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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.27  Marília  2021  Epub 02-Mar-2021

https://doi.org/10.1590/1980-54702021v27e0105 

Relato de Pesquisa

Ensino de Relações Numéricas Por Meio da Equivalência de Estímulos para Crianças com Transtorno do Espectro do Autismo2

Teaching Number Relationships Through Stimulus Equivalence to Children with Autism Spectrum Disorder

Alessandra Daniele Messali PICHARILLO3 
http://orcid.org/0000-0003-0212-8027

Lidia Maria Marson POSTALLI4 
http://orcid.org/0000-0001-7560-697X

3Mestra em Educação Especial. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos/São Paulo/Brasil. E-mail: picharilloalessandra@gmail.com.

4Doutora em Educação Especial. Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). São Carlos/São Paulo/Brasil. E-mail: lidiapostalli@ufscar.br.


RESUMO:

Este estudo teve como objetivos avaliar os efeitos do ensino das relações entre número ditado, número arábico e quantidade, utilizando um procedimento informatizado de emparelhamento com o modelo (matching-to-sample - MTS), baseado no paradigma de equivalência de estímulos, e avaliar a generalização por meio do emprego de materiais manipuláveis com alunos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Participaram do estudo cinco alunos com TEA, com idade entre 4 e 10 anos. Foram utilizados um delineamento de pré- e pós-teste para avaliar a generalização e um delineamento de múltiplas sondagens entre grupos de estímulos. O procedimento contou com a etapa de ensino de relações entre numeral ditado e numeral arábico (AB) e entre numeral ditado e quantidade representada por cartão de círculos (AC), seguido dos testes de transitividade (relação entre numeral arábico e quantidade BC e entre quantidade e numeral arábico CB) para cada um dos três grupos de estímulos. Antes e após o ensino e teste de cada grupo de estímulos, foram avaliadas as relações AB, AC, BC e CB, empregando estímulos dos três grupos. Os resultados mostraram que os cinco participantes aprenderam as relações ensinadas AB e AC e formaram classes de equivalência, apresentando a emergência das relações BC e CB. No teste de generalização (AD e BD), quatro participantes apresentaram percentagem acima de 75% de acertos nas relações número impresso-quantidade e número ditado-quantidade. Os dados replicaram e ampliaram os resultados do paradigma de equivalência de estímulos como um recurso para o ensino de relações entre número ditado, numeral arábico e quantidade com crianças com TEA.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino informatizado; Equivalência de estímulos; Matemática; Transtorno do Espectro do Autismo

ABSTRACT:

This study aimed to evaluate the effects of teaching the relationships between dictated number, Arabic number and quantity, employing the matching to sample procedure (MST), based on stimulus equivalence paradigm, and to evaluate the generalization through the use of manipulable materials with students with Autism Spectrum Disorder (ASD). Five students with ASD participated in this study, from 4 to 10 years old. A pre- and post-test design was used to evaluate the generalization, as well as multiple probes across groups of stimuli design. The procedure included the teaching of the relationships between dictated numbers and Arabic numbers (AB) and between dictated numbers and quantity represented by circles (AC), followed by transitivity tests (Arabic numbers and quantity relation - BC; and quantity and Arabic numbers relation - CB) for each of the three stimuli groups. Before and after teaching and testing each stimuli group, the AB, AC, BC and CB relations were evaluated using stimuli from the three groups. The results showed that the five participants learned the AB and AC relationships taught and formed equivalence classes, presenting the emergence of BC and CB relationships. In the generalization test (AD and BD), four participants had a percentage above 75% of correct answers in the number-printed-quantity and number-dictated-quantity relationships. The data replicated and expanded the results of the stimulus equivalence paradigm as a resource for teaching relationships between dictated numbers, Arabic numbers and quantity with children with ASD.

KEYWORDS: Computerized teaching; Stimulus equivalence; Mathematics; Autism Spectrum Disorder

1 Introdução

A dificuldade na disciplina de matemática é comum entre os alunos (Carmo & Prado, 2004), o que sugere a necessidade dos repertórios matemáticos serem trabalhados desde a primeira infância, com vistas a evitar que dificuldades consideradas mais simples se aglutinem a novos conteúdos, dificultando cada vez mais o desenvolvimento em alfabetização matemática (Sunde & Pind, 2016). Assim sendo, esta pesquisa visou investigar estratégias de ensino de relações matemáticas para alunos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), utilizando como respaldo teórico os princípios da Análise do Comportamento. Empregou-se o paradigma da equivalência de estímulos como um modelo para ensino de comportamento simbólico (Sidman, 1994, 2000).

Estudos conduzidos que utilizaram o paradigma da equivalência de estímulos no ensino de diferentes habilidades matemáticas (por exemplo, relação entre número-quantidade, habilidades monetárias, habilidades geométricas, frações, resoluções de problemas aritméticos) e com diferentes públicos (por exemplo, crianças pequenas com desenvolvimento típico, pessoas com deficiência intelectual, pessoas com atraso no desenvolvimento, surdos, crianças com autismo) mostraram resultados promissores na aprendizagem de repertórios matemáticos (Dixon et al., 2016; Donini & Micheletto, 2015; Elias & Angelotti, 2016; Escobal et al., 2010; Garcia et al., 2017; Gast et al., 1979; Haydu et al., 2006; Haydu et al., 2010; Keintz et al., 2011; Lynch & Cuvo, 1995; Magalhães et al., 2016; McDonagh et al., 1984; Monteiro & Medeiros, 2002; Rossit & Zuliane, 2003; Santos et al., 2009; Stoddard et al., 1989; Trace et al., 1977).

Ao considerarem o ensino de habilidades matemáticas básicas, Donini e Micheletto (2015) analisaram se valores numéricos menores - entre um e três - e valores numéricos maiores - entre sete e nove - produziriam diferenças em uma amostra de desempenho de três crianças (entre 6 e 9 anos) diante de atividades que testaram relações comportamentais entre estímulos e respostas componentes de repertórios matemáticos elementares. As atividades de emparelhamento de identidade ou arbitrário envolviam relações entre estímulos modelo e comparação (figuras, conjunto de figuras, algarismos, instruções orais) e respostas de selecionar estímulos comparação, de construir conjuntos ou sequências; e atividades que envolviam respostas de tatear número de figuras e respostas textuais diante de algarismos. Os resultados mostraram que os participantes apresentaram maior número de acertos nas atividades que envolviam números menores do que as atividades que envolviam valores maiores. As autoras destacaram que os dados sugerem que o ensino deve iniciar por valores numéricos menores e que dimensões irrelevantes de estímulos podem exercer controle sobre as respostas do aprendiz, sendo importante o planejamento de diferentes atividades em que a dimensão relevante - o número - seja mantida e dimensões irrelevantes sejam variadas.

O estudo de Keintz et al. (2011) trabalhou com crianças com TEA no ensino de habilidades monetárias utilizando a equivalência de estímulos. Os participantes foram dois meninos com idade de 6 anos e diagnóstico de TEA. Os estímulos foram nome da moeda ditado (A), moeda real (B), preço impresso (C), preço ditado (D). Foram ensinadas, por meio do procedimento de emparelhamento com o modelo, as relações AB, BC, DC em sessões separadas e, depois, em sessões mistas. Antes (pré-teste) e depois (pós-teste), foram avaliadas as relações entre estímulos AC, CB, DB e as relações entre estímulos e respostas, BE e DE (E- nome da moeda falado pelo participante), AF e CF (F - preço falado pelo participante).

Os resultados mostraram que um participante (Paul) realizou 63, 54 e 45 tentativas para atingir o critério de aprendizagem das relações AB, BC e DC, respectivamente; e o outro participante (Dennis) realizou 9, 72 e 72 tentativas até o critério de aprendizagem nas relações AB, BC e DC, respectivamente. No pós-teste, Paul apresentou a emergência de sete novas relações condicionais, e Dennis apresentou quatro novas relações condicionais (AC, CB, DB e BE), não ensinadas diretamente. Os autores destacaram que os resultados sugerem que a aplicação da tecnologia da equivalência de estímulos pode facilitar o domínio de habilidades consideradas essenciais para o uso funcional do dinheiro (relacionar moedas com seus valores e nomes), demonstrando um caminho econômico para o ensino.

O estudo conduzido por Garcia et al. (2017), com três alunos com TEA, teve como objetivo avaliar a eficácia de um procedimento de ensino informatizado, empregando tarefas de emparelhamento com o modelo, para ensino da relação número-quantidade. Também foi avaliada a generalização para nomeação dos estímulos. Participaram P1, um menino de 11 anos com diagnóstico de TEA clássico; P2, um menino de 10 anos com diagnóstico de TEA; e P5, um menino de 8 anos com diagnóstico de deficiência múltipla. As relações ensinadas foram entre palavra ditada (A) e numeral (B) e entre palavra ditada (A) e quantidade (C); e foram avaliadas as relações BC, CB, BA’ e CA’ (A’ resposta emitida pelo aluno - palavra falada). Foram empregados três grupos de estímulos compostos por três números (de 1 a 9, na ordem crescente). Os três participantes realizaram uma avaliação de preferência para identificar o vídeo de maior preferência e um pré-treino para familiarização com a condição informatizada de ensino. O procedimento experimental era composto por blocos de 12 tentativas. Cada grupo de estímulos foi conduzido seguindo as etapas: 1) ensino das relações AB até critério de 100% de acertos; 2) ensino das relações AC até critério de 100% de acertos; 3) teste de relações emergentes BC e CB (seis tentativas de equivalência BC ou CB em extinção e seis tentativas de linha de base consequenciadas diferencialmente); 4) teste de generalização (nomeação de estímulos dos conjuntos B e C).

Diante de respostas corretas, o vídeo de preferência era apresentado de três a quatro segundos e, diante de resposta incorreta, era apresentada uma tela preta. Os resultados mostraram que o participante P5 aprendeu ou melhorou o desempenho nas relações ensinadas e formou classes de estímulos equivalentes para os dois primeiros grupos de estímulos; para o terceiro grupo de estímulos (7, 8 e 9), o participante apresentou 100% de acertos na maioria das tentativas da relação AB e desempenho oscilante, sem atingir critério, no ensino das relações AC apresentadas apenas em bloco misto das relações AB e AC (devido ao final do ano letivo).

O participante P1 realizou o ensino e teste para o primeiro grupo de estímulos (1, 2 e 3) e apresentou emergência das relações para os demais grupos sem o ensino direto. O participante P2 apresentou altos desempenhos nas relações a serem ensinadas já no pré-teste, melhorando o desempenho até critério na etapa de ensino e formando classes de estímulos equivalentes com o primeiro grupo (1, 2 e 3); com o segundo grupo de estímulos (4, 5 e 6), o participante realizou a etapa de ensino atingindo critério apenas na relação AB, seguindo para avaliação da emergência das relações não ensinadas diretamente, apresentando emergência das relações (BC e CB); e, para o terceiro grupo de estímulos, não foi realizado o ensino. Na avaliação de nomeação do número (BA’) e nomeação da quantidade (CA’), os três participantes apresentaram percentagens igual ou superior a 90% de acertos. Os autores indicaram que os desempenhos apresentados pelos participantes, principalmente nas tarefas das relações AC para o Grupo 3 de estímulos para P5 e Grupo 2 para P2, podem estar relacionados à habilidade de contagem, discriminação dos elementos em determinadas ordens, a perda do valor reforçador dos vídeos, e, ainda, podem ser relacionados aos comportamentos característicos do TEA.

Em busca de ampliar os achados, foi conduzida uma replicação sistemática do estudo de Garcia et al. (2017) com crianças com autismo mais novas e, também, foram manipulados o número de tentativas, as consequências diferenciais e as relações de generalização (de nomeação da quantidade para seleção da quantidade correspondente). Assim, o presente estudo teve como o objetivo avaliar os efeitos do ensino das relações entre número ditado, número arábico e quantidade, utilizando um procedimento informatizado de emparelhamento com o modelo (matching-to-sample - MTS), baseado no paradigma de equivalência de estímulos. O intuito foi avaliar a generalização empregando materiais manipuláveis.

2 Método

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A condução da pesquisa foi realizada com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo responsável pelo aluno e concordância do próprio participante pelo Termo de Assentimento Livre Esclarecido. A seguir, serão descritas informações sobre os participantes; ambiente experimental, materiais e equipamentos; delineamento experimental; procedimento de ensino e acordo entre observadores.

2.1 Participantes

Participaram deste estudo cinco crianças entre 4 e 10 anos com TEA, sendo três matriculadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escola de ensino regular e todos em Atendimento Educacional Especializado em Instituição de Ensino Especializada. A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes: identificação, sexo, idade, idade PPVT-R (Peabody Picture Vocabulary Test) (Dunn & Dunn, 1981), Nível do ABLA-R (Assessment of Basic Learning Abilities - Revised) (Kerr et al., 1977), CARS (Childhood Autism Rating Scale) (Schopler et al., 1986) e PRAHM (Protocolo de Registro e Avaliação das Habilidades Matemáticas) (Costa et al., 2017).

Tabela 1 Caracterização dos participantes 

Participantes Sexo Idade (anos: meses) Ano escolar PPVT-R ABLA-R (1) CARS (2) PRAHM % (3)
Tiago M 4a 9m Ed. Infantil 4a 10m 5 22,5 35,30
Laura F 6a 6m 1º ano 6a 7m 6 28,5 32,35
Ana F 7a 10m ** 7a 10m 2 32 41,20
Lucas M 8a 11m 4º ano 8a 11m 6 32 38,20
Miguel M 10a 4m ** 10a 5m 4 33 *

Nota.

*Não foi possível aplicar o instrumento com esse participante, visto que as questões exigiam respostas orais.

**Esses alunos frequentavam apenas a Instituição Especializada. 1. Classificação ABLA-R em seis níveis: imitação, posição, visual simples, visual-visual, visual-visual arbitrária e auditivo visual. 2. CARS: ponto de corte 30 pontos, sendo considerado leve e moderado na pontuação entre 30 e 36m e considerado grave na pontuação acima de 37.3. PRAHM: composto por 34 atividades: habilidade de contagem, produção de sequência, habilidades pré-aritméticas e reconhecimento de figuras geométricas.

Para participação na pesquisa, as crianças deveriam seguir instruções simples e apresentar desempenho inferior a 60% de acertos no teste com material manipulável realizado para avaliar a relação número-quantidade.

2.2 Ambiente experimental, materiais e equipamentos

Foram utilizados mesa, cadeiras e um computador portátil para coleta de dados realizada na instituição em que o participante frequentava. Durante as sessões de ensino e de teste, o participante sentou-se em uma cadeira, em frente ao computador, e a pesquisadora, à esquerda e atrás dele. O programa computacional utilizado para programar, apresentar os estímulos, as consequências, registrar as respostas e armazenar os dados foi o Contingência Programada (Hanna et al., 2014). Para emitir as respostas de seleção aos estímulos apresentados na tela do computador, as crianças utilizaram um mouse modelo Bigtrack, no qual o roler na parte superior pode ser movido com a palma da mão, e o clicar realizado pressionando um botão.

No teste com material manipulável, foram utilizadas nove peças de madeira na forma de paralelepípedo na cor azul e medindo 9cm x 1cm x 1cm (ver Tabela 2) e nove cartões com numerais de um a nove impressos em fonte Calibri (corpo), tamanho 140, na cor preta, em papel sulfite.

Tabela 2 Estímulos experimentais 

Conjunto Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3
Números ditados (A) "Um" "Dois" "Três" "Quatro" "Cinco" "Seis" "Sete" "Oito" "Nove"
Numeral arábico (B) 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Quantidade (C)
Manipulável (D)

Os itens utilizados como consequências potencialmente reforçadoras foram selecionados a partir da observação dos itens utilizados em sala de aula e por indicação da professora que já acompanhava os participantes. Por exemplo, foram utilizadas miniaturas de animais, boneca, carrinho e peças de encaixe.

2.3 Instrumentos

Para caracterização dos participantes, foram utilizados os seguintes instrumentos: para avaliação da linguagem receptiva - o PPVT-R (Dunn & Dunn, 1981); para avaliar os comportamentos associados ao TEA - a CARS (Schopler et al., 1986), preenchida pela pesquisadora, ao final do primeiro semestre; para avaliar o repertório discriminativo - o teste ABLA-R (Kerr et al., 1977); e para avaliar o repertório das habilidades matemáticas - o PRAHM (Costa et al., 2017).

2.4 Estímulos

No pré-treino, nas tarefas de discriminação visual-visual e auditivo-visual foram utilizadas três figuras (árvore, avião e balão) coloridas utilizadas em pesquisas anteriores e seus respectivos nomes. Na condição experimental, os estímulos experimentais foram os numerais ditados de um a nove (Conjunto A), numeral arábico de um (1) a nove (9) (Conjunto B) e quantidade (círculos representando a quantidade) (Conjunto C). Os estímulos foram divididos em três grupos de três estímulos, conforme Tabela 2. A Figura 1 apresenta a rede de relações entre estímulos e estímulos e respostas trabalhadas na presente pesquisa.

Nota. As setas contínuas indicam as relações ensinadas e as tracejadas indicam as relações avaliadas.

Figura 1 Rede de relações entre estímulos e estímulos-resposta 

2.5 Delineamento experimental

Foi utilizado o delineamento de pré- e pós-teste para avaliação dos desempenhos da relação número ditado e número impresso e quantidade com material manipulável. Também foi utilizado o delineamento de múltiplas sondagens (Gast & Ledford, 2010) entre os grupos de estímulos; assim, medidas da variável dependente com os três grupos de estímulos eram coletadas antes e depois do ensino de cada grupo de estímulos (variável independente).

Neste estudo, a variável independente foi o ensino das relações entre os estímulos (numeral ditado, numeral arábico e quantidade), utilizando recurso informatizado. A variável dependente foi o desempenho dos participantes nas relações ensinadas e emergentes (tanto na condição informatizada, quanto na manipulável).

2.6 Procedimento de ensino

Todas as etapas do procedimento de ensino foram conduzidas individualmente, são elas: Familiarização com os participantes e avaliação da compreensão de instruções simples e manuseio do mouse; Pré-teste com material manipulável (relações AD e BD); Avaliação com PRAHM, PPVT-R e ABLA-R; Pré-treino; Avaliação das relações entre numeral ditado, numeral arábico e quantidade (AB, AC, BC e CB); Ensino das relações condicionais (AB e AC) para cada grupo de estímulos; Testes das relações emergentes BC e CB para cada grupo de estímulos; Pós-teste com material manipulável (relações AD e BD)

Familiarização com os participantes e avaliação da compreensão de instruções simples e manuseio do mouse

Inicialmente, a pesquisadora acompanhou os participantes em atividades cotidianas escolares para familiarização. Nessa ocasião, a pesquisadora interagiu com cada criança em contexto de sala de aula, para auxiliar os alunos nas tarefas ministradas pela professora. Nesse contexto, foi realizada avaliação de seguimento de instruções simples (por exemplo, <olhe pra mim>, <aponte a figura que mais gosta>, <aponte o brinquedo que mais gosta>), e identificar se possuíam repertório de habilidades no manuseio do computador também por meio de instruções simples apresentadas pela pesquisadora (por exemplo, <pegue o mouse>, <clique na figura que mais gosta>, <clique no brinquedo que mais gosta>). A avaliação demonstrou a necessidade do emprego do mouse adaptado Bigtrack.

Pré-teste com material manipulável (relações AD e BD)

Foi realizado um pré-teste para avaliar o repertório de quantidade diante do número arábico (Conjunto B) e diante do número ditado (Conjunto A). Cada tentativa foi iniciada com a pesquisadora posicionando na mesa o cartão com a representação numérica e solicitando que o participante pegasse a quantidade de blocos correspondentes <Pegue "mostrando o cartão com a quantidade"> (BD), ao mesmo tempo estendia a mão esquerda aberta, indicando que a quantidade selecionada era para ser depositada sobre a palma da mão. A tentativa era encerrada quando o participante parava de adicionar blocos. Posteriormente, foi solicitado oralmente pela pesquisadora que o participante pegasse uma quantidade correspondente de blocos <Pegue ‘número’ blocos> (AD), de maneira análoga estendia a mão, indicando onde os blocos deveriam ser colocados. A tentativa encerrava-se quando o participante parava de colocar blocos. Se o participante não respondesse dentro de 5 segundos, a instrução era repetida por até cinco vezes. Os nove blocos do material manipulável estavam dispostos sobre a mesa ao alcance da criança. As tarefas foram intercaladas e solicitadas duas tentativas com cada número para cada uma das tarefas, totalizando 36 tentativas. Respostas corretas e incorretas foram seguidas de um intervalo entre tentativas de 5 segundos e a apresentação da próxima tentativa.

Avaliação com PRAHM, PPVT-R e ABLA-R

Os instrumentos PRAHM, PPVT-R e ABLA-R foram aplicados individualmente e em sala de aula, com a pesquisadora sentada de frente para o aluno. O aluno permaneceu em seu lugar habitual.

Pré-treino

O pré-treino teve como objetivo familiarizar os participantes com as tarefas de emparelhamento com o modelo bem como desenvolver a habilidade de manuseio do mouse adaptado. Nas tarefas de emparelhamento com o modelo de identidade, foram apresentadas três figuras (árvore, avião e balão) como estímulos de comparação alinhadas na parte inferior da tela e uma figura no centro e meio da tela como estímulo modelo. A resposta esperada do participante era a escolha do estímulo de comparação idêntico ao estímulo modelo. Na tarefa de emparelhamento com o modelo auditivo-visual, o estímulo auditivo era apresentado e repetido a cada 3.000 milissegundos, simultaneamente aos três estímulos visuais presentes alinhados na parte inferior da tela do computador.

A instrução para clicar sobre a figura correspondente foi dada pela pesquisadora na primeira tentativa. A resposta esperada do participante era a seleção do estímulo visual correspondente ao estímulo auditivo. O ensino das relações foi realizado separadamente em bloco composto por 18 tentativas, sendo seis tentativas com cada estímulo, distribuído semi-randomicamente. Diante de respostas corretas, foi apresentado um smile por 1.500 milissegundos no centro da tela do computador e para respostas incorretas foi a apresentação de um smile chorando por 1.500 milissegundos. Para além das consequências programadas no computador, a pesquisadora apresentava consequências sociais para acerto (por exemplo, <muito bem!>, <parabéns!>, <isso mesmo!>, palmas, toques de mão) e erro (por exemplo, <ah, que pena>, <parece que não estava certo>), em todas as tentativas. O critério para passar para a próxima tarefa foi de 88,9% de acertos. Caso o participante não atingisse o critério, o bloco foi repetido no máximo três vezes em uma mesma sessão.

Avaliação das relações entre numeral ditado, numeral arábico e quantidade

Antes e após o ensino de cada grupo de estímulos, foram conduzidas avaliações das relações AB (numeral ditado - número arábico), AC (numeral ditado - quantidade), BC (numeral arábico - quantidade) e CB (quantidade - numeral arábico) empregando o procedimento de emparelhamento com o modelo. Essa avaliação teve como objetivo verificar os efeitos do ensino entre os grupos de estímulos e a manutenção do desempenho após o ensino (medidas para o delineamento de múltiplas sondagens).

Nessa avaliação, foram utilizados os estímulos dos três grupos (de um a nove). Cada relação foi avaliada separadamente em um bloco de 18 tentativas, sendo duas tentativas com cada estímulo em cada bloco. A avaliação contou com a apresentação dos blocos na seguinte ordem: AB, AC, BC e CB. Nas relações AB e AC, o estímulo modelo auditivo foi apresentado simultaneamente aos estímulos visuais (numeral arábico ou quantidade) apresentados alinhados na parte inferior da tela. Nas relações BC e CB, foi exigida resposta de observação ao estímulo modelo, ou seja, foi apresentado apenas o estímulo modelo no centro da tela do computador, e o participante deveria clicar no estímulo. Após emitir a resposta de observação, os três estímulos de comparação foram apresentados alinhados na parte inferior da tela do computador na presença simultânea do estímulo modelo. Os estímulos dos três grupos foram utilizados como estímulos de comparação para os estímulos modelo; desse modo, em uma tentativa em que o estímulo modelo era o número 1 (Grupo 1), poderiam ser apresentados como estímulos negativos o número 4 (Grupo 2) e o número 7 (Grupo 3). Não foram programadas consequências diferenciais para acerto e erro.

Ensino das relações condicionais (AB e AC) para cada grupo de estímulos

Inicialmente, foi conduzido o ensino das relações AB (numeral ditado - numeral arábico) com os estímulos do Grupo 1 (1, 2 e 3) em blocos com 18 tentativas, sendo seis tentativas com cada relação (A1B1, A2B2 e A3B3). Os estímulos de comparação eram os elementos do mesmo grupo de estímulos, ou seja, 1, 2 e 3 representados pelos estímulos dos conjuntos A, B e C. O critério exigido foi de, pelo menos, 77,8% de acertos (quatro erros) em um bloco. Foram programadas consequências diferenciais para acerto (smile) e para erro (smile chorando) e consequência social da pesquisadora apresentadas em todas as tentativas. Caso o participante não atingisse o critério, o bloco foi reapresentado com uma nova ordem de apresentação dos estímulos modelo e de comparação. O número máximo de repetições do bloco foi de cinco vezes em uma mesma sessão, caso não atingisse critério a sessão era encerrada e retomada em outro dia.

Após atingir o critério, o participante realizava o ensino das relações AC com a mesma estrutura e critério empregados para ensino da relação AB. Após o alcance de critério de desempenho nas relações AC, foi introduzido o ensino das relações AB e AC com tentativas randomicamente intercaladas. Um bloco foi composto por 18 tentativas sendo duas tentativas com cada relação (A1B1, A2B2, A3B3, A1C1, A2C2, A3C3), e o critério de acerto exigido foi de 88,9% (dois erros) em um bloco.

Testes das relações emergentes BC e CB para cada grupo de estímulos

Após atingir o critério de aprendizagem nas relações AB e AC, foi conduzido o teste de relações emergentes BC e CB. Os testes de BC e CB foram conduzidos separadamente. O teste foi composto por doze tentativas de linha de base (seis tentativas das relações AB e seis das relações AC) e seis tentativas de teste das relações BC ou CB. Para esse teste, as tentativas de linha de base e as tentativas de teste foram programadas utilizando os elementos do mesmo grupo de estímulos; assim, os estímulos modelo e de comparação eram do Grupo 1. As relações de linha de base foram consequenciadas diferencialmente e para as tentativas de testes não foram apresentadas consequências diferenciais. Foi conduzido um bloco com cada relação avaliada. Se o desempenho do participante fosse inferior a 88,9% de acertos nas tentativas de teste, o participante realizava novamente o ensino das relações AB e AC e recondução dos testes. Atingindo o critério, o participante realizava a avaliação das relações entre numeral ditado, numeral arábico e quantidade com os três grupos de estímulos. A Figura 2 ilustra uma tentativa de ensino das relações AB e AC e de teste de relações emergentes BC e CB (painel superior) e as consequências para acerto e erro e finalização do bloco (painel inferior).

Figura 2 Ilustração de uma tentativa de ensino das relações AB e AC E de Teste de relações emergentes BC e CB (painel superior) e as consequências para acerto e erro e finalização do bloco (painel inferior).  

Os dois demais grupos de estímulos foram conduzidos com as mesmas etapas de ensino e teste.

Pós-teste com material manipulável (relações AD e BD)

Após completar o ensino dos três grupos de estímulos, foi conduzido o pós-teste com material manipulável. O número de tentativas e instruções para realização da tarefa foram semelhantes ao pré-teste. Em relação à consequência apresentada e ao critério de correção de resposta, após emissão da resposta pelo participante (seleção e entrega da quantidade de blocos manipuláveis na palma da mão da pesquisadora), a pesquisadora questionava a quantidade apresentada <tem essa ‘cartão’ quantidade aqui> para a tentativa com o estímulo dos cartões (relação BD), e <tem ‘número’ aqui> para a tentativa com estímulo auditivo (relação AD). A resposta considerada correta foi a apresentada por último, podendo ou não ter sofrido correção por parte do participante. A alteração na condução do teste não foi programada; entretanto, ao ser conduzida pela pesquisadora com o primeiro participante que realizou a avaliação, ela foi mantida para os demais.

2.7 Acordo entre observadores

Os testes com materiais manipuláveis foram filmados em 100% de sua duração, sendo submetidos à análise 80% desse conteúdo, para estabelecimento de coeficiente de concordância entre observadores, utilizando a fórmula de Kazdin (1982): número de acordos, divididos pelo número total de acordos e desacordos, multiplicado por 100. Os cálculos indicaram 100% de concordância entre observadores.

3 Resultados

No pré-treino, quatro dos cinco participantes necessitaram uma sessão da relação de identidade visual-visual. O participante Tiago respondeu ao critério exigido após três sessões. Na relação arbitrária auditivo-visual, as participantes Laura e Ana realizaram uma sessão até atingir o critério. O aluno Tiago realizou duas sessões e o aluno Miguel realizou 13 sessões até atingir o critério. Para o participante Lucas, os estímulos foram alterados para palavras com duas sílabas e com sonoridade distinta (bola, trem e carro). Após a alteração, o participante atingiu o critério de aprendizagem realizando cinco sessões.

A Figura 3 apresenta a percentagem de acertos nas relações ensinadas e nas relações emergentes de cada grupo de estímulos e nas avalições com os três grupos de estímulos. Observa-se na avaliação inicial (antes do ensino), que, de modo geral, os cinco participantes apresentaram percentagens de acertos baixas ou intermediárias (16,7% e 66,7%) nas relações avaliadas (AB número ditado-número arábico, AC número ditado-quantidade, BC número arábico-quantidade e CB quantidade e número arábico) para os três grupos de estímulos, exceto pelo desempenho de três participantes (Tiago, Laura e Miguel) que apresentaram percentagens iguais ou superiores a 83,3% de acertos na relação AB para o primeiro grupo de estímulos.

Nota. As linhas pontilhadas marcam as avaliações gerais entre grupos de estímulos.

Figura 3 Porcentagem de acertos nas relações ensinadas e avaliadas durantes o procedimento, antes e depois do ensino 

No ensino das relações AB e AC e teste de relações emergentes para cada grupo de estímulos, verifica-se variabilidade no desempenho entre participantes e entre os grupos de estímulos: Tiago completou a etapa realizando poucas sessões de ensino com os três grupos de estímulos (seis sessões G1, cinco G2 e quatro G3). A participante Laura necessitou repetir o ensino após o primeiro teste de relações emergentes para o primeiro grupo de estímulos (sete e três sessões de ensino, respectivamente) e duas repetições de ensino para o segundo grupo de estímulos (cinco, quatro e três sessões, respectivamente), até atingir o critério de aprendizagem; para o terceiro grupo de estímulos, Laura realizou quatro sessões de ensino para atingir o critério exigido e apresentou percentagens iguais ou superiores a 83,3% de acertos nas relações emergentes.

Ana necessitou de um número maior de sessões de ensino para o primeiro grupo de estímulos (10 sessões), completando as etapas com os dois demais grupos com um número menor de sessões (seis G2 e quatro G3). O participante Miguel completou o ensino e teste do grupo de estímulos 1 com o número mínimo de sessões (o participante já apresentava altos desempenhos na avaliação inicial); para o ensino e teste do Grupo 2, o participante necessitou repetir o ensino após o primeiro e segundo testes de relações emergentes (realizou seis sessões de ensino em cada); e completou o ensino com oito sessões do grupo de estímulos 3, necessitando de mais blocos de ensino para relação AC. Lucas necessitou de um número maior de sessões de ensino para o primeiro grupo de estímulos (10 sessões), completando as etapas com os dois demais grupos com um número menor de sessões (sete sessões no G2 e cinco no G3).

Na avaliação com os três grupos de estímulos realizada após o ensino do primeiro grupo de estímulos, verifica-se que os cinco apresentaram percentagens iguais ou superiores a 83,3% de acertos para relações avaliadas (AB, AC, BC e CB) para o grupo de estímulos ensinado e percentagens inferiores a 66,7% de acertos nas relações dos dois demais grupos de estímulos. Na avaliação com os três grupos de estímulos realizada após o ensino do segundo grupo, verifica-se que os cinco apresentaram percentagens iguais ou superiores a 83,3% de acertos para relações avaliadas para o grupo de estímulos ensinado, manutenção do desempenho nas relações do primeiro grupo de estímulos, e percentagens inferiores a 66,7% de acertos nas relações do terceiro grupo de estímulos. Na última avaliação com os três grupos de estímulos realizada após o ensino do terceiro grupo, verifica-se que os cinco participantes apresentaram percentagens iguais ou superiores a 83,3% de acertos para relações avaliadas para o grupo de estímulos ensinado e manutenção do desempenho nas relações dos dois demais grupos de estímulos.

A Figura 4 apresenta os desempenhos nas relações avaliadas com materiais manipuláveis (relação AD numeral ditado-quantidade e BD numeral impresso-quantidade) antes e após o ensino dos três grupos de estímulos. Os três primeiros pares de barras referem-se aos desempenhos de pré- e pós-teste para cada grupo de estímulos, e o último par de barras diz respeito ao desempenho total nos três grupos de estímulos. Pode ser observado que os cinco participantes apresentaram percentagens inferiores a 50% de acertos nas duas relações avaliadas para os três grupos de estímulos no pré-teste. No pós-teste, quatro (Laura, Ana, Tiago e Miguel) dos cinco participantes apresentaram aumento no percentual de acertos nas duas relações para os três grupos de estímulos. No desempenho total, verifica-se que os participantes apresentaram entre 11% e 22% de acertos nas duas relações AD e BD no pré-teste; e igual ou superior a 77,8% de acertos em ambas as relações no pós-teste. Os resultados do participante Lucas, no pós-teste, diferiram dos demais, com desempenhos inferiores a 50% de acertos nas relações avaliadas com os três grupos de estímulos.

Figura 4 Percentagem de acertos nas relações número ditado-quantidade (AD) e número impresso-quantidade (BD) na avaliação com material manipulável no pré- (barra cinza) e no pós-teste (barra preta) para os três grupos de estímulos e no total  

4 Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo avaliar os efeitos do ensino das relações entre número ditado, número arábico e quantidade, utilizando um procedimento informatizado de emparelhamento com o modelo (MTS), baseado no paradigma de equivalência de estímulos e a generalização empregando materiais manipuláveis com alunos com TEA. Os resultados mostraram que os cinco participantes aprenderam as relações ensinadas AB e AC e formaram classes de equivalência, apresentando a emergência das relações BC e CB. Com relação à generalização com o material manipulável (relações AD e BD), quatro participantes (Tiago, Laura, Ana e Miguel) apresentaram desempenhos iguais ou superiores a 75% de acertos na avaliação final para os três grupos de estímulos.

Dos cinco participantes, três (Tiago, Laura e Miguel) já apresentavam desempenho na relação AB no início do procedimento de ensino, demonstrado no pré-teste. Ao final, os resultados mostraram manutenção do repertório dos três participantes e aquisição desse repertório pelos dois demais participantes (Ana e Lucas). Para a relação ensinada AC e as relações emergentes BC e CB, nenhum dos participantes demonstrava desempenho significativo inicial. Ao final do procedimento, todos os participantes apresentaram aquisição das relações AC, BC e CB. Estudos que utilizaram a equivalência de estímulos no ensino de habilidades matemáticas básicas, também apresentaram resultados positivos, comprovando a eficácia do procedimento de ensino empregado (Donini & Micheletto, 2015; Garcia et al., 2017). Esses resultados sugerem uma economia de processo e de tempo de ensino, uma vez que, após o ensino de poucas relações (AB e AC), os participantes apresentaram a emergência de novas relações (equivalência de estímulos, BC e CB), não ensinadas diretamente (Hübner, 2006; Gomes et al., 2010).

O uso do delineamento de múltiplas sondagens contribuiu na demonstração da relação entre a variável independente (ensino das relações entre os estímulos - numeral ditado, numeral arábico e quantidade) e a variável dependente (o desempenho dos participantes nas relações ensinadas e emergentes). Destaca-se a importância do uso de delineamentos de sujeito como seu próprio controle nas intervenções educacionais, permitindo práticas baseadas em evidências, demonstrando, assim, a efetividade dos procedimentos de ensino empregados, confiabilidade dos resultados e a replicação da intervenção (Benitez et al., 2019; Gast & Ledford, 2010; Santos et al., 2019).

Esta pesquisa ensinou e testou relações numéricas assim como o estudo de Garcia et al. (2017). Os resultados encontrados por Garcia et al. (2017) demonstraram que dois participantes (P5 e P1) aprenderam as relações ensinadas e formaram classes de estímulos equivalentes com os dois primeiros grupos de estímulos (1, 2 e 3; e 4, 5 e 6) e um participante (P2) aprendeu as relações ensinadas e formou classes de estímulos equivalentes com o primeiro grupo de estímulos e apresentou emergência das relações para os estímulos dos Grupos 2 e 3, sem necessidade de ensino direto. Os três participantes apresentaram altas percentagens de acertos nas relações avaliadas de nomeação do número e da quantidade. No presente estudo, todos os participantes aprenderam as relações ensinadas e formaram classes de estímulos equivalentes, e quatro participantes (Miguel, Laura, Tiago e Ana) apresentaram generalização na seleção de quantidade para materiais manipuláveis diante do número ditado e do número impresso.

Em relação ao procedimento de ensino, verificou-se que o número total de sessões de ensino nesta pesquisa variou entre 15 e 29; assim sendo, os participantes foram expostos entre 270 e 522 tentativas. No estudo de Garcia et al. (2017), o número de blocos apresentados variou de 18 a 41 com 12 tentativas para cada participante completar o procedimento (aquisição das relações ensinadas e emergência de relações não ensinadas diretamente). No estudo de Keintz et al. (2011), o número de tentativas até critério de aprendizado exigido variou de 153 a 162 tentativas, possibilitando a formação de classes para os dois participantes com TEA. Futuros estudos devem investir na análise da variável "número de tentativas de ensino", sugere-se, então, a replicação do presente estudo com um número menor de tentativas por bloco.

No que se refere às consequências empregadas, no estudo de Garcia et al. (2017) foi utilizado acesso a vídeos selecionados em avaliação de preferência. Neste estudo, foram utilizados smiles (triste e alegre), consequências sociais a cada tentativa, e, ao final da sessão, objetos presentes em sala de aula e sugeridos pela professora. No presente estudo, os itens utilizados como consequências potencialmente reforçadoras, ao final da sessão experimental, variaram durante o procedimento e, consequências sociais, eram potencialmente reforçadoras para os participantes, mantendo-os respondendo durante o procedimento. Essa alteração nos itens reforçadores pode ter contribuído para minimizar os efeitos encontrados por Garcia et al. (2017) em relação à perda do valor reforçador pelos itens empregados. A avaliação de itens de preferência para identificação de reforçadores pode contribuir no controle dessa variável e também na seleção de itens (Silva et al., 2017).

Em relação à avaliação de generalização com material manipulável, verificou-se que quatro participantes, Miguel, Laura, Tiago e Ana, apresentaram de 77,8% a 94,4% de acertos no pós-teste. Os resultados apresentados pelos participantes demonstraram a generalização do ensino informatizado para o teste com o material concreto apresentado. Sugere-se que estudos futuros avaliem também a relação CD entre quantidade e a seleção de itens correspondentes em material manipulável. Também se sugere que estudos futuros investiguem o uso da contagem em voz alta pelos participantes, por exemplo, nos testes de generalização, uma vez que, de acordo com a literatura, a habilidade de contagem pode auxiliar na aquisição do repertório do conceito de número (Carmo & Prado, 2004; Haydu et al., 2010; Donini & Micheletto, 2015; Monteiro & Medeiros, 2002; Schoenfeld et al., 1976).

Um outro fator que pode ter contribuído com a condução das condições experimentais refere-se às ações da professora da sala dos participantes Tiago, Laura e Miguel que permitiu a realização das atividades experimentais na própria sala dos alunos, tornando os momentos de coleta de dados mais próximos à rotina dos alunos. A professora também contribuiu com dicas de como a pesquisadora devia se posicionar com cada participante, e suas orientações aos alunos para que realizassem a atividade com a pesquisadora criaram condições ambientais que permitiram que o procedimento de ensino ocorresse dentro do planejamento. O trabalho desenvolvido entre a professora e a pesquisadora aproxima-se do trabalho colaborativo. Conforme destacado por Mendes et al. (2014), o trabalho colaborativo de professores em uma mesma turma, em que se apresente diálogo, respeito e planejamento conjunto da rotina, favorece o desenvolvimento dos alunos frente às atividades.

Por fim, os dados obtidos no presente estudo demonstraram que o paradigma de equivalência pode ser um recurso a ser utilizado para o ensino relações entre número ditado, numeral arábico e quantidade. Estudos futuros devem investigar variáveis que possam contribuir com o aprimoramento do recurso instrucional de ensino, bem como favorecer e facilitar a aprendizagem das pessoas com TEA. Como variáveis interessantes para serem investigadas, indica-se o ambiente de coleta de dados; uso do recurso informatizado em tablet; uso de tela sensível ao toque; aplicação em mesa com material produzido em papel (tabletop); uso de diferentes estímulos no Conjunto C, considerando configuração, formato, imagens entre outros aspectos. Ainda, sugere-se que os instrumentos que foram empregados antes do início do procedimento de ensino sejam aplicados ao final do procedimento, com o intuito de avaliar se a aquisição do repertório ensinado pode ter interferido em outras áreas do desenvolvimento.

2A primeira autora contou com bolsa de Mestrado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo #830791/1999-0. Apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/PROEX) - Processos #23028.005155/2017-67 e #23038.006212/2019-97. A segunda autora contou com financiamento Edital Universal 01/2016 (CNPq) - Processo #427409/2016-0. Esta pesquisa é parte do programa científico do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (CNPq) - Processo #465686/2014-1, FAPESP - Processo #2014/50909-8, CAPES - Processo #88887.136407/2017-00.

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Recebido: 02 de Junho de 2020; Revisado: 31 de Agosto de 2020; Aceito: 17 de Outubro de 2020

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