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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.28  Marília  2022  Epub 09-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/1980-54702022v28e0073 

Relato de Pesquisa

O Ato Educativo de Escrita, Revisão E Reescrita Em Adultos Com Deficiência Intelectual Educational

The Writing, Revision and Rewriting of the Educational act in Adults with Educational Intellectual Disabilities

Viviane Gislaine CAETANO2 
http://orcid.org/0000-0003-0363-3885

Renilson José MENEGASSI3 
http://orcid.org/0000-0001-7797-811X

Elsa Midori SHIMAZAKI4  4 
http://orcid.org/0000-0002-2225-5667

2Docente do Instituto de Ciências da Educação. Universidade Federal do Pará (UFPR). Belém/Pará/Brasil. E-mail: vcaetano@ufpa.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0363-3885

3Docente do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias e do Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá/Paraná/Brasil. E-mail: renilsonmenegassi@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7797-811X

4Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) e Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá/Paraná/Brasil. E-mail: emshimazaki@uem.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2225-5667

4Universidade Estadual de Maringá (UEM)


RESUMO:

Esta pesquisa discute sobre a apropriação de conceitos científicos na escrita de adultos com deficiência intelectual. Tem como referenciais teóricos a Teoria Histórico-Cultural, o Dialogismo e a concepção de escrita como trabalho, oriunda do Interacionismo linguístico. O estudo foi desenvolvido com cinco jovens e adultos com deficiência intelectual, em situação de ensino, em projeto de extensão universitária. O percurso metodológico da “Ação no ato Educativo”, respaldada nas contribuições de Vygotski (1997a), foi a escolha para o trabalho de produção de registros coletados por meio de planejamentos de aula e de atividades desenvolvidas pelos sujeitos durante as sessões videografadas e transcritas. Os dados foram analisados de forma qualitativa. A síntese da notícia, em forma de resumo, gênero textual produzido pelos sujeitos, constituiu-se como categoria de análise e discussão para as produções realizadas. Os resultados demonstraram melhorias na qualidade discursiva dos resumos produzidos, com ampliações socioideológicas sobre o uso da escrita, a partir da noção da escrita como trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino; Deficiência intelectual; Escrita; Revisão e reescrita

ABSTRACT:

This research discusses the appropriation of scientific concepts by the writing of adults with intellectual disabilities. It has as theoretical references the Historical-Cultural Theory, the Dialogism and the conception of writing as work, deriving from the linguistic Interactionism. The study was developed with five young people and adults with intellectual disabilities, in teaching situation, in a university extension project. The methodological path of the “Action in the Educational Act”, supported by Vygotsky’s (1997a) contributions, was the choice for the work of producing records collected through lesson plans and activities developed by the subjects during the videographed and transcribed sessions. The data were analyzed qualitatively. The synthesis of news, in summary form, the textual genre produced by the subjects, was constituted as a category of analysis and discussion for the productions made. The results demonstrated improvements in the discursive quality of the summaries produced, with socioideological extensions on the use of writing, from the notion of writing as work.

KEYWORDS: Teaching; Intellectual disability; Writing; Revision and rewriting

1 Introdução

Neste artigo, relatamos e discutimos uma investigação realizada com cinco jovens e adultos que possuem deficiência intelectual (DI), sobre a apropriação de conceitos científicos, em atividades sistematizadas por ato educativo de escrita, revisão e reescrita, relativos ao gênero discursivo notícia. A pesquisa justifica-se nos dados estatísticos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) de 2018 (INEP, 2019), ao revelar que a instituição escolar não tem garantido ao público-alvo da Educação Especial o direito, previsto em lei, de acessar, progredir e concluir a escolarização básica na idade prevista – dos 4 aos 17 anos de idade –, a estender-se à Educação de Jovens e Adultos (EJA), com 130.289 matrículas de alunos com deficiência (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988; Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996; INEP, 2019). Assim, esse fato demanda pesquisas específicas na área que permitam a refexão da situação descrita, por conseguinte, a promoção de uma educação de qualidade ao aluno da Educação Especial com DI.

Os processos de escrita, de revisão e de reescrita, que são concomitantes e recursivos, são o foco da análise, sendo o gênero discursivo notícia o enunciado escolhido, por ser gênero previsto para trabalho na Educação Básica, requerido nas interações sociais do cotidiano das sociedades grafocêntricas, a permitir maior e melhor atuação social dos alunos envolvidos. Dessa forma, ao considerar que jovens e adultos com diagnóstico de DI têm o direito de participar da sociedade, por garantia legal, por meio de práticas e de eventos de letramento, compreendemos a importância da pesquisa aqui relatada, a considerar as etapas de revisão e de reescrita inerentes ao processo de produção textual escrita (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988; Lei nº 9.394/1996), como pressupostos para o desenvolvimento da apropriação de conceitos científicos sobre a escrita, tema principal do estudo.

Nessa perspectiva, as atividades foram elaboradas a partir da proposta de Dolz et al. (2004) e delimitamos como objetivo analisar a apropriação de conceitos científicos na escrita de adultos com DI.

2 Método

A partir da noção de “ato educativo”, a pesquisa relatada é conceituada por “Ação no Ato Educativo”. Nesse sentido, assumimos metodologicamente os pressupostos histórico-culturais (Vigotski, 2001) de “intervenção nos processos de crescimento natural do organismo” (p. 77). Utilizamos os pressupostos do Dialogismo sobre os estudos sociovalorativos da linguagem (Bakhtin, 2016; Volochínov, 2013; Volóchinov, 2017) e da concepção interacionista de escrita como trabalho (Menegassi, 2016), a fim de discutir os processos de revisão e de reescrita como instrumentos de ensino da língua escrita, aqui em investigação com sujeitos com DI.

Participaram da pesquisa cinco jovens e adultos com diagnóstico de DI, dos quais apenas dois deles têm suas atividades aqui relatadas, analisadas e discutidas. Os registros foram coletados nas dependências de uma universidade pública, por meio de planejamentos de aula, de atividades desenvolvidas pelos sujeitos durante o ato educativo e de sessões videografadas e transcritas. Esses registros foram analisados de forma qualitativa a partir da síntese escrita da notícia em forma de resumo, justamente por se ter noção de que os envolvidos não produziriam uma notícia completa, mas, sim, um resumo dela.

3 Pressupostos Teóricos

Em duas obras específicas (Vigotski, 2001; Vygotski, 1997a), o autor assegura que, apesar de apresentar diferenças tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, a pessoa com DI se apropria dos bens culturais produzidos ao longo da história da humanidade, de modo a permitir a formação de conceitos científicos. Por conseguinte, o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores (FPS) efetiva-se pelas mesmas leis gerais de desenvolvimento, a reconhecer “a unidade das leis que regem o desenvolvimento da criança normal e da mentalmente retardada” (Vygotski, 1997b, p. 133).

O autor esclarece que, tanto nas crianças que possuem DI quanto naquelas acometidas por outras patologias, surgem processos compensatórios que reagem à própria deficiência na busca pela adaptação às condições impostas à sua atuação, pois elaboram uma série de funções mediante as quais compensam, equilibram e suprem as deficiências (Vygotski, 1997b). Nessa perspectiva, o organismo da pessoa com DI estrutura-se em resposta à patologia, o qual passa a trabalhar a favor do desenvolvimento, em um processo unitário.

Para Vygotski (1997b), o desenvolvimento dos processos compensatórios é social por natureza. Nas interações sociais, encontram-se as bases, a força motriz, para a formação dos mecanismos compensatórios, a partir do princípio da substituição. A substituição dos meios externos, de origem social para os meios internos, o interior do psiquismo, reorientam a estrutura do psiquismo e, também, o comportamento, em particular da criança com DI, uma vez que todas as FPS aparecem duas vezes no curso de desenvolvimento humano, inicialmente como organizador social, posteriormente como função individual de comportamento. Portanto, é imprescindível que o ato educativo, junto às pessoas que possuem deficiência, vislumbre, na própria deficiência, as orientações opostas para a sua superação, a permitir a produção de recursos adequados ao desenvolvimento do conceito científico em evidência de trabalho, no caso, aqui, a escrita, a revisão e a reescrita.

Para compreendermos as leis gerais de desenvolvimento, consideramos as discussões de Vigotski sobre a formação de conceitos, a mediação, a interação, a internalização, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), necessárias à compreensão da pesquisa relatada. O autor explica que os conceitos cotidianos se originam em atividades práticas, uma vez que se formam no contato da criança com situações do día a dia. Já os conceitos científicos, respaldados nas ciências desenvolvidas pela história da humanidade, são mediados e apropriados de forma intencional e consciente (Vigotski, 2001; Vygotski, 1997a), o que implica afirmar que é pela mediação orientada por meio da interação. Assim, para a formação de conceitos cotidianos ou científicos, Vygotski (1997b) esclarece a necessidade da interação pela atuação do outro mais experiente, no processo de desenvolvimento natural do homem ontogenético. No entanto, o autor adverte que nem toda interação promove a formação de conceitos, sendo necessária uma interação adequada, no caso, com instrução mediada sobre o conceito científico pretendido. Assim, para discutir as possibilidades de interações adequadas à formação de conceitos, o pesquisador introduz a discussão sobre a ZDP.

É na ZDP, a auxiliar e a operar com conceitos que estão, em potencial, próximos de serem consolidados, que o outro mais experiente atua. É nela que se acessam os conhecimentos já adquiridos, ao mesmo tempo em que se vislumbra tanto a possibilidade imediata de conhecimento, como o caráter dinâmico do seu desenvolvimento (Vigotski, 2001). A ZDP é dinâmica, uma vez que o nível de desenvolvimento potencial se torna o nível de desenvolvimento real a cada interação adequada, fator a considerar para a apropriação de conceitos científicos, no caso de pessoas com DI. As possibilidades de atuação na ZDP estão ligadas ao conceito de interação, que é respaldado por instrumentos e por signos, pela mediação simbólica humana.

A mediação é relevante uma vez que a interação só é estabelecida por meio de instrumentos e de signos, postura similar ao dialogismo na linguagem discutido por Bakhtin (2016) e Volóchinov (2017), ao sustentarem que o homem emprega signos sociais que expressam valores humanos. Os instrumentos permitem-nos o controle das ações sobre o objeto e a natureza, sendo externos e necessários à interação. Os signos permitem-nos o controle do comportamento humano, portanto são internos, a mediar a nossa relação com o conhecimento e o conceito correspondente socialmente produzidos e historicamente transmitidos.

Ao ser mediado por signos e por instrumentos, o conceito científico, na interação com o outro mais experiente, a atuar na ZDP, se já tiver perpassado pelo processo de internalização interpsíquica e atingido o nível intrapsíquico, permite o processo de abstração, isto é, permite ao sujeito compreender a sua natureza conceitual e reorganizar as próprias bases psíquicas de si, na qualidade de indivíduo em construção social. Já a generalização ocorre quando o conceito, já elaborado, é generalizado com excelência em todas as situações que o requeiram, fundamentais para que a apropriação com conceitos se efetive e, por conseguinte, também as FPS relacionadas à escrita se desenvolvam: atenção, memória, linguagem, entre outras. A linguagem é considerada tanto uma FPS quanto um instrumento para que outras FPS se desenvolvam, como no caso da escrita e dos processos de revisão e de reescrita.

4 escrita, revisão e reescrita na formação de conceitos

Bakhtin (2016) e Volóchinov (2017) chamam-nos atenção para as formas estáveis de enunciação, quer dizer, de materialização verbal da atividade psíquica em contextos sociais, as quais são social e historicamente definidas, na mesma posição sócio-histórico-cultural definida por Vigotski em suas obras, visto que ambos foram contemporâneos do início do século XX, na Rússia. Nessa perspectiva dialógica, portanto, de caráter social, histórico, cultural, ideológico e valorativo, o falante seleciona a priori um determinado gênero discursivo, em função do contexto, do interlocutor e do tema, para concretizar a sua intenção comunicativa, seu intuito do dizer (Bakhtin, 2016), a partir das condutas sociais, culturais e valorativas (Volóchinov, 2017) que definem os comportamentos linguísticos dos grupos da sociedade em que se insere.

A partir dos pressupostos do Dialogismo, discutidos por Marcuschi (2008) fundamentados em Bakhtin (2016), no Brasil, entendemos o gênero textual como “textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos” (Marcuschi, 2008. p. 151). Assim, os gêneros constituem uma listagem infinita de enunciados, “[...] porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana [...]” (Bakhtin, 2016, p. 12), divididos em dois grandes grupos de enunciados concretos: os gêneros primários, como cantiga de roda, de ninar, música etc.; os gêneros secundários, como notícia, reportagem etc., a englobar os gêneros multimodais e multissemióticos.

Dentre as possibilidades para o ensino sistemático dos gêneros textuais, temos a sequência didática proposta por Dolz et al. (2004) como possibilidade metodológica, que consiste no ensino a partir de etapas definidas, a possibilitar a visão completa de ensino e o uso do gênero como objeto didático. A sequência didática configurou-se nas etapas de Apresentação da Situação, Produção Inicial, Módulo I, II, III, IV, V e Produção Final, que se constituíram, ao final do processo, na síntese escrita da notícia em forma de resumo, por mostrar-se o gênero adequado para a produção textual escrita pelos alunos com DI na situação analisada.

Dentre os gêneros textuais previstos no Currículo da Educação Básica (Parecer CNE/ CEB 5 nº 11, de 10 de maio de 2000), temos a notícia, um gênero do cotidiano jornalístico e social, cuja finalidade é relatar ao leitor fatos verídicos e atuais, com simplicidade, concisão e precisão (Sarmento, 2006). Ela apresenta três partes principais: o título principal; o lide; o texto da notícia. O título principal ou a manchete aparece na página principal, com o objetivo de destacar o principal fato a ser noticiado. Assim, a notícia como gênero textual foi trabalhada sistematicamente na instituição escolar em que os registros foram coletados, por meio de sequência didática organizada para mediação, a partir de atividades de revisão e de reescrita, a desenvolver conceitos científicos sobre escrita nos jovens e nos adultos com DI participantes.

Optamos por escrever, por revisar e por reescrever a síntese das notícias em forma de resumo, pelo fato de ser o gênero textual que produzimos nas interações que estabelecemos cotidianamente como seres sociais ativos, visto que não produzimos notícia com fato jornalístico, produzimos o seu resumo, para que a conversa no cotidiano se estabeleça, uma prática social inerente aos grupos atuais. Portanto, o resumo tornou-se a proposta mais coerente para o trabalho de produção escrita, de revisão e de reescrita aos alunos naquele momento, até mesmo em função de seus níveis de ZDR apresentados, que demonstraram a capacidade de produção desse gênero, não de notícia jornalística, a ser coerente com a coleta de registros pretendida. Cumpre salientarmos que não se trata de suprimir e de fragmentar o ensino de conceitos científicos à população investigada, mas, sim, de considerar a necessidade de recursos e de abordagens diferenciadas para mediá-los, e, posteriormente, ampliá-los com vistas às suas atuações sociais (Vigotski, 2001; Vygotski 1997a, 1997b).

Ao considerarmos a escrita como instância de “trabalho”, como uma produção discursiva histórico-cultural, portanto dialógica, a conceber os processos de revisão e de reescrita, inerentes à produção textual, permitimos a aprendizagem contínua, por conseguinte, um trabalho consciente e deliberado por parte dos alunos, a resultar em uma escrita mais elaborada (Gasparotto, 2014; Menegassi, 2016), características intrínsecas ao desenvolvimento do conceito científico sobre escrita, aqui investigado. Nessa perspectiva teórico-metodológica sustentada pelo Interacionismo e pelo Dialogismo, a escrita é considerada um trabalho consciente, deliberado, planejado, repensado (Menegassi, 2016), um dos objetivos de desenvolvimento nos sujeitos da pesquisa. Nesse processo, o aluno considera as condições de produção para escrever sobre o tema proposto em sala; assim, ele é orientado para considerar: a finalidade da produção textual, o interlocutor eleitor, o gênero textual definido, o meio de circulação social, o portador textual compatível e seu papel como autor do discurso escrito (Menegassi, 2016). O professor exerce, na revisão, papel fundante, pois se coloca como coprodutor do texto do aluno, orientando-o sempre em favor das condições do gênero textual contemplado na produção do aluno, pois, do processo de revisão docente, origina-se e nasce a reescrita, que leva a modificações no texto inicial, como ensina o pesquisador.

A revisão individual requer do aluno a postura de revisor do próprio texto. Na revisão colaborativa, os textos são revisados pelos colegas ou pelo professor, a partir de interações orais. Na revisão orientada, o professor oferta, por meio de bilhete escrito, sugestões de revisão junto ao texto do aluno.

Já a reescrita do aluno, para atender ao solicitado pelo professor, se efetiva por meio de operações linguístico-textuais de adição, de supressão, de substituição e de deslocamento (Menegassi, 2016). A adição consiste em acrescentar informações ao texto para responder às solicitações orientadas pelo professor. A supressão consiste em suprimir expressões desnecessárias do texto. A substituição consiste em substituir palavras e pontuações, para corrigir desvios de grafia e de pontuação. O deslocamento consiste em deslocar as informações já contidas no texto, criando novos parágrafos.

Os conceitos aqui expostos sustentaram o processo de construção da sequência didática utilizada no ato educativo, assim como todas as etapas de revisão e de reescrita dos textos produzidos pelos sujeitos participantes.

5 Local e participantes da pesquisa

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (Copep) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), sob o Parecer nº 1.611.205, e desenvolvida nas dependências da UEM, em parceria com o Projeto de Extensão nº 434/95, intitulado “Atividades Alternativas para Pessoas com Necessidades Especiais”, que, desde 1995, oferece atendimento às pessoas com deficiência da comunidade externa. O Projeto de Extensão consiste em ofertar atividades alternativas para suprir e amenizar as lacunas conceituais científicas apresentadas pelos participantes, advindas do processo escolar, as quais infuenciam na qualidade de suas atuações sociais. Assim, a partir da proposta do Projeto, o lócus para o trabalho com os sujeitos foi definido.

Participaram das atividades cinco jovens e adultos com DI, com a média de idade entre 28 e 47 anos. No entanto, para a presente discussão, apenas cinco deles atenderam aos critérios de: a) ser jovem ou adulto com DI, com apropriação do sistema de escrita alfabética; b) estar matriculado e/ou ter concluído o processo de escolarização na modalidade EJA; c) frequentar assiduamente o Projeto de Extensão “Atividades Alternativas para Pessoas com Necessidades Especiais”; d) aceitar participar da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com seu responsável legal. Para este artigo, apenas dois participantes tiveram suas atividades apresentadas e analisadas, os Sujeitos 2 e 4, denominados, aqui, Participantes 1 e 2, para preservação de suas identidades sociais.

6 Procedimentos metodológicos, análises e resultados

Para desenvolvermos o trabalho de escrita, de revisão e de reescrita em atividades sistematizadas com o gênero textual notícia, realizamos, de setembro de 2017 a junho de 2018, 43 encontros com duração de duas horas e 45 minutos cada, duas vezes na semana. Os encontros foram fotografados, filmados e, posteriormente, transcritos para as análises do processo de desenvolvimento da pesquisa e dos resultados, a totalizar 1.180 páginas de transcrição.

As atividades foram elaboradas a partir da proposta de Dolz et al. (2004), a configurar-se em uma sequência didática própria para os alunos com DI investigados. Neste texto, apresentamos e analisamos a Produção Inicial, o Módulo V e a Produção Final da pesquisa, em função de suas limitações de espaço.

A primeira, intitulada de “Apresentação da Situação”, consiste na apresentação do trabalho desenvolvido, o primeiro contato do aluno com o gênero eleito. Com o trabalho sistematizado, os alunos folhearam jornais do día de diferentes localidades, bem como realizaram a leitura das notícias de seu interesse. Também levamos notícias em outros suportes sociais, como rádio, televisão, Internet, a abranger o conceito sociocultural ali envolvido sobre o gênero e seu modo de circulação e de apresentação na sociedade.

Na segunda etapa da sequência didática, intitulada de “Produção Inicial”, os alunos produziram o gênero a partir de seus conhecimentos espontâneos, a demonstrar como a ZDR se configura em si. De posse dessas produções, verificamos as fragilidades e os conhecimentos conceituais dos alunos em relação ao gênero para posteriormente trabalhá-los. Solicitamos a “Produção Inicial” com a seguinte orientação: “Escolha e resuma umas das notícias que você leu no jornal impresso”. Os alunos atenderam prontamente a orientação e a desenvolveram sem nenhum auxílio, como apresentado nos Quadros 1 e 2 que seguem.

Quadro 1 Produção Inicial do Participante 1 

Notícia selecionada Resumo da notícia

Quadro 2 Produção Inicial do Participante 2 

Notícia selecionada Resumo da notícia

Na Produção Inicial do Participante 1, há a marcação do personagem envolvido na notícia, quer dizer, com quem aconteceu o fato, ao se referir ao prefeito de Maringá e ao público: “Os públicos para fotar no prefeito de Maringá”, ao mesmo tempo em que tenta narrar o que aconteceu, em relação à votação: “para fotar”. Faltam informações estruturantes para o resumo da notícia ser adequado, como o nome do jornal, a data de sua publicação, bem como as informações envolvidas no lide: como?, quando?, onde? e por quê? aconteceu o fato narrado. Além disso, apresenta desvios linguísticos de concordância, de grafia e de pontuação, que sublinhamos no texto do aluno, para melhor realce.

Na Produção Inicial do Participante 2, verif camos a tentativa de marcação da pessoa envolvida, ou seja, com quem aconteceu o fato narrado: “Ele dice que o jogo dessas duas equipe”, assim como a tentativa de registrar o local onde aconteceu o fato: “No jogo do São Paulo”, embora não as apresente de forma objetiva, como requerem as notícias e seus resumos. Também marca o que aconteceu na notícia: “foi o jogo marcado pelos erro do juiz e sua comisão tecnica dos juizes”, e também, o fato que originou essa informação: “Por não dar um gol legítimo de Militão”. Faltam informações estruturantes, como o nome do jornal, a data de sua publicação e quando aconteceu o fato narrado. Na escrita, o Participante 2 apresenta desvios ortográf cos na graf a das palavras, desvios de pontuação, de concordância e de acentuação, como os destacados por grifos.

As produções iniciais demonstram que os participantes da pesquisa não dominam a síntese da notícia em forma de resumo. Mostram, também, desvios ortográf cos que já seriam superados ainda no início do processo de escolarização, a ir ao encontro da pesquisa feita por Shimazaki e Menegassi (2016), ao af rmarem que a educação inclusiva avançou no acesso e na permanência, mas ainda precisa garantir a qualidade na oferta de ensino a todos os alunos, uma vez que as fragilidades conceituais, como as descritas aqui, não são restritas a alunos da Educação Especial.

Na etapa de Produção Inicial, verif camos algumas fragilidades conceituais dos participantes, um resultado a ser salientado e investigado futuramente em nova abordagem para a etapa, a sanar as lacunas levantadas. Solicitamos outras atividades para verif cação de quais conceitos já dominavam e quais estavam no nível da ZDR sobre a temática: a) identif cação da notícia e de seu suporte social; b) recorte de uma notícia de um jornal impresso; c) perguntas sobre uma notícia. Os participantes escolheram a sua notícia para que, a partir dela, respondessem às perguntas iniciais dos módulos. As perguntas utilizadas (Quadro 3), para aferir o nível de compreensão dos participantes, constituíram e perpassaram os Módulos I a V.

Quadro 3 Perguntas para resgate dos conhecimentos espontâneos dos participantes da pesquisa 

Módulo I

a) Qual é o suporte do texto lido?

b) Qual é o nome do jornal?

c) Qual é a data de publicação da notícia?

d) Qual é a abrangência do jornal? Onde a notícia circula?

e) Para quem a notícia foi escrita?

f) Com qual finalidade a notícia foi produzida?

Módulo II
g) Qual é o tema da notícia?
Módulo III

h) Você conhece as partes da notícia?

i) Quantas partes tem a notícia?

j) Quais são as partes da notícia?

k) Você sabe o que é marca d’água ou lide?

l) Você sabe quais são as partes que compõem a marca d’água?

Módulo IV

m) Com quem aconteceu a notícia?

n) Quando aconteceu a notícia?

o) Onde aconteceu a notícia?

p) O que aconteceu na notícia?

q) Como aconteceu a notícia?

r) Por que aconteceu o fato narrado na notícia?

Módulo V
s) Agora, resuma a notícia, usando todas as informações anteriores.

Na etapa “Módulos”, o professor organiza um conjunto de atividades que permitam aos alunos superar as fragilidades conceituais apresentadas na Produção Inicial, assim como convalidar aquelas já dominantes. Para isso, desenvolvemos os cinco módulos apresentados no Quadro 3.

O Módulo V consistiu no trabalho com a escrita, a revisão e a reescrita do resumo da notícia, amparados pela proposta de revisão e de reescrita. A partir da orientação “Agora, resuma a notícia, usando todas as informações anteriores”, constituímos a categoria de análise da síntese escrita da notícia. As orientações foram: a) “Produza o resumo da notícia”; b) “Revise o seu resumo e faça as alterações que julgar necessárias”; c) “Revise o resumo do seu colega, e, caso encontre algum erro ou tenha alguma sugestão para que ele melhore a escrita, oriente-o”; d) “Revise o seu texto a partir da revisão orientada”.

De posse dos resumos iniciais que demostraram as dificuldades conceituais, das mediações efetuadas nos módulos anteriores, dos conteúdos sobre os conceitos do lide da notícia, da conceituação sobre o que é um resumo, da exemplificação sobre as informações constantes no lide, passamos a revisar os textos produzidos em forma de resumos e a levá-los à reescrita no Módulo V, para que a habilidade de registro escrito fosse melhor desenvolvida pelos participantes, o que consolidaria o processo de construção conceitual proposto por Vigotski (Vigotski, 2001; Vygotski, 1997a).

No quadro de escrever da sala, convencionamos que a cada nova produção do resumo das notícias, o aluno a revisaria sozinho; depois, entre pares; na sequência, faríamos a revisão orientada, que contemplaria as dificuldades ortográficas e discursivas dos elementos estruturantes da narrativa, em função da notícia explorada, como proposto pela concepção de escrita como trabalho (Menegassi, 2016).

Na revisão individual e entre pares, nenhum dos alunos identificou desvios na sua produção durante a revisão, e não identificaram, também, os desvios na produção de seus colegas. Esse fato ocorre, possivelmente, porque os participantes da pesquisa não vivenciaram experiências anteriores de escrita como trabalho em sala de aula, uma vez que é frequente uma lacuna no processo de produção de textos. Esse é um resultado da pesquisa que salienta um dos aspectos da apropriação do conceito científico de escrita escolar: a falta de trato com a revisão pelos alunos.

Dessa forma, na sequência, propusemos a revisão orientada pelo professor, que contemplou questões ortográficas e discursivas, mais especificamente dos elementos estruturantes da narrativa, conceitos até então em desenvolvimento. A opção pelo trabalho com os desvios respaldou-se no fato de serem aspectos que os participantes da pesquisa já não deveriam cometer mais, pois são conteúdos previstos no currículo escolar, para serem trabalhados e consolidados nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os símbolos foram convencionados com os participantes, a abarcar: erro de acentuação e de grafia de palavras; erro ou falta de aspas no título; erro de separação silábica na linha. O Participante 1 delimitou o grupo semântico “figuras geométricas”. Os demais participantes selecionaram as figuras geométricas para cada um dos desvios, sempre com a anuência do coletivo.

Em seguida, fzemos a leitura da notícia no coletivo, bem como discutimos e destacamos, em diferentes cores, as suas informações principais, como no exemplo da Figura 1.

Nota. Acervo dos autores.

Figura 1 Atividade de destaque das informações principais da notícia 

Solicitamos aos participantes que produzissem o resumo da notícia lida. De posse das produções, na revisão orientada, entregamos o texto marcado à caneta de cor azul – por escolha coletiva dos participantes –, lemos e conversamos com todos os alunos para nos certif carmos de que haviam entendido as orientações para revisão; somente depois, em suas carteiras, cada um realizou a reescrita de seu texto, exposto no Quadro 4.

Quadro 4 Escrita, revisão e reescrita dos participantes da pesquisa 

Escrita do Participante 1 Escrita do Participante 2

Revisão orientada textual-interativa Revisão orientada textual-interativa

Bilhete feito ao Participante 1:

No resumo da sua notícia, faltaram algumas informações importantes para que os leitores a compreendam. Acrescente em seu texto:

• Como os jovens foram assassinados?

• Por que os jovens foram assassinados?

Bilhete feito ao Participante 2:

No resumo da sua notícia, faltaram algumas informações importantes para que os leitores a compreendam. Acrescente em seu texto:

• Qual jornal publicou esta notícia?

• Por que os jovens foram assassinados?

Reescrita do Participante 1 Reescrita do Participante 2

A reescrita do Participante 1 mostra que ele não atendeu à última orientação “Por que os jovens foram assassinados?”. Dessa forma, o Participante 1 acentuou a palavra “notícia”, corrigiu a graf a da palavra “quatro” e acrescentou, ao f nal do texto, como os jovens foram assassinados, ao escrever “quatro jovens em assassinados quatro motos em tiro na cabeça”. Destacamos a estratégia de acrescentar a informação solicitada ao f nal do texto, sem mexer no restante já escrito.

A reescrita do Participante 2 mostra que ele também não atendeu à última orientação “Por que os jovens foram assassinados?”. Dessa forma, o Participante 2 corrigiu a graf a das palavras “frente” e “rapazes”, acrescentou ao f nal do texto o nome do jornal que publicou a notícia, ao grafiar: “A notícia foi publicada […] no jornal Folha de São Paulo”. A estratégia de localização do acréscimo textual é igual à empregada pelo Participante 1.

Um aspecto mostra-se relevante: a resposta à indagação feita no bilhete de revisão “Por que os jovens foram assinados?”. Para responder à questão, os participantes manifestariam compreensão mais elevada de informações do texto, o que possivelmente demonstra sua restrição na habilidade requerida. Além disso, o questionamento tratava sobre as relações de causa e consequência, um requisito compreensivo de nível também mais sofisticado aos leitores investigados, pelo que os registros demonstram.

O resultado dessa atividade mostra que a reescrita, a partir da revisão orientada, para além de apontar incongruências na produção escrita dos alunos, objetivou a troca de ideias, por conseguinte, uma melhoria na forma de registro e na progressão temática dos textos, a definir a escrita como trabalho para todos (Menegassi, 2016), dentro das possibilidades discursivas apresentadas pelos participantes. Desse modo, constituiu-se em uma atividade profícua ao grupo, pois criaram-se e ampliaram-se as ZDP nos participantes, ao permitir que repensassem os seus registros escritos, em uma ampliação do próprio processo de produção do gênero textual resumo, uma consequência adequada do trabalho realizado. A partir desses resultados, ofertamos novas atividades de escrita, de revisão e de reescrita, em outros enunciados, com o intuito de continuar a ampliar e a consolidar as ZDP originadas nas atividades anteriores.

Nesse processo, eram os sujeitos participantes quem escolhiam as notícias para o trabalho sistematizado, em uma abordagem de construção do sujeito social. Um fato mostrou-se recorrente: a preferência por notícias sobre acidentes e assassinatos, mesmo sendo orientados sobre a multiplicidade de temas constantes nas notícias jornalísticas. Acreditamos que a preferência por essas notícias está relacionada à maior comoção social dos seus grupos de convivência, o que nos faz buscar as discussões realizadas sobre a valoração da linguagem pelos grupos sociais.

Na sequência, fzemos, no quadro de escrever, uma notícia coletiva, com um dos pesquisadores como escriba da turma. Após o registro escrito, um dos sujeitos levantou-se, pediu a caneta pincel e grafou o símbolo triângulo – já convencionado para desvios de acentuação, em uma das palavras do texto produzido. Em seguida, colocou pingo na letra “i”, na palavra “caminhoneiros”. Então, questionamos ao grupo sobre a correção do colega e todos concordaram, uma demonstração de como o conceito científico de revisão textual investigado se mostrava em processo de apropriação, a ampliar os níveis de ZDP, justamente o objetivo maior da pesquisa.

Em continuidade ao trabalho, os alunos produziram o resumo de uma nova notícia, conforme planejamento da pesquisa, a apresentar-se, portanto, como o quarto texto produzido com o mesmo gênero, em consciência de que as atividades sequenciais tornam o conceito desenvolvido mais permissível de compreensão e de apropriação. Nessa produção, os alunos relataram e resumiram notícias que leram ou ouviram em um suporte social de acesso pessoal, não necessariamente nos jornais impressos. Todos os participantes preferiram registrar notícias que haviam assistido nos jornais televisivos, a demonstrar como seu grupo social acessa informações pelo gênero notícia. Novamente, na revisão individual, os alunos disseram não haver nada para arrumar, embora tenham se empenhado para a realização da atividade, pois a habilidade de revisar o próprio texto estava começando a fazer sentido para os participantes da pesquisa (Gasparotto, 2014), ao requererem mais exercitações para sua consolidação, a mostrar a criação de uma nova ZDP (Vigotski, 2001), neste caso, não uma ampliação dela, como se mostrou nas demais etapas do processo.

Dito isso, a seguir, no Quadro 5, os textos produzidos pelo Participante 1.

Quadro 5 Resumo das notícias televisivas do Participante 1 

Escrita

Revisão textual interativa

Bilhete ao Participante 1:

Parabéns! Você contemplou todos os elementos da notícia. Mas, para que o seu resumo f que ainda melhor, revise a graf a das palavras:

• ACIDENTE

• ÁRVORE

• DESCONHECIDA

• FREIO.

Reescrita

O Participante 1 contemplou todos os itens requeridos ao resumo de uma notícia, depois da mediação orientada sobre o gênero, pois ele informou: a) o nome do jornal: “o jornal cidade alerta publicou a noticia”; b) o que aconteceu na notícia: “acinte”; c) com quem aconteceu o fato narrado: “em cinco pessoas”; d) como aconteceu o fato narrado: “bateu no arvore no carro […]. o carro perdeu o feio do carro das pessoas do cinte […]”; e) onde e quando aconteceu o fato narrado: “21 de maio em Maringá”. Na revisão orientada, ele revisou e reescreveu as palavras destacadas, como “acidente” e “árvore”, com exceção da palavra “freio”, que permaneceu com o mesmo desvio gramatical inicial, “feio”. Mesmo com esse desvio a se manter, é visível como o conceito científ co de revisão se mostra em desenvolvimento mais adequado junto à ZDR, uma vez que o texto do resumo apresenta todos os elementos já trabalhados na sequência didática. A seguir, no Quadro 6, os textos produzidos pelo Participante 2.

Quadro 6 Resumo das notícias televisivas do Participante 2 

Escrita

Revisão textual interativa

Bilhete ao Participante 2:

No resumo da sua notícia, faltaram algumas informações importantes para que os leitores a compreendam. Você não colocou:

• Onde seria a paralização dos caminhoneiros?

• Por que a paralização/greve iria prejudicar o Brasil todo?

Reescrita

O Participante 2 contemplou: a) o nome do jornal: “O jornal nacional das 20 30h”; b) o que aconteceu na notícia: “informou, que os caminhoneiros […] iriam fazer paralisação”; c) com quem aconteceu o fato narrado: “os caminhoneiros”; d) quando aconteceu o fato narrado: “no día 20 de maio”; e) porque aconteceu o fato narrado: “por causa do almento do combustivel. Com isso iria prejudicar o Brasil todo”, em uma manifestação adequada linguístico-textualmente de todos os elementos do lide, conforme o ato educativo explorou e trabalhou, o que nos comprova o conceito científico desenvolvido em processo de exposição textual, de materialização.

Diante da revisão orientada, o Participante 2 reescreveu a palavra “aumento”, que apresentava desvio gramatical e acrescentou as informações: a) onde seria a paralisação: “Essa greve irra acontecer em todas estradas do Brasil”; b) por que a paralisação/greve iria prejudicar o Brasil todo: “porque ira faltar alimentos nos mercados”. Os resultados demonstram a constatação da necessidade de novas pesquisas sobre como desenvolver o trabalho de revisão individual com sujeitos que apresentam DI, uma vez que a abordagem de revisão orientada, principalmente a individual, se mostra insuficiente para responder às demandas necessárias ao público investigado.

A etapa “Produção Final” consistiu na produção do resumo após o ato educativo, no intuito de verificar se as fragilidades conceituais para a produção do gênero, apresentadas e detectadas na Produção Inicial, foram superadas com as atividades desenvolvidas nos módulos. Nessa fase, verificamos se o aluno se tornou um leitor de notícia e um produtor do gênero resumo de notícia. Para a produção final, fzemos a leitura da notícia “Homem morre com três facadas na madrugada”, de O Diário do Norte do Paraná, de 3 de junho de 2018, de forma coletiva.

Quadro 7 Produção final 

Participante 1 Participante 2

O resumo final da notícia do Participante 1 revela que ele se apropriou do nome do jornal e consolidou o seu emprego – “O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ” – em seu texto. Também demostrou as mesmas habilidades para as informações constantes no lide: a) o que aconteceu: “FOI ASSASSINADO”; b) com quem aconteceu: “HOMEM”; c) quando aconteceu: “ONTEM NO DIA 2 DE JULHO DE 2018”; d) onde aconteceu: “NA VILA VARDELINA”; e) como aconteceu: “foi facada […] POR UM CASAL”. No entanto, ainda apresenta lacunas, pois não expôs: a) a data da publicação do jornal; b) o motivo do fato narrado, a indicar a necessidade de ampliar e de diversificar, nos atos educativos, experiências com esses aspectos componentes do gênero, um resultado a ser ainda investigado. Seu resumo apresenta desvios gramaticais de acentuação e de grafia das palavras, em destaque no texto, também elementos a serem investigados e sanados.

O resumo final da notícia do Participante 2 evidencia que ele também se apropriou do nome do jornal e o consolidou – “O diário do norte do paraná” –, apesar de tê-lo grafiado com letra minúscula; da data de sua publicação: “No día 03/06/2018 o jornal […] publicou”, a reconhecer, assim, que a data do jornal difere da data do acontecimento do fato narrado. Demonstrou ter se apropriado das informações constantes no lide e as consolidado: a) o que aconteceu: “foi assassinado”; b) com quem aconteceu: “Um homem”; c) quando aconteceu: “ontem no día 02/06/2018 em Maringá”; d) onde aconteceu: “na vila vardelina”. No entanto, também demostra que ainda não consolidou: a) como aconteceu o fato narrado, a expor que o assassinato foi cometido “por um casal”, mas não explicita como o homem foi morto; b) por que aconteceu o fato narrado, uma vez que não registra que o jornal não trouxe a informação, pois o caso ainda está sob investigação. Essas constatações mostram-nos a necessidade de organização de novas estratégias para mediação pedagógica dos aspectos do gênero, já que a compreensão do todo textual se mostrou fragmentada. Nessa produção específica, o Participante 2 apresenta desvios gramaticais de acentuação das palavras, em destaque diretamente no texto.

A constituição do Módulo V, com atividades de escrita, de revisão e de reescrita, permitiu que os sujeitos participantes ampliassem e consolidassem seus níveis textuais-discursivos sobre a produção do gênero textual resumo. Os enunciados das atividades foram diretos e objetivos, como requisitos necessários aos alunos com DI, fato que se mostrou como aspectos adequados para a produção do texto em sala de aula, de forma sistematizada. Esse resultado corrobora o que Shimazaki e Menegassi (2016) discutem sobre a falta de trabalho sistematizado com os alunos com deficiência sobre os processos de leitura e de escrita, de maneira pontual e objetiva. Contudo, os resultados das análises evidenciaram que não houve melhoria na correção dos erros de acentuação e de grafia, a demandar mais pesquisas na área, um conceito científico que precisa de melhor investigação e desenvolvimento de abordagens pedagógicas próprias.

7 Considerações finais

A partir dos resultados alcançados nas análises dos registros coletados, condescendemos com os postulados da Teoria Histórico-Cultural. Tais postulados definem que são as dificuldades encontradas pela pessoa com deficiência no curso de seu desenvolvimento e a sua vontade em superá-las e evitá-las que permitem operar-se com um conjunto de formações que não estavam disponíveis, em um primeiro momento, mas possíveis de aprendizagem, como no exemplo em que o Participante 1 corrige o texto exposto no quadro pelo professor, a ter anuência dos demais colegas de sala. Assim, é possível afirmarmos que os resultados do ato educativo evidenciam que:

  1. As leis gerais de desenvolvimento são iguais para todas as pessoas. Com isso, nas pessoas que possuem DI, formam-se caminhos alternativos, no caso, impostos pela interação com o meio e com o outro, momento em que se constroem as funções internas que originam os processos compensatórios e culminam em formação de conceitos em desenvolvimentos. Nesse caso, os caminhos foram trilhados na preparação dos encontros e de cada módulo da sequência didática, que se adaptava às necessidades de desenvolvimento do conceito científico em foco. Assim, é possível que os mesmos procedimentos possam ser explorados em outros alunos com DI, com as devidas adaptações.

  2. Os processos de escrita, de revisão e de reescrita descritos e discutidos na produção da leitura e das versões dos resumos construídos evidenciaram que a incapacidade rotulada não se sustentou nos participantes investigados; ao contrário, mesmo com algumas dificuldades, a construção textual ocorreu, com desenvolvimentos visíveis de melhorias nos textos, conforme comprovações exaradas, a utilizar-se dos elementos componentes da lide da notícia nos resumos, prova consubstancial de que o conceito científico explorado foi internalizado.

  3. Nem todas as atividades se constituem como atos educativos, ou seja, nem todas as atividades os promovem. Assim, (re)organizar as ações no ato educativo é fundamental para a elaboração conceitual e, por conseguinte, para o desenvolvimento das FPS em jovens e adultos que possuem DI. As análises dos registros demonstram que o ato educativo não deu conta do trabalho com a grafia de palavras, uma lacuna a ser investigada em pesquisas futuras, a permitir o desenvolvimento mais adequado do trabalho de produção textual. Evidenciamos que os aspectos textuais e discursivos foram o foco da investigação e da escrita como trabalho, a deixar de explorar a questão ortográfica, por consciência e por deliberação para o momento da coleta dos registros de dados da pesquisa.

Esses resultados consolidaram-se a partir da forma como pensamos e organizamos o ato educativo para a formação de conceitos relativos à escrita, à revisão e à reescrita do resumo das notícias, uma vez que consideramos em todo seu processo: a) a escrita como trabalho; b) as possibilidade de desenvolvimento de mecanismos compensatórios às limitações das pessoas que possuem DI, a partir de atos educativos que atuam como forças opostas às limitações que a sociedade lhes impõe; c) os conceitos de interação, mediação por signos, internalização e ZDP para que as formações de conceitos fossem levadas a efeito de maneira adequada.

Diante do exposto, salientamos que os conceitos de mediação, de interação e de internalização, sustentados pela Teoria Histórico-Cultural, foram observados e constatados no desenvolvimento das atividades de revisão e de reescrita, a ratificar e a expandir a importância da escrita como trabalho (Menegassi, 2016), sustentados pelos pressupostos do Dialogismo e do Interacionismo. Além disso, consideramos que o ato educativo, ao ser sistematizado a partir da sequência didática proposta por Dolz et al. (2004), se desenvolveu em cinco etapas distintas que, em consonância, ao final da sequência, propiciou aos alunos participantes a visão do gênero notícia e seu resumo, bem como de todas as especificidades que a compõem, a habilitar-lhes como leitores desse gênero e produtores do resumo correspondente, um enunciado muito utilizado para sintetizar os fatos narrados na notícia. Essas constatações comprovam a apropriação dos conceitos científicos sobre escrita, revisão e reescrita desenvolvidos com os alunos com DI participantes da pesquisa.

5Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica.

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Recebido: 23 de Abril de 2022; Revisado: 29 de Setembro de 2022; Aceito: 10 de Outubro de 2022

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