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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.27  Marília  2021  Epub 15-Jun-2021

https://doi.org/10.1590/1980-54702021v27e0156 

Relato de Pesquisa

Relação Família-Escola-Criança com Transtorno do Espectro Autista: Percepção de Pais e Professoras

Family-School-Child with Autism Spectrum Disorder Relationship: Parent's and Teachers' Perceptions

2Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). São Leopoldo/Rio Grande do Sul/Brasil. E-mail: cscris@hotmail.com.

3Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). São Leopoldo/Rio Grande do Sul/Brasil. E-mail: dfalcke@unisinos.br.

4Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil. E-mail: marin.angelah@gmail.com.


RESUMO:

Na infância, a presença do Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode indicar um desafio para os principais ambientes de desenvolvimento da criança, tais como a família e a escola, especialmente quanto às necessidades inclusivas de socialização e aprendizagem. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo investigar a relação entre a família e a escola no contexto da inclusão de crianças com TEA. Trata-se de uma proposta de abordagem qualitativa, de caráter exploratório e corte transversal, da qual participaram mães, pais e professoras de quatro crianças com TEA. Os participantes responderam a um questionário de dados sociodemográficos e a uma entrevista semiestruturada. A análise de conteúdo revelou preocupações, dificuldades, conquistas e perspectivas futuras no âmbito da inclusão. Tais achados são discutidos com vistas a contribuir para uma reflexão sobre a importância da relação família-escola no contexto do TEA, bem como da integração com diferentes recursos propulsores do desenvolvimento, a fim de fundamentar um trabalho colaborativo e em prol da educação inclusiva.

PALAVRAS-CHAVE: Transtorno do Espectro Autista; Relação família-escola; Inclusão escolar

ABSTRACT:

In childhood, the presence of Autistic Spectrum Disorder (ASD) may indicate a challenge to the child's major developmental environments, such as family and school, especially in terms of inclusive socialization and learning needs. In this sense, this study aimed to investigate the relationship between family and school in the context of the inclusion of children with ASD. It is a proposal of qualitative approach, with an exploratory and cross-sectional character, in which mothers, fathers and teachers of four children with ASD participated. Te participants answered a questionnaire on sociodemographic data and a semi-structured interview. Te content analysis revealed concerns, difficulties, achievements and future prospects in the scope of inclusion. Tese findings are discussed with the view to contribute to a reflection on the importance of the family-school relationship in the context of the ASD, as well as the integration with different resources that propel development, in order to support a collaborative work and for inclusive education.

KEYWORDS: Autism Spectrum Disorder; Family and school relationship; School inclusion

1 Introdução

Mudanças no contexto familiar são esperadas quando há uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) devido ao comportamento dela (Franco, 2016; McAuliffe et al., 2019), que se caracteriza, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-5), por comprometimento nas habilidades de interação social, comunicação e comportamento, bem como por interesse em atividades com padrões restritos e repetitivos (American Psychiatric Association [APA], 2013). Portanto, as crianças com TEA apresentam diferenças em relação ao seu desenvolvimento, o que afeta o seu desempenho social e educacional. Essas alterações manifestam-se nos primeiros anos de vida e podem aparecer associadas a quadros neurológicos ou sindrômicos (Marteleto et al., 2011).

O TEA caracteriza-se como um desafio para a família devido à necessidade de organização frente à intensa dedicação e cuidado à criança com o transtorno (Gomes et al., 2015; McAuliffe et al., 2019). Alguns estudos têm enfatizado que as famílias podem superar as adversidades (Taboada et al., 2006), ao desenvolverem estratégias de coping que possibilitam dar conta do estresse, bem como apresentarem maior coesão, compreensão e resistência para superar as dificuldades relativas ao TEA (Andrade & Teodoro, 2012; Bayat, 2007; Vernhet et al., 2019). Já outros focalizam as dificuldades, como, por exemplo, a pesquisa de Semensato et al. (2010), que observou um grupo de sete mães e pais de crianças e adolescentes com diagnóstico de TEA e indicou três questões específicas: problemas para compreender e agir frente ao comportamento do filho; relação fragilizada com profissionais de saúde devido à demora no diagnóstico, à falta de apoio ou à dificuldade de acesso aos serviços; e falta de consenso entre os profissionais quanto ao diagnóstico de TEA. Nessa mesma direção, White et al. (2012), após análise qualitativa de 157 depoimentos de pais, identificaram que os principais estressores enfrentados pelas famílias estavam relacionados às características do TEA, como o comportamento desafiador da criança, e aos serviços inadequados, devido à deficiência de profissionais especializados na área da educação e da saúde para acompanhá-los.

Contudo, ao considerar que o estudo do TEA implica o entrelaçamento do próprio transtorno, do ciclo de vida do indivíduo e da família e também do seu contexto, torna-se importante investigar a escola, pois é uma instituição fundamental para o desencadeamento dos processos de desenvolvimento (Burke et al., 2020; Dessen & Polonia, 2007). Atualmente, a educação inclusiva contempla a ampliação do espaço sociocultural da criança, no qual os papéis sociais e as exigências formais de aprendizagem apresentam-se como novas oportunidades de interação com outras pessoas e situações.

A partir da década de 1990, documentos como a Declaração mundial sobre educação para todos (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 1990) e, principalmente, a Declaração de Salamanca sobre princípios, política e prática na área das necessidades educativas especiais (UNESCO, 1994) afirmaram que os alunos com necessidades educativas especiais (NEE) deviam ter acesso à escola regular, tendo como princípio orientador a inclusão de todos, independentemente de suas condições físicas, auditivas, visuais e mentais (Direito à educação: Subsídios para a gestão dos sistemas educacionais: orientações gerais e marcos legais, 2006). Esses direcionamentos passaram a influenciar a formulação de políticas públicas sobre a educação inclusiva e, no Brasil, fundamentaram propostas políticas expressas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) e disposições posteriores (Experiências educacionais inclusivas: Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, 2006). Nesse sentido, a Educação Especial foi firmada como transversal ao ensino oferecido em todos os níveis e modalidades educacionais com o objetivo de evitar a manutenção de um sistema paralelo de escolarização (Tosta & Baptista, 2010). Nesses casos, conforme a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, estão inseridos os alunos com TEA.

Estudos apontam que, quando ocorrem intervenções precoces e adequadas, principalmente com a participação da família e da escola, a maioria das crianças com TEA se beneficia, podendo apresentar um ou mais comportamentos disfuncionais apenas por breves períodos de tempo ou em situações específicas (Caminha et al., 2016), além de serem capazes de utilizar suas habilidades intelectuais para avançar em níveis acadêmicos (APA, 2013). Nesse sentido, entende-se que a família e a escola são sistemas fundamentais de suporte à criança para enfrentar os desafios da aprendizagem.

Entretanto, o estudo de Ferreira e Barrera (2010) salientou que, muitas vezes, o relacionamento entre família e escola não passa de uma relação unilateral de informações e cobranças. A escola tende a culpabilizar os pais pelas dificuldades enfrentadas no processo de aprendizagem, mas geralmente o apoio familiar exigido é dificultado pela falta de orientação sobre a melhor forma de contribuir com a rotina escolar da criança. As autoras concluem que é preciso repensar a relação família e escola, destacando que a escola necessita atentar para as diferentes dinâmicas familiares, assim como os pais precisam colaborar com o sistema escolar para a promoção de um ambiente rico em recursos e atividades para os processos de ensino e de aprendizagem, o que é corroborado por Santos (2017).

Especificamente no contexto da inclusão escolar de crianças com TEA, constata-se que esse processo carece de maior discussão devido à complexidade do transtorno. Alguns estudos já sinalizaram benefícios da inclusão a tais crianças e suas famílias (Camargo & Bosa, 2009; Silva et al., 2020), como a melhora da concentração nas atividades propostas e, consequentemente, o cumprimento delas, além de propiciar o estabelecimento de interações com colegas. Esses resultados refletem na família, pois se atribui mais credibilidade às potencialidades da criança à medida que se percebe o seu investimento em relação à aprendizagem.

Ao reconhecer a importância do envolvimento e do relacionamento de pais e professores no apoio e no sucesso escolar de crianças com TEA, Garbacz et al. (2016) avaliaram 31 famílias de crianças com o transtorno como preditores da qualidade do envolvimento familiar e das relações entre pais e professores. Por um lado, os resultados revelaram que os pais de crianças com menores habilidades de comunicação relataram menos envolvimento familiar e que os pais de crianças com maior hiperatividade relataram relacionamentos mais limitados com o professor de seu filho. Por outro lado, a satisfação relativa ao acesso a serviços e informações sobre o TEA foram preditores de mais aproximação entre pais e professores. Os autores destacaram a importância de utilizar estratégias proativas e de intervenção para propositalmente envolver os pais na educação de seus filhos, enfatizando o relacionamento pai-professor com vistas a promover o sucesso escolar e social das crianças com TEA.

As dificuldades apresentadas pelos pais e professores frente ao processo de inclusão decorre, muitas vezes, da dificuldade de entendimento das características da criança com TEA. Gomes e Mendes (2010) buscaram caracterizar o perfil dos alunos com TEA matriculados em escolas regulares e indicaram que os professores apresentaram dificuldade, especialmente de entendimento do diagnóstico, pois há diversos termos usados pelos especialistas para especificar o transtorno, decorrentes da diversidade de características descritas na literatura. Além disso, os professores não relataram nenhum tipo de adequação da metodologia de ensino ou dos conteúdos pedagógicos, aspecto que também foi evidenciado no estudo de Ribeiro et al. (2017), que investigou a inclusão de alunos com autismo na rede pública de ensino a partir da percepção dos professores. Nessa perspectiva, as estratégias utilizadas sugeriam pouca participação dos alunos incluídos nas atividades da escola e de interação com os colegas, além de baixo nível de aprendizagem de conteúdos pedagógicos. Os autores ainda destacaram o alto percentual de professores auxiliares sem capacitação para trabalhar com inclusão e que as atualizações têm ocorrido de forma lenta devido às políticas educacionais e às resistências frente a um novo formato de trabalho.Em suma, constata-se que o processo de inclusão de crianças com TEA necessita de maior entendimento por parte da escola e da família para que haja uma relação efetiva entre elas (Burke et al., 2020; Horrocks et al., 2008). Stichter et al. (2016) indicam que, embora exista uma pesquisa considerável abordando serviços de avaliação, identificação e apoio a crianças com TEA, são necessários mais estudos com foco no contexto escolar. Com esse entendimento, este estudo teve como objetivo geral investigar a relação entre a família e a escola no contexto da inclusão de crianças com TEA. Já como objetivos específicos foram avaliadas a relação entre a família da criança com TEA e a professora dela e a relação entre a professora e a criança com TEA.

2 Método

Nesta seção, delineia-se a pesquisa e seus participantes; discorre-se sobre os instrumentos utilizados e os procedimentos para a coleta e análise de dados.

2.1 Delineamento e participantes

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, com delineamento exploratório e corte transversal, da qual participaram quatro casais de pais de crianças com TEA, que frequentavam o Ensino Fundamental e apresentavam diferentes níveis de prejuízo intelectual e de comunicação, assim como suas professoras. Os participantes foram indicados pelo Núcleo de Apoio e Pesquisa ao Processo de Inclusão (NAPPI) de uma cidade da região metropolitana do estado do Rio Grande do Sul, o qual acompanha e presta assistência a pais, alunos e escolas sobre inclusão por meio de uma rede multidisciplinar. Os participantes foram selecionados a partir de quatro diferentes escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal, todas de médio porte, dentre as quais duas estavam localizadas em bairros de periferia e duas na área central da cidade. Com o intuito de preservar a identidade de mães, pais, filhos e professoras, seus nomes foram substituídos, respectivamente, por M1, M2, M3, M4; P1, P2, P3, P4; F1, F2, F3, F4; e Pr1, Pr2, Pr3, Pr4 e Pr4.1 (auxiliar).

Em relação aos pais5, a faixa etária das mães compreendia o intervalo dos 31 aos 50 anos, enquanto dos pais, o intervalo dos 36 aos 49 anos. Eles possuíam, em média, 17 anos de casamento e de um a três filhos. Em termos de escolaridade, duas mães tinham curso superior completo, uma, superior incompleto, e a outra, Ensino Médio completo. No tocante ao nível escolar paterno, um deles informou ter Ensino Superior completo, dois, Ensino Médio completo, e um, Ensino Médio incompleto. Todas as mães e todos os pais estavam empregadas/os, e a renda familiar era superior a 4,5 salários-mínimos. Os filhos com TEA tinham idade entre sete e 11 anos e eram dois meninos e duas meninas. Sua caracterização consta no Quadro 1.

Quadro 1 Caracterização das crianças pesquisadas com TEA 

F1 Menina de nove anos, diagnosticada com TEA aos seis pela neurologista. Realizava acompanhamento neurológico, psiquiátrico, fonoaudiológico, psicopedagógico e ocupacional. Frequentava a escola regular há cinco anos. Cursou o primeiro ano três vezes, o segundo duas vezes e estava cursando o terceiro ano. Em relação ao seu comportamento, não se expressava por meio da fala, mas conseguia manifestar seus desejos, compreendia as instruções recebidas pela família, vestia-se, alimentava-se e se higienizava sozinha. Raramente apresentava comportamentos agressivos e autolesivos, assim como comportamentos repetitivos e de agitação.
F2 Menino de sete anos, diagnosticado com TEA aos três pela neurologista. Realizava acompanhamento fonoaudiológico, fisioterapêutico e psicopedagógico (com algumas interrupções nos atendimentos), assim como aulas de skate para exercitar o equilíbrio. Desde os quatro anos frequentava a escola regular e estava cursando o segundo ano do Ensino Fundamental. Em relação ao seu comportamento, às vezes falava e expressava seus desejos, compreendia as instruções recebidas pela família, vestia-se, alimentava-se e se higienizava sozinho. Raramente apresentava comportamentos agressivos, autolesivos e agitação, mas frequentemente exibia comportamento repetitivos.
F3 Menina de 11 anos, diagnosticada com TEA aos nove pela neurologista. F3 teve falta de oxigênio ao nascer, o que afetou sua coordenação motora. Realizava acompanhamento neurológico e psicopedagógico. A família buscou atendimento psicológico, mas desistiu por falta de adaptação ao terapeuta. A menina ingressou na escola aos quatro anos, mas em um ano e meio trocou duas vezes de instituição, o que fez com que os pais a tirassem e retomassem o ingresso apenas quando ela estava com sete anos. Nesse momento, esteve em duas escolas diferentes até ser matriculada naquela que frequentava. Em relação ao seu comportamento, expressava-se por meio da fala e, às vezes, demonstrava seus desejos, compreendia as instruções recebidas pela família, alimentava-se e higienizava--se sozinha, mas não se vestia sem ajuda. Frequentemente, a menina apresentava comportamentos agressivos, autolesivos e agitação. Raramente exibia comportamentos repetitivos.
F4 Menino de 10 anos, diagnosticado com TEA aos dois pela neurologista. Realizava acompanhamento psicológico, fonoaudiológico e psicomotor, os quais foram suspensos no último ano, devido às dificuldades financeiras da família. Ingressou na escola regular aos cinco anos e mudou após um ano, pois, para os pais, ela não atendia às necessidades da criança. Em relação ao seu comportamento, expressava-se por meio da fala e manifestava seus desejos, às vezes compreendia as instruções recebidas da família e se alimentava sozinho; entretanto, não se vestia e se higienizava sem ajuda. Raramente apresentava comportamentos agressivos, autolesivos e agitação, mas frequentemente exibia movimentos repetitivos.

Concernente aos professores, participaram do estudo quatro professoras e uma auxiliar de ensino de diferentes escolas. Todas cursaram magistério no Ensino Médio, e três deram continuidade à formação, concluindo o Ensino Superior. A P1 tinha formação em História e trabalhava com inclusão desde 2001. Já a P4 graduou-se em Pedagogia e se especializou em Psicopedagogia, trabalhando há mais de 20 anos com inclusão. A P2 estava concluindo a Graduação em Pedagogia, trabalhava há 10 anos com inclusão e, desde o ano anterior, realizava pesquisa com crianças com TEA. Por fim, P4.1 concluíra o Magistério e, pelo primeiro ano, trabalhava com inclusão, assim como P3, que também tinha o Magistério, sendo F3 seu primeiro aluno de inclusão.

2.2 Instrumentos

Questionário sobre os Dados Sociodemográficos da Família (adaptado de Núcleo de Infância e Família [NUDIF], 2008): utilizado para obtenção de informações para caracterização da amostra, como idade, estado civil, escolaridade, situação profissional e configuração familiar e de moradia.

Entrevista sobre a Inclusão Escolar do/a Filho/a com TEA (adaptada do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento [PED], 2011): entrevista semiestruturada com 18 tópicos aplicada para investigação do entendimento que mães e pais tinham em relação ao desenvolvimento de seu filho no âmbito escolar, ao seu processo de escolarização e ao relacionamento entre família e escola.

Entrevista com o Professor sobre seu Trabalho com Crianças com TEA (adaptada do PED, 2011): entrevista semiestruturada com 11 tópicos aplicada para investigação sobre como ocorre a relação entre o professor e a escola no desenvolvimento do seu exercício docente e como se caracteriza o seu trabalho com crianças com TEA, além de sua relação com as famílias.

2.3 Procedimentos éticos, de coleta e de análise dos dados

Este estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo 13/029). Seus procedimentos tiveram como guia as diretrizes da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para garantir a todos os participantes os cuidados éticos necessários à pesquisa com seres humanos.

Foi solicitada à Secretaria Municipal de Educação (SMED) do município contemplado a autorização para a realização da pesquisa nas escolas de Ensino Fundamental que trabalhassem com a política de inclusão e que acolhessem crianças com TEA. A indicação dessas escolas foi requerida ao NAPPI; após o aceite delas em participar do estudo, as famílias de crianças com TEA foram convidadas, e as entrevistas com os pais, agendadas. Duas famílias preferiram realizar a coleta de dados na escola, e as demais, em suas próprias residências. Na sequência, agendou-se um horário com as professoras das mesmas crianças. Destaca-se que, para uma das crianças, o diretor da escola solicitou que também se entrevistasse uma auxiliar de ensino. O Questionário sobre os Dados Sociodemográficos da Família foi respondido pelas mães, e as entrevistas foram realizadas com as mães, os pais e as professoras. Todos os instrumentos foram aplicados individualmente, e as entrevistas foram gravadas para posterior transcrição.

Os dados foram examinados por meio da análise de conteúdo categorial qualitativa (Bardin, 1977), para a qual foram definidas a priori três categorias e subcategorias correspondentes, a saber: 1) relação entre a família da criança com TEA e a escola, que se dividiu em quatro subcategorias: a) inclusão da criança com TEA; b) percepção dos pais sobre a relação família-escola; c) percepção da professora sobre a relação família-escola; d) presença de equipes de apoio para os pais em relação à aprendizagem e à inserção social da criança com TEA; 2) relação entre a família da criança com TEA e a professora, que foi analisada com base em três subcategorias: a) percepção dos pais sobre sua relação com a professora; b) percepção das professoras sobre sua relação com os pais; c) percepção de pais e professoras em relação à participação da família no processo de aprendizagem das crianças com TEA; e 3) relação entre a professora e a criança com TEA, que contemplou três subcategorias: a) trabalho com inclusão; b) recursos humanos e materiais didáticos; c) qualificação profissional. A primeira e a última autora deste artigo classificaram separadamente os relatos dos participantes em cada categoria, atingindo um percentual de concordância de 72%. Em caso de discordância, recorreu-se à avaliação da segunda autora.

3 Resultados

Os resultados serão apresentados em três categorias, a saber: Relação entre a família da criança com TEA e a escola; Relação entre a família da criança com TEA e a professora; e Relação entre a professora e a criança com TEA.

3.1 Relação entre a família da criança com TEA e a escola

Nesta categoria, buscou-se verificar como a família e a escola articulam suas experiências e seus conhecimentos sobre o TEA diante do processo de inclusão. Para isso, foram elaboradas quatro subcategorias.

A primeira subcategoria, inclusão da criança com TEA, refere-se às vivências de pais e professoras no processo de inclusão das crianças com transtorno. As mães destacaram a importância do trabalho da professora: "Eu acho que vai muito da professora" (M1); e do preparo da escola para receber as crianças: "A F3 teve vários problemas [referindo-se a uma escola]. Eles simplesmente a deixavam sozinha na hora do recreio. As crianças a derrubavam no chão e chutavam" (M3); "Eles o deixavam sozinho! Como ele não participava, eles o deixavam de lado. Não era incluído nas atividades. Diziam que ele não conseguia fazê-las". Por outro lado, as mães também relataram experiências positivas em relação à inclusão: "Aqui [na nova escola] eles sempre tentam integrá-lo nas atividades. Nesta escola, o atendimento é bem melhor" (M4). Os pais, por sua vez, demonstraram estar satisfeitos com o processo de inclusão de seus filhos: "A escola é muito ativa na participação da gente e nos dá feedback. A escola é muito boa!" (P1); "O F4 não teve dificuldade!" (P4). Já as professoras entendiam que o processo de inclusão ainda estava em construção: "Agora, de uns dois ou três anos para cá, realmente a gente tem visto o pessoal [escola e governantes] se mobilizar. Agora eu acho que já melhorou muito" (Pr1); "Ainda tem uma caminhada muito longa a se fazer. Acho que tem alguns professores que aceitam, outros já tem maior dificuldade, talvez até pelo desafio que é. É um compromisso muito grande!" (Pr2). Elas também indicaram que a inclusão demanda muita dedicação e tempo do professor, pois cada criança com TEA apresenta características próprias, por isso as aulas são diferenciadas: "Eu tenho que trabalhar até mil os números, mas com estes alunos será até dez. Quem já passou de dez eu posso ir avante um pouquinho mais. Então o conteúdo é flexível" (Pr1); e precisam contemplar as habilidades da criança: "Um deles gosta muito de cantar, então eu trabalho muito com música. O outro gosta muito de falar, então eu busco sempre adequar para que eles possam participar" (Pr2); "Eu recebi a F3 e não sabia nada, mas aos poucos a gente vai descobrindo o que dá certo e o que não dá certo. Também converso com a professora que atende na sala de recursos" (Pr3).

A segunda subcategoria, percepção dos pais sobre a relação família-escola, reuniu os relatos de mães e pais sobre a relação mantida com a instituição escolar. As mães apontaram que se sentiam acolhidas e que havia um bom diálogo: "A escola está sempre disponível para ouvir os pais. Não tenho dificuldades com a escola e com os professores. Sinto-me em casa!" (M1); "A gente sempre está se comunicando, então a relação é boa! Desde que a F3 entrou aqui, eles sempre procuram me ligar se precisam de alguma coisa, e a mesma coisa eu faço com eles" (M3); "A gente tem um bom relacionamento" (M4). Todavia, uma das mães, embora considere ter um bom relacionamento com a escola, não confiava totalmente nela: "A escola sempre se posiciona muito bem, me dá retorno imediato de tudo que preciso, mas não tenho confiança total, como eu tinha na outra escola. Lá todos estavam preparados. Seguido vou à escola para dar umas incertas" (M2). Já os pais salientaram aspectos positivos sobre a escola: "É super boa!" (P1); "Considero boa. Até não sei se é porque a F3 está mais tempo aqui, mas essa é a escola que eu mais tive liberdade de chegar e falar e de me chamarem para falar alguma coisa" (P3); "Muito bom! A diretora vem e se coloca à disposição para explicar as coisas, o andamento do colégio" (P4).

A terceira subcategoria, percepção da professora sobre a relação família-escola, buscou, por meio do olhar das professoras, analisar como a família e a escola organizavam-se perante a inclusão. As professoras verbalizaram que a escola busca a comunicação com os familiares: "A escola está sempre em comunicação. Se a F3 faz alguma coisa, se a gente precisa chamar para conversar, eles vêm" (Pr3); "O que a gente pode fazer é chamar para conversar, ouvir eles [pais], mas não tem muito retorno. Oferecer as alternativas que tem" (Pr4); "A supervisão está sempre em contato, conversando quando tem algum problema" (Pr4.1).

A quarta subcategoria, presença de equipes de apoio para os pais em relação à aprendizagem e à inserção social da criança com TEA, contemplou o relato de mães e pais sobre orientações de equipes especializadas presentes na escola com relação ao trato das especificidades do transtorno, sejam elas de aprendizagem ou sociais. As mães relataram que, nas escolas, não há equipes de apoio, mas citaram a psicopedagoga, professora da sala de recursos, como a profissional que esclarecia as dúvidas e os questionamentos sobre o desenvolvimento de seus filhos: "Quando preciso de alguma coisa, falo com a psicopedagoga" (M1); "Só com a professora da sala de recursos" (M4). A diretora também apareceu como figura de apoio: "Aqui na escola é mais conversa com o pessoal da direção, para tentar tudo com a F3 e ver se a gente vai melhorando" (M3). Além desses profissionais, algumas famílias recebiam orientações do NAPPI: "Na escola não, mas no município tem o NAPPI. Tem uma psicóloga que uma vez por semana a gente conversa, tem o grupo com as famílias, mas não é uma coisa específica para o meu filho" (M2). Da mesma forma, os pais relataram a falta de equipe especializada e destacaram o apoio recebido da psicopedagoga: "Eu não tenho tanto contato com a professora. Eu tenho mais com a psicopedagoga" (P1); "Não, até gostaria que tivesse, seria importante para nos ajudar, acabamos procurando informações por outras instituições. A inclusão é muito recente. A gente ainda é tolerante em algumas coisas porque o pessoal está se adequando" (P2); "Eles alegam que não têm profissionais para isto" (P4).

3.2 Relação entre a família da criança com TEA e a professora

Nesta categoria, procurou-se evidenciar as vivências entre a família da criança com TEA e a sua professora. Para esse entendimento foram derivadas três subcategorias. Na primeira delas, percepção dos pais sobre sua relação com a professora, verificou-se que alguns pais tinham mais proximidade das professoras do que outros e que a psicopedagoga responsável pela sala de recursos era um canal importante de contato e comunicação. As mães relataram: "Eu não vejo quase a professora. Às vezes eu tenho um retorno da auxiliar. Geralmente, se eu preciso alguma coisa, eu vou até a psicopedagoga" (M1); "Acredito que haja uma parceria entre eu e professora" (M2); "A professora, essa da sala de recursos, de dois em dois meses faz reuniões com os pais" (M4). Nessa mesma direção, os pais mencionaram: "Não tem muita relação com a professora, o contato maior é com a psicopedagoga, para quem faço maiores questionamentos" (P1); "Às vezes consigo falar com a professora quando vou buscar a F3. Às vezes, eu procuro, ou elas me chamam para reclamar de alguma coisa" (P3); "Minha relação com os professores é muito boa. Consigo ter um diálogo!" (P4).

Na segunda subcategoria, percepção das professoras sobre sua relação com os pais, procurou-se compreender o relacionamento entre professoras e pais a partir da visão das professoras. As professoras relataram que a relação era tranquila, mas mediada pela professora da sala de recursos: "Bem tranquilo! Quem conversa com os pais sobre o desenvolvimento emocional e acadêmico das crianças é a professora da sala de recursos" (Pr1). Outras pontuaram que esclareciam suas dúvidas e trocavam conhecimento sobre a criança diretamente com os pais: "Eu tenho bem mais contato com a mãe. Com o pai, em alguns momentos, mas a mãe que está mais presente. A gente se encontrou, e ela contou a história de F2, desde o nascimento. Isso é bem importante!" (Pr2); "Eu tenho uma boa relação de conversa com a M3 e com o P3 e criei uma relação de muito afeto com a F3. Sou apaixonada por F3, e acho que isso ajudou bastante na relação" (Pr3). Contudo, algumas delas disseram não ter contato com os pais: "Nunca falei com os pais. O máximo que vem na agenda é se ficou alguma coisa de F4 na escola [um casaco, um potinho de merenda]. Além disso, nada!" (Pr4); "Não tenho contato com os pais. Eu não tenho acesso à família, só através de bilhetes" (Pr4.1).

A terceira subcategoria, percepção de pais e professoras em relação à participação da família no processo de aprendizagem das crianças com TEA, buscou verificar como as mães e os pais acompanhavam o desenvolvimento da aprendizagem de seu filho e realizavam atividades escolares em casa, além de como as professoras percebiam o envolvimento da família no processo de aprendizagem. Observou-se que as mães entendiam que a atenção e o auxílio nas atividades escolares eram importantes para a criança, mas nem sempre sabiam como ajudar: "Já que F1 gosta de estudar, eu acho importante trabalhar essas coisas em casa, mas não sei o que tem que fazer. Eu não sou professora" (M1); "Não é fácil, tem que estar de bom humor. Te m dias que ele não faz lá na escola tudo [tarefas] e tem que fazer em casa. Aqui em casa dividimos: o dia que não estou a fim, o pai faz" (M2); "Eu olho os cadernos, mas é meio difícil de achar qualquer coisa porque é tudo misturado, uma bagunça. Tento auxiliar quando vem folhinha, dizendo: ‘filha, pinta aqui'. Às vezes eu pego a mão dela e tento ir fazendo com ela" (M3). Os pais também relataram participar das atividades escolares de seus filhos, mas não de forma sistemática: "Não pego muito os cadernos e não faço os temas, fiz só algumas vezes. Trabalho com F1 as questões de desafios, de perguntar coisas, conversar. Produzo texto, brincamos de escrever, mas não é uma coisa sistemática" (P1); "Como o F2 não tem a professora de inclusão integral, ele acaba atrasado em relação aos colegas, então fica bastante coisa para fazer em casa. Participo mais nesta parte" (P2); "Sempre que eu tenho tempo, que estou em casa, eu procuro ajudar, incentivar e ao mesmo tempo ensinar a F3. Às vezes olho os cadernos, mas não é sempre" (P3).

Já as professoras apontaram que a maioria dos pais demonstrava comprometimento e interesse pelo processo de aprendizagem das crianças: "É uma família bem envolvida, bem participativa. Tudo que tu solicita, manda bilhete, no outro dia já vem a resposta, trazem aquilo que tu solicitou" (Pr1); "Muito empenhados, a M2 está sempre perguntando até onde ela pode ir, como é que ela pode fazer e qual a melhor forma de fazer" (Pr2). Por outro lado, as professoras também mencionaram que algumas famílias eram ausentes em relação à aprendizagem dos filhos: "Da família, o que pude ver até agora é que não tem muita participação. É complicado julgar, se botar no lugar deles, mas eu acho que na questão da aprendizagem é zero. Eu acho o F4 muito atirado" (Pr4).

3.3 Relação entre a professora e a criança com TEA

A última categoria abordou a visão das professoras sobre seu trabalho com crianças com TEA. Para tanto, três subcategorias foram desenvolvidas. Na primeira delas, trabalho com inclusão, atentou-se para o relato das professoras quanto a sua atuação, a seus sentimentos e a sua compreensão do processo de inclusão: "Na verdade, a questão não é de gostar. Eu nunca concordei que o aluno [com TEA] estivesse somente na escola regular. Eu acho que ele teria que ter um acompanhamento fora" (Pr1); "É um desafio, mas muito gratificante. Eu me emociono!" (Pr2); "Preparada não me sinto. Não totalmente. É a primeira criança de inclusão que tenho" (Pr3).

A segunda subcategoria, recursos humanos e materiais didáticos, contemplou o relato sobre a falta de recursos adequados para desenvolver um trabalho de melhor qualidade junto às crianças. Uma das queixas se referia à escassez de materiais didáticos para o planejamento e o desenvolvimento das aulas: "Eu acho que ainda faltam recursos materiais. Eu acho que boa vontade se tem, mas ainda falta muita coisa!" (Pr2). Outra reclamação foi sobre a utilização da sala de recursos e a falta dessa sala em uma das escolas: "A sala de recursos tem muitos recursos, mas recebem dois atendimentos de quarenta e cinco minutos. Aí eu fico questionando por que não mais tempo?" (Pr2); "A escola não tem sala de recurso, a F3 é atendida em outra escola" (Pr3). Elogios também foram dispensados à disponibilidade de recursos em uma das escolas: "É comprado muito material na escola, livros e jogos. A nossa escola tem uma visão bem boa!" (Pr1). A falta de recursos humanos foi destacada: "A falta de capacitação das pessoas. A gente está tendo ajuda de estagiárias que vêm através da SMED, mas são estagiárias que estão estudando, não têm conhecimento" (Pr4).

A terceira e última subcategoria, qualificação profissional, procurou verificar a formação e a capacitação das professoras para trabalhar com a inclusão. O despreparo e a insegurança em relação ao trabalho com a criança com TEA, além da pouca oferta de atualização profissional, ficaram evidentes: "Tenho muito para aprender. Estou terminando a Graduação e já estou procurando uma Pós na área de inclusão" (Pr2); "Isso é coisa nova. É ainda discutida nas reuniões que a gente tem de professores de alfabetização" (Pr3); "Na psicopedagogia trabalhamos com clínica escolar. A gente estudou o que era TEA. Só que TEA é uma coisa abrangente. Então, é difícil dizer se vai ser assim ou assado, se a criança vai se comportar assim e assim" (Pr4). Tal deficiência de conhecimento já era percebida na formação acadêmica dos professores, conforme as verbalizações: "Nunca falaram sobre TEA na Graduação. Em uma disciplina da área da educação fiz apenas um trabalho sobre Síndrome de Down e professor" (Pr1); "O que mais se abordou na Graduação foi deficiência visual e auditiva. Deficiência intelectual foi pouco." (Pr2); "Na Graduação teve duas cadeiras que falaram da inclusão no contexto geral" (Pr3); "O que sei de TEA aprendi pesquisando na internet, com o apoio dos colegas nas reuniões, com o pessoal do NAPPI e com professor da sala de recursos. Então, trocamos experiências!" (Pr3).

4 Discussão

Frente aos objetivos do estudo, constatou-se que, no que diz respeito à relação entre a família da criança com TEA e a escola, as mães e os pais destacaram algumas dificuldades relativas ao ingresso na escola. O principal sentimento foi de preocupação, em especial das mães, devido ao desconhecimento do processo de inclusão, dados que corroboram os achados de Favero-Nunes e Gomes (2009). O ingresso na escola é uma nova etapa na vida da criança, além de um novo desafio para os pais. Nesse sentido, no caso de famílias de crianças com TEA, o desafio é ainda maior, pois todos estão aprendendo a conhecer e a lidar com ela (Burke et al., 2020; Pinto et al., 2016). Da mesma forma, as professoras apresentaram muitas dúvidas e insegurança na realização do seu trabalho com crianças com TEA.

No entanto, percebeu-se que as escolas estavam em processo de reorganização e de adaptação para a inclusão, o qual costuma ser lento frente às demandas apresentadas (Ferreira & Barrera, 2010; Tobin et al., 2012). A carência de estrutura da escola em relação à inclusão foi destacada no relato de algumas mães, que disseram que seus filhos não tinham atendimento adequado para as necessidades específicas que apresentavam, ficando, por vezes, sozinhos e excluídos do grupo ou, quando junto a ele, não eram integrados nas atividades propostas. Já os pais indicaram que a escola não oferecia espaços de escuta ou de apoio para o esclarecimento de dúvidas sobre o filho com TEA, sendo as dúvidas, na maioria das vezes, esclarecidas pela psicopedagoga da sala de recursos.

Ficaram evidentes as lacunas do processo de inclusão, tais como falta de acolhimento e de atividades com vistas à socialização, à comunicação e ao estímulo ao desenvolvimento cognitivo da criança com TEA. Nesse sentido, pais e professoras deveriam ser incentivados a discutir e buscar estratégias de atuação conjuntas e específicas ao seu papel que pudessem resultar em novas ações e condições de inclusão (Horrocks et al., 2008). Mesmo que tenha se constatado que, de modo geral, costumava haver diálogo entre os pais e os professores participantes, não foram relatados movimentos de aproximação em busca de uma parceria família-escola voltada a promover atividades comuns. Todavia, algumas mães e alguns pais tiveram uma boa experiência no processo de inclusão do seu filho, fundamentada no sentimento de acolhimento e percepção de uma estrutura escolar adequada para as crianças. Tais escolas se preocupavam em atender às necessidades cognitivas, psicológicas, sociais e culturais e buscavam realizar as atividades de maneira estruturada pedagogicamente para atender à criança com TEA. Portanto, ainda se observam experiências heterogêneas de inclusão, conforme a escola em que a criança é inserida, remetendo à necessidade de maior compartilhamento de experiências e de apoio entre escolas da rede.

No que tange à percepção da professora sobre a relação família-escola, indicou-se que, na maioria das vezes, o diálogo entre elas acontecia somente quando ocorria algum problema com a criança ou nas notificações sobre avisos e regras escolares. Constatou-se que nem todas as escolas se organizavam sistematicamente para a troca de experiências com os pais, com o intuito de trabalhar as dificuldades do processo de inclusão ou discutir sobre o desenvolvimento da criança, tal como foi sinalizado por Ferreira e Barrera (2010). Fato que é lamentável, considerando a correlação significativa entre o empoderamento familiar de crianças com TEA e a parceria família-escola (Burke et al., 2020).

Ainda se evidenciou que alguns pais se sentiam mais à vontade de tratar as questões do filho com a professora titular e que outros preferiam a professora da sala de recursos. Tal evidência pode estar relacionada à forma como a escola conduz o diálogo com os pais, pois ainda permanece uma dissociação entre alunos regulares e incluídos, mas também por inciativa dos próprios pais de preferirem maior aproximação da professora que trabalha com o atendimento pedagógico especializado. De qualquer modo, todos entendiam que a professora era fundamental para o crescimento e o desenvolvimento de seus filhos (Cintra et al., 2009).

Quanto à percepção dos pais e das professoras em relação à participação da família no processo de aprendizagem da criança, os relatos demonstraram o interesse dos pais, embora também tenham destacado suas dificuldades em ensinar ou acompanhar as atividades, seja por falta de didática ou por não conseguirem entender como se organizava (Semensato et al., 2010). Constatou-se que ainda são as mães que mais interagem com a escola e se envolvem com questões de aprendizagem (McAuliffe et al., 2019; Smeha & Cezar, 2011), o que foi confirmado pelas professoras.

No tocante à relação entre a professora e a criança com TEA, revelou-se que um dos maiores desafios era aprender a conviver com as suas dificuldades de adaptação, a reconhecer seus interesses e níveis diferenciados de desenvolvimento (Hess et al., 2008). Desse modo, emergiram sentimentos de insegurança no professor devido à falta de conhecimento sobre o TEA e de materiais didáticos e, muitas vezes, pela inconsistente formação acadêmica (Castro & Giffoni, 2017; Ribeiro et al., 2017).

As professoras entendiam seu papel diante desse desafio, embora nem todas manifestaram motivação em seu trabalho. Entretanto, estavam interessadas em aprender, utilizavam a internet para procurar informações sobre o TEA, buscavam auxílio junto à psicopedagoga da sala de recursos ou a outros colegas que também trabalhavam com inclusão, assim como procuravam trocar informações com os pais.

Em suma, por meio dos relatos obtidos de mães, pais e professoras, pode-se ter uma visão das relações entre a família, os professores e a escola frente ao processo de inclusão de crianças com TEA. Perceberam-se algumas lacunas relativas ao entendimento do TEA e ao conhecimento sobre o processo de inclusão. Conclui-se que, mesmo que mães, pais e professores demonstrem interesse em relação à inclusão, a relação entre eles necessita ser fortalecida (Garbacz et al., 2016). De qualquer modo, a inclusão vem ocorrendo, ainda que de forma incipiente. Seria importante que houvesse momentos formais para pais e professores conversarem sobre as dificuldades que enfrentam e os progressos no desenvolvimento da criança com TEA, observados tanto no espaço escolar como no contexto familiar. Acredita-se que juntos poderiam pensar e desenvolver ações que enriqueceriam a aprendizagem da criança, possibilitando uma relação alinhada e construtiva entre eles.

5 Considerações finais

Embora a reflexão sobre a inclusão escolar venha fomentando muitos debates, constata-se que é um tema que ainda requer discussão, com vistas ao melhor entendimento e à apropriação das suas diretrizes pelos profissionais envolvidos, entre eles psicólogos, que muitas vezes se limitam a realizar um trabalho nos moldes da clínica dita tradicional, que normalmente não atinge todas as esferas que compõem a escola e tende a se restringir a uma demanda pontual do aluno ou da instituição. Nesse sentido, acredita-se que este estudo tenha possibilitado a construção de um entendimento sobre a relação entre a família e a escola no contexto da inclusão de crianças com TEA.

Foi possível observar que os pais conseguem identificar o diferencial das escolas mais qualificadas para a inclusão e que atendam às expectativas da família. Nota-se que há um posicionamento crítico dos pais, reivindicando, da professora e da escola, respostas sobre o TEA. Já as professoras indicaram a dificuldade em compreender o TEA e obter recursos pedagógicos adequados à inclusão. Para pais e professoras, o desejo de avançar e a motivação para superar os obstáculos ainda existentes no processo de inclusão ficaram explícitos. Ambos se mostraram inquietos na busca de conhecimento, recursos e atendimento adequado às crianças com TEA no contexto escolar, o que parece estar beneficiando os envolvidos.

Embora muitas vezes a relação entre pais e professores esteve calcada em situações--problema com a criança, o que costuma ultrapassar o contexto da inclusão, constatou-se que a comunicação existente e o esclarecimento de dúvidas estavam sendo importantes para a tranquilidade dos pais em deixar seu filho na escola e para o desenvolvimento da criança. Família e escola reconheceram que o apoio aos processos de ensino e de aprendizagem e a socialização das crianças com TEA ainda precisam ser sistematizados. Para tanto, faz-se importante desenvolver programas com equipes multidisciplinares que trabalhem na construção de grupos de apoio, instrumentos e outros recursos que considerem a singularidade de cada criança e suas limitações, além dos recursos da família e do professor, e que busquem viabilizar o fortalecimento e a consolidação da relação família-escola no processo de inclusão.

Destaca-se que este estudo teve como limitação não ter considerado a diversidade de sintomas que as crianças com TEA podem apresentar, os quais certamente têm diferentes implicações nas relações estabelecidas entre os contextos familiar e escolar. Trata-se de uma aproximação ao tema, que se caracteriza por ser exploratória e não generalizável, considerando os procedimentos metodológicos adotados, justificada pela escassez de pesquisas encontradas que investigam, de forma sistêmica, as relações entre a família e o âmbito escolar, abarcando diferentes fontes de informação. Nesse aspecto, reside a originalidade deste estudo, que possibilita que seus dados avancem na construção do conhecimento na área.

Por fim, acredita-se que os dados apresentados possam incitar a reflexão de mães, pais e professores sobre as suas ações perante a inclusão de seus filhos e alunos na intenção de construir uma relação que permita o melhor desenvolvimento da criança, levando em conta as vivências da família e as questões pedagógicas e sociais da escola para uma atuação mais alinhada e colaborativa para todos os envolvidos. Além disso, espera-se que os estudos sobre inclusão possibilitem compartilhar a realidade escolar e as práticas e as experiências vivenciadas nesse contexto com os órgãos governamentais, com vistas a fomentar mais pesquisas nessa área.

5Neste estudo, o termo "pais" será utilizado para as situações envolvendo mãe e pai, à exceção daquelas em que esses termos se encontram discriminados, ao passo que o termo "pai", no singular, será usado para designar apenas o pai.

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Recebido: 28 de Agosto de 2020; Revisado: 15 de Dezembro de 2020; Aceito: 31 de Dezembro de 2020

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