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Revista Brasileira de Educação Especial

Print version ISSN 1413-6538On-line version ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.27  Marília  2021  Epub June 15, 2021

https://doi.org/10.1590/1980-54702021v27e0145 

Relato de Pesquisa

Intervenção Pedagógica para o Desenvolvimento Cognitivo e Moral de Adolescentes com Deficiência Intelectual em uma Escola Especial

Pedagogical Intervention for the Cognitive and Moral Development of Adolescents with Intellectual Disabilities in a Special School

Carla Maria de SCHIPPER2  2 
http://orcid.org/0000-0002-4805-840X

Carla Luciane Blum VESTENA3  3 
http://orcid.org/0000-0002-8655-7840

2Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR). Docente do Departamento de Pedagogia e Licenciaturas do Centro Universitário Guairacá. Docente colaboradora do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). Guarapuava / Paraná / Brasil. E-mail: carlaschipper@gmail.com.

2Docente colaboradora do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). Guarapuava / Paraná / Brasil.

3Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília/SP). Pós-doutoramento pela School of Education da Durham University, UK. Docente dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Unicentro e da UFPR. Bolsista Produtividade em Pesquisa da Fundação Araucária. Guarapuava / Paraná / Brasil. E-mail: clbvestena@gmail.com.

4Pós-doutoramento pela School of Education da Durham University, UK.


RESUMO:

Este artigo teve por objetivo avaliar um programa pedagógico sistematizado em metodologias ativas e problematizadoras para o desenvolvimento cognitivo e moral de adolescentes com deficiência intelectual (DI), alunos de uma escola de Educação Básica na modalidade especial na região Centro-Oeste do Paraná. O estudo caracterizou-se como qualitativo, denominado pesquisa-intervenção, amparado na epistemologia genética e no método clínico piagetiano. Investigou-se a dimensão cognitiva e moral anterior e posterior à aplicação do programa de intervenção por meio de provas operatórias piagetianas e apresentação de narrativas de histórias morais embasadas em Piaget para observar o raciocínio e as argumentações dos alunos. A intervenção promoveu o desenvolvimento operatório de cinco dos seis pesquisados, ao ponto de que saíssem da irreversibilidade e conseguissem realizar algumas abstrações e generalizações. O processo de intervenção foi primordial para que completassem o estágio pré-operatório. Se no desenvolvimento da habilidade operatória os resultados foram promissores, na moral os avanços foram observados em menor proporção, pois a maioria manteve-se em período intermediário. Concluiu-se que o funcionamento atípico do raciocínio não é o único responsável pelo desenvolvimento moral com marcas heterônomas, visto que aspectos afetivos e sociais devem ser ponderados. Um trabalho sistematizado e organizado com os princípios de autonomia intelectual e moral promovem desenvolvimento do adolescente com DI. Assim sendo, o sujeito com DI pode tanto encontrar obstáculos que comprometam a expansão do seu domínio cognitivo e moral quanto instrumentos necessários para o máximo desenvolvimento de sua aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Deficiência intelectual; Desenvolvimento cognitivo; Desenvolvimento da consciência moral; Epistemologia genética

ABSTRACT:

This article aimed to evaluate a pedagogical program systematized in active and problematizing methodologies for the cognitive and moral development of adolescents with intellectual disabilities (ID), students of a Basic Education school in the special modality in the Midwest region of Paraná, Brazil. The study was characterized as qualitative, called research-intervention, supported by the genetic epistemology and the Piagetian clinical method. The cognitive and moral dimension before and after the application of the intervention program was investigated by means of Piagetian operative evidence and presentation of narratives of moral stories based on Piaget to observe the students’ reasoning and arguments. The intervention promoted the operative development of five of the six surveyed, to the point that they left irreversibility and managed to carry out some abstractions and generalizations. The intervention process was essential for them to complete the preoperative stage. If in the development of the operative skill the results were promising, in the morals the advances were observed in a smaller proportion, since the majority remained in an intermediate period. It was concluded that the atypical functioning of reasoning is not the only one responsible for moral development with heteronomous marks, as affective and social aspects must be considered. A systematized and organized work with the principles of intellectual and moral autonomy promote the development of adolescents with ID. Therefore, the subject with ID can both encounter obstacles that compromise the expansion of their cognitive and moral domain and necessary instruments for the maximum development of their learning.

KEYWORDS: Special Education; Intellectual Disability; Cognitive Development; Development of Moral Consciousness; Genetic Epistemology

1 Introdução

É fato que as escolas de Educação Básica, na modalidade especial, mantidas por organizações não governamentais, concentram esforços na oferta de ensino de qualidade a bebês, crianças, jovens e adultos com deficiência intelectual (DI). Desse modo, diante da constatação do hibridismo conceitual e metodológico praticado pelos professores, nessas escolas, o contato com as características diferenciais apresentadas pelo deficiente intelectual na aquisição de conteúdos acadêmicos e sociais, a relação familiar heterônoma, os escassos estudos que visam à compreensão das peculiaridades do desenvolvimento cognitivo e a relação com o desenvolvimento da moral do DI, sentimos a necessidade de empreender estudos nesta área.

Pletsch (2014), ao realizar pesquisa sobre inclusão escolar, destaca a carência de estudos longitudinais que acompanhem a trajetória escolar de alunos com DI, bem como que descrevam e avaliem os processos de aprendizagem desses alunos. Ademais, não encontramos nenhuma referência ao realizarmos uma revisão sistemática de literatura em artigos e teses que versassem sobre a relação entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento moral.

Asseveramos, com nossas práticas profissionais, as reflexões de Leonel e Leonardo (2014), Rossato e Leonardo (2011) e Santos et al. (2014) de que o trabalho educativo deve fundamentar-se na capacidade e na possibilidade de avanço do aluno. Preconiza-se que os processos de ensino e de aprendizagem devem ser de desafios e de provocações ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores, e, como afirmam Rossato e Leonardo, (2011), não de “simples adequação e conformismo com sua deficiência” (p. 84).

Contudo, esses estudos estão ancorados na abordagem histórico-cultural e não na teoria construtivista piagetiana. Isso se deve à maior incidência de estudos contemporâneos na área de DI com predomínio ao aporte teórico vygotskiano, conforme Nunes et al. (2011) constataram. Assim sendo, verificamos que há uma carência de estudos com referências ao sujeito epistêmico, ou melhor, com uma visão da DI com capacidade para construir o seu conhecimento, desde as habilidades básicas para a leitura e escrita, até a compreensão de conceitos científicos. Dessa forma, a contribuição deste trabalho refere-se ao estudo do desenvolvimento afetivo concomitante com o desenvolvimento cognitivo e das bases da epistemologia genética – algo ainda não realizado.

Cremos que um trabalho sistematizado metodologicamente e que protagonize o aluno com DI como agente produtor de seu conhecimento e raciocínio promove desenvolvimento intelectual e moral. Desse modo, apresentamos, neste relato – fruto de um estudo para doutoramento – os resultados de uma pesquisa-intervenção, amparada na epistemologia genética e no método clínico piagetiano, empreendida no ano de 2018, cujo objetivo foi avaliar um projeto de intervenção pedagógico sistematizado em metodologias ativas e problematizadoras para o desenvolvimento cognitivo e moral de adolescentes com DI.

1.1 Desenvolvimento cognitivo

Piaget (1978) destaca que “a aprendizagem não é outra coisa, com efeito, senão uma reação circular que se desenvolve por meio de assimilações reprodutivas, recognitivas e generalizadoras” (p. 279). Assim, desde bebê, a criança assimila o mundo dos objetos e do real de variadas formas: reprodutiva, para aprender por meio de repetição e imitação; recognitiva, pois envolve reconhecimento e diferenciação entre os objetos; e generalizadora, para que a criança incorpore objetos cada vez mais variados aos seus esquemas mentais.

As respostas que cada pessoa dará aos processos de assimilação e acomodação serão diferentes a depender, evidentemente, da etapa do desenvolvimento. Essas etapas são descritas amplamente como formas senso-motoras e perceptivas e formas operatórias. Mais especificamente, seriam as fases senso-motoras do lactante a construção do sistema de operações concretas da segunda infância e a construção do pensamento hipotético dedutivo do adolescente. Cada etapa compreende uma forma diferente de tomar consciência das ações e das relações, ou melhor, de interiorização dessas ações, as quais são a origem das estruturas operatórias, já que tomar consciência implica uma escolha entre um conjunto de fatores e elementos novos que gerarão desequilíbrios cognitivos.

Inicialmente, o conhecimento é organizado por estruturas de base motora que avançam e se reestruturam sucessivamente até chegarem aos níveis de conceituação. Esse processo dá-se por formas distintas e sucessivas de equilibração das experiências físicas mais elementares até as experiências lógico-matemáticas.

Em relação ao alcance dessas estruturas pela pessoa com DI, ocorrem algumas peculiaridades. A experiência realizada por Inhelder (1969) partiu do modelo matemático de Piaget – agrupamento de classe e de relações, utilizado pela criança típica entre 7 e 12 anos, na fase pré-lógica. Os resultados apontaram que ocorre, no pensamento da pessoa com DI, a mesma evolução operatória, porém em um nível singular de desequilíbrio e em ritmo mais lento. Quando atinge o limite superior do raciocínio, muitas vezes mantêm as impressões do nível anterior. Inhelder (1969) observou, ainda, uma diminuição gradual do raciocínio, o que resultou em um estado de estagnação, conduzindo a um falso equilíbrio, em uma incoordenação das ações, provocando a “viscosidade do raciocínio”, termo empregado por Inhelder (1969) para descrever uma forma mais aderente e sem mobilidade progressiva, implicando a irreversibilidade do raciocínio.

Considerando os achados de Inhelder (1969), confirmados por Schipper e Vestena (2016), observamos que a DI permanece no estágio pré-operatório ou operatório concreto ou oscilando entre um e outro a depender do nível de comprometimento intelectual. A não mobilidade do pensamento operatório (raciocínio por transdução e por experiência mental, e dificuldade em compreender a lógica das relações) produzirá a falha nos agrupamentos que gera a dificuldade de multiplicação lógica. Conhecer essas características contribui para o planejamento e para a execução de ações pedagógicas favoráveis à progressão, com metodologias que promovam conflitos para modificar esquemas intuitivos em esquemas operatórios.

1.2 Desenvolvimento moral

A moral é desenvolvida, assim como a nossa capacidade cognitiva, sob influência do meio social e da cultura. Um dos primeiros teóricos a preocupar-se com a gênese da moral foi Jean Piaget. Ele estudou o desenvolvimento da moral humana por meio das relações das crianças com as regras e observou que todas elas, independentemente da cultura, galgavam algumas etapas para desenvolverem-se moralmente. Na primeira etapa, denominada de anomia, a criança não percebe a existência das regras, pois ainda está envolta no egocentrismo. A segunda, chamada heteronomia, seria a entrada no mundo da moral, no qual, as regras, instituídas externamente pelos adultos ou por forças míticas, são consideradas pelas crianças como imutáveis. Em um movimento evolutivo, a criança consegue perceber que a obediência à regra não é mais externa e fruto de coação e medo, eclodindo, assim, a autonomia. Nessa etapa, que é conquistada a partir dos 8 até os 12 anos, a criança passa de uma moral primitiva para uma moral de cooperação. Ela já internaliza as regras e as entende como construção coletiva, e suas relações são embaladas pelo respeito mútuo e pelo sentimento de reciprocidade; enfim, a criança toma consciência de sua faculdade de tomar decisões e de fazer escolhas entre o que é certo ou errado, para si e para os outros.

O desenvolvimento da moral autônoma ocorre em ambientes cooperativos e democráticos (DeVries & Zan, 1994; La Taille, 2002, 2006; Piaget, 1994, 1996; Tognetta & Vinha, 2007; Vestena, 2011; Vinha, 2000), cabendo à escola e à família estimularem situações em que a criança se posicione na perspectiva do outro e discuta coletivamente a elaboração das regras para efetivamente tomar consciência delas.

2 Método

A pesquisa, de cunho qualitativo, foi realizada por meio de pesquisa intervenção, fundamentada na epistemologia genética e no método clínico piagetiano. Foram realizadas 75 sessões em três áreas distintas, mas interdependentes, sendo: Desenvolvimento Moral, Raciocínio Lógico e Educação Problematizadora. Além das atividades, constituiu-se como atitude pedagógica as práticas de problematização e de metodologia ativa, bem como as indicações piagetianas de procedimentos de educação moral.

Para avaliar as intervenções, aplicamos um conjunto de pré e pós-testes em que pudemos averiguar as influências da experiência de intervenção pedagógica e de interação escolar no desenvolvimento moral e cognitivo dos adolescentes colaboradores da pesquisa, para comprovar ou refutar nossas hipóteses.

O lócus da pesquisa foi uma escola de Educação Básica na Modalidade Especial na região Centro-Oeste do estado do Paraná, mantida por uma organização não-governamental e subsidiada parcialmente por convênio de cooperação financeira com o Estado e a União.

Os participantes foram cinco meninos e uma menina, com idades entre 14 e 16 anos, em nível de escolaridade que se encontravam, no início da intervenção, entre o estágio pré-operatório inicial ou completo, com limitações no funcionamento intelectual, frequentando o Ensino Fundamental (2º ciclo) – 3ª etapa, de acordo com a Instrução 007/2014 da Secretaria de Estado da Educação e da Superintendência da Educação (SEED-SUED) – 2014, que orienta a matrícula nas escolas de Educação Básica, na Modalidade Educação Especial (área da DI, múltiplas deficiências e transtornos globais do desenvolvimento).

No trabalho, visando à preservação da identidade dos alunos, numeramos cada um deles com a inicial maiúscula “P” (pesquisado) seguido dos números de um a seis. Em relação à linguagem, todos utilizam a comunicação verbal, porém P2 possui algumas dificuldades fonoarticulatórias por apresentar Deficiência Física/Neuromotora (DFNM) associada à DI. No âmbito social, P2, P4, P5 e P6 apresentam vulnerabilidades econômicas; ademais, P2 e P6, têm histórico de negligência afetiva e protetiva.

Foi utilizado o método clínico piagetiano (Carraher, 1994; Delval, 2002; Piaget, 2005, 1967; Triviños, 1987), que permitiu uma interação direta entre o investigador e o participante de forma flexível e aberta.

O projeto da presente pesquisa foi encaminhado para solicitação de aprovação pelo Comitê de Ética junto ao Comitê de Ética em Pesquisa (COMEP) da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), por meio da Plataforma Brasil. Foi submetido no dia 4 de setembro de 2017 e aprovado no dia 29 de setembro de 2017 pelo Parecer de número 2.305.353.

2.1 Provas operatórias

Avaliamos o desenvolvimento lógico com base nas experiências piagetianas por intermédio de apresentações de problemas de estrutura lógica e a observação do curso do pensamento do adolescente nas respostas para diagnosticarmos o nível de pensamento pré-operacional e o primeiro subestágio de operações concretas, utilizando um conjunto de provas de conservação e de operações lógico-matemáticas de classificação e seriação e de multiplicação lógica, embasados em Goulart (1985), Inhelder et al. (1977), Moro (1987), Piaget (1958, 1967, 1972), Piaget e Inhelder (1982), Piaget e Szeminska (1975) e Weiss (1997).

2.2 Conflitos morais piagetianos

O instrumental de trabalho compôs-se de apresentação de histórias adaptadas de alguns conflitos morais utilizados por Piaget (1994), especificamente para compreensão do desenvolvimento do senso de justiça, seguidos de uma entrevista semiestruturada.

Foram apresentadas histórias ilustradas, em forma de quadrinhos, com gravuras amplas e claras, para uma melhor compreensão pelos entrevistados, bem como para poderem apontar suas respostas preferenciais. As histórias foram adaptadas ao período atual, sendo algumas transformadas para serem mais bem compreendidas; no entanto, não foram alterados os objetivos de análise dessas histórias.

O escopo da aplicação das narrativas foi indagar as justificativas para as respostas, com vistas a coletar elementos para compreensão de como cada pesquisado pensava e percebia as normas sociais relacionadas à justiça em cada uma das etapas evolutivas do desenvolvimento cognitivo.

2.3 Intervenção

Separamos as sessões de intervenção em três áreas: Raciocínio Lógico, Desenvolvimento Moral e Educação Problematizadora; cada uma delas foi aplicada semanalmente, nas segundas, quartas e quintas-feiras, em duas aulas de 50 minutos com uma organização curricular própria, inclusa no Plano de Trabalho Docente, totalizando 25 sessões por tema ou 75 sessões gerais.

No que tange às sessões de estímulo ao Raciocínio Lógico, compreendemos as particularidades do raciocínio do adolescente com DI, como a ausência de reversibilidade, descentração e a não conservação. Esses componentes são obstáculos ao desenvolvimento cognitivo e moral para atingir o nível operatório concreto (Inhelder, 1969; Schipper, 2015).

Há alguns pré-requisitos para que se alcance o conceito de número, como a classificação e a seriação, que, por sua vez, dependem da reversibilidade do pensamento (Kamii, 2012; Piaget, 1967, 1972). Esses conceitos básicos são um “recurso para o avanço nas estratégias de contagem” (Cechim et al., 2013, p. 82).

Propusemos metodologias ativas e problematizadoras por meio do uso de jogos, brincadeiras e experiências, para o acionamento da reversibilidade, da descentração, da conservação e da multiplicação lógica das relações, evitando estratégias de estímulo à imitação. Em suma, as intervenções tiveram por objetivo apoiar o grupo para que se tornassem conservantes, em outras palavras, com habilidade para realizar o raciocínio reversível e, enfim, alcançassem a habilidade operatória, que fossem capazes de “reconhecer que determinados atributos de um objeto se mantêm, a despeito das transformações em sua forma” (Stoltz, 2008, p. 113) .

Em relação ao Desenvolvimento Moral, inicialmente avaliamos o clima escolar por meio de um questionário adaptado e embasado em Vinha et al. (2017). Além da aplicação desse instrumento, foram utilizados os resultados das observações realizadas nas dez semanas anteriores à intervenção.

Considerando a observação inicial, o resultado dos pré-testes e o questionário de clima escolar, foi escolhido o trabalho com os seguintes temas: expressão de sentimentos, solidariedade e cooperação, empatia, tolerância, diferenças individuais, justiça, generosidade, verdade e gratidão, bem como as noções de justiça necessárias ao pleno desenvolvimento moral.

Para a aplicação da intervenção foram utilizados jogos, dramatizações, dinâmicas, análise de histórias morais, vídeos, propagandas, músicas e literatura. Para análise, os dados relevantes de desenvolvimento moral (conflitos, atos solidários, respeito mútuo, cooperação, competitividade etc.), que ocorreram no decorrer da intervenção, foram registrados por meio de diário de campo.

Acerca das intervenções de Educação Problematizadora, as diferentes estratégias para abordar os temas envolviam o aluno na solução dos problemas, pesquisando soluções a partir de uma questão problematizadora. Desse modo, trazíamos à tona os conhecimentos prévios dos pesquisados, utilizando como material basilar a proposta de Thouin (2004, 2010) com atividades para problematização do ensino de Ciências.

A parceria entre especialistas, ou melhor, entre pessoas com experiência em determinadas áreas do conhecimento, para proferir palestras, relatar e realizar experiências, são estratégias de metodologia ativa sugeridas por Piaget (1973). Assim, alguns temas e algumas estratégias foram escolhidos e abordados por alunos do curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário Guairacá e do curso de Engenharia Mecânica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), considerando os conteúdos curriculares planejados para a intervenção, assim como os equipamentos e materiais disponíveis em suas universidades de origem. O papel desses acadêmicos foi, portanto, trazer às práticas de intervenção um enfoque científico, mas adequado à compreensão de cada aluno.

Em cada sessão de intervenção, havia uma proposta de atividade, interativa e manual, para que os pesquisados realizassem. Ao término das sessões, fazíamos a discussão das hipóteses iniciais e finais para que eles pudessem comparar as suas respostas às questões problematizadoras após a realização das atividades, das experiências e das vivências.

3 Resultados e discussão

Nesta seção, discorremos sobre os resultados obtidos em relação à habilidade operatória e ao desenvolvimento moral.

3.1 Desenvolvimento da habilidade operatória

Tendo em conta o início da intervenção, do processo e do resultado, ela proporcionou desenvolvimento da habilidade operatória em todos os pesquisados; contudo, essa proporção foi variável. A Tabela 1 a seguir aponta a evolução de cada pesquisado no início e no término da intervenção.

Tabela 1 Resultado das provas operatórias 

Pré-Teste Pós-Teste
Sujeitos % Resultado Referência (%) % Resultado Referência (%)

P1

P2

P3

P4

P5

P6

33,33

42,86

38,10

57,14

23,81

85,72

PO inicial

PO inicial

PO inicial

PO completa

PO inicial

Transição PO/OC

30-49

30-49

30-49

50-69

30-49

70-89

85,72

80,95

61,91

90,48

76,19

95,24

Transição PO/OC

Transição PO/OC

PO completa

Operatório concreto

Transição PO/OC

Operatório concreto

70-89

70-89

50-69

90-100

70-89

90-100

Fonte. Adaptado de Schipper (2019).

Legenda: PO – Prova operatória. OC – Operatório completo.

No pré-teste, os resultados gerais apontaram para um expressivo número de respostas por não conservação, expressando que o pensamento da maioria, naquele momento, expressava-se em estados práticos e intuitivos, não observando as transformações – caso de P1, P2, P3 e P4. Nas etapas do desenvolvimento, na fase sensório-motora, segundo Vestena et al. (2012): “O conhecimento procede da ação, e toda ação que se repete ou se generaliza pela aplicação a novos objetos dá origem a um ‘esquema’, isto é, uma espécie de conceito prático” (p. 216). Contudo, a evolução cognitiva depende da capacidade de fazer generalizações e ser capas de executar um pensamento reversível.

Para promover avanços, seria preciso estimulá-los a raciocinar por meio de operações. Para Piaget (1975), uma operação tem raízes nos esquemas sensório motores, passando para as experiências mentais intuitivas. No entanto, uma ação mental sai da intuição para tornar-se operatória assim que “duas ações do mesmo gênero possam compor uma terceira, que pertence ainda a este gênero, e desde que estas diversas ações possam ser invertidas” (p. 51), e essa inversão pressupõe a habilidade de reversibilidade.

Encontramos, pois, no início, na maioria de nossos pesquisados, uma defasagem na habilidade de conseguir pensar no todo e nas partes, pois a irreversibilidade ocorre devido à ausência inicial da descentração e que conduz às não-conservações (Piaget, 1975). Como Piaget e Szeminska (1975) afirmam: “Todo conhecimento, seja ele de ordem científica ou se origine do simples senso comum, supõe um sistema, explícito ou implícito, de princípios de conservação” (p. 23).

Desse modo, o processo das intervenções precisava ter como fim a promoção da compreensão da noção de permanência, a qual deveria seguir uma hierarquização. Todavia, as noções de permanência são sucessivamente as de substância, peso e volume, as quais são o fundamento para a conquista da reversibilidade (Piaget & Szeminska, 1975). A reversibilidade é conquistada ao compreender a invariância de materiais após os fenômenos de transformação, pois, para Stoltz (2011), somente a “reversibilidade permite a compreensão através do conhecimento do processo que levou dado objeto, fato ou fenômeno a ser o que é” (pp. 31-32).

Considerando esses fatores, lançamos mão de muitas atividades e muitos jogos que estimulavam conflitos cognitivos para realizar o pensamento reversível, uma vez que essas atividades foram fundamentais para a conquista da noção de conservação por P1, P2 e P4. Os pesquisados P5 e P6 já haviam consolidado essa habilidade ao iniciarmos a intervenção, e apenas P3 não obteve progresso. No entanto, o que esteve em avaliação nessa análise não foi uma comparação entre os que mais ou menos evoluíram, mas, sim, de onde partiram, quais eram as necessidades que possuíam e quais foram conquistadas no processo.

Ao término da intervenção, os dados apontaram que ocorreu uma progressão para que as ações fossem interiorizadas e se tornassem reversíveis, aproximando-os do estágio operatório concreto, ocorrido com P1, P2 e P5, ou o atingisse, como foi o caso de P4 e P6. Apenas um pesquisado não evoluiu para o estágio operatório (P3), mas conseguiu concluir os níveis intermediários e completar o estágio pré-operatório.

3.2 Resultados do desenvolvimento moral

Verificamos, no andamento das entrevistas, manifestações de três períodos do desenvolvimento da noção de justiça em nossos pesquisados: o primeiro período de subordinação à autoridade adulta, denominado heteronomia; um período intermediário; e um terceiro período em que encontramos a autonomia em vias de construção, a qual denominamos de autonomia nascente.

Cada uma das 17 provas possuía uma composição própria de análise qualitativa; no entanto, adotamos indicadores de níveis e os pontuamos para que pudéssemos quantificar os dados obtidos. Desse modo, as respostas por heteronomia receberam um ponto, as respostas em nível intermediário obtiveram dois pontos e as respostas por autonomia nascente receberam três pontos.

Os escores totais alcançados na análise das 17 histórias possibilitou-nos categorizar as respostas em três níveis, sendo: de 17 a 26 pontos, heteronomia (H); de 27 a 36 pontos, intermediário (I); e de 37 a 46 pontos, autonomia nascente (AN). Para melhor visualização dos dados transformamos essa categorização em porcentagens. Assim, obtivemos os seguintes escores: 80% a 100% – autonomia (A), 79% a 50% – autonomia nascente (AN), 49% a 20% – intermediário (I), e 19% a 0 – heteronomia (H).

A intervenção aplicada e as ações para educação moral produziram um parco desenvolvimento, diferentemente da evolução alcançada no âmbito operatório. Dos seis pesquisados, apenas dois evoluíram de uma etapa a outra. Houve evoluções e declínios demonstrados nas respostas a cada uma das histórias morais e que foram relatadas de modo qualitativo nas avaliações individuais, considerando aspectos subjetivos e específicos de cada noção avaliada. Portanto, neste estudo, não há como apenas quantificar os dados; há múltiplos fatores que precisam ser considerados nas noções avaliadas e na individualidade de cada pesquisado.

A autonomia ocorre com a eliminação paulatina de juízos mais primitivos de moral, que pressupõe a descentração e a diminuição à submissão moral do adulto, ou melhor, faz-se necessária a compreensão das contradições do seu pensamento, em comparar ideias e valores aos de outras pessoas, estabelecendo critérios de justiça e igualdade, contrapondo-se à autoridade e às tradições da sociedade para decidir entre o certo e o errado (Araújo, 1996). Os resultados apontaram que os pesquisados não alcançaram esse nível de racionalidade, no sentido de perceberem contradições e fazerem comparações, mesmo contrapondo-se com a autoridade do adulto em alguns quesitos.

A Tabela 2 que segue sintetiza os resultados em porcentagem dos valores em cada uma das etapas, no pré e pós-teste, destacando o nível de cada um dos sujeitos antes e após a intervenção, bem como a média obtida por cada um.

Tabela 2 Resultado das histórias morais 

Pré-Teste Pós-Teste
P H I AN Res Ref. H I AN Res Ref.
P1 41,18 41,18 17,64 I 21 a 49% 29,41 11,77 58,82 AN 50 a 79%
P2 29,41 52,95 17,64 I 21 a 49% 23,53 41,18 35,29 I 21 a 49%
P3 52,94 29,42 17,64 I 21 a 49% 52,94 23,53 23,53 I 21 a 49%
P4 35,29 29,42 35,29 I 21 a 49% 23,53 23,53 52,94 AN 50 a 79%
P5 35,29 35,29 29,42 I 21 a 49% 41,18 23,53 35,29 I 21 a 49%
P6 47,07 17,64 35,29 I 21 a 49% 52,94 11,77 35,29 I 21 a 49%
M 39,69 34,32 25,48 37,25 22,55 40,19

Nota. Elaborada a partir de Schipper (2019). Res. = resultado; ref = referência.

No início da intervenção, predominava uma etapa intermediária, pois os pesquisados, durante a aplicação das histórias, opinavam de modo mais elementar em algumas provas e de modo mais evoluído em outras, ocorrendo oscilações e contradições em seus juízos. Utilizando o termo cunhado por Inhelder (1969) para explicar o raciocínio da DI no âmbito operatório, ocorreu igualmente no pensamento moral uma “viscosidade” em seus raciocínios.

O falso equilíbrio, a irreversibilidade e a “viscosidade” (Inhelder, 1969) deixa as contradições imperceptíveis ao adolescente. Muitas respostas mostraram-nos que apenas um ponto de vista era observado, o qual estava assentado em bases mais heterônomas do que autônomas.

No início do processo investigativo, defendíamos a proposição de que um trabalho sistematizado metodologicamente e que defendesse o protagonismo do aluno com DI, como agente produtor de seu conhecimento e raciocínio, produziria desenvolvimento intelectual e moral. Estabelecemos, portanto, a hipótese de que na área cognitiva, uma educação problematizadora, que provocasse conflitos, possibilitaria em alguns pesquisados um avanço do nível pré-operatório inicial para o nível pré-operatório completo; já, em outros, um avanço do nível pré-operatório completo para o operatório concreto inicial e, no âmbito da moral, uma progressão da heteronomia moral para a autonomia nascente de um número maior de alunos.

Os dados revelaram que a intervenção produziu desenvolvimento do raciocínio na totalidade dos pesquisados; assim sendo, a hipótese inicial foi confirmada no âmbito do desenvolvimento operatório. No entanto, no domínio da moral, os avanços foram moderados. Indicativos demonstraram que, mesmo após a intervenção, ainda ocorreram oscilações entre julgamentos heterônomos e autônomos por parte de alguns pesquisados. Essa inconstância foi revelada quando se contradiziam nas respostas ou quando traziam, de maneira desequilibrada, componentes de uma moral primitiva ao mesmo tempo de uma moral mais desenvolvida. Essa contradição culminou nas dificuldades em realizarem a reversibilidade. No âmbito da moral, os seus pensamentos, às vezes, apresentavam marcas intuitivas, fundamentados na percepção; as ações de seu raciocínio eram mais concretas e menos abstratas sobre a realidade, diferentemente dos resultados alcançados no desenvolvimento operatório.

No início da intervenção, a maioria dos pesquisados encontrava-se na etapa pré-operatória; apenas P6 estava em transição para o nível operatório concreto, isso, dentre outros fatores, por ausência de conservação e dificuldades na classificação e seriação. As atividades aplicadas estimularam essas habilidades; todavia, muitas propostas de Educação Problematizadora também estimularam a classificação e seriação, coordenando todas as relações possíveis, o que produziu avanço significativo na habilidade operatória.

Além disso, a promoção de atividades nos laboratórios das Instituições de Ensino Superior, as aulas de campo e as palestras com especialistas contribuíram muito para os avanços, pois priorizamos, nas ações pedagógicas, o raciocínio hipotético-dedutivo, que estimulava os pesquisados a pensar no todo e nas partes, bem como realizar a inversão do pensamento, capitais para a aquisição do conceito de número.

Outros estudos de intervenção, porém de curta duração e com menos instrumentos, igualmente indicaram evolução cognitiva, como os promovidos por Braun e Nunes (2015), Brito et al. (2014), Cechin et al. (2013), Coelho e Sodré (2019), Escobal et al. (2010), Miranda e Pinheiro (2016), Mori et al. (2017), Rossit e Goyos (2015) e Seibert e Groenwald (2014). Contudo, especificamente em nosso estudo, no desenvolvimento da habilidade operatória, os resultados foram promissores, mas, no aspecto moral, os avanços foram observados em menor proporção, pois a maioria dos pesquisados mantiveram-se em período intermediário.

Nas análises, demonstramos muitas marcas heterônomas, reveladas nas argumentações a favor da responsabilidade objetiva frente a desajeitamentos, à necessidade de sanção, a preferências por sanção expiatórias e à crença na justiça imanente. Ademais, indicadores de solidariedade foram comprovados nas questões que colocavam em avaliação a submissão ao adulto com a igualdade entre pares. Inclusive, naquelas sobre punição coletiva, ocorreu choque entre solidariedade e empatia com a submissão adulta, bem como quando foram confrontadas autoridade com igualdade.

Evidenciou-se, na investigação e na convivência diuturna com esse grupo, a capacidade de respeito mútuo, cooperação e reciprocidade; entretanto, as contradições imputaram à maioria dos pesquisados uma localização em nível intermediário. Em suma, considerando o aspecto psicológico dos adolescentes pesquisados, verificamos que, ao mesmo tempo em que a solidariedade e a reciprocidade os conduzem para a autonomia, a força da coação do poder adulto impede a libertação das amarras da heteronomia.

Sobre a relação paralela entre a cognição e a moral, observamos que há interferência mútua, fato destacado pelas pontuações recebidas pelos pesquisados para a etapa intermediária da moral. A localização, nessa fase, deu-se diante das oscilações entre um nível e outro ou por aqueles que evoluíram moralmente de modo equivalente ao avanço do desenvolvimento cognitivo, porém não foram todos os casos que a cognição determinou uma moral mais desenvolvida diante do maior desenvolvimento cognitivo ou vice-versa.

Dessa maneira, levando-se em consideração as condições histórico-culturais, somadas às observações durante as intervenções e os pré e pós testes, salientamos, de modo geral, que P1 e P4 avançaram moralmente pela autonomia promovida por suas famílias; P2 avançou pela autonomia imposta pela vida difícil e desafiadora; P3 não avançou moralmente devido à dependência imposta pela família; P6 não evoluiu moralmente pela heteronomia imposta pela família; e apenas P5 não evoluiu devido ao desenvolvimento cognitivo. Isso indica que a proporcionalidade entre moral e cognição não é determinante. Além disso, observamos em alguns de nossos pesquisados avanços operatórios exponencialmente acima da moral, comprovados pelos testes assim como pelas atitudes no cotidiano escolar, como foi o caso de P2, P5 e P6.

Assim sendo, constatamos que o desenvolvimento intelectual tem relação com o desenvolvimento moral, evidentemente, mas o não-determinismo, ora observado, implica considerarmos outros intervenientes. Há algumas experiências morais que estão orientando os sujeitos desta pesquisa para uma direção heterônoma e que foram os responsáveis por atingirmos parcialmente nossas proposições. Isso significa que as singularidades socioculturais de cada pesquisado influenciaram nos resultados obtidos, como o histórico de negligência emocional e protetiva de P2 e P6, indicados em suas preferências por justiça retributiva, seguindo um padrão de comportamento social presente em seus entornos.

Se a pessoa com DI tem mais dificuldades para romper com o individualismo e a submissão, é porque seus esquemas foram assentados na ideia de necessidade de um adulto para apoiar-lhe tanto moralmente quanto cognitivamente, haja vista as práticas de ensino muito mais indutivas do que dedutivas.

4 Conclusões

Os dados obtidos nos pré-testes, os rumos traçados para a intervenção e as possibilidades levantadas por meio da análise dos resultados, demonstram que, ao promover ações similares às que empreendemos, deve-se, inicialmente, realizar um conjunto de avaliações, a fim de diagnosticar o nível de habilidades das crianças para planejar, diante das necessidades individuais que apresentam, um plano coletivo e um plano de ensino individualizado. A sistematização da ação pedagógica deve ocorrer no planejamento, na aplicação e na avaliação. O trabalho deve ser minuciosamente organizado, prevendo o tempo, os materiais e o espaço a ser utilizado; no entanto, deve ser flexível às intervenções que ocorrerem por parte dos alunos e de outras oportunidades de aprendizagem que vierem a surgir.

Ao início da intervenção, sugerimos estabelecer uma questão problema norteadora da prática. Essa é uma oportunidade para observar os conhecimentos prévios e avaliar a necessidade de aprofundamento das discussões para que, partindo do senso comum, se aproximem ao máximo da ordem científica.

Uma condição sine qua non para que haja avanço cognitivo da DI da etapa pré-operatória para a operatória concreta é a aquisição da noção de conservação ou permanência. As noções de conservação conduzem o raciocínio para a reversibilidade, possibilitando ao pensamento mobilidade e habilidade de realizar operações, o que permitirá, mais à frente, realizar multiplicações lógicas e compreender efetivamente a noção de número, espaço, tempo e causalidade.

A aquisição da noção de permanência possui uma hierarquização que se inicia na aquisição de substância, passando para peso e volume que são mais tardias. Portanto, precisam ser estimuladas para prolongar as ações do pensamento; inclusive, as atividades aplicadas em nossa intervenção foram eficientes para esta tarefa.

O raciocínio oscilante do período pré-operatório, marcado pela contradição e pela irreversibilidade, pressupõe atividades que promovam a organização mental dos sistemas de classificação e agrupamentos. Dessa forma, deve-se realizar a análise de conjuntos para que percebam as relações de ordem, continuidade, distância, medidas, tempo etc., que apoiam deveras a construção da reversibilidade e retiram o aprendizado incipiente por simples imitação. A imitação fornece uma falsa noção de equilíbrio e tem sido prática continua e muitas vezes estimulada no ensino de pessoas com DI. Ainda presos à ideia de que estes sujeitos só aprendem com apoio de outrem, não se permite que raciocinem ou operem sobre os conhecimentos. Devemos lembrar que a imitação advém do pensamento pré-verbal e pressupõe a necessidade de modelos a serem copiados, impedindo a saída do real para o abstrato, ou, como afirma Stoltz (2011), “imita-se por imitar sem a possibilidade de generalizações” (p. 30).

Por consequência, emerge outra prática comum no ensino de pessoas DI – a indução. Não se possibilita o tempo e as estratégias adequadas para que construam hipóteses, analisem-nas e confrontem-nas com as ideias dos colegas e do saber científico. Essa postura manterá o pensamento da pessoa com DI no campo das percepções e da intuição, centrado, não coordenando outras perspectivas. Sugerimos, portanto, a atividade diuturna de ensino dedutivo para que o raciocínio do aluno com DI, ao confrontar hipóteses, salte da manipulação concreta, da imitação e da indução para o plano das ideias, das generalizações e das inter-relações.

A moral também depende da reversibilidade para que ocorra reciprocidade e a cooperação nas inter-relações, princípios fundamentais para o alcance da autonomia moral. Assim como a conservação é fundamental para a conquista das noções de número no desenvolvimento operatório, a “conservação dos sentimentos” (La Taille, 1996) é fundamental para o desenvolvimento de um ser autônomo moralmente. Entretanto, além dos aspectos endógenos, é preciso considerar todos os intervenientes para que ocorra evolução no aspecto moral. Um ambiente cooperativo é imprescindível para o alcance da autonomia, pois permite trocas entre pares e a consideração de outras perspectivas. Como asseveram Martins et al. (2017), não se desenvolve alunos autônomos em ambientes autocráticos, vigilantes ou doutrinadores.

Uma forma de trazer crianças e adolescentes mais próximos da autonomia é estimular discussões coletivas, inclusive sobre leis e sanções. Outrossim, evitar a imposição coercitiva das regras, a competição, a premiação por bom comportamento e a punição por mau comportamento, o que prejudica a tomada de consciência. Além disso, as regras devem ser discutidas coletivamente, para serem observadas todas as perspectivas, pois só assim serão reguladas internamente e não externamente por alguém que mandou, por medo de perder algum benefício ou a afetividade de alguém. Deve-se evitar a opressão pela coação e pelo autoritarismo que só aumenta a submissão (Piaget, 1973).

Como o desenvolvimento da moral só pode ocorrer em ambientes cooperativos, fundado na democracia, sugerimos que a escola, de acordo com Vinha (2000), “deve propiciar trocas sociais entre os pares, oportunidades de crianças assumirem pequenas responsabilidades e de tomar decisões, discutir seus pontos de vista, expressarem livremente seus pensamentos e desejos, investigar e estabelecer relações” (p. 86); enfim, é importante estimular situações em que a criança se posicione na perspectiva do outro e discuta coletivamente a elaboração das regras para efetivamente tomar consciência delas.

DeVries e Zan (1998) salientam que conflitos podem promover tanto o desenvolvimento moral quanto intelectual, pois o descentramento, a partir de uma única perspectiva para considerar a perspectiva do outro, é iniciada pela confrontação com os desejos e as ideias dos outros. Isso significa que a sua resolução se torna cooperativa e aprenderá a dialogar e a chegar a acordos em vez de agredir verbal ou fisicamente.

Uma atmosfera moral ou um ambiente moral não se conquista com lições morais, mas desenvolvem-se na vivência cooperativa e nas situações de conflito. Os métodos ativos de educação moral piagetianos são fundamentais, pois colaboram para a diminuição do egocentrismo e a ampliação da cooperação, que trazem em seu conjunto a reciprocidade, a solidariedade, a colaboração, a reciprocidade e quiçá, o altruísmo, que, para além da ideia simplista de oposição ao egoísmo, é um sentimento de cooperação lapidado e sustentado em princípios justos que considera o ponto de vista de cada um e se torna um princípio moral. É preciso romper com elementos que favorecem a moral unilateral na escola, no lar e na sociedade, pois Piaget (1996) já destacou que as consequências das escolhas podem levar a “constituir personalidades autônomas aptas à cooperação ou sujeitos submissos durante toda a sua existência a coação exterior” (p. 9).

Levando em conta que muitos profissionais estruturam suas práticas educativas em compreensões organicistas de incapacidade para aprender e os conhecimentos que exigem maior complexidade são pouco explorados, a grande contribuição desta pesquisa e o consequente avanço epistemológico no campo da Educação Especial e Inclusiva é a constatação de que um trabalho sistematizado metodologicamente e que protagoniza o aluno com DI, como agente de seu conhecimento e raciocínio, poderá produzir desenvolvimento intelectual e moral.

O desafio de apoiar a construção de uma personalidade autônoma para o DI perpassa por mudanças de crenças e de atitudes de dependência e incapacidade. Esperamos, por conseguinte, que este trabalho promova reflexões e inspirações para que mudanças de perspectivas ocorram, em que o protagonismo do DI seja a aspiração, e as práticas sejam o estímulo às suas faculdades e a consideração de suas peculiaridades.

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Recebido: 21 de Julho de 2020; Revisado: 27 de Fevereiro de 2021; Aceito: 21 de Abril de 2021

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