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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.26 no.4 Marília oct./dic 2020  Epub 09-Dic-2020

https://doi.org/10.1590/1980-54702020v26e0095 

Relato de Pesquisa

Libras e Formação Docente: da Constatação à Superação de Hierarquias

Denielli KENDRICK2 
http://orcid.org/0000-0001-8880-0560

Gilmar de Carvalho CRUZ3 
http://orcid.org/0000-0001-6626-0727

2Doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Ponta Grossa/Paraná/Brasil. E-mail: deniellik@yahoo.com.br.

3Docente. Departamento de Educação Física. Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). Irati/Paraná/Brasil. Programa de Pós-Graduação em Educação de Ponta Grossa (UEPG). Ponta Grossa/Paraná/Brasil. E-mail: gilmailcruz@gmail.com.


RESUMO:

Este estudo tem como objetivo analisar o espaço ocupado pela disciplina de Libras no currículo de um curso de licenciatura e qual sua competência formativa para o futuro professor. Com abordagem qualitativa, traz a entrevista não-diretiva como instrumento para a investigação, atrelado ao referencial teórico em que os estudos bourdieusianos assumem papel central no percurso metodológico. Os agentes participantes foram os docentes da disciplina de Libras e os docentes do Departamento de Pedagogia de uma Universidade Estadual, no interior do Paraná. Foi possível averiguar que o curso de Pedagogia tem por centralidade, na formação, a docência para Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Há uma ideia recorrente entre os docentes de que as disciplinas de Fundamentos ocupam mais espaço no currículo e as hierarquias dos saberes se mostram imperativas no contexto da organização curricular. A disciplina de Libras, e sua implementação, no curso é de ordem legal, com pouca ou nenhuma mobilidade dentro do currículo, e a ela se tem atribuído um papel de formadora do pedagogo para o ensino de surdos, na perspectiva da inclusão educacional.

PALAVRAS-CHAVE: Libras; Formação docente; Educação Especial

ABSTRACT:

This study aims to analyze the space occupied by the Brazilian Sign Language discipline in the curriculum of a teaching undergraduate course and what its formative competence for the future teacher is. With a qualitative approach, it brings the non-directive interview as an instrument for investigation, linked to the theoretical framework in which Bourdieusian studies assume a central role in the methodological path. The participating agents were the professors of the Brazilian Sign Language discipline and the professors of the Department of Pedagogy of a State University, in the hinterlands of the state of Paraná, Brazil. It was possible to ascertain that the Pedagogy course focuses on teaching for Early Childhood Education and early grades of Elementary School. There is a recurring idea among professors that the disciplines of Fundamentals occupy more space in the curriculum and the hierarchies of knowledge are imperative in the context of curricular organization. The Brazilian Sign Language discipline, and its implementation in the course, is of legal order with little or no mobility within the curriculum, and it has been assigned the role of educator of the pedagogue for deaf education, in the perspective of educational inclusion.

KEYWORDS: Brazilian Sign Language; Teacher Training; Special Education

1 Introdução

A disciplina de Língua Brasileira de Sinais (Libras)4, na graduação de licenciados, caracteriza-se por tratar de uma demanda muito específica da Educação Especial e Inclusiva, a educação de surdos. Ela é mais específica por ter, no cerne dessa disciplina, a questão linguística, tão peculiar do povo surdo. A obrigatoriedade legal imposta pelo Decreto Federal nº 5.626/2005 não faculta aos cursos de formação de professores a opção de não ofertar a disciplina de Libras em suas matrizes curriculares. Do ponto de vista legal, é inegociável a condição da Libras na formação docente como disciplina obrigatória. No entanto, várias questões surgem a partir dessa realidade, como, por exemplo, em que medida a disciplina de Libras ocupa espaço no currículo e qual sua competência formativa para o futuro professor.

Nesse contexto, entendemos a educação de surdos como um campo. Nos termos de Bourdieu (2004), campo configura-se como um espaço de disputa, regido por regras próprias, sendo um produto histórico. As lutas existentes no campo derivam da necessidade de manter-se o status quo ou de alterar as relações de poder no seu interior. Os agentes envolvidos no campo, com seus capitais objetivados e simbólicos, são peças-chave para que haja mobilidade dentro dele. Assim, o campo da educação de surdos, com suas contendas internas, tem se apresentado, à primeira vista, polarizado em duas vertentes historicamente construídas, a saber: perspectiva clínico-terapêutica e perspectiva socioantropológica. Não são dois pontos de vistas diferentes sobre o mesmo objeto. Eles se configuram como partes estruturais da educação de surdos, portanto é essencial que façamos uma leitura mais epistemológica dessas perspectivas, pois as relações entre elas são, muitas vezes, entranhadas uma na outra, por ser a educação de surdos um campo de representações dificilmente delimitáveis (Skliar, 1997).

Desse modo, podemos ter políticas linguísticas que garantam ao sujeito surdo o direito de ser ensinado a partir da língua de sinais, mas encontramos no espaço escolar ações pedagógicas arraigadas à perspectiva clínica-terapêutica. Contudo, quando assumimos uma perspectiva, colocamos, necessariamente, a outra em desvantagem; e é nessa relação de poder dos agentes envolvidos que se tem constituído o campo da educação de surdos. Afinal de contas,

sabemos que em qualquer campo descobriremos uma luta, cujas formas específicas terão de ser investigadas em cada caso, entre o novo que entra e tenta arrombar os ferrolhos do direito de entrar e o dominante que tenta defender o monopólio e excluir a concorrência. (Bourdieu, 2003, p. 119-120).

Ilustra-se esse embate quando observamos as discussões sobre o espaço de escolarização do surdo, travado entre o Movimento Surdo, representado pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS), e a antiga Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI), em torno do Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024. Em 2010, a Conferência Nacional de Educação (CONAE), ao assumir em seu documento final pressupostos que excluíram a luta dos surdos por escolas bilíngues5 e afirmar o posicionamento do Governo Federal para a inclusão irrestrita nas escolas comuns, de modo impositivo e arbitrário, desconsiderou as lideranças surdas e suas reivindicações no processo da formulação do texto da Conferência, que, posteriormente, daria origem ao PNE 2014-2024 (Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014). No entanto, o movimento surdo, engajado para que a proposta de escolas bilíngues e classes bilíngues fossem contempladas dentro das metas do Plano, alcançou sucesso. Na redação final da Meta 4, a Estratégia 4.7 foi ampliada (Lei nº 13.005, 2014). Assim, a educação bilíngue para surdos pode ocorrer na escola inclusiva, em escolas bilíngues e em classes bilíngues.

Ressaltamos que a efetivação da meta nessa década tem se mostrado tarefa hercúlea (Albres, 2017; Stürmer & Thoma, 2015; Thoma, 2016). As escolas bilíngues e as classes bilíngues têm se apresentado pouco exequíveis às Secretarias de Educação, pois o “agrupamento de um número pequeno de alunos não se configura como algo viável na atual conjuntura capitalista que adentra a educação”; e, assim, “o discurso cego de ser ‘politicamente correto’ de inclusão em salas mistas tem prevalecido” (Albres, 2017, p. 19). Tal assertiva não pode ser tomada como definitiva. Ao contrário, a busca pela implementação das escolas e das classes bilíngues ainda é uma questão latente na pauta das reivindicações do movimento surdo.

No contexto de lutas por espaços educacionais bilíngues, a escola inclusiva, permeada pelo discurso de igualdade brevemente supracitado, apresenta-se como lócus possível de atuação dos professores que, durante sua formação acadêmica, tiveram contato com a língua de sinais. A disciplina traz em seu bojo a possibilidade de apresentar as características da educação de surdos e oferecer noções básicas linguísticas.

Para Quadros e Paterno (2006), a disciplina na formação docente busca contribuir para a superação dos equívocos metodológicos e atitudinais evidenciados no processo de escolarização de alunos surdos e que recorrentemente são desvelados em pesquisas acadêmicas (Lacerda, 2006, 2007; Lorenzzetti, 2003; Padilha, 2014). A língua de sinais é parte fulcral para os processos de ensino e de aprendizagem do surdo, pois compõe a sua identidade. Esta é, assim, uma premissa da comunidade surda, ter a língua de sinais não simplesmente como meio de acessibilidade ao currículo e à instrução escolar, mas como direito linguístico legítimo que lhe proporciona chegar ao conhecimento a partir dela, como L1. Por isso, há o posicionamento muito firme dos surdos sobre a sua inclusão no ambiente escolar. Mesmo com leis (Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002; Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005; Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014; Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) que valorizam o espaço escolar ao surdo como um ambiente bilíngue, as práticas inclusivas têm se apresentado insuficientes e monolíngues na realidade, desconsiderando as especificidades de aprendizagem desses agentes, o que perpassa, objetivamente, pela língua de sinais (Nascimento, 2017).

Observa-se, por conseguinte, a responsabilidade atribuída à disciplina de Libras na formação de professores pela busca em tentar equalizar desigualdades estruturais construídas historicamente no campo da educação de surdos. Assim, ao considerarmos a Libras como disciplina curricular e sua responsabilidade formativa, não podemos desconsiderar outras forças envolvidas, como as relações existentes no campo acadêmico, que também irão ser pontuais na sua constituição como disciplina, na sua contribuição formativa ao futuro docente e no seu espaço ocupado ou outorgado no currículo. Nesse sentido, este texto tem como objetivo apresentar a análise realizada em um curso de Pedagogia sobre o espaço ocupado pela disciplina de Libras no currículo e qual sua competência formativa para o futuro professor.

2 Método

Tendo a disciplina de Libras como objeto de investigação, concordamos com Bourdieu, Passeron e Chamboredon (2015) que o objeto sempre emerge em questões que necessitam investigação científica. Para tanto, o referencial teórico e o metodológico são irremediavelmente necessários para que o estudo epistemológico seja realizado, pois definem os caminhos e as estratégias para a investigação. Tendo em Bourdieu o recurso teórico e inspiração metodológica para realizar a pesquisa, assumimos que: “‘É proibido proibir’ ou ‘Livrai-vos dos cães de guarda metodológicos’” (Bourdieu, 2011, p. 26). O alerta de Bourdieu impele-nos a observar o objeto e escolher a forma de teorizá-lo e investigá-lo. O campo onde é pesquisado, as condições e a familiaridade com o objeto contribuem para a liberdade das escolhas metodológicas e teóricas realizadas. Entretanto, essa liberdade à metodologia não caracteriza uma situação em que tudo é válido, sem critérios. A pesquisa faz-se pela prática, mais do que por um manual metodológico.

Dito isso, construímos a investigação a partir da abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa apresentou-se como relevante ao objeto investigado, pois “define o caráter construtivo interpretativo do conhecimento, o que de fato implica compreender como produção e não apropriação de uma realidade que nos apresenta” (González Rey, 2005, p. 5). Ao aproximarmo-nos, por meio de práticas investigativas, dos inúmeros campos inter-relacionais que compõem a realidade, criamos uma realidade permeada pelas práticas. Assim, o instrumento utilizado foi a entrevista não-diretiva (Severino, 2007), o qual se mostrou rico na produção dos dados, com questões pré-formuladas. Além disso, foi possível explorar os temas abordados a partir da fala dos entrevistados com outras questões, de modo mais informal, o que constituiu um material interessante e volumoso.

O espaço investigado foi o curso de Pedagogia de uma universidade pública do Estado do Paraná, Brasil A definição desse espaço foi relevante ao objeto, pois, nesse curso, a implantação da disciplina de Libras deu-se no ano de 2006, um ano após a obrigatoriedade legal imposta pelo Decreto nº 5.626/2005. Assim sendo, trata-se de um dos primeiros cursos de Pedagogia do Paraná a contar com a Libras em sua matriz curricular. Cabe contextualizarmos que esse curso teve início em 1976 e, na região, por muitos anos, foi o único local de formação para a Pedagogia. No período da pesquisa, o Departamento de Pedagogia (DEPED) estava em discussão para a construção da nova Matriz Curricular do curso, o que foi extremamente relevante para a investigação, especialmente para o debate sobre a hierarquia dos saberes.

O curso contava com 55 professores. Todos foram contatados, via e-mail, para participar da pesquisa e conceder entrevista. No entanto, alguns fatos alteraram o número final de participantes: quatro estavam em licença para aposentadoria; e dois, em estudos de pós-doutoramento, no exterior. Somaram-se, então, 49 docentes possíveis de serem entrevistados. Foram realizados três contatos com os professores via e-mail, chamando-os a contribuir. Obtivemos 25 professores que aceitaram participar, número significativo, mais de 50% do corpo docente em atividade. Logo ao iniciarmos as entrevistas, houve uma paralisação dos professores da Instituição no intuito de reivindicar a manutenção de alguns direitos conquistados, que estavam sendo retirados pelo Governo Estadual. O DEPED, com todo o corpo docente, aderiu à greve e as atividades acadêmicas pararam. Tivemos que cancelar as entrevistas agendadas e aguardar o retorno das aulas. O período de espera foi tenso, não sabíamos por quanto tempo iria continuar a paralisação.

Quando as Universidades retomaram as atividades, iniciou-se a organização das reposições das aulas e das demais atividades acadêmicas que estiveram paradas, especialmente por ser final do segundo semestre, em que há acúmulo de algumas atividades que necessitavam de atenção para que o calendário fosse cumprido em sua integralidade, como a finalização de estágios dos acadêmicos e bancas de Trabalho de Conclusão de Curso. Isso repercutiu na disponibilidade dos docentes em participarem da pesquisa. Nesse caso, houve a necessidade de um novo contato, via e-mail, solicitando-lhes a colaboração e o reagendamento de datas para as entrevistas. O contato foi realizado novamente com todos os professores, mesmo os que não haviam sinalizado anteriormente a participação.

Ao final do processo, não conseguimos anuência dos 25 professores anteriormente dispostos a participar. Muitos se desculparam e alegaram a indisponibilidade diante dos inúmeros compromissos, como reposição de aulas. Não há dúvidas de que foi a urgência das atividades pós-paralisação que impossibilitaram muitos docentes de participar. Logo, finalizamos as entrevistas com 15 professores do DEPED, sendo 24% dos docentes em atividade e todos os três professores da disciplina de Libras da Instituição, que estão alocados no Departamento de Letras (DELET), totalizando 18 professores. Assim, é indispensável apresentar os agentes envolvidos na pesquisa, os quais destacamos no Quadro 1, preservando o anonimato, denominando-os como “P1, P2, P3...” e, assim, sucessivamente, ao tratar dos professores do Departamento de Pedagogia. Os professores de Libras são denominados “PL1, PL2 e PL3”.

Quadro 1 Apresentação dos agentes participantes da pesquisa. 

Prof. Titulação Graduou-se na Instituição Graduação em Pedagogia Vínculo institucional Tempo de trabalho na Instituição Disciplina(s) de atuação* Quantidade de disciplinas que leciona
P1 Doutor Sim Sim Efetivo 29 anos 2 1
P2 Mestre Sim Sim Colaborador 4 anos 1/2/3 4
P3 Doutor Não Não Efetivo 10 anos 2 1
P4 Doutor Não Sim Efetivo 27 anos 3 1
P5 Mestre Não Sim Colaborador 10 anos 2/3 3
P6 Doutor Não Sim Efetivo 10 anos 3 2
P7 Mestre Não Sim Colaborador 5 anos 3 3
P8 Doutor Não Sim Efetivo 10 anos 1 1
P9 Mestre Sim Sim Efetivo 16 anos 1 1
P10 Mestre Não Sim Efetivo 18 anos 1 1
P11 Doutor Sim Não Efetivo 27 anos 1/2 3
P12 Especialista Sim Sim Colaborador 2 anos 2/3 4
P13 Mestre Sim Sim Colaborador 1 ano 2 1
P14 Mestre Sim Sim Colaborador 5 anos 1/3 2
P15 Doutor Não Sim Efetivo 10 anos 1 1
PL1 Especialista Não Não Colaborador 1 ano 2 1 - Libras
PL2 Especialista Não Sim Efetivo 6 anos 2 1 - Libras
PL3 Especialista Sim Sim Efetivo 10 anos 2 1 - Libras

Fonte: Elaborado pelos autores.

*1. Disciplinas obrigatórias de formação básica; 2. Disciplinas obrigatórias complementares; 3. Disciplinas obrigatórias profissionalizantes.

As informações apresentadas no Quadro 1 são necessárias para conhecermos os agentes, suas formações, suas titulações, seus vínculos com a instituição, tempo de atuação no curso, disciplinas que atuam e a quantidade de disciplinas a que se dedicam. São informações preliminares que contribuem para pensarmos em que realidade cada agente constrói sua identidade professoral e de que lugar sua voz parte nas entrevistas.

No ato da entrevista, foi pedido aos docentes que autorizassem por escrito a gravação do áudio para registro, ao que não houve empecilhos, nem recusa. Todas as entrevistas realizadas em língua portuguesa falada foram posteriormente transcritas para, dessa forma, ficar mais acessível o contato com as informações produzidas e para as leituras que se seguiram posteriormente. Para o registro das entrevistas com os docentes surdos, o percurso foi um pouco mais longo. Não havia a possibilidade de gravar o áudio, pois a língua de uso entre entrevistador e entrevistados foi a Libras − língua visual-espacial que necessita de outra forma de registro, filmagem. Foi pedida uma autorização por escrito aos professores para o registro em vídeo, e, como aconteceu com os demais, não houve recusa.

Após as entrevistas filmadas, foi preciso passá-las para o áudio, o que nos pareceu mais fácil para a posterior transcrição. A pesquisadora assistiu aos vídeos e fez a tradução das entrevistas, gravando-as em áudio, sendo o processo de tradução cansativo, repetitivo, além de demandar muita atenção para se poder traduzir todas as nuances da fala da língua de sinais e expressividade do falante para o português. Mesmo os vícios de linguagem que o surdo possa ter precisam ser passados na tradução.

Com esse trabalho concluído, partimos para a transcrição das entrevistas dos professores surdos a partir do áudio. Todas as entrevistas totalizaram 6 horas e 40 minutos de gravações. Ao serem transcritas, optamos por − além de registrar o que estava sendo dito − também marcar a forma como o entrevistado respondia às questões, evidenciando as suas certezas, dúvidas e hesitações. O número de páginas das transcrições ao final do processo foi de 93. Cabe salientarmos que a pesquisa passou pelo Comitê de Ética, como se espera, e foi aprovada.

Na análise das entrevistas, houve uma sequência necessária para explorar os dados, sempre à luz do referencial teórico adotado: I. Leitura preliminar de todas as entrevistas; II. Retomada das leituras, buscando-se palavras e expressões com maior força semântica e com maior recorrência entre as falas; III. Nova leitura, concentrando-se nas expressões e palavras demarcadas anteriormente, na busca de categorizá-las por inferência e interpretação; IV. Organização das categorias e subcategorias; V. Definição das categorias a partir dos objetivos propostos. Todo o processo demandou tempo, devido ao material extenso, cheio de informações e com grande potencial de exploração.

3 Dados e discussão

Inicialmente, é necessário pontuarmos o espaço investigado. O curso de Pedagogia tem suas querelas, embates e disputas em âmbito nacional, que repercutem nas e a partir das políticas públicas para a formação do pedagogo, não havendo um consenso entre estudiosos sobre a estrutura formativa mais adequada a ele. No entanto, a centralidade do curso, em âmbito nacional, aponta para a docência como foco formativo (Franco, Libâneo, & Pimenta, 2007; Kuenzer & Rodrigues, 2006). Tal assertiva mostrou-se pontual nas falas dos docentes do curso, pois há uma disputa entre quais saberes são os mais adequados para compor o currículo, os quais partem dos princípios formativos que giram entre docência e gestão.

[...] o foco principal é a docência, o que a gente tem discutido nos últimos tempos e sempre que nós propomos ou avaliar ou reestruturar o projeto pedagógico do curso de pedagogia, qual é a nossa centralidade? A gente tem optado por direcionar o curso para a docência e para a escola pública, por entender que aí estaria a maioria, a maior parte, o campo mais expressivo de atuação. Então, nas últimas revisões do projeto, tem sido esse o direcionamento. (P1).

O foco do curso está na docência, há diferentes perspectivas dos docentes sobre o curso, que são resultado de suas vivências dentro dele, do espaço que ocupam, de onde suas vozes emanam, seus capitais simbólicos, sociais e culturais repercutem na organização do Currículo e no foco formativo. Abranger em um curso diferentes perspectivas de formação, atreladas aos documentos oficiais que direcionam a formação no âmbito nacional, em um espaço de debate e diálogo, certamente demanda tempo para realizar.

O curso passava por uma nova reestruturação na Matriz Curricular. Compreendemos a construção curricular como um momento de disputa por espaço (Bourdieu, 2016). A escolha da proposta não é algo imparcial, tampouco autônoma; segue normas e regulamentações nacionais. Saviani (2012) lembra-nos de que os encaminhamentos dados ao curso de Pedagogia estão arraigados às demandas do mundo do trabalho que subordina a educação e rege a sociedade, isso em um aspecto de estrutura educacional nacional. Um curso de formação superior tem um vínculo forte com o mundo do trabalho. Como o profissional precisa ser formado para atender à necessidade social, neste momento histórico, nesta configuração de sociedade que temos? É uma questão forte, que vem como normativa por meio dos documentos oficiais que vão priorizar a formação nos moldes a atender a necessidade do mundo do trabalho (Kuenzer, 1999). É nessa relação com fronteiras porosas entre os campos político e econômico que temos o campo acadêmico; nele, a autonomia é relativizada, por ser influenciado pelos demais campos. Na Constituição Federal de 1988, art. 207, preconiza-se a autonomia didático-científica das Universidades, mas não é possível ignorar as Diretrizes de formação dos cursos, pois buscam um “modelo” de formação nacional e necessitam ser adotadas pelas Instituições de Ensino Superior (IES). Em que termos realmente é possível o espaço de autonomia?

Na produção dos dados, foi recorrente na fala dos professores a certeza de que existe uma hierarquia dos saberes e que ela também influi na construção e na disposição das disciplinas no currículo. Ao conceber-se um currículo, não podemos descartar as relações, veladas ou explícitas, que o influenciam. Para Bourdieu (2015), à medida que as disciplinas exigem certas aptidões, que são distribuídas com desigualdade, a seleção da hierarquia das disciplinas é colocada. As disciplinas teóricas que estão no topo da hierarquia Bourdieu (2015) denominou como disciplinas canônicas. Disciplinas de cunho mais prático e técnico são rebaixadas na hierarquia dos saberes. Segundo o autor, as disciplinas práticas não necessitam, necessariamente, de um capital cultural acumulado.

Lembramos que atentamos à realidade em que Bourdieu (2008, 2016) chegou a essas constatações, as características da França, seus campos acadêmico e escolar aos quais se dedicou a investigar, os quais guardam especificidades de contexto social, econômico e cultural que diferem da nossa realidade. Todavia, à luz de suas considerações, analisamos essa categoria, em um curso de formação de professores, Pedagogia, que socialmente não goza de grande prestígio, o que torna mais peculiar ainda perceber que, mesmo nessas condições, há relações de disputas silenciosas por espaços e que os capitais individuais ou de grupo podem fazer a diferença na hierarquia dos saberes.

Foi questionado aos docentes se eles acreditavam que há uma hierarquia entre os saberes dentro do curso e como isso se apresentaria na construção do currículo, na sua organização e organicidade.

Acho que, infelizmente, tem. Mas é assim o olhar reducionista daquele professor, tem uma visão míope do que é educação, reducionista do processo porque educação perpassa todos os segmentos, é o objeto de estudo plural. Não tem como dizer o que eu preciso mais na educação. Eu acho que é lamentável se tem alguém aqui que pensa: “minha disciplina é mais importante”. (P10).

Mesmo incomodado pela questão e reticente, P10 aponta que existe uma diferença nas relações que abrangem a construção do currículo. Os demais professores foram objetivos ao afirmarem que existe, sim, uma hierarquia entre os saberes. As disciplinas de Fundamentos que ocupam um espaço maior dentro do curso, disciplinas práticas e de gestão contam com menor espaço, de acordo com os docentes.

Há. Isso se deve, na composição da última matriz, por exemplo, ao corporativismo de alguns professores. Na discussão da matriz, pesou os interesses de grupos. (P6).

É muito forte tentarmos proteger o que acreditamos, que é essencial para a formação do pedagogo; assim, penso ser normal esse movimento de autoproteção de um espaço. Por isso, há muitas discussões, tentamos também entender outras áreas e ver como alocá-las, são muitas as demandas que o curso tem para formar. Talvez esse seja o principal fator preocupante. (P15).

Inclusive eu via, no WhatsApp, que me mandavam: “Vamos ter que defender a disciplina, porque eles tão querendo tirar do curso”. (P11).

O corporativismo, a autoproteção assinalada, caracteriza o que Bourdieu (2016) pontua de luta de poder. São criadas alianças, como meio para fortalecer a permanência do que está posto, legitimando-o. Em outro polo, teremos outros grupos que se organizam para a luta, para alterar a situação, mas se não houver representantes com bons capitais pertinentes à necessidade imposta não conseguem alterar a situação, assim é como um jogo em um campo.

Então, veja, isso tudo, depende, né? Que tudo tem um jogo de interesses por trás, o maior número de docentes efetivos é da área de fundamentos e aí cada um puxa a sardinha para seu lado! (P7).

As disciplinas de fundamentos têm se apresentado com maior preocupação no curso. Não são descartadas as disciplinas de metodologia, mas certamente têm um espaço menor. (P9).

Observa-se que é recorrente entre os professores a ideia de que as disciplinas de fundamentos tenham maior carga-horária e contem com mais espaço no currículo do curso, porque elas seriam as responsáveis pela base teórica da formação. Tomando como critério a Categorização de Disciplinas do Currículo Pleno do curso, constata-se que, na soma das cargas-horárias das disciplinas obrigatórias de formação básica: 1258 horas; disciplinas obrigatórias complementares: 476 horas e as disciplinas obrigatórias profissionalizantes: 1462 horas, a carga horária de fundamentos que se aloca nas disciplinas obrigatórias de formação básica é inferior às disciplinas profissionalizantes, que são as metodologias e os estágios. Por que, então, paira entre os professores a forte ideia de que Fundamentos conta com maior espaço no currículo? Uma possível resposta está relacionada ao capital simbólico dos professores que atuam nessas disciplinas.

Retomemos parte dos dados do Quadro 1, que apresenta os agentes participantes da pesquisa. Dos nove professores efetivos, seis atuam em disciplinas de fundamentos. Dos seis professores colaboradores, dois atuam em disciplinas de fundamentos. Há, pela condição de vínculo efetivo, menor sazonalidade de professores nas disciplinas de fundamentos, o que contribuiu para se criar uma identificação disciplina/professor dentro da instituição. Atrelada a isso, há a realidade de serem as disciplinas de fundamentos as responsáveis pelas bases teóricas da formação. A herança da tradição dos fundamentos como base indispensável à formação pode nos ajudar a compreender as afirmações dos entrevistados.

Ao terem-se disciplinas que aparecem com maior prioridade no currículo - no caso destacado pelos professores, as disciplinas de fundamentos - mantém-se o modelo de disciplinas que não “se conversam”, um currículo fragmentado em áreas. Uma das maiores dificuldades relatadas pelos entrevistados foi a luta pelo espaço dentro do currículo. Quais disciplinas continuam, quais podem ser unidas, retiradas, acrescidas. O espaço do currículo ficou pequeno para tantos argumentos e discursos. Sem perder de vista o que a legislação prevê para o curso, a luta pelo espaço no currículo é real. Vale salientar que, pelos docentes de Libras estarem vinculados ao DELET, não houve uma aproximação com eles para debater sobre a disciplina dentro da matriz curricular. Sabe-se, com certeza, que a disciplina será parte do currículo, pois há um asterisco que lembra a sua obrigatoriedade legal dentro do curso.

É nesse contexto que a disciplina de Libras se inclui no curso de Pedagogia, ela é parte das disciplinas obrigatórias complementares, intitula-se Noções de Língua Brasileira de Sinais - Libras, disciplina anual com carga-horária de 68 horas (carga horária mínima), sendo duas aulas semanais para o 1º ano. A carga-horária é um ponto polêmico, pois estudos têm apresentado a impossibilidade de ensinar-se a língua Libras em um período curto (Almeida, 2012; Costa, 2015; Mercado, 2012; Pereira, 2008). Nesse viés, cabe reaquistar o que Santos (2016) pontua em suas conclusões sobre a Libras e seu ensino no campo universitário:

a disciplina de Libras ensina sobre a língua e sobre o surdo. Ela ensina que a Libras contém todos os elementos linguísticos e gramaticais como as demais línguas; que ela é uma das línguas da educação bilíngue para surdos; que os surdos pertencem a um grupo social/cultural/linguístico diferente; e que são alunos que apresentam singularidades linguísticas. Entretanto, ela não ensina, necessariamente, a língua. O que ela ensina são “habilidades mínimas” ou uma “comunicação básica” em Libras, por meio, geralmente, do ensino de vocabulário. (p. 228).

O que o autor assevera é importante para pensarmos na “função” da disciplina dentro dos cursos de formação de professores, em destaque, na Pedagogia, pela peculiaridade de trabalhar-se com a Educação Infantil e os anos iniciais do ensino Fundamental. Há uma ideia praticamente mitológica de que a disciplina de Libras conseguirá oferecer aos acadêmicos o domínio da língua. Essa mitologização da Libras aplica-se por, ainda, não haver clareza de que Libras é língua, e que língua, com fluência, não se aprende em um ano.

Nesse contexto, há o entendimento da Libras como uma língua estritamente icônica, concreta, sem possibilidade de relações abstratas, nem detentora de arbitrariedade. Os docentes expõem como percebem a disciplina no curso e a questão de sua obrigatoriedade. São unânimes, tanto os professores da disciplina quanto os do DEPED, em considerar a disciplina de importância para a formação dos Pedagogos, não explanando com minúcia como ela é importante. Em linhas gerais, os docentes do DEPED entendem a importância como necessidade da Educação Especial e seus sujeitos - pessoas com deficiência - em uma proposta de educação inclusiva sobre a qual o pedagogo tem atribuição de compreender como atuar na educação dos alunos que compõem a Educação Especial.

Eu penso que somente a força da lei não garante a aprendizagem da Libras dos profissionais da educação; como docente há 10 anos do curso, até hoje não observei nenhuma articulação dessa disciplina com as disciplinas que tenho ministrado no curso, o que não quer dizer que não considero a disciplina importante, mas se o objetivo da disciplina de Libras é instrumentalizar os pedagogos e pedagogas para a inclusão dos estudantes surdos na Educação Básica, a carga horária da disciplina no curso é insuficiente. (P5).

Ter 68 horas parece bastante, mas é insuficiente. Precisava de, no mínimo, 102 horas, um ano, se é anual a disciplina ou desmembrar a disciplina em Libras I, Libras II, em dois anos. Seria legal, seria interessante. (PL1).

Eu diria que não adianta ter uma multiplicidade de ensinos, mas nenhum com profundidade, é o caso da língua de sinais, nós temos 68 horas, vamos pegar o curso de Pedagogia com 68 horas, você não consegue formar um aluno bilíngue, nem que seja pra trabalhar com ensino fundamental até o quinto ano ou educação infantil fazendo a disciplina de 68 horas.(...) então, eu penso assim, que, de repente, a ampliação da carga horária seria uma opção, ou no terceiro e no quarto ano um desdobramento da disciplina, porque na modalidade que hoje se configura... hoje, nós não formamos o nosso licenciado, o nosso aluno, para trabalhar com aluno surdo; hoje, nós estamos brincando de esconde-esconde, nós fingimos que ensinamos e eles fingem que aprendem língua de sinais, porque, veja, você tem que trabalhar história, você tem que trabalhar identidade e você trabalha os parâmetros, nisso aí já foi - digamos assim - 10 horas-aulas, se você der uma boa aula e sem aprofundar! Uma coisa muito superficial, para você começar a dar línguas de sinais. (PL2).

A gente trabalha só um ano, o ideal seria se a gente trabalhasse dois anos com a disciplina. Tinha que ser mais de 100 horas a disciplina. Também podemos pensar em Libras I, Libras II, todo mundo quer [refere-se aos acadêmicos]. (PL3).

A carga horária da disciplina apresenta-se como um limite significativo à disciplina e expressa sua força, ou melhor, a inexistência de força dentro do curso. Nas falas dos docentes, há uma necessidade de compreenderem se existe uma real adequação da disciplina dentro do curso. Entretanto, outras questões são desveladas nas colocações dos docentes. Trata-se da discussão interna sobre a disciplina dentro da nova matriz curricular.

Eu já ouvi de professores que Libras não é importante, que Libras não deve estar no primeiro ano, que Libras poderia ser de seis meses, uma disciplina semestral. Eu já ouvi pessoas falarem que é pra deixar para o quarto ano, porque o quarto ano tem TCC, tem estágio, tem dois estágios, então fica pesado, melhor ter uma disciplina mais tranquila, sabe. Então, as opiniões, elas são bastante divergentes. (P12).

A falta de conhecimento dos professores do DEPED sobre a educação de surdos e o surdo compromete o processo. Não há, no departamento, professores que façam a “defesa” da Libras, pois os docentes dessa disciplina estão em outro espaço, o que acarreta um diálogo fraco, inexpressivo desses professores com o DEPED. Resulta em aceitar a situação imposta e contentarem-se em ocupar um espaço, mesmo que mínimo, como forma de demarcar território - o que é um risco. A disciplina pode ser entendida como manual instrumental, acrítica, que cumpre um papel de oferecer ferramentas aos egressos do curso para operacionalizarem o processo de inclusão de alunos surdos no ensino comum, detentora e produtora de todo conhecimento necessário para esse fim. Nesse sentido,

algo que deve ser mencionado com cautela e que gostaria de salientar é o cuidado para não tornarmos superficial o ensino da língua de sinais, tomando uma única disciplina semestral, como manual de inclusão dos surdos na escola e na sociedade. Bem sabemos que o aprendizado de uma língua transcende a sala de aula, exigindo um contexto e contato com a cultura em questão, e mais, uma educação bilíngue pede ao professor a fluência na língua e a circulação justa das línguas envolvidas na escola de modo que ambas tenham o mesmo prestígio e rigor. (Martins, 2008, p. 195).

A assertiva provoca-nos a pensar Libras como disciplina, mas não de forma isolada no currículo, necessária como espaço de profusão da Libras e dos assuntos que circundam o surdo, suas formas de aprender e sua cultura. Exige, nesse processo, maior visibilidade e integração dentro do curso e da Instituição. O ensino na disciplina de Libras não se trata de questões apenas linguísticas e lexicais; ela tem se configurado como um apanhado muito mais amplo sobre o surdo e a educação de surdos, as concepções construídas sobre eles historicamente, a peculiaridade educativa no seu processo de instrução, sua cultura e suas relações constituídas especialmente no espaço escolar.

Os mitos e a simplificação do senso comum que são dados à Libras como força de expressão, meio de comunicação de fácil aprendizagem, são as primeiras barreiras a serem transpostas pelos docentes ao ministrarem a disciplina. A esse respeito, os professores de Libras desta pesquisa destacam suas abordagens no ensino:

Os alunos precisam aprender sobre a cultura surda, sobre os problemas familiares, sobre os problemas sociais que afetam os surdos, sobre a vida dos surdos. Por exemplo, você vai numa agência bancária, como que acontece se não tem comunicação? Se sabe um pouco de Libras, o surdo já tem uma possibilidade de conversar com o ouvinte. Então, precisa entender sobre a identidade, a história dos surdos e ver essas coisas de maneira mais positiva, melhorar. Se a gente não pensa no surdo dentro da sociedade, a gente vai ter muitas barreiras. (PL1).

Eu acho que não dá para trabalhar os sinais sem trabalhar um pouquinho do contexto histórico, porque eles têm que... nossos alunos precisam saber de onde veio a língua de sinais, qual o movimento que teve por trás para o reconhecimento da língua de sinais. (PL2).

Primeiro, eu preciso conquistar os alunos, para que eles tenham interesse em aprender Libras. Mas, também, eu preciso sensibilizar para eles perceberem quem é o surdo, para que eles tenham uma visão, para que eles tenham interesse de aprender e de se comunicar, depois a gente vai trabalhar com sinais. Se ele conhecer o surdo, fica mais fácil aprender. É uma metodologia própria, uma metodologia diferente, uma metodologia visual, eu ensino um pouco de cada, um pouco de sinais, um pouco de teoria, cultura surda, gramática da língua de sinais, identidade do surdo, como ela se constrói, eu penso que o principal é conhecer o surdo, como trabalhar com ele. (PL3).

A disciplina desafia-se na busca de contribuir para que os acadêmicos constituíam sua identidade de professores, o que está permeado de conhecimento do senso comum sobre surdez, conhecimento socialmente construído, que é balizado pela concepção médica da surdez, cujo discurso técnico é respeitado na sociedade. É contra esse discurso técnico fundamentado em uma lógica e em conhecimento instituído como legítimo que surge a atuação do docente, com uma perspectiva diferente sobre a surdez e o ser surdo.

Assim, a construção de um novo habitus demanda tempo, exige persistência para sua constituição. Lembramos que o habitus não é fechado, tampouco destino (Bourdieu & Passeron, 2008). Os docentes de Libras têm a percepção de que não se trata apenas de língua para ensinar − o que já representaria muito a ser trabalhado − mas de aproximar os acadêmicos do “ser surdo”, suas vivências, suas lutas, suas barreiras, sua história, sua trajetória educacional. Isso nos remete a lembrar da dificuldade em aprofundar os temas com uma carga horária limitada. Os docentes acreditam que a sensibilização é um fator importante para “congregar adeptos” às questões do surdo. No entanto, a sensibilização como um fator de ordem externa consegue realmente mobilizar os alunos à causa?

O fato de a disciplina de Libras não ensinar necessariamente a Libras, e sim sobre a língua de sinais com vocabulário instrumental e sobre os surdos, se configura desta forma por ela estar imersa no campo discursivo da inclusão. Efetivamente, o que a disciplina de Libras faz é familiarizar o professor para tirar o surdo do campo do desconhecido, para aproximar ele do conhecido, e incluí-lo. Assim, ficam diminuídos os riscos da exclusão. Conhecer para incluir. Incluir para governar. (Santos, 2016, p. 228).

A autora provoca-nos a uma reflexão. A disciplina está construída pensando no surdo no espaço da inclusão escolar, no discurso inclusivo que temos nos documentos oficiais e que, em grande maioria, são questionados pela comunidade surda, por nem sempre considerarem as reivindicações de políticas linguísticas bilíngues nesse espaço. No contexto inclusivo, o surdo é percebido como sujeito da Educação Especial − deficiente − e não como sujeito linguística e culturalmente diferente (Jesus, 2016; Lodi, 2013).

Assim, o modo como a disciplina está organizada e a grande quantidade de conhecimentos tratados torna difícil a sua profundidade. Além disso, temos assumida pela disciplina a responsabilidade de atender à complexa missão de formar o pedagogo para atuar com o surdo incluído no ensino comum, no cenário descrito anteriormente. Pensar a disciplina apenas como ensino da língua a deixa frágil, pois é evidente, pelos estudos apresentados neste texto e em nossa constatação, que não é possível aprender Libras com fluência em um ano letivo, e isso pode frustrar tanto os alunos quanto os professores da disciplina. Assim, urge a necessidade de repensar a disciplina, os conhecimentos nela organizados para os fins desejados, e quais são esses fins, além de pensar e elaborar a disseminação da Libras no espaço acadêmico para além da disciplina.

4 Considerações finais

Neste estudo, a partir do objetivo de analisar o espaço ocupado pela disciplina de Libras no currículo de um curso de Licenciatura e qual sua competência formativa para o futuro professor, o percurso investigativo destacou o movimento de reconhecimento da Libras e a contextualização das transformações sociais, políticas e históricas que nos permitiram chegar a esse momento que a Libras se torna componente curricular no Ensino Superior. Mais especificamente, analisou-se o curso de Pedagogia de uma universidade pública estadual, no Paraná, e como é possível engendrar a disciplina de Libras nesse contexto.

Inegavelmente, as relações hierárquicas dos saberes, isto é, o valor que o conhecimento de uma área tem sobre a outra, foram reveladores e preponderantes para compreendermos que não basta a imposição legal para que se modifique ou crie um espaço para o reconhecimento do valor de uma determinada disciplina no currículo. Há relações de poder, capitais e campos envolvidos, que irão influenciar e determinar a construção curricular e o valor desse conhecimento no campo acadêmico. O valor que é dado para essa ou aquela disciplina indica também com quais características se espera formar o egresso. Há disposições nos documentos oficiais que dão indicações sobre o currículo, mas há autonomia universitária que permite a configuração do curso atrelado à realidade local. Pensar em currículo implica assumirmos que há uma luta silenciosa, travada por espaço e prestígio dentro do campo acadêmico, que irá repercutir na sua constituição.

Nesse contexto, a disciplina de Libras ocupa um espaço que foi conquistado pelo Movimento Surdo, que busca, entre outras coisas, políticas de reconhecimento linguístico-cultural. A essa disciplina tem-se atribuído um papel de formadora do pedagogo, habilitando-o a ensinar o aluno surdo que pode “vir a ter” em sua sala de aula comum. A responsabilidade atribuída à Libras é muito grande para as condições que ela tem dentro do curso. E outros estudos têm apontado que essas condições se replicam em muitas outras universidades brasileiras.

Pensar a disciplina e os conhecimentos de que ela trata se apresentou como necessidade de primeira ordem, pois a disciplina está atrelada ao discurso da inclusão, que historicamente aos surdos tem se apresentado insuficiente, como ambiente de instrução monolíngue. Tal constatação não altera a realidade brasileira de termos a inclusão como bandeira desde os anos de 1990, mas precisamos questionar qual a melhor adequação desse processo. Isso requer ser revisto e reivindicado constantemente. O Movimento Surdo o tem feito de modo aguerrido. Nesse contexto, a disciplina de Libras tem a tarefa de aproximar o pedagogo do surdo; como esse aluno surdo no ensino comum aprende e como ensiná-lo perpassa pela língua, mas necessita de metodologias específicas. Desse modo, com que carga-horária todos esses elementos seriam mais bem contemplados durante a formação inicial? Essa questão foi recorrente na pesquisa e urge ser debatida no curso. Não se espera que a discussão seja levantada por outros agentes que não os docentes da disciplina, e a articulação entre eles mostra-se como uma possível estratégia para ocupar espaços. Observamos que o papel do professor de Libras tem nuances ímpares, mas o fato de sentirem-se pouco valorizados, atrelado ao descaso ou pouco interesse dos demais agentes da Universidade sobre a Libras e o surdo, foi um item de destaque nas análises dos dados produzidos.

A dificuldade, em especial dos professores surdos, em darem continuidade à sua formação stricto sensu, e, com isso, a pouca existência de capital institucionalizado que lhes confiram maior participação e mobilidade no campo acadêmico na construção do capital simbólico, é uma situação real e pode ser um dos fatores que explicaria a conjuntura e a desvalorização desses docentes no ambiente acadêmico. Atrelados a isso, temos confrontos internos dentro da comunidade surda, a tensão entre surdos e ouvintes fluentes em Libras e a especificidade para ser professor de Libras no Ensino Superior.

De um lado, se o mérito para assumir a disciplina calca-se na questão de ser nativo da língua, os surdos apresentam prioridade. Por outro lado, se o mérito se apoia nas conquistas acadêmicas, produções e titulações, os ouvintes apresentam maiores possibilidades de assumirem a disciplina. Essas questões internas do grupo repercutem com o seu enfraquecimento para avançar em proposições e iniciativas dentro da Universidade. Jogar o jogo no campo acadêmico necessita de estratégia de grupo para seu engendramento e consolidação como forma de fortalecer o grupo e suas lutas.

Cabe ressaltarmos que, provavelmente, a maior contribuição desta pesquisa seja desvelar os meandros que envolvem a disciplina de Libras dentro do curso de Pedagogia e como, a partir desse contexto, pensamos na disciplina em outros cursos de formação de professores. Todavia, para além disso, propomo-nos a pensar em horizontes que possibilitem repensar questões que se apresentam como barreiras para a maior contribuição da disciplina de Libras na formação do licenciado, não de modo prescritivo.

O espaço da disciplina de Libras no Ensino Superior, conquistado pelo Movimento Surdo, é importante, valoroso e precisamos otimizá-lo para configurar-se como espaço profícuo de debate e de conhecimento sobre a educação bilíngue para surdos. O espaço acadêmico é lócus para produção e disseminação de conhecimento com vistas à formação docente articulada às demandas socioeducacionais de seu entorno. Para tanto, não se pode perder de vista a indissociabilidade de suas atividades fins: ensino, extensão e pesquisa. Assim, cientes de que, na disciplina de Libras, não é possível adquirir fluência na língua, cumpre pensar a Libras como ela é: língua.

Desse modo, requer-se que elaboremos outras frentes de atuação dentro do espaço acadêmico. A Universidade poderia conceber a oferta regular de cursos de Libras, em módulos que avançassem na aprendizagem e na fluência da língua, como ocorre em qualquer curso de idiomas. Nesse espaço, os próprios acadêmicos teriam oportunidade de aprofundar as noções básicas aprendidas em sala de aula, tratando-se, portanto, de um programa permanente institucional.

Trazer a Libras para o centro da discussão impõe a necessidade de torná-la pauta nas atividades e nas discussões internas da Instituição, tarefa inicial dos profissionais da educação de surdos que atuam na Universidade, mas que não se restringe a eles, pois a voz precisa ser institucional. Para isso, os profissionais da área, engendrando forças e ações conjuntas, podem contribuir para alterar a situação que é recorrente nas falas dos professores de Libras: a desvalorização da Libras e dos seus docentes.

4A Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi legalmente reconhecida pela Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002. Na sequência, o Decreto no 5.626 de 22, de dezembro de 2005, regulamenta-a e sobre ela dispõe.

5“As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instrução é a Libras e a Língua Portuguesa é ensinada como segunda língua, após a aquisição da primeira língua; essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios e nelas devem atuar professores bilíngues, sem mediação de intérpretes na relação professor - aluno e sem a utilização do português sinalizado”. (Brasil, 2014, p. 3).

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Recebido: 17 de Maio de 2020; Revisado: 15 de Julho de 2020; Aceito: 24 de Julho de 2020

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