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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.28  Marília  2022  Epub 23-Nov-2021

https://doi.org/10.1590/1980-54702022v28e0033 

Relato de Pesquisa

CORRELAÇÕES ENTRE OS PERFIS COMPORTAMENTAIS, FUNCIONAMENTO EXECUTIVO E EMPATIA NA PERTURBAÇÃO DO ESPECTRO DO AUTISMO: ORIENTAÇÕES PARA A INTERVENÇÃO

CORRELATIONS BETWEEN BEHAVIORAL PROFILES, EXECUTIVE FUNCTIONING AND EMPATHY IN AUTISM SPECTRUM DISORDER: GUIDELINES FOR INTERVENTION

2Doutoranda em Educação. Especialização em Educação Especial. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade de Lisboa. Portugal. E-mail: evebrigido@gmail.com

3Professora Auxiliar. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade de Lisboa. Portugal. E-mail: amelo@fmh.ulisboa.pt

4Professora Auxiliar. UIDEF – Instituto da Educação. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade de Lisboa. Portugal. E-mail sofasantos@fmh.ulisboa.pt


RESUMO:

A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) caracteriza-se por défices na comunicação e na interação social e por padrões repetitivos e restritos do comportamento, eventualmente explicados por alterações nas funções executivas (FE) e empatia. O objetivo desta investigação foi, assim, estudar as relações entre os comportamentos típicos da PEA, FE e empatia, de forma a estabelecer orientações de intervenção. O Questionário dos Comportamentos Típicos da PEA, o Inventário Comportamental de Avaliação das Funções Executivas – Pais e a Escala de Avaliação da Empatia foram aplicados a 75 crianças com PEA (9.67±1.29). Os resultados apontaram correlações positivas entre a sintomatologia da PEA e as FE, nomeadamente na regulação comportamental e na metacognição. A correlação positiva mais forte (p<.01) ocorreu entre a alternância e os comportamentos totais (r=.660), e padrões restritos e repetitivos (r=.665) e comunicação e interação social (r=.536). Todos os domínios e os subdomínios apresentaram associações com a iniciação e a planificação. Não se verificaram correlações entre os domínios e os subdomínios da PEA e empatia, apenas com alguns comportamentos específicos. Verificou-se que a empatia cognitiva estava associada à regulação comportamental. Esses resultados sugerem que as FE e a empatia têm um papel preponderante na melhoria dos défices sociais e não-sociais da PEA e a importância da intervenção individualizada centrada nas características da PEA, na empatia e nas FE, nomeadamente na regulação comportamental e na metacognição. A intervenção deve abranger não apenas os sintomas da PEA, mas também processos cognitivos subjacentes que possibilitam a melhoria dos comportamentos e uma maior adaptação a diferentes contextos e situações.

PALAVRAS-CHAVE: Perturbação do Espectro do Autismo; Funções executivas; Empatia; Intervenção individualizada

ABSTRACT:

Autism Spectrum Disorder (ASD) is characterized by deficits in social communication and interaction and by restricted and repetitive behaviors and interests, eventually explained by difficulties in executive functions (EF) and empathy. Tus, the aim of this investigation was to study the relationships between typical behaviors of ASD, EF and empathy, in order to establish intervention guidelines. Te ASD Typical Behavior Questionnaire, the Behavior Rating Inventory of Executive Function for parents (BRIEF) and the Empathy Assessment Scale (EAS) were applied to 75 children with ASD (9.67±1.29). Te results showed positive correlations between the symptomatology of ASD and E F, namely in behavioral regulation and metacognition. Te strongest positive correlation (p<.01) occurred between shifting and total behaviors (r=.660), and restricted and repetitive patterns (r=.665) and communication and social interaction (r=.536). All domains and subdomains had correlations with initiation and planning. There were no correlations between the domains and subdomains of ASD and empathy, only with some specific behaviors. It was verified that cognitive empathy was associated with behavioral regulation. Tese results suggest that EF and empathy are essential to improve the social and non-social deficits of the ASD and the importance of individualized intervention centered on the characteristics of the ASD, empathy and E F, namely on the behavioral regulation and metacognition. Te intervention must cover not only the symptoms of the ASD, but also cognitive processes that enable the improvement of behaviors and better adaptation to different contexts and situations.

KEYWORDS: Autism Spectrum Disorder; Executive Functions; Empathy; Individualized Intervention

1 INTRODUÇÃO

A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é uma perturbação do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices persistentes na comunicação e na interação social e por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, que estão presentes desde a primeira infância e limitam ou prejudicam o seu funcionamento (American Psychiatric Association [APA], 2013). A sua gravidade não se restringe apenas às características da perturbação, sendo influenciada pelas comorbilidades associadas. A PEA apresenta uma heterogeneidade multinível que influência o planeamento de uma intervenção adequada (Leung et al., 2016).

A intervenção deverá ser individualizada (Hyman et al., 2020) e poderá assentar em diferentes modelos, como modelos compreensivos/abrangentes ou focalizados (Wong et al., 2015). São recomendados modelos de base relacional que incluam uma componente terapêutica e pedagógica, bem como a promoção da autonomia e de socialização em contexto ambiental e comunitário (Direção Geral da Saúde - [DGS], 2019). As intervenções psicossociais são recomendadas com o objetivo de intervir especificamente na comunicação e na interação social, devendo incluir estratégias baseadas no jogo para promover a atenção conjunta, o envolvimento e a comunicação recíproca, que recorram à modelação e à mediação pelo adulto e pelos pares (Hyman et al., 2020; Weitlauf et al., 2014). Essas intervenções, normalmente, pretendem também diminuir os comportamentos repetitivos e restritos por meio de estratégias comportamentais (National Institute for Health and Care Excellence - [NICE], 2020). Nesse sentido, a intervenção deve incluir uma avaliação funcional do comportamento do seu impacto na qualidade de vida, a avaliação e modificação de fatores ambientais que poderão desencadear ou manter o comportamento, tal como a implementação de estratégias claras, de acordo com o nível de desenvolvimento e comorbilidades e adequadas aos diferentes contextos e a avaliação sistemática dos comportamentos a modificar (NICE, 2020; Turner-Brown & Sandercock, 2020). Além de centrar-se nos comportamentos específicos da PEA, deverá ter em conta as competências neurocognitivas que poderão justificá-los (Grove et al., 2014), como é o caso das funções executivas (FE) e da empatia.

O funcionamento executivo (Hill, 2004) e os processos empáticos (Grove et al., 2014) têm sido estudados em diversas teorias que tentam explicar os sintomas sociais e não sociais da PEA. Durante alguns anos, considerou-se que as FE poderiam explicar apenas os comportamentos restritos e repetitivos na PEA (Boyd et al., 2009; Kenworthy et al., 2009), mas evidências mais recentes apontam a sua influência também no domínio da comunicação e interação social (Chouinard et al., 2019). Na intervenção na PEA tem sido considerado importante o desenvolvimento das FE, nomeadamente a regulação comportamental (Peterson et al., 2015) e a metacognição (Pugliese et al., 2015; Torske et al., 2018), dadas as correlações encontradas entre esses domínios. Além disso, outros consideram que é crucial incluir no plano de intervenção objetivos para a melhoria da capacidade de iniciação, da memória de trabalho e flexibilidade cognitiva social (Freeman et al., 2017; Leung et al., 2016), da capacidade de inibição (Hutchison et al., 2019), do controlo emocional (Kouklari et al., 2018), da planificação (Geurts et al., 2014) e da monitorização (Pugliese et al., 2016). Para os comportamentos repetitivos, considera-se importante a intervenção na regulação comportamental e, principalmente, na flexibilidade cognitiva (Varanda & Fernandes, 2017) e inibição (Faja & Nelson Darling, 2019), devendo também ter-se em conta a memória de trabalho (Rabiee et al., 2020), o controlo emocional (Samson et al., 2014) e a planificação (Lopez et al., 2005).

Na PEA, a teoria da mente encontra-se associada ao funcionamento executivo (Pellicano, 2007), tendo a intervenção nas FE e nos processos de mentalização um impacto mútuo pela partilha de regiões cerebrais envolvidas (Wade et al., 2018). Os défices na empatia na PEA têm vindo a ser demonstrados por défices na teoria da mente, pelas dificuldades na leitura de falsas crenças e das intenções dos outros. Alguns estudos consideraram que os indivíduos com PEA apresentam défices na componente cognitiva e afetiva da empatia (Grove et al., 2014), outros apenas na empatia cognitiva (Mazza et al., 2014), sendo os défices na empatia afetiva ou emocional mais inconsistentes (Gökçen et al., 2016). O desenvolvimento da empatia, de acordo com a teoria da mente, tem sido considerado importante para a melhoria da comunicação e da interação social (Marraffa & Araba, 2016) e nos comportamentos restritos e repetitivos (Jones et al., 2018).

A intervenção na PEA deve centrar-se nos seus sintomas específicos, nos processos da empatia, no funcionamento executivo, nomeadamente na regulação comportamental e na metacognição (Berenguer et al., 2018). Nesse contexto, o objetivo deste estudo centrou-se na análise e na compreensão das correlações entre os comportamentos típicos da PEA com as funções executivas e a empatia, de forma a serem estabelecidas orientações para a intervenção. Fundamentadas pela literatura, colocou-se a hipótese da existência de correlações entre os comportamentos típicos da PEA, o funcionamento executivo e a empatia, quer no domínio da comunicação social e interação, quer nos padrões restritos e repetitivos do comportamento, interesses e atividades. A literatura refere que défices nas funções executivas podem explicar difficuldades no domínio da comunicação e da interação social, bem como nos comportamentos repetitivos. Assim, colocou-se como primeira hipótese que os défices no funcionamento executivo estão positivamente associados à maior frequência de comportamentos típicos da PEA. A empatia também influencia a comunicação e a interação social e os comportamentos restritos e repetitivos, colocando-se como segunda hipótese que a capacidade de empatia está negativamente associada à maior frequência de comportamentos típicos da PEA. Por fim, dado que o funcionamento executivo influencia as capacidades empáticas, levantou-se como terceira hipótese que os défices no funcionamento executivo estão negativamente associados à maior capacidade de empatia. A compreensão dessas relações permite desenhar intervenções direcionadas às dimensões cognitiva e emocional que, por hipótese, estão na base do comportamento, o que possibilitará metodologias mais integrativas e abrangentes dos domínios comunicativo, social, comportamental e emocional e um melhor desenvolvimento do comportamento adaptativo.

2 MÉTODO

Nesta seção, tratamos dos participantes, dos instrumentos e dos procedimentos utilizados nesta pesquisa.

2.1 PARTICIPANTES

A amostra total foi constituída por 75 crianças, entre os 8 e os 12 anos (9,67 ± 1,29), 65 rapazes e 10 raparigas, com diagnóstico5 de PEA, tendo sido excluídos os casos com perturbação do desenvolvimento intelectual em comorbilidade. Da amostra, 59 (79%) não apresentam cormorbilidades diagnósticas, 9 (12%) apresentam comorbilidade com perturbação de hiperatividade e défice de atenção, 4 (5%) com perturbação da linguagem e três (4%) com outras perturbações. As crianças frequentam estabelecimentos de ensino regular, entre o 2º e 7º ano de escolaridade e beneficiam de Educação Especial e/ou apoio terapêutico.

2.2 INSTRUMENTOS

Foram aplicados os seguintes instrumentos:

  1. Questionário de Comportamentos Típicos na Perturbação do Espetro do Autismo (QCT-PEA): Esse questionário foi construído com o objetivo de compreender a frequência dos comportamentos que constituem critério para o diagnóstico de PEA, de acordo com os comportamentos inventariados nos critérios de diagnóstico do DSM-5: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (APA, 2014) completado com exemplos de comportamentos referidos na escala de diagnóstico Childhood Autism Rating Scale (CARS de Schopler et al., 1988), para facilitar a compreensão dos pais. O questionário foi organizado nos dois domínios que caracterizam a PEA: Comunicação Social e Interação Social (CSIS) e Padrões Restritos e Repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades (PRRCIA), que correspondem respetivamente, ao critério de diagnóstico A e B. Em cada domínio, os comportamentos foram organizados pelos subdomínios referidos no DSM 5 (APA, 2014). Na Comunicação Social e Interação Social (A), os comportamentos foram organizados: reciprocidade social – emocional (A1); comportamentos comunicativos não-verbais usados na interação (A2); e desenvolver, manter e compreender relacionamentos (A3). Nos Padrões Restritos e Repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades (B) foram organizados nos seguintes subdomínios: movimentos motores, uso de objetos, falas estereotipadas ou repetitivas (B1); insistência na monotonia, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento (B2); interesses altamente restritos e fixos (B3); e hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspetos sensoriais dos comportamentos (B4). No questionário, foram discriminados os problemas mais comuns da PEA, sendo a cotação realizada em escala de Likert (0- Nunca, 1- Raramente, 2- Algumas vezes, 3 - Frequentemente, 4 -Muito frequentemente), avaliando a frequência do comportamento da criança pelos pais. A validade de conteúdo desse questionário, baseado na tradução portuguesa do DSM- 5 (APA, 2014), foi analisada por um comité de 10 peritos com experiência, quer na área profissional de prestação de apoio a pessoas com PEA, quer na metodologia de investigação/validação de instrumentos, e respeitou todos os procedimentos recomendados pela International Test Commission (ITC, 2010). Assim, a cada especialista foi fornecida uma cópia do questionário e foi solicitado que se avaliasse a relevância, clareza/ambiguidade e simplicidade de cada item por uma escala tipo Likert com quatro opções de resposta que variavam entre 1 (muito irrelevante) até 4 (muito relevante). Todos os itens foram considerados representativos e todos os índices de validade de conteúdo foram superiores a .90, com índices de acordo entre peritos elevados. O Kappa de Cohen, com valores entre .82 e 1, mostrou uma excelente concordância entre os peritos. Os valores de consistência interna (Alfa Cronbach) indicam boa a excelente consistência, variando de .88 (B) a .92 (A), com um valor nos comportamentos típicos totais de .93. Nos subdomínios verificou-se: .79 (A3), .84 (A1) e .88 (A2); .56 (B1), .74 (B2), .81 (B4) e .88 (B3).

  2. Inventário Comportamental de Avaliação das Funções Executivas – Pais (ICAFEP) (Rodrigues et al., 2015): O instrumento utilizado consiste em uma tradução de Behavior Rating Inventory of Executive Function (Gioia et al., 2000). Esse questionário não se encontra validado para a população portuguesa, estando as suas propriedades métricas, neste momento, em análise. O seu objetivo é perceber a visão dos pais face a diferentes domínios do funcionamento executivo, como Inibição/Controlo Inibitório, Alternância, Controlo Emocional, Iniciativa, Memória de Trabalho, Planificação/Organização, Organização de Materiais e Monitorização (Rodrigues et al., 2015). Essas oito subescalas compreendem dois índices: Índice de Regulação Comportamental (IRC, constituído pelo somatório das três primeiras subescalas referidas) e o Índice de Metacognição (IM, constituído pelo somatório das restantes subescalas). O somatório desses dois índices constitui o Composto Executivo Global (CEG) (Gioia et al., 2000). O instrumento apresenta uma elevada consistência interna quer na sua versão original (0.82>α<0.98) (Gioia et al., 2000) quer na versão portuguesa (α = 0.73 − 0.95, excepto no subdomínio da iniciação 0.67) (Gomes, 2017). No presente estudo, a consistência mantém-se elevada ao nível dos índices e composto: CEG (.87), IRC (.72) e IM (.86), e nas subescalas: inibição (.88), alternância (.84), controlo emocional (.89), iniciação (.77), memória de trabalho (.89), planificação/organização (.87), organização de materiais (.89) e monitorização (.75).

  3. Escala de Avaliação de Empatia (EAE), adaptada por Veiga e Santos (2011): Essa escala é a adaptação portuguesa do Questionnaire to Assess Affective and Cognitive Empathy in Children II (QACEC), de (Zoll & Enz, 2010), que avalia a empatia nas suas dimensões cognitiva (implica o colocar-se no lugar do outro) e afetiva, em que é pedida a perceção dos estados internos do outro. A versão utilizada foi adaptada para a população portuguesa por Veiga e Santos (2011) para ser utilizado em crianças e adolescentes, e mantém a estrutura multidimensional avaliando, também, as componentes cognitivas e afetivas da empatia. As respostas aos respetivos itens são apresentadas segundo uma escala tipo Likert, com cinco possibilidades de respostas (1- Discordo totalmente, 2- Discordo um pouco, 3- Não concordo nem discordo; 4- Concordo um pouco, 5- Concordo totalmente). A fiabilidade foi analisada com base na consistência interna (Alfa de Cronbach) com a dimensão cognitiva e afetiva a apresentarem valores de .72 e .85, respetivamente (Veiga & Santos, 2011). No presente estudo, verificou-se uma boa consistência interna na empatia (.82) e nas duas dimensões: cognitiva (0.74) e afetiva (0.84).

2.3 PROCEDIMENTOS

Para o recrutamento da amostra, foi solicitada a colaboração de centros de desenvolvimento públicos e privados de várias zonas do país, solicitando-se aos técnicos superiores (psicólogos, técnicos superiores de Educação Especial e reabilitação, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e professores de Educação Especial, entre outros) que acompanham a criança, a colaboração na aplicação da Escala de Avaliação da Empatia, para que o facto da criança não conhecer o investigador não influenciasse as suas respostas. Antes da sua aplicação, foram explicados, pelo investigador, os procedimentos de aplicação aos técnicos. O Questionário de Comportamentos Típicos na Perturbação do Espetro do Autismo e Inventário Comportamental de Avaliação das Funções Executivas foi respondido pelos pais.

O estudo foi aprovado por uma Comissão de Ética, em conformidade com as diretrizes nacionais e internacionais para a investigação científica que envolve seres humanos, incluindo a Declaração de Helsínquia sobre os Princípios Éticos para a Investigação Médica em Seres Humanos (2013) e a Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina. Todos os participantes assinaram um Consentimento Informado, Livre e Esclarecido. Os dados recolhidos foram analisados com o recurso à estatística descritiva e inferencial, por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.0 para Windows. Com o objetivo de estudar as diferentes variáveis de estudo, realizou-se uma estatística descritiva de acordo com os resultados obtidos nos três instrumentos, bem como o estudo de correlação entre as variáveis, através do Coeficiente de correlação de Pearson.

3 RESULTADOS

Na Tabela 1 é apresentada a estatística descritiva (média e desvio padrão) das variáveis em estudo. Os valores correspondem à média dos valores obtidos em cada um dos domínios e subdomínios avaliados. As médias superiores indicam a maior frequência de comportamentos típicos da PEA. Nas funções executivas, as médias superiores indicam maiores défices nesse domínio e na empatia os valores superiores indicam maior capacidade de empatia.

Tabela 1 Estatística descritiva dos domínios e subdomínios dos Comportamentos Típicos da PEA (QCTPEA), Funções Executivas (ICAFEP), Empatia (EAE) 

Amostra Total n= 75
M SD
Comportamentos Típicos PEA totais (CT PEA) 1.60 .67
A - Comunicação Social e Interação Social (CSIS) 1.77 .65
A1- Reciprocidade social – emocional 1.77 .74
A2- Comportamentos comunicativos não-verbais 1.59 .93
A3- Desenvolver, manter e compreender relacionamentos 1.88 .66
B- Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades (PRRCIA) 1.50 .80
B1- Movimentos motores, uso de objetos, fala estereotipados ou repetitivos 1.52 .98
B2- Insistência na monotonia, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento 1.69 .96
B3- Interesses altamente restritos e fixos 1.17 1.11
B4- Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspetos sensoriais dos comportamentos. 1.58 .99
Funções Executivas
Composto Executivo Global (CEG) 2.08 .35
Índice de Regulação Comportamental (IRC) 2.07 .38
Índice de Metacognição (IM) 2.09 .39
Inibição 1.99 .48
Alternância 2.14 .47
Controlo Emocional 2.07 .46
Iniciação 2.00 .46
Memória de Trabalho 2.16 .48
Planificação/Organização 2.12 .47
Organização de Materiais 1.99 .59
Monitorização 2.20 .43
Empatia 3.59 .61
Empatia cognitiva (EC) 3.20 .75
Empatia afetiva (EA) 3.97 .76

Nota: M – media SD – desvio padrão

Ao analisarmos os comportamentos típicos na PEA (Tabela 1), a maior frequência de comportamentos encontrou-se no domínio da Comunicação Social e Interação Social (A). Nesse domínio, a maior frequência encontrou-se nos défices em desenvolver, manter e compreender relacionamentos (A3) e menor nos comportamentos comunicativos não verbais (A2). Nos Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades (B), a maior frequência de comportamento encontrou-se na insistência na monotonia e adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento (B2), sendo a menor frequência nos Interesses altamente restritos e fixos (B3). Nas funções executivas, pelas respostas dos pais ao ICAFEP, a amostra apresentou um perfil de frequência de comportamentos semelhante no IRC e IM. Nas diferentes subesca-las os valores médios de frequência também foram semelhantes, destacando-se ligeiramente a monitorização, memória de trabalho, alternância e planificação. Na empatia, verificou-se um valor superior na empatia afetiva comparativamente à empatia cognitiva.

De modo a perceber a relação entre os vários domínios avaliados, foram estudadas as correlações entre as variáveis anteriores (Tabela 2).

Tabela 2 Coeficientes de correlação de Pearson entre as funções executivas, empatia e comportamentos típicos da PEA 

CT PEA A-CSIS A1 A2 A3 B- PRRCIA B1 B2 B3 B4 Empatia EC EA
Composto Executivo Global (CEG) .534** .456** .367** .293* .504** .497** .331** .437** .442** .384** -.128 -.246* .036
Índice de Regulação Comportamental (IRC) .494** .445** .365** .274* .493** .438** .276* .455** .415** .289* -.222 -.283* -.078
Índice de Metacognição (IM) .475** .394** .311* .260* .434** .456** .312** .360** .390** .381** -.054 -.187 .097
Inibição .184 .237* .100 .117 .374** .126 .081 .108 .163 .066 -.135 -.187 -.033
Alternância .660** .536** .546** .374** .461** .617** .387** .665** .506** .449** -.149 -.165 -.077
Controlo Emocional .343** .295** .230* .167 .350** .309** .195 .321** .331** .179 -.252* -.331** -.078
Iniciação .519** .476** .417** .251* .537** .471** .444** .369** .339** .366** -.120 -.163 -.033
Memória de Trabalho .481** .379** .373** .214 .377** .480** .222 .396** .448** .366** -.054 -.130 .041
Planificação/organização .455** .388** .361** .255* .380** .434** .257* .344** .357** .396** .021 -.136 .167
Organização de Materiais .140 .053 -.077 .047 .161 .173 .133 .110 .175 .133 -.023 -.148 .108
Monitorização .371** .352** .261* .325** .333** .313** .226 .266* .273* .240* -.046 -.174 .096
Empatia -.108 -.093 -.044 -.027 -.156 -.074 -.081 -.215 -.136 .096 - .806** .813**
Empatia cognitiva (EC) -.044 -.046 .025 .002 -.133 -.013 -.013 -.145 -.106 .134 .806** - .312**
Empatia Afetiva (EA) -.130 -.104 -.095 -.045 -.120 -.106 -.118 -.203 -.114 .023 .813** .312** -

Nota: CT PEA – Comportamentos típicos da PEA, A- CSIS- comunicação social e interação social, Al- Reciprocidade social – emocional, A2- Comportamentos comunicativos não-verbais , A3- Desenvolver, manter e compreender relacionamentos, B- PRRCIA - Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades, B1- Movimentos motores, uso de objetos, fala estereotipados ou repetitivos, B2- Insistência na monotonia, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento, B3- Interesses altamente restritos e fixos, B4- Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais, EC- empatia cognitiva, EA- empatia afetiva *p < .05. **p ≤ .01 indicam valores significativos (valores significativos encontram-se a negrito)

Na análise dos resultados da Tabela 2, verificaram-se correlações positivas estatisticamente significativas entre todos os domínios e subdomínios dos comportamentos típicos da PEA (CT-PEA) com o CEG, IRC e IM, tal como com as subescalas da alternância, iniciação e planificação. As correlações mais fortes foram encontradas com a subescala da alternância. A monitorização apresentou também correlações significativas com o domínio CSIS, bem como os seus subdomínios. O controlo emocional e memória de trabalho também apresentaram correlações semelhantes, excepto com os comportamentos comunicativos não verbais (A2) e a inibição apenas com a CSIS e défices em desenvolver, manter e compreender relacionamentos (A3). No domínio e subdomínios dos PRRCIA (B), as subescalas memória de trabalho e monitorização também se relacionaram com o domínio B e subdomínios, excepto com movimentos motores, uso de objetos, falas estereotipadas ou repetitivas (B1). O controlo emocional correlacionou-se apenas com B, B2 e B3. Não foram encontradas correlações entre esse domínio e a inibição. A organização de materiais não apresentou correlações com nenhum dos domínios e subdomínios dos comportamentos típicos da PEA.

Não se verificaram correlações entre a sintomatologia da PEA e a empatia, apenas com alguns comportamentos específicos do questionário. A empatia cognitiva apresentou uma correlação negativa com a preferência por atividades solitárias ou interações com pessoas muito mais novas e muito mais velhas (r= -.293, p< .05), e a empatia afetiva apresentou também correlações negativas com os comportamentos: linguagem unilateral, deficiente em reciprocidade social, usada mais para pedir ou rotular do que para comentar, partilhar sentimentos ou conversar (r=-.278, p< .05), insistência em brincar com regras muito rígidas (r=-.231, p <.05), discurso repetitivo (r=-.258, p< 0.05) e adesão excessiva a rotinas (r=-.266, p< .05). A empatia cognitiva apresentou, ainda, correlações negativas com o CEG, IRC e controlo emocional. O controlo emocional também se correlacionou com a empatia geral.

4 DISCUSSÃO

A PEA é uma perturbação do neurodesenvolvimento marcada por dificuldades na comunicação e interação social bem como nos padrões restritos e repetitivos, sendo o seu perfil comportamental considerado um fenótipo decorrente de défices em algumas funções neurocognitivas como as executivas e a empatia. Esta pesquisa centrou-se no estudo das correlações entre a frequência de comportamentos característicos da sintomatologia da PEA, o funcionamento executivo e a empatia, com o objetivo estabelecer linhas de orientação para a intervenção em crianças com PEA. Os resultados foram ao encontro das hipóteses colocadas, tendo sido encontradas correlações entre a comunicação social e interação social e os padrões restritos e repetitivos do comportamento, interesses e atividades e as funções executivas e empatia. Assim, corroborando com outros autores (Leung et al., 2016) consideramos que, face às correlações encontradas, a descrição do perfil social, comportamental e neurocognitivo das crianças é essencial para o planeamento de uma intervenção adequada.

Confirmando a primeira hipótese, verificaram-se correlações entre o perfil comportamental nos domínios que caracterizam a PEA pelo DSM-5 (APA, 2013) com o funcionamento executivo. Os maiores défices no funcionamento executivo estão positivamente associados à maior frequência de comportamentos típicos da PEA. Essas correlações foram ao encontro de outros estudos e evidenciam a necessidade de planear intervenções individualizadas, centradas quer nas características (áreas fortes e fracas das crianças), no domínio comportamental, quer nas competências neurocognitivas que poderão estar na base de alguns comportamentos e que influenciam a regulação do comportamento social e não social (Kenworthy et al., 2009). Dados recentes, consideraram que os objetivos principais de intervenção na PEA são a redução dos principais sintomas (comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos do comportamento, interesses e atividades) e a melhoria das comorbilidades; a promoção da autonomia funcional e do comportamento adaptativo e a eliminação ou redução de comportamentos problemáticos, que possam interferir nas competências funcionais e académicas (Hyman et al., 2020). No caso do funcionamento executivo, alguns estudos consideraram a importância da regulação comportamental e metacognição no desenvolvimento da comunicação e interação social (Leung et al., 2016; Peterson et al., 2015), e outros consideraram que os processos me-tacognitivos têm maior associação com o domínio social (Chouinard et al., 2019; Torske et al., 2018). No domínio dos padrões restritos e repetitivos do comportamento, alguns estudos consideraram apenas a regulação comportamental (Boyd et al., 2009; Kenworthy et al., 2009). Na mesma linha desses estudos, os resultados desta investigação evidenciaram a associação entre regulação comportamental e metacognição com ambos os domínios dos comportamentos típicos da PEA, permitindo considerar a importância da intervenção no funcionamento executivo como forma de desenvolver competências cognitivas de base para a melhoria da comunicação e interação social e dos padrões restritos e repetitivos do comportamento.

Esses dados vão ao encontro da teoria da disfunção executiva, que considera que as dificuldades na comunicação e interação social e nos padrões restritos e repetitivos de comportamentos podem ser explicados por inadequadas funções executivas, nomeadamente a planificação, a memória de trabalho, a inibição e a flexibilidade cognitiva (Hill, 2004; Lopez et al., 2005) e que a intervenção no funcionamento executivo poderá desencadear melhorias dessas dificuldades. Ao analisarmos os nossos dados, as correlações com essas áreas do funcionamento executivo foram evidentes, sugerindo também uma intervenção individualizada e centrada nos comportamentos e nos processos executivos que se relacionam, de acordo com uma avaliação funcional da sintomatologia da PEA e das funções executivas, de forma a planear a intervenção, delimitar os objetivos de intervenção e as estratégias a implementar (Hyman et al., 2020; NICE, 2020).

Relativamente à empatia, a nossa amostra apresentou melhores competências na empatia afetiva comparativamente à cognitiva, tal como em outros estudos (Gökçen et al., 2016; Mazza et al., 2014) que consideraram maiores dificuldades na empatia cognitiva, nomeadamente, na capacidade de mentalização. Os resultados apenas confirmaram parcialmente a segunda hipótese colocada, uma vez que não foram encontradas correlações entre a empatia e os domínios e subdomínios dos comportamentos típicos da PEA, contrariamente a Jones et al. (2018). Contudo foram encontradas correlações negativas entre a empatia e alguns comportamentos específicos. Esses resultados relacionaram-se à preferência por atividades solitárias, dificuldades na comunicação recíproca, inflexibilidade nas brincadeiras e na dependência de rotinas e apontam para a necessidade de intervir nos processos cognitivos responsáveis pelo comportamento empático como forma de melhorar as relações sociais (Marraffa & Araba, 2016).

Além disso, os resultados confirmaram a terceira hipótese, tendo sido encontradas correlações negativas entre funções executivas e empatia cognitiva, corroborando com estudos anteriores (Jones et al., 2018; Pellicano, 2007), nomeadamente com a regulação comportamental e controlo emocional, demonstrando que menores défices no funcionamento executivo estão associados a uma melhor capacidade de empatia cognitiva. Os nossos dados sugeriram a intervenção nesses dois domínios, encontrando-se em linha com Wade et al. (2018) que consideraram que a intervenção com foco no desenvolvimento da empatia cognitiva/teoria da mente poderá ter impacto nas funções executivas e vice-versa. Adicionalmente, outros autores consideraram que o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva é importante para melhorar a capacidade de mentalização, comunicação e comportamentos desajustados (Varanda & Fernandes, 2017).

No presente estudo, salientaram-se as correlações entre o funcionamento executivo e todos os domínios e subdomínios dos comportamentos típicos da PEA, nomeadamente a regulação comportamental, os processos metacognitivos, a alternância/flexibilidade, a iniciação e a planificação. Face às relações que foram encontradas, que vão ao encontro de outros estudos (Berenguer et al., 2018), considera-se que intervenção deverá ser diferenciada tendo em conta o perfil comportamental da criança e o funcionamento executivo e empático. De acordo com as correlações encontradas e o papel do funcionamento executivo na melhoria nos domínios sociais e comportamentais na PEA, tal como referido nos estudos anteriormente citados, destaca-se a importância na intervenção do desenvolvimento da flexibilidade cognitiva e comportamental pela sua influência no comportamento adaptativo em diferentes contextos (Pugliese et al., 2015) e interferência na comunicação, interação social e padrões repetitivos de comportamento (Varanda & Fernandes, 2017). O desenvolvimento da capacidade de pla-nificação e de organização associado a estratégias de flexibilidade proporcionará uma maior adaptação às situações do quotidiano (Hill, 2004). Estimular a capacidade de iniciativa terá impacto na comunicação social e na socialização e, consequentemente, no comportamento adaptativo (Pugliese et al., 2015). Além disso, destaca-se o controlo emocional pela sua influência nas relações sociais e, também, na capacidade de regulação emocional e, consequentemente, dos comportamentos restritos e repetitivos (Samson et al., 2014), e a memória de trabalho sendo fundamental para o desenvolvimento da comunicação e interação social (Freeman et al., 2017; Leung et al., 2016) e na redução dos comportamentos restritos e repetitivos (Rabiee et al., 2020). O desenvolvimento da monitorização será essencial para autorregulação face às exigências sociais bem como para a capacidade de auto-gestão (Pugliese et al., 2016). O aumento da capacidade de inibição poderá promover melhorias na comunicação verbal, na pragmática, bem como na interpretação de situações sociais (Hutchison et al., 2019).

Considera-se ainda que, face às correlações encontradas e tendo em conta os diferentes modelos de intervenção existentes para a PEA, os dados da nossa investigação sugerem a importância de intervenções centradas em modelos compreensivos, com foco nos sintomas de forma mais abrangente, centrando-se não apenas no desenvolvimento da comunicação e interação social e redução dos comportamentos repetitivos, mas também no desenvolvimento de competências de funcionamento executivo e empatia, tendo em conta que cada intervenção deve ser individualizada, flexível, adequada ao nível de desenvolvimento, com estratégias de acordo com a idade, áreas fortes e fracas da criança (Hyman et al., 2020). A utilização de instrumentos de medida que possam inventariar as capacidades e necessidades da criança permitirá uma avaliação funcional da criança, uma planificação individualizada da intervenção, estabelecimento de estratégias potenciadoras do desenvolvimento e da aprendizagem, bem como uma monitorização da própria intervenção e de avaliação dos seus efeitos. Além disso, é importante que a intervenção possa ocorrer em diferentes contextos (e.g.: casa, sala de aula, ambiente naturalista ou comunidade), por diferentes terapeutas (e.g.: especialista em desenvolvimento, terapeuta comportamental, educador ou pais treinados), individualmente ou em grupo (Wong et al., 2015), podendo utilizar estratégias de diferentes modelos desenvolvimentistas, comportamentalistas, cognitivo-comportamentais e educacionais para responder às necessidades das crianças, das famílias e das escolas.

5 LIMITAÇÕES

O nosso estudo apresentou algumas limitações. A amostra utilizada foi uma amostra de conveniência e diagnosticada por diferentes médicos e equipas multidisciplinares, o que pode condicionar a generalização dos resultados. A recolha de dados também apresentou limitações, dada a escassez de instrumentos com dados normativos para a população portuguesa. Por esse motivo, a frequência dos comportamentos típicos de PEA foi recolhida a partir de um questionário construído para este estudo, baseado nos critérios de diagnóstico do DSM-5 e utilizando a mesma linguagem, apesar da atenção ao nível da validade de conteúdo e da sua fabilidade (consistência interna). Além disso, tal como as funções executivas, os dados foram recolhidos de acordo com a perceção dos pais. Na empatia, foi utilizado um instrumento de autorrelato em parceria com o técnico de intervenção e, segundo a sua opinião, por vezes, a criança deu respostas hipotéticas ao questionário, mas em contexto real nem sempre age em conformidade. Apesar dessas limitações, os resultados obtidos encontraram-se em concordância com outros estudos e mostraram a importância de incluir o desenvolvimento das funções executivas e da empatia nos programas de intervenção das crianças com PEA, com foco nas diferenças individuais. Considera-se importante, para investigações futuras, a replicação do estudo com uma amostra de maior dimensão e a utilização complementar de tarefas de avaliação das funções executivas e empatia que complementem a perceção dos pais e que visem a recolha da perceção dos professores.

6 CONCLUSÕES

A frequência de comportamentos típicos da PEA nos domínios da comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos do comportamento apresentou associações com as diferentes áreas do funcionamento executivo, sendo menos significativas as associações encontradas com a empatia. Na generalidade, os resultados encontraram-se em conformidade com outros estudos no âmbito da PEA e indicaram a importância de uma intervenção individualizada que, além de se focar nos comportamentos específicos da PEA, deverá incluir a intervenção na empatia e nas funções executivas, nomeadamente, a regulação comportamental e de metacognição, bem como a alternância, iniciação e planificação, como forma de melhorar os défices sociais e não sociais da PEA.

Assim, acreditamos que os resultados alcançados neste estudo terão impacto na Educação Especial e nos programas terapêuticos propostos pela Direção Geral da Saúde no âmbito da PEA, ao considerarmos que as funções executivas e a empatia deverão fazer parte integrante dos planos educativos nas crianças com PEA, não se centrando apenas no tratamento terapêutico dos sintomas específicos e nas dificuldades relacionadas com as competências académicas, como acontece atualmente. A intervenção nas competências e capacidades que estão na origem de alguns sintomas da PEA possibilitará uma intervenção ao nível dos processos e não apenas dos sintomas em si, podendo promover uma melhoria em diferentes comportamentos e uma maior adaptação a diferentes contextos e situações. Além disso, proporcionará uma maior adaptação das estratégias educativas potenciadoras da aprendizagem académica, bem como a melhoria da adaptação, integração, inclusão e funcionalidade das crianças ao contexto escolar, familiar e comunitário. Finalmente, constituirá também uma mais valia para a construção de objetivos terapêuticos na área do neurodesenvolvimento que poderão ser essenciais para a adaptabilidade das crianças aos diferentes contextos.

5Realizado por profissionais competentes (pediatras experientes, pediatras do neurodesenvolvimento, pedopsiquiatras e equipas multidisciplinares com psicólogos, terapeuta da fala e técnicos superiores de Educação Especial e reabilitação psicomotora).

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Recebido: 22 de Outubro de 2020; Revisado: 14 de Junho de 2021; Aceito: 20 de Julho de 2021

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