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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.28  Marília  2022  Epub 25-Feb-2022

https://doi.org/10.1590/1980-54702022v28e0119 

Relato de Pesquisa

Práticas Pedagógicas Inclusivas Bilíngues de Letramento para Estudantes Surdos

Inclusive Bilingual Pedagogical Practices of Literacy for Deaf Students

Mariana Gonçalves Ferreira de CASTRO2 
http://orcid.org/0000-0002-6098-0675

Celeste Azulay KELMAN3 
http://orcid.org/0000-0002-6633-8931

2Professora de Língua Brasileira de Sinais e Educação Inclusiva. Faculdade de Educação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - campus Maracanã. Doutora em Educação. Mestre em Educação. Especialista em Educação Especial - Deficiente auditivo. Graduada em Tradução e Interpretação em Língua Brasileira de Sinais e Guia intérprete. Graduada em Pedagogia. Rio de Janeiro/Brasil

3Professora associada. Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ. Fundadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Surdez (GEPeSS: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3694557607427333). Autora de dois livros e autora e organizadora de outros sete. Possui 36 capítulos sobre Inclusão em Educação, Educação Especial e Educação de Surdos. Publicou quatro artigos em periódicos americanos sobre surdez e outros 40 no Brasil. Rio de Janeiro/Brasil


RESUMO:

A preocupação sobre o ensino da Língua Portuguesa para surdos permeou a história com diferentes interfaces e concepções. Como uma forma de apresentar proposições sobre o tema, este artigo é um recorte do relato de pesquisa descrito na tese intitulada Análise sobre ensino de Língua Portuguesa para surdos: um estudo em dois Municípios Fluminenses (Castro, 2021), que teve como objetivo geral descrever e analisar as práticas pedagógicas bilíngues utilizadas para ensinar Língua Portuguesa para surdos, em turmas bilíngues inclusivas, no 6º ano do Ensino Fundamental II, em escolas-polo bilíngues do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias. Os objetivos específicos foram: demonstrar práticas pedagógicas bilíngues de ensino de Língua Portuguesa para surdos realizadas em turmas bilíngues inclusivas de alunos surdos de escolas-polo dos municípios pesquisados; e destacar elementos que favorecem ou não a aprendizagem de Língua Portuguesa. A realização dessa investigação baseou-se em uma metodologia de abordagem qualitativa (Bauer & Gaskell, 2003), na matriz histórico-cultural com viés multicultural, do tipo estudo de caso (Gil, 2008). A análise dos dados foi realizada na perspectiva microgenética. Como resultado, observou-se que a forma como todos os envolvidos no processo de ensino aos alunos surdos e ouvintes medeiam o conhecimento da Língua Portuguesa, utilizando artefatos da metacognição ou da comunicação inter/multimodal por meio da Língua Brasileira de Sinais - Libras (Kelman, 2015), fazendo positivamente a diferença no ensino e na aprendizagem de todos os alunos. Enfim, considera-se que a qualidade da mediação semiótica utilizada por todos no processo ensino-aprendizagem dos surdos traz resultados positivos sobre a aprendizagem em Língua Portuguesa e sobre seu próprio desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Língua Portuguesa; Surdez; Escola-polo bilíngue

ABSTRACT:

The concern about teaching Portuguese Language to the deaf has permeated history with different interfaces and conceptions. As a way of presenting propositions on the subject, this paper is a cutoff of the research report described in the thesis entitled Análise sobre ensino de Língua Portuguesa para surdos: um estudo em dois Municípios Fluminenses (Castro, 2021) [Analysis on Portuguese Language Teaching for the deaf: a study in two municipalities of Baixada Fluminense), whose main objective was to describe and analyze the bilingual pedagogical practices used to teach Portuguese language for the deaf in inclusive bilingual classes, in the 6th grade of Elementary School II, in bilingual schools of Rio de Janeiro and Duque de Caxias. The specific objectives were: to demonstrate bilingual pedagogical practices of Portuguese Language teaching for the deaf carried out in inclusive bilingual classes of deaf students from schools in the municipalities surveyed, and to highlight elements that favor or not the learning of Portuguese Language. The realization of this investigation was based on a qualitative approach methodology (Bauer & Gaskell, 2003), in the historical-cultural matrix with multicultural perspective, of the case study type (Gil, 2008). The data analysis was performed from the microgenetic perspective. As a result, it was observed that the way everyone who were involved in the process of teaching deaf and hearing students mediate the knowledge of the Portuguese language, using artifacts of metacognition or inter/multimodal communication through the Brazilian Sign Language (Kelman, 2015), making a positive difference in the teaching and learning of all students. In summary, it is considered that the quality of semiotic mediation used by everyone in the teaching-learning process of the deaf brings positive results on their learning of Portuguese language and on their own development.

KEYWORDS: Portuguese Language Teaching; Deafness; Bilingual schools

1 Introdução

Este estudo constitui-se no contexto da recomendação da educação inclusiva como a modalidade preferencial de educação, conforme instituído no Art. 208, do item III da Constituição Federal de 1988, e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Baseia-se, também, na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, seguindo as convenções e as declarações da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema. Tomamos como base também o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a educação bilíngue como a melhor abordagem de educação para surdos.

Como neste relato de pesquisa defendemos o bilinguismo a partir da inclusão, partimos da premissa de que é possível a educação bilíngue inclusiva: um espaço escolar onde alunos surdos e ouvintes estudem juntos, na mesma turma, do mesmo ano de escolaridade ou em turmas separadas dos ouvintes (denominadas classes especiais ou classes bilíngues), sendo incluídos na mesma unidade escolar e que possam interagir na Língua Brasileira de Sinais (Libras), considerando-se a identidade e a cultura dos estudantes surdos.

Os municípios estudados nesta pesquisa, Duque de Caxias e Rio de Janeiro, instituíram as escolas-polo bilíngues com o intuito de atender ao aluno surdo na perspectiva das legislações anteriores. Contudo, ao incluir os alunos surdos em turmas comuns bilíngues, a escola como um todo e o professor regente da disciplina de Língua Portuguesa enfrentam o desafio no processo de ensino, pois os alunos surdos, em sua maioria, conhecem a Libras como primeira língua, pensam e constituem seus processos cerebrais nessa língua, que é de modalidade viso-espacial (Gesser, 2009), o que a difere da Língua Portuguesa, que é uma língua oral-auditiva.

Esse cenário justifica a pesquisa desenvolvida no presente trabalho, cujo relato é uma das produções no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Surdez (GEPeSS) pertencente ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O ineditismo desta pesquisa configura-se no cenário da educação brasileira, frente à lacuna de pesquisas e de debates sobre como ensinar Língua Portuguesa em turmas inclusivas em uma escola comum denominada “escola-polo bilíngue” de diferentes prefeituras. Há a necessidade de conhecermos e analisarmos práticas pedagógicas bilíngues ministradas por profissionais de Educação Básica que lecionam a disciplina Língua Portuguesa em turmas inclusivas e com currículos que demandam conteúdos sob a lógica oral-auditiva, bem como as interações entre eles no ambiente escolar. Apoiamo-nos em estudos de pesquisadores pertencentes ao GEPeSS, tais como Almeida (2014), Arruda (2015) e Costa (2015), que discutem as dificuldades na inclusão de surdos, demonstrando que a temática relacionada aos problemas e às dificuldades desse processo educacional bilíngue tem sido muito discutida e quase inexistente na prática.

Este artigo traz um recorte do relato de pesquisa descrito na tese intitulada Análise sobre ensino de Língua Portuguesa para surdos: um estudo em dois Municípios Fluminenses (Castro, 2021), o qual traz questões que expressam o problema abordado: Em que medida as práticas pedagógicas bilíngues e inclusivas interferiram no ensino da Língua Portuguesa para surdos no 6º ano do Ensino Fundamental II de escolas-polo bilíngues dos municípios pesquisados - Rio de Janeiro e de Duque de Caxias? Quais foram as estratégias de ensino utilizadas nas aulas de Língua Portuguesa em turmas bilíngues e inclusivas no 6º ano do Ensino Fundamental II das escolas-polo bilíngues pesquisadas? Quais elementos favoreceram ou não a inclusão e a educação bilíngue para surdos em turmas inclusivas do 6º ano do Ensino Fundamental II dessas escolas-polo bilíngues? Até que ponto a diferença linguística dos estudantes surdos refletiu na prática pedagógica das aulas de Língua Portuguesa em turmas inclusivas bilíngues para surdos no 6º ano do Ensino Fundamental II? Ao buscar respostas para essas questões, nosso objetivo geral, na tese descrita, foi descrever e analisar as práticas pedagógicas bilíngues utilizadas para ensinar Língua Portuguesa para surdos, em turmas bilíngues inclusivas, no 6º ano do Ensino Fundamental II, em escolas-polo do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias.

Os objetivos específicos foram: demonstrar práticas pedagógicas bilíngues de ensino de Língua Portuguesa para surdos realizadas em turmas bilíngues inclusivas de alunos surdos de escolas-polo dos municípios pesquisados e destacar elementos que favoreceram ou não a aprendizagem de Língua Portuguesa. Levando em conta as orientações de Rocha (2008) e Góes e Campos (2014), podemos afirmar que a forma gestual de se comunicar sempre existiu, desde os primórdios da evolução humana, e que esse modo de estabelecer interação pode prevalecer quando são consideradas as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem da pessoa surda.

Após anos de luta de movimentos sociais de surdos, a Libras foi homologada pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que ratificou a Libras como meio de comunicação e expressão dos surdos. Em seu parágrafo único, a Libras é entendida como a forma de comunicação e expressão de estudantes surdos. Essa língua foi reconhecida como uma língua viso-motora, com estrutura gramatical própria. Além disso, ela passa a fazer parte da Base Nacional Comum Curricular ([BNCC], 2018), devendo ser ensinada em todas as escolas de Ensino Fundamental, universidades e inserida na grade curricular como disciplina obrigatória. No Ensino Fundamental, no entanto, são raríssimas as instituições que acrescentam Libras no currículo comum da escola, possuindo ou não alunos surdos. Enfim, apesar de essa lei ter sido regulamentada pelo Decreto nº 5.626/2005, ainda há muita luta para que as legislações sejam cumpridas com rigor. Apesar disso, os debates, as experiências de profissionais, os estudos desenvolvidos (Castro & Santos, 2018; Kelman, 2005a, 2005b, 2010, 2011, 2015; Kelman & Brito, 2018; Lacerda & Santos, 2014; Lebedeff, 2017; Navegantes et al., 2016; Quadros, 2019) e o referido Decreto indicam a educação bilíngue como a mais adequada para o desenvolvimento cognitivo do aluno surdo em todos os níveis de escolaridade.

A gênese do conceito de educação inclusiva dá-se na Declaração de Salamanca de 1994 (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 1994), sendo promulgada no Brasil pela primeira vez por meio da Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, que afirma, em seu parágrafo único: “Os sistemas de ensino devem constituir e fazer funcionar um setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da educação inclusiva” (p. 1). Essa recomendação tem relação com a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, elaborada em encontro ocorrido em Jomtien, na Tailândia e publicada pela Unesco, em 1990.

O Decreto nº 5.626/2005 traduz essa perspectiva na forma de orientação legal, no seu Art. 14, cujo parágrafo primeiro apresenta as determinações em relação à avaliação escolar e ao ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, afirmando que devem ser adotadas avaliações que partam do princípio de que a Língua Portuguesa é a segunda língua (L2) da pessoa surda. O Art. 15 do referido Decreto afirma que, para complementar o currículo da BNCC de 2018, o ensino de Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua devem ser ministrados em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental.

Entretanto, Campos (2014) afirma: “O tema sobre a educação inclusiva é o mais polêmico e inquietante para nós, estudantes surdos (alunos surdos, seus familiares, professores surdos, professores bilíngues e intérpretes), bem como para professores que não têm domínio da língua e coordenadores, devido às condições culturais, históricas, educativas e linguísticas que estão em jogo” (p. 37). Nesse sentido, a inclusão de alunos surdos em um sistema de ensino voltado a alunos ouvintes parece ser algo desafiador. Conforme afirma Moura (2014), apesar de toda a conquista do advento das legislações supracitadas, a prática docente, em sala de aula, em turmas de surdos ou com alunos surdos e ouvintes, parece ser bastante desafiadora, uma vez que nesse formato se observa a prevalência da Língua Portuguesa sobre a Libras. Nos próximos itens, abordaremos sobre a discussão e os resultados encontrados nesta pesquisa.

2 Método

Propomos uma metodologia de natureza qualitativa (Bauer & Gaskell, 2003) na matriz histórico-cultural, do tipo estudo de caso (Gil, 2008). A análise de dados tem uma perspectiva microgenética e tem como campo empírico duas escolas-polo bilíngues, uma no Rio de Janeiro e outra em Duque de Caxias. Apoiamo-nos na teoria histórico-cultural com viés multicultural (Vygotsky, 2000, 2010a, 2010b, 2012) para compreender as relações que envolvem o desenvolvimento da aprendizagem humana. Com base nessa opção teórica, consultamos autores que discutem o ensino de Língua Portuguesa, tais como: Castro e Santos (2018), Lacerda e Santos (2014), Lebedeff (2017) e Quadros (2019).

2.1 Participantes e campo empírico da pesquisa

A pesquisa teve como campo empírico duas escolas-polo inclusivas bilíngues: uma localizada no município do Rio de Janeiro, na 3ª Coordenadoria Regional de Ensino (CRE); e outra em Duque de Caxias, no 3º Distrito (Santa Cruz da Serra). Optamos por pesquisar no 6º ano do Ensino Fundamental porque é o primeiro ano do Ensino Fundamental II (segundo segmento). Supõe-se que o aluno já esteja alfabetizado e conhecendo as regras gramaticais da Língua Portuguesa, lendo e escrevendo com certa autonomia. Um dos critérios de escolha dos municípios justifica-se pelas diferentes formas de incluir o aluno surdo.

Na escola-polo bilíngue de Duque de Caxias, o aluno estuda em classe especial inserida na escola comum até o 5º ano (último ano do Ensino Fundamental I), podendo ter ou não o atendimento do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Somente a partir do 6º ano (início do Ensino Fundamental II), o aluno surdo é inserido em uma turma comum, com a presença da tradutora e intérprete de Libras/Língua Portuguesa (TILSP) e do AEE no contraturno. Já no município do Rio de Janeiro, a criança surda pode ser inserida em uma turma comum, com a presença do TILSP desde a Educação Infantil.

Essas diferentes formas de incluir serão uma das variáveis do ensino de Língua Portuguesa que analisaremos nesta pesquisa. O 6°ano de escolaridade é incorporado a um projeto da Rede Municipal denominado Projeto Ginásio Carioca. Nesse projeto, a turma permanece ainda com apenas um professor para todas as disciplinas: o professor generalista. A turma observada na escola-polo bilíngue do Município de Duque de Caxias tem 27 alunos, dos quais seis são surdos, quatro do sexo feminino e dois do masculino, e 21 são ouvintes. A faixa etária dos alunos varia entre 11 e 15 anos. A TILSP possui a seguinte formação: curso de Pedagogia Bilíngue do INES, avaliação do Centro de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS-RJ), cursos de capacitação na empresa contratada e pós-graduação lato sensu em Práticas e Saberes da Educação Básica na UFRJ, em andamento.

No momento de realização desta pesquisa, em 2018, a Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias estava com um quantitativo de TILSPs inferior à demanda de alunos surdos. No primeiro segmento do Ensino Fundamental, os alunos surdos estudam em classe especial, acompanhados por um professor regente bilíngue e um assistente educacional bilíngue (o assistente educacional é um profissional surdo que acompanha o professor regente atuando como “monitor” das aulas, eventos culturais e festividades da escola). Durante o percurso desta pesquisa, aconteceram muitas manifestações de familiares de alunos, professores e gestores de escolas para renovar e garantir a presença de TILSPs em toda a rede da Prefeitura de Caxias. Em 2019, houve um processo seletivo de tradutores intérpretes de Libras e Língua Portuguesa e assistentes educacionais bilíngues que assumiram o cargo a partir de 2020.

Já a turma observada na escola-polo bilíngue do Município do Rio de Janeiro tem um total de 38 alunos ouvintes e dois alunos surdos. Não há alunos com outras deficiências. As idades dos estudantes variam entre 10 e 13 anos, sendo um dos alunos surdos o mais velho da turma, com 13 anos. Cada turma conta com um TILSP. Os TILSPs e os professores de Libras são contratados por uma empresa de forma terceirizada. A turma está inserida no Projeto Ginásio Carioca, inicialmente denominado Projeto 6º Ano Experimental. A exigência da empresa quanto à formação é: Ensino Médio, alguma experiência comprovada em carteira de trabalho ou em certificado, PROLIBRAS e avaliação do CAS, a qual consiste em uma entrevista em Libras. Sendo aprovado, o candidato é encaminhado para atuar em alguma unidade escolar do município.

2.2 Procedimentos da pesquisa

O percurso empírico da pesquisa aconteceu por meio de três procedimentos: a) Observação participante dos professores durante as aulas de Língua Portuguesa no 6º ano do Ensino Fundamental II; b) Observação participante das interações de alunos surdos-alunos ouvinte nas aulas de Língua Portuguesa; c) Pesquisa documental nas escolas e nas Prefeituras pesquisadas.

A observação participante foi o primeiro instrumento empregado. Na Escola polo-bilíngue de Duque de Caxias, foram observadas 20 horas de aula, no período compreendido do dia 18 de março de 2019 a 5 de agosto de 2019, às segundas-feiras, das 13h até as 14h40. Já na escola-polo bilíngue do Rio de Janeiro, foram observadas 40 horas de aula, no período compreendido de 20 março de 2019 a 27 de junho de 2019, às quintas-feiras, de 9h até as 14h30. A quantidade de horas de observação participante nas aulas em Duque de Caxias foi menor devido à dificuldade de a pesquisadora conciliar o horário de seu trabalho pessoal com os tempos de aulas disponíveis oferecidos à turma observada. Utilizamos a técnica da observação participante com o objetivo de obter pistas acerca do processo de ensino de Língua Portuguesa em turmas inclusivas nas duas Prefeituras e com organizações de formas de inclusão diferenciadas.

De acordo com Gil (2008), a observação participante, ou observação ativa, é um elemento fundamental para o processo da pesquisa. Para o registro das observações, utilizamos dois instrumentos: o Protocolo de Observação de Interação e Atividades (Kelman 2005a) e o caderno de campo. O protocolo foi utilizado na sala de aula com o intuito de registrar o desenvolvimento das aulas e a interação entre alunos, professores e a pesquisadora. Quando necessário, ajudava a professora regente a interpretar as aulas, tirando dúvidas dos alunos ouvintes sobre Libras e dos alunos surdos sobre o conteúdo dado.

Na análise dos dados da observação, trabalhamos em uma via interpretativa, buscando discutir elementos considerados importantes para o objetivo geral e os específicos da pesquisa. Na perspectiva da abordagem histórico-cultural, seguimos as considerações de Freitas (2002): “A observação não se deve limitar à pura descrição de fatos singulares, o seu verdadeiro objetivo é compreender como uma coisa ou acontecimento se relaciona com outras coisas e acontecimentos” (p. 28). Desse modo, percebemos similaridades em situações registradas, sendo possível agrupá-las e definir eixos de discussão, os quais relacionaremos com a fundamentação teórica, seguindo as orientações de Vianna (2003), para quem “é interessante para a análise estabelecer-se uma relação entre teorias e dados, sem engessar os dados pela teoria” (p. 98). Além da observação participante, realizamos, em nossa investigação, conforme recomendado por Gil (2008), uma pesquisa documental, com a técnica de construção de dados, na qual o pesquisador busca os dados a serem analisados em documentos e qualquer fonte de registros a que tiver acesso. Na pesquisa documental, depois de selecionada a amostra documental, é preciso fazer a determinação de unidades de análises, a eleição das categorias e a organização dos dados a serem analisados. Com base na análise dos documentos, podemos realizar uma investigação social do lócus pesquisado. De acordo com Gil (2008), são considerados documentos não apenas os escritos, mas qualquer objeto que possa contribuir na análise de dados para investigar determinado fato ou fenômeno.

2.3 Construção de dados

Após a aplicação dos procedimentos: observação participante dos professores regentes de Língua Portuguesa, observação participante das interações dos alunos das turmas pesquisadas e as pesquisas documentais para a construção de dados obtidos na escola do Município do Rio de Janeiro e na escola do Município de Duque de Caxias, optamos por utilizar a análise microgenética. De acordo com os estudos de Kelman (2005a), o conceito de microgênese foi fundamentado pelas pesquisas de Vygotsky (2000, 2010a, 2012). Ao executar uma pesquisa, Vygotsky percebeu que, para observar mudanças significativas no desenvolvimento (Kelman, 2005a), ele necessitava focar a observação de forma detalhada no ato do processo. A partir daí, surgiu o conceito da abordagem microgenética. Essa abordagem está contida em uma matriz sociocultural e semiótica dos processos de interação humana. A análise microgenética permite-nos observar e compreender o processo ensino-aprendizagem dentro de uma sala de aula. Partindo dessa premissa, classificamos os dados construídos em quatro categorias:

  1. Identidade cultural da escola.

  2. Interações entre professores de Língua Portuguesa e o (s) aluno(s) surdo(s), entre alunos surdos/ouvintes e alunos ouvintes/surdos.

  3. O profissional TILSP nas escolas bilíngues inclusivas.

  4. Práticas pedagógicas bilíngues nas turmas inclusivas.

Ressaltamos que não pretendemos realizar um estudo comparativo entre as duas escolas pesquisadas. Para atingir os objetivos deste artigo, a análise da construção de dados será comentada de forma global no item 3.

2.4 Aspectos éticos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ, conforme o Parecer nº 3.059.718. Após o recebimento da Carta de Apresentação, as Secretarias de Educação dos municípios pesquisados aprovaram a pesquisa, conforme o Parecer nº 3/19, da Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias. Na Prefeitura do Rio de Janeiro, não houve parecer por escrito de aprovação do projeto. Essa informação fica arquivada no sistema do setor da Secretaria de Educação responsável por pesquisas, nas unidades da rede. Seguindo os procedimentos éticos, os professores regentes e os TILSPs das duas escolas-polo inclusivas bilíngues pesquisadas receberam e assinaram o Registro de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos esses documentos estão em poder da autora desta pesquisa.

3 Resultados e discussão

Nesta seção, discutimos os resultados que dizem respeito às quatro categorias anteriormente apontadas.

3.1 Identidade cultural das escolas-polo bilíngues

A escola do Município de Duque de Caxias localiza-se no Parque Equitativa, bairro do Terceiro Distrito do município, na Baixada Fluminense, que se localiza a 10 km de Petrópolis e 29 km do centro da capital. A escola funciona em três turnos, oferecendo Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Há também duas classes especiais: uma de alunos com deficiência física e/ou intelectual, transtornos 118 e síndromes; e outra somente com alunos surdos, até o 5º ano de escolaridade, que são atendidos por professoras que sabem Libras e se definem como profissionais bilíngues. Os alunos surdos são incluídos em turmas comuns a partir do 6º ano de escolaridade. Cada turma do 6º ao 9º ano com alunos surdos incluídos deve contar com o TILSP. A escola também possui sala de AEE, que atende aos alunos surdos e com deficiência no contraturno da escolaridade, com professoras que sabem Libras.

A escola é grande, porém algumas dependências da escola apresentam condições de uso inadequadas. A identidade institucional de uma escola está em permanente construção e reconstrução. O desafio do professor que trabalha em uma escola inclusiva bilíngue é buscar “caminhos didático-pedagógicos que deem conta das hibridações e sínteses culturais presentes nessas construções identitárias” (Ivenicki, 2018, p. 1155). Há uma preocupação constante da direção dessa escola em sensibilizar todo o corpo docente e de funcionários para a luta das pessoas com deficiência em geral.

Já no Município do Rio de Janeiro, o trabalho relativo à educação de pessoas com deficiência da Rede Municipal é desenvolvido pelo Instituto Municipal Helena Antipoff (IHA), órgão vinculado à Secretaria Municipal de Educação. A escola observada nesta pesquisa é considerada uma das unidades do Programa de Educação Bilíngue dessa rede educacional. Entretanto, o referido programa não está registrado em nenhum documento da Secretaria de Educação e nem nas CREs. Devido a isso, não há verba e nenhum tratamento diferenciado para nenhuma escola-polo bilíngue.

De acordo com as informações do Projeto Político Pedagógico, redigido em 2018, a escola-polo bilíngue pesquisada localiza-se na 3ª CRE do Município do Rio de Janeiro, no Méier, Zona Norte. Atualmente, a escola tem cerca de 540 alunos, na faixa etária dos 4 aos 13 anos. Em todos os níveis de ensino, a escola trabalha com a perspectiva da educação inclusiva. Há uma equipe de TILSPs e professores surdos, que atuam como assistentes educacionais bilíngues, contratados por uma empresa terceirizada. Eles atuam com todos os alunos surdos da escola. Os professores surdos contratados ministram aulas de Libras em todas as turmas com alunos surdos incluídos. As aulas de Libras, ministradas por uma professora surda contratada, ocorrem uma vez por semana, para os alunos ouvintes e surdos, de forma coletiva. Somente as turmas com alunos surdos recebem aulas de Libras. A comunidade escolar localiza-se em um lugar recém-pacificado e vive dificuldades com infraestrutura e com segurança.

Com o objetivo de eliminar a evasão escolar durante a passagem do 5° ano para o 6° ano, foi criado o Projeto Ginásio Carioca. Nesse projeto, os alunos têm um professor regente para ministrar todas as disciplinas, denominado professor generalista, e professores especialistas de Educação Física, Artes e Inglês, além da aula de Libras, com uma professora surda contratada pela Prefeitura. Tanto os gestores como os professores que atuam no projeto Ginásio carioca possuem uma formação continuada específica semanalmente. Observamos que a escola do Rio de Janeiro apresenta um lócus multicultural. O grande desafio dessa instituição e do docente generalista é buscar a prática pedagógica que concebe “caminhos didático-pedagógicos que deem conta das hibridizações e sínteses culturais presentes nessas construções identitárias” (Ivenicki, 2018, p. 1155).

3.2 Interações entre professores de língua portuguesa e o(s) aluno(s) surdo(s), entre alunos surdos/ouvintes e alunos ouvintes/surdos

De acordo com os estudos de Castro e Santos (2018), a inclusão dos alunos surdos na escola-polo bilíngue do Município de Duque de Caxias pesquisada apresenta uma longa trajetória de desafios, lutas e resistência. Em 1990, a escola recebeu o primeiro aluno surdo incluído e, desde então, continua recebendo muitos alunos surdos. Vale ressaltarmos que, em Duque de Caxias, não há Associação de Surdos. Assim, a escola representa o local de encontro de estudantes surdos. Em sala de aula, observamos que há interação entre os alunos surdos e ouvintes. Percebemos que há um conhecimento mínimo de Libras por todos da turma (alguns possuem um conhecimento ainda maior de Libras). A presença de adultos surdos na escola (como o professor de Libras) é referência identitária para os alunos surdos e ouvintes. As referências de identidade e cultura surda são necessárias para o desenvolvimento acadêmico, social e afetivo dos alunos surdos incluídos (Lodi & Lacerda, 2009). De acordo com a perspectiva teórica de Vygotsky (2010b, 2012), são as interações que colaboram com o processo de formação das funções psíquicas superiores. Por isso, reafirmamos que a Língua de Sinais é fundamental no desenvolvimento da aprendizagem do aluno surdo.

A escola do Município do Rio de Janeiro é uma das escolas-polo bilíngues da Rede Municipal que atendem a alunos surdos. Um dos alunos surdos domina a leitura labial e é mais oralizado porque possui resíduo auditivo, interagindo com mais alunos ouvintes do que o outro. Entretanto, os dois alunos surdos são muito unidos e se ajudam o tempo todo. Em alguns momentos, quando necessário, o aluno surdo oralizado atua como “intérprete” do aluno surdo não oralizado para tirar dúvidas de alguma explicação ou solicitação da professora. Há um respeito em relação à Língua de Sinais, e quem não sabe demonstra vontade de aprender. Algumas pessoas, quando não podiam chamar a TILSP, para se fazer entender pelos alunos surdos, utilizavam dramatizações, mímicas, datilologias, escrita etc. para se comunicar; assim sendo, utilizavam comunicação multimodal em muitos momentos, inclusive em sala de aula.

3.3 O Profissional Tilsp nas escolas bilíngues inclusivas

A professora regente explica a atividade primeiro para os alunos ouvintes e depois somente para os surdos. No entanto, a forma de explicação para os alunos surdos algumas vezes difere da explicação para os alunos ouvintes. Para os alunos surdos, a professora utiliza mais pistas visuais, dramatizações, desenhos, entre outros, ou seja, a comunicação multimodal. Ela sempre se dirige aos surdos em Libras, não fazendo uso do bimodalismo ao sinalizar. Ela tem o cuidado de usar uma língua de cada vez. Quando a TILSP estava presente em aula, observamos que havia parceria entre as duas profissionais. Havia um planejamento combinado antecipadamente. A TILSP era mais uma autoridade dentro de sala de aula, tanto para os alunos surdos, quanto para os alunos ouvintes. Observamos que há parceria e respeito entre a TILSP e a professora de Língua Portuguesa. Costa (2018) afirma: “A clareza da explicação do professor em Língua Portuguesa surtirá efeitos diretos na tradução e interpretação em Libras. Ambos, professor regente e TILSP, têm responsabilidade no processo de ensino e aprendizagem vivenciado pelos alunos surdos” (p. 249). Existe essa cumplicidade e a divisão de responsabilidades entre o TILSP e a professora no ato de ensinar, e entre os alunos surdos e ouvintes no ato de aprender. Defendemos a ideia de que o TILSP, na Educação Básica, precisa atuar junto ao professor regente como mais um agente de educação no espaço escolar.

Na escola do Município do Rio de Janeiro, a TILSP permaneceu diariamente com a professora em sala de aula. A dinâmica do trabalho entre as duas era de cumplicidade e parceria. A TILSP fez parte do ambiente e era respeitada como um modelo bilíngue dentro do espaço escolar. Kelman (2005a) ressalta que as instituições de ensino não delimitam uma fronteira entre o papel do TILSP e o papel do professor. Costa (2018) discute a criação do cargo de professor intérprete de Libras em algumas redes municipais. Quadros e Karnopp (2004) defende a ideia de que TILSP é diferente da profissão de intérprete educacional, o qual deve atuar na educação e tem como função intermediar as relações pedagógicas entre ouvintes e surdos. Costa (2018), Kelman (2005b), Lacerda e Santos (2014) constataram que a proposta da educação inclusiva não deve se resumir somente à presença e à atuação do TILSP em sala de aula. Esse profissional também é um educador e deve participar de todo o processo pedagógico e das tomadas de decisão do desenvolvimento educacional do aluno surdo junto à equipe pedagógica. Costa (2018) reafirma que há urgência em construir estratégias específicas de organização do trabalho dos TILSPs, criando documentos e regimentos internos que delimitem a função de cada um. Constatamos que o TILSP que atua em ambiente educacional não deve apenas interpretar friamente o discurso do professor.

3.4 Práticas pedagógicas bilíngues nas turmas inclusivas

De acordo com o Projeto Político Pedagógico da escola, de 2017, a tendência pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias é sociointeracionista. Em todas as aulas são utilizados muitos recursos de escrita no quadro, desenhos no quadro ou no livro didático, ou seja, pistas visuais para que o aluno surdo possa perceber as informações e aprender o conteúdo (Lacerda & Santos, 2014). As produções textuais dos alunos surdos apresentam a característica da interlíngua4. As estratégias de ensino de Língua Portuguesa são multimodais.

Na escola-polo do Município do Rio de Janeiro, a turma observada está inserida no Projeto Ginásio Carioca, inicialmente denominado Projeto 6º Ano Experimental. O ensino de Língua Portuguesa está presente o tempo todo. A professora trabalha de forma interdisciplinar e sempre oferece alguma atividade de produção textual e interpretação de texto nas aulas das outras disciplinas. Somente a disciplina de Educação Física é ministrada por outro professor. Conforme comenta Oliveira e Santos (2017), essa é uma estratégia de ensino que utiliza o conteúdo de uma ou mais disciplinas para explicar um determinado conceito. Essa prática pedagógica pode apresentar eficácia na compreensão de conceitos científicos, fenômenos e processos. Para a teoria sociointeracionista, a troca de saberes e a colaboração mútua são fundamentais para promover a interação social e para a construção do desenvolvimento psicológico individual. Kelman (2011) reafirma que as estratégias de ensino contribuem para o sucesso de aprendizagem em uma turma inclusiva. Quando os alunos terminam as atividades, a professora os autoriza a escolher um livro para ler e, em seguida, recontar o que compreenderam da história. Os alunos surdos conseguem compreender as histórias que leem; eles recontam as histórias em Libras e, quando há palavras desconhecidas, perguntam à TILSP. O estímulo à leitura colabora para o sucesso do desenvolvimento da escrita tanto de alunos surdos quanto de alunos ouvintes.

4 Conclusões

A escola assume um desafio: educar na e para a diversidade. Dentre todas as diferenças, a surdez impõe um desafio ainda maior: desenvolver um processo de ensino-aprendizagem em Libras, com estratégias bilíngues em contextos inclusivos. Defendemos que há a necessidade de o sistema escolar ser transformado a fim de promover processos de ensino-aprendizagem que valorizem a diversidade (Ivenicki, 2019). Para atender aos alunos em sua diversidade, a escola necessita fazer uso da abordagem sociointeracionista (Vygotsky, 1989, 2000), fundamentada no preceito construtivista. É necessário haver uma mudança no sistema educacional como um todo e em seus artefatos, tais como: currículo, sistemas de avaliação, estratégias de ensino, língua de instrução utilizada em sala de aula, planejamento das aulas, forma de trabalho dos profissionais envolvidos no processo de ensino. Enfim, defendemos que, para uma escola abraçar todas as diferenças, inclusive a dos estudantes surdos, é necessário um currículo com base na Pedagogia de Projetos, o sistema de avaliação diário e contínuo (Bruner, 2001), estratégias de ensino multimodais (Kelman, 2005a, 2018) e com base na pedagogia visual (Lacerda & Santos, 2014); a língua de instrução deve ser a Libras, o planejamento necessita ser flexível e os profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem devem trabalhar em codocência.

Mesmo diante de várias dificuldades de outras instâncias, o que parece fazer a diferença no desenvolvimento da linguagem são as acessibilidades linguísticas das atividades apresentadas, a presença do TILSP em sala de aula executando o trabalho junto ao professor regente, em forma de codocência, o uso da Libras como língua de instrução e a prática multimodal utilizada pela professora regente e pelo TILSP nas estratégias de ensino e de tradução e interpretação (Belém, 2010; Kelman, 2008). Defendemos que toda metodologia de ensino baseada no método audiofonatório e estruturalista não traz resultados positivos na aprendizagem da leitura e da escrita para surdos. Não existe um método único estabelecido. Assim, acreditamos que há uma grande diversidade entre os estudantes surdos.

Defendemos o modelo de inclusão bilíngue, no qual a criança surda inicia seus estudos na Educação Infantil até o 5° ano do Ensino Fundamental I em turmas somente de alunos surdos para as aulas regulares (sendo o recreio, festividades escolares e as aulas de Educação Física realizadas com os alunos ouvintes fazendo uso do TILSP), incluídos em uma unidade escolar com alunos ouvintes. No 6° ano, esses alunos, com a identidade surda e a Língua de Sinais estabelecida e adquirida, seriam incluídos em turmas de alunos ouvintes até o Ensino Médio, com a presença do TILSP em todas as disciplinas. Esse modelo de organização inclusiva bilíngue colabora no processo de ensino e aprendizado na Educação Básica até o 5° ano, fase em que os alunos se deparam com o processo de alfabetização e da constituição de sua subjetividade como pessoa surda. Podemos concluir que, independentemente da forma como as escolas medeiam o conhecimento da Língua Portuguesa, se usam artefatos de metacognição ou de comunicação multimodal (Kelman, 2015), a Libras é a língua mais indicada para essa mediação.

4“Interlíngua é o sistema de transição criado pelo aprendiz, ao longo de seu processo de apropriação de uma segunda língua. É a linguagem produzida a partir do início do aprendizado da segunda língua, caracterizada pela interferência da primeira língua, até o aprendiz ter alcançado seu potencial máximo de aprendizado”. https://www.sk.com.br/sk-interfoss.html

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Recebido: 31 de Agosto de 2021; Revisado: 03 de Outubro de 2021; Aceito: 11 de Novembro de 2021

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