentes das atitudes e do ambiente, que impedem a participação desse público na sociedade em igualdade de oportunidades com a população em geral. O documento estabelece três esferas de participação: a econômica (participação no mercado de trabalho, constituição de renda e benefícios da pessoa com deficiência), a social (participação familiar, comunitária e em espaços de lazer, bem como ao protagonismo da pessoa com deficiência intelectual) e a cultural (participação escolar e acesso à cultura). Sobre a participação na educação, a Convenção assegura que as pessoas com deficiência recebam o apoio necessário para que possam participar de todos os níveis de ensino (Educação Básica, Ensino Superior, Educação para Jovens e Adultos e formação continuada). Prevê, ainda, a possibilidade de apoio individualizado para o desenvolvimento pleno do aluno público-alvo da Educação Especial.

Os estudantes com deficiência têm o direito a atendimento educacional especializado (AEE) desde a Constituição de 1988. A garantia desse serviço foi reafirmada na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) em 2008. O atendimento deve ocorrer durante todo o processo de escolarização do educando como serviço complementar ou suplementar à sua formação e deve ser realizado nas salas de recursos multifuncionais. O AEE não pode substituir o ensino regular oferecido na sala de aula. A importância desses documentos reside no fato de que eles refletem uma mudança de concepção da Educação Especial, já que anteriormente uma grande parcela da população com deficiência era educada em classes e instituições segregadas.

A participação escolar da pessoa com deficiência intelectual tem aumentado ao longo dos anos. O número de alunos com essa deficiência representa a maioria dos matriculados, se comparado aos alunos com outras deficiências. Algumas pesquisas, como as de Laplane (2014) e Meletti e Ribeiro (2014), realizadas com base nos dados oficiais do Censo Escolar, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), evidenciam que as pessoas com deficiência intelectual estão matriculadas no ensino básico. Os estudos mostram também que esse público tem alcançado diferentes níveis de ensino. As matrículas de alunos com deficiência na Educação Básica têm aumentado, enquanto elas diminuem nas escolas exclusivas de Educação Especial. Outro avanço é o ingresso No Ensino Superior: em um universo de 38.272 matrículas de alunos com deficiência, registradas em 2017, 5,34% são de acadêmicos com deficiência intelectual (INEP, 2018).

A Nota Técnica nº 4, de 2014, orienta quanto aos documentos comprobatórios de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar da Educação Básica. De acordo com a publicação, não é necessária a apresentação de um laudo médico para ter acesso a serviços de apoio pedagógico. A exigência da comprovação de diagnóstico clínico pode se caracterizar como imposição de barreiras para o acesso aos sistemas de ensino e ao AEE, que têm caráter pedagógico e não clínico. O documento permite o encaminhamento dos alunos com necessidades educacionais especiais à sala de recursos, mas também permite que esses alunos sejam contabilizados como sujeitos com deficiência.

Os direitos estabelecidos em diversos documentos estão em processo de efetivação, principalmente no que se refere ao direito de aprendizagem de conteúdos acadêmicos, cruciais para o desenvolvimento dos alunos com deficiência intelectual (Plestch 2014; Plestch & Mendes, 2015).

A necessidade de desenvolver mecanismos de participação social acessíveis aos grupos historicamente excluídos e aos vulneráveis foi reafirmada na Política Nacional de Participação Social, instituída pelo Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014. Os conselhos e as comissões de políticas públicas, conferências nacionais, mesas de diálogo, audiências e consultas públicas, assim como os ambientes virtuais, constituíram, entre outros, as instâncias de efetivação do direito de participação social (Decreto nº 8.243/2014). Assim, o documento, cujo primeiro objetivo era consolidá-la como método de governo, remetia à formulação, à gestão, ao acompanhamento e ao controle social das políticas públicas de participação social.

A lei foi revogada pelo Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, assinado pelo presidente da república Jair Messias Bolsonaro, que extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para os colegiados da administração pública federal (Decreto nº 9.759/2019). No Decreto de revogação, nada consta sobre uma política nacional de participação social. O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), criado em 1999, constituído como resultado da participação de pessoas com deficiência em espaços sociais foi afetado pelo Decreto de revogação.

Para Bezerra, Szwako, Romao e Vello (2019), a revogação do Decreto que instituía a Política Nacional de Participação Social impacta inicialmente em políticas relacionadas aos direitos humanos, igualdade racial, indígena, entre outras voltadas às minorias que, historicamente, estiveram à margem da sociedade, já que, sem os colegiados, a implementação e a formulação de políticas públicas é incerta. A revogação do Decreto contradiz, assim, os estudos que investigam as formas de participação social de pessoas com deficiência e que afirmam que atividades de natureza variada como: trabalho, estudo e participação em ambientes comunitários, religiosos e de lazer colaboram para o desenvolvimento dessas pessoas e para a melhora na sua qualidade de vida (Lima, Tavares, Brito, & Cappelle, 2013; Saviani-Zeoti & Petean, 2008).

Como vemos, o percurso do reconhecimento e da garantia da participação social como direito é sinuoso e tenso, com avanços e retrocessos que marcam os diferentes momentos históricos e refletem o movimento das forças políticas e sociais. Nesse contexto, as pessoas com deficiência intelectual ainda enfrentam barreiras, sejam atitudinais ou arquitetônicas, que limitam ou impedem a participação. O ingresso no mercado de trabalho pode ser um exemplo.

O trabalho é exercido durante boa parte da vida, e é, por meio dele, que se obtém a renda para o sustento e a sobrevivência das pessoas e de seus familiares, além de ser fonte de reconhecimento e espaço de exercício da cidadania. A prática profissional permite o encontro do trabalhador com outros sujeitos, o que torna a atividade laboral uma forma de relação social (Lima et al., 2013). O trabalho tem um papel significativo no que se refere à construção da identidade adulta, pois o exercício de uma função remunerada está relacionado a constituir-se como adulto (Monteiro, 2014). É pela ocupação profissional que as pessoas podem aprender uma função, conquistar autonomia e independência. É essa prática que norteará, também, a vida das pessoas e possibilitará vivenciar experiências importantes para seu engajamento na qualidade de cidadãos. Somado a isso, a renda é importante no que se refere a possibilidades de participação social.

Em relação às pessoas com deficiência, o trabalho pode ser um meio de inclusão e de participação social desde que permita ao sujeito desenvolver e demonstrar suas potencialidades e conhecimentos (Masson, 2009; Pereira-Silva & Furtado, 2012). A partir da década de 1950, esse público começa a preparar-se profissionalmente e a trabalhar em instituições especializadas ou oficinas abrigadas. Essas oficinas, ainda presentes na atualidade, são locais supervisionados, cujo objetivo é oferecer atividades profissionalizantes, remuneradas ou não, com vistas a incluir essa população no mercado de trabalho (Meletti, 1997).

No Brasil, o movimento de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho passa a ter notoriedade a partir da década de 1960, processo oriundo da Convenção da Organização Internacional do Trabalho, cujo objetivo era o comprometimento dos países membros a adotar e seguir uma política nacional que constituísse um instrumento de luta contra a discriminação dessa parcela da população (Bezerra & Silva, 2011). A participação das pessoas com deficiência na esfera trabalhista começou a ser difundida, então, na década de 1970, decorrente do pensamento que vigorava na época de que o poder aquisitivo das famílias aumentaria e, como consequência, haveria uma repercussão na economia brasileira (Jannuzzi, 2012).

A prática dava-se mediante o treino para tarefas manuais simples e repetitivas, e a ênfase estava colocada na disciplina. Especificamente para o público com deficiência intelectual, nessa época, como resultado de uma parceria entre o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo houve uma campanha de habilitação, cujo foco era o mercado de trabalho e a profissionalização. Isso ocorreu porque o governo percebeu que o custo com a educação seria menor do que o sustento por toda a vida (Jannuzzi, 2012; Plestch, 2014). Na década de 1980, o Brasil promulgou a Constituição Federal, que já previa a proibição de qualquer discriminação referente a salários e a critérios de admissão do trabalhador com deficiência (Constituição da República Federativa de Brasil, 1988). É também nesse período que o país ratifica uma convenção da Organização Internacional do Trabalho a fim de garantir emprego e a possibilidade de inserção social (Bezerra & Silva, 2011).

Um avanço no que se refere à empregabilidade da pessoa com deficiência é a aprovação da Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Conhecida como Lei de Cotas, essa Lei visa a efetivar a inclusão no mundo do trabalho, por meio da reserva de vagas conforme o número de empregados da empresa (Lei nº 8.213/1991).

No final da década de 1990, o Brasil publicou o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, sobre a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Uma das diretrizes do documento diz respeito à ampliação de possibilidades da participação econômica da pessoa com deficiência por meio da qualificação profissional e inclusão no contexto laboral. A lei prevê apoio para o trabalhador com deficiência se necessário.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2007) defende a igualdade de oportunidades e de remuneração, acesso aos programas de formação inicial e continuada, serviços de colocação no mercado de trabalho e possibilidade de ascensão profissional, além de garantir as adaptações necessárias para viabilizar o trabalho dessas pessoas em diferentes ambientes.

Apesar da existência de iniciativas e mesmo de leis e de documentos oficiais que orientam a inserção da pessoa com deficiência intelectual no mercado de trabalho, as pesquisas evidenciam a dificuldade com a qual esse público se depara no exercício profissional. A primeira delas reside no fato de que a contratação ocorre apenas devido à obrigatoriedade e não pelo reconhecimento das capacidades profissionais das pessoas contratadas (Masson, 2009; Tanaka & Manzini, 2005; Toldrá, De Marque, & Brunello, 2010).

Ainda, a formação profissional realizada em instituições especializadas e em oficinas abrigadas por meio de convênios pode dificultar esse processo. Nesse caso, como o produto final do trabalho das pessoas com deficiência intelectual é comercializado pelas instituições, pode surgir conflito de interesses, e o trabalhador já capacitado pode não ser encaminhado para contratação por uma empresa (Meletti, 1997). Outros aspectos que culminam na dificuldade da participação das pessoas com deficiência intelectual no trabalho se relacionam com a formação e o despreparo profissional do trabalhador com deficiência intelectual, bem como com o estigma e com preconceitos por parte da sociedade e dos empregadores. Essas situações podem acarretar desvantagens para essas pessoas. As oportunidades disponíveis são, em geral, vagas operacionais, com baixa remuneração e com escassa perspectiva de promoção, ainda que o trabalhador permaneça na mesma função por muito tempo e apresente domínio do trabalho realizado (Godim, 2017; Rodrigues, 2010; Rosa & Denari, 2013).

Entretanto, quando essas pessoas conseguem atuar profissionalmente, os efeitos são positivos nas atitudes, nos modos de interagir e na forma como elas são vistas pelos outros. Mourão, Sampaio e Duarte (2012) evidenciaram que o trabalho faz com que a própria pessoa com deficiência e sua família apresentem mudanças atitudinais, pois, quando a primeira deixa de ser vista como incapaz, a segunda passa a valorizar o membro familiar incluído no mercado de trabalho. Outras mudanças também foram observadas como elevação da autoestima da pessoa com deficiência, maior participação no âmbito familiar, conquista de autonomia e independência. Já, na perspectiva social, Lima et al. (2013) apontam que, para as pessoas com deficiência, participar do mercado de trabalho representa um modo de obter aceitação social. Esse público sai da condição de isolamento social ou de pouca participação para criar seus próprios vínculos em ambientes diversos. A atuação profissional é um direito inerente a qualquer ser humano e possibilita a sua autonomia, além de ser necessária para garantir sua sobrevivência. Um conjunto de mudanças é necessário no que diz respeito à formação para o mercado de trabalho, que ocorre geralmente em instituições especializadas, além da transformação da concepção dos empregadores sobre o trabalhador com deficiência.

2 Metodologia

Trata-se de um estudo quanti-qualitativo que considera dados categoriais e analisa as relações possíveis entre os dados, a legislação vigente e a literatura especializada (Gatti, 2004). Foram analisados os dados do Censo populacional de 2010, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), que apresenta informações sobre pessoas com deficiência no país de acordo com a faixa-etária, ocupação, região, renda e escolaridade. A análise recaiu, também, nos dados oficiais do Censo da Educação Básica de 2014 e 2018, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018). O desenho do estudo considerou dois grupos para efeitos de comparação: o universo de alunos com necessidades educacionais especiais e o subgrupo das pessoas com deficiência intelectual. Dentre as variáveis existentes, foram selecionadas, para o presente estudo: modalidade e etapa de ensino. O programa IBM SPSS Statistics foi utilizado para a obtenção e o tratamento de dados. As análises lançaram mão da técnica de Triangulação de Métodos (Minayo, 2010), que permite integrar informações advindas de diferentes fontes utilizadas.

3 Resultados e discussão

No Brasil, de acordo com os dados do IBGE (2010), 23,9% da população afirma ter algum tipo de deficiência, e somente 1,4% da parcela da população se autodeclara pessoa com deficiência intelectual. A maioria (53,84%) tem entre 15 e 64 anos de idade. Ao considerarmos a faixa-etária, podemos inferir que essa população poderia estar na escola ou no mercado de trabalho, como regularmente ocorre com a população em geral.

Em relação à educação, de acordo com os dados do IBGE de 2010, 92,13% das pessoas acima de 5 anos está alfabetizada. Já no grupo de pessoas com deficiência, esse percentual cai para 68,60%. Especificamente no caso de pessoas com deficiência intelectual, apenas 52,88% estão alfabetizadas, o que representa o menor índice entre as pessoas com deficiência. A taxa de alfabetização desse público pode ser explicada pelas dificuldades da escola de adaptar os conteúdos e as avaliações e pela vigência do discurso da socialização por parte de professores e gestores (Bins, 2013). Na prática essa concepção pode acentuar as dificuldades de aprendizagem e desenvolvimento durante o processo de escolarização das pessoas com deficiência intelectual, na medida em que a escola deixa de investir no trabalho pedagógico.

De acordo com os dados do INEP, de 2014 a 2018, as matrículas gerais na Educação Básica apresentaram um decréscimo de 2,64%, porém, ao analisarmos o total de matrícula de alunos com deficiência, esse percentual aumentou 33,20%. No caso de alunos com deficiência intelectual, o aumento representou 31,02%. Ainda que se verifique uma diminuição do número de matrículas gerais, a participação de alunos com deficiência tem aumentado na Educação Básica. Contudo, mesmo com a ampliação do número de matrículas, os alunos público-alvo da Educação Especial representavam, em 2018, apenas 2,44% das matrículas gerais. No que se refere ao número de matrículas de alunos com deficiência intelectual, em 2018, esse público representava 67,87% das matrículas de alunos com deficiência;assim, mais da metade do público-alvo da Educação Especial é declarada na categoria Deficiência Intelectual.

O número de discentes com deficiência intelectual reflete uma tendência presente nos dados de matrícula há mais de uma década: a maioria dos alunos público-alvo da Educação Especial são pessoas com deficiência intelectual (Laplane, Coca, & Frederico, 2017). A Nota Técnica nº 4, de 2014, que desobriga as escolas de apresentar laudo comprobatório para incluir alunos no quadro do público-alvo da Educação Especial, pode ter contribuído para a manutenção dessa tendência. É possível que alunos declarados como pessoas com deficiência intelectual não o sejam de fato e que as escolas registrem desse modo para poder oferecer atendimento especializado (Nogueira & Varani, 2016).

Ao considerarmos a etapa de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental: anos iniciais e anos finais, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional), as matrículas gerais do Ensino Fundamental e Médio apresentaram um decréscimo no âmbito nacional entre 2 e 7%. Já a Educação Infantil e a Educação de Jovens e Adultos mostraram um incremento de matrículas. A última etapa (Educação de Jovens e Adultos) aumentou 55,14%. No que se refere aos alunos público-alvo da Educação Especial, todas as etapas variaram positivamente. O Ensino Médio e a Educação Profissional chamam atenção: 101,35% e 71,31%, respectivamente. Especificamente no caso da deficiência intelectual, a variação é ainda maior: 166,05% e 352,08%, apesar de que os números absolutos ainda são modestos.

Quanto à modalidade de ensino (Educação Regular, Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e Educação Profissional), as matrículas de alunos com deficiência apresentaram um acréscimo na educação regular (18,98%) e na Educação de Jovens e Adultos (153,77%). Já na modalidade Educação Especial exclusiva, houve um decréscimo de 11,4%. As matrículas de alunos com deficiência intelectual, de 2014 a 2018, assim como as matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais também aumentaram no Ensino regular (67%), na Educação de Jovens e Adultos (228,30%) e na Educação Profissional (65%).

Sobre o aumento do número de matrículas na Educação de Jovens, o público com deficiência intelectual permanece muito tempo na mesma etapa de ensino, sem avanços e, após atingirem a idade prevista na legislação, ingressam na Educação de Jovens e Adultos (Bins, 2013; Freitas, 2014), o que pode explicar o aumento expressivo nessa etapa e modalidade de ensino, apesar de que a PNEEPEI (2008) determina que o trabalho desenvolvido preveja oportunidades de escolarização e formação para o trabalho. A escola, para jovens e adultos com deficiência intelectual, no entanto, pode representar um papel central na vida dessas pessoas, na medida em que se efetiva como um espaço de desenvolvimento e participação social (Carvalho, 2006). Do ponto de vista dos familiares, a Educação de Jovens e Adultos apresenta-se como um espaço social a ser frequentado pelos adultos com deficiência que não estão incluídos em outros contextos. Os discentes, que na maioria das vezes apresentam uma trajetória escolar de pouco sucesso, manifestam o desejo de se alfabetizar para poder trabalhar (Carvalho, 2006; Freitas, 2014).

No que se refere ao aumento do número de matrículas no Ensino Médio e na Educação Profissional, dois fatores podem colaborar para esse cenário: o modo como o Censo passou a contabilizar esses números e a política de reserva de vagas. Em relação ao primeiro aspecto, a partir de 2015, o Censo passou a considerar 16 variáveis. Até 2014, eram consideradas apenas duas. Isso significa que uma mesma matrícula pode aparecer mais de uma vez, por exemplo: se o aluno está cursando o Ensino Médio Integrado, a matrícula aparecerá tanto no Ensino Médio quanto na Educação Profissional. Considerando a segunda razão, os alunos com deficiência podem se candidatar às vagas de Ensino Médio nos Institutos Federais, já que existe reserva de vagas (Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016). As ações afirmativas apresentam-se, assim, como política capaz de impactar positivamente a matrícula nessas etapas.

No que diz respeito ao nível de instrução de pessoas com deficiência com 15 anos ou mais, os dados do IBGE (2010) mostram que 61,10% dessas pessoas não apresentam instrução ou Ensino Fundamental completo contra 38,20% da população sem deficiência, o que representa uma diferença de 22,9%. Apenas 6,70% da população com deficiência atinge o nível de Ensino Superior. A baixa escolaridade pode ser considerada como prenúncio de dificuldades para a inserção no mercado de trabalho: apenas 16,08% das pessoas com deficiência intelectual estavam ocupadas durante a coleta dos dados do Censo Demográfico (IBGE, 2010). Os trabalhadores com deficiência intelectual encontram problemas adicionais no contexto laboral: há vagas que requerem como pré-requisito um nível de escolaridade ou qualificação que não corresponde à realidade da maioria dos profissionais com deficiência (Godim, 2017; Rodrigues, 2010). Outro ponto é a preferência das empresas em contratar profissionais com deficiência que se adaptem facilmente ao ambiente e não o contrário, embora a legislação vigente preveja a oferta de apoios e a adaptação do espaço laboral (Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência, 1999; Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, 2007; Lei Brasileira de Inclusão, 2015). A pessoa com deficiência intelectual apresenta, muitas vezes, dificuldades nos processos adaptativos nas esferas conceitual, social e prática (American Psychiatric Association [APA], 2013). Embora a Lei de Cotas estipule a contratação, não especifica o tipo de deficiência e quais vagas devem ser disponibilizadas, o que abre uma brecha para que a empresa decida essas questões de acordo com a sua conveniência.

A baixa empregabilidade, por sua vez, explica a pertença ao grupo de pessoas com menor renda. Os dados disponíveis no IBGE sobre rendimento nominal indicam que, em sua maioria, o grupo das pessoas com deficiência recebe entre 1 e 2 salários mínimos. No caso das pessoas com deficiência intelectual, a maioria tem rendimento de até 1 salário mínimo, quase sempre decorrente do Benefício de Prestação Continuada, no valor de um salário-mínimo pago para pessoas com deficiência e idosos cuja renda familiar mensal de até ¼ de salário mínimo por pessoa. As pesquisas apontam que muitos adultos com deficiência intelectual têm o desejo de atuar formalmente no mercado de trabalho, porém as famílias têm receio de perder o benefício, o que leva à desistência da busca por vagas (Bins, 2013). No Brasil, o rendimento nominal da maioria das pessoas com deficiência não ultrapassa mais de cinco salários mínimos. De acordo com Godim (2017), esse público fica à margem duas vezes: por conta da própria condição de deficiência e pela classe social na qual permanece. Assim, fica estabelecida a correlação entre deficiência e pobreza.

Na escola, no mercado de trabalho ou em outros espaços de participação social, as pessoas com deficiência intelectual ainda são vistas como incapazes (Bins, 2013; Carvalho, 2006). As restritas possibilidades de formação, atuação profissional, tomada de decisões, entre outros, reforçam o estigma construído historicamente.

4 Considerações finais

Desde a década de 1990, a sociedade civil e o poder público têm dado maior atenção às políticas públicas de inclusão, cujo foco é ampliar as condições de participação social da pessoa com deficiência por meio de diferentes tipos de ações, entre as quais as políticas afirmativas. O impacto disso pode ser observado à medida que alguns espaços, como a escola e mercado de trabalho, se abrem para essa população.

No que se refere à educação, vários documentos, nas últimas décadas, têm apontado para uma mudança de concepção sobre a possibilidade de desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual e têm reconhecido a necessidade de apoio para essa população. Produto de discussões e consensos nacionais e internacionais, documentos e legislação específica culminaram em ações que contribuíram para ampliar a participação escolar. O atendimento educacional especializado é um exemplo disso. Antes o trabalho era realizado, majoritariamente, em instituições conveniadas, hoje ocorre preferencialmente na rede regular de ensino. Os dados mostram uma mudança da participação dessas pessoas nas etapas e nas modalidades de ensino: frequentam a Educação Básica, ingressam no Ensino Médio e na Educação Profissional. Contudo, quanto mais elevado o nível de ensino, menor a representatividade da pessoa com deficiência intelectual quando comparada à população com outras deficiências. No Ensino Superior, em 2018, os alunos com deficiência intelectual representavam pouco mais de 5% das matrículas do público-alvo da Educação Especial e 0,03% se consideradas as matrículas gerais.

A trajetória educacional tem consequências também no contexto laboral. A legislação afirma o trabalho como oportunidade de participação econômica, mas a população com deficiência intelectual é a que enfrenta as maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho devido ao baixo nível de instrução e à pouca disposição dos empregadores em abrir espaços adequados para a sua participação. Vigora ainda a ideia de que a pessoa com deficiência intelectual é quem deve se adaptar ao ambiente e não o oposto. Nesse cenário, os trabalhadores com deficiência intelectual são os que têm menores chances de desenvolvimento profissional.

A escassa participação no mercado de trabalho impacta diretamente na renda desse público. A maioria possui rendimento de um salário mínimo, oriundo do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O escasso poder aquisitivo, por sua vez, impede a mobilidade social, mantém o indivíduo e sua família em situação de pobreza e, portanto, restringe o acesso a atividades culturais e de lazer.

As políticas inclusivas e as ações afirmativas implementadas no passado recente contribuíram para que as pessoas com deficiência tivessem suas possibilidades de participação ampliadas, mesmo que ainda de forma tímida e, sem dúvida, insuficiente. Atualmente, com a crise econômica e política, as práticas inclusivas sofrem cortes e algumas são extintas. A revogação da Política Nacional de Participação Social (2019), que afetou o CONADE, exemplifica essa situação. Essa conduta, por parte do Estado, limita ainda mais as condições de participação das pessoas com deficiência intelectual e dilui os já parcos avanços.

A conclusão do estudo aponta para a necessidade de considerar esse estado de coisas para ampliar e formular novas políticas de participação social da pessoa com deficiência intelectual. Isso, no entanto, só será possível com a cessação das políticas de desconstrução de direitos que assolam o país e com a sua reversão.

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Recebido: 18 de Outubro de 2019; Revisado: 31 de Março de 2020; Aceito: 01 de Abril de 2020

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