SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28O Ato Educativo de Escrita, Revisão E Reescrita Em Adultos Com Deficiência Intelectual EducationalA Aprendizagem da Língua de Sinais por Crianças Surdas índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.28  Marília  2022  Epub 09-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/1980-54702022v28e0122 

Relato de Pesquisa

A Educação Especial e os Cursos Técnicos: a Visão dos Docentes sobre os Processos de Adaptação Curricular

Special Education and Technical Courses: the Teacher’S Vision of Curricular Adaptation Processes

2Doutorando. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIM). Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Canoas/Rio Grande do Sul/Brasil. E-mail: m.celo1974@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7667-8892

3Professora adjunta. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIM). Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Canoas/Rio Grande do Sul/Brasil. E-mail: marlise.geller@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9640-2666


RESUMO:

A chegada de estudantes com deficiência nos cursos técnicos dos Institutos Federais tem aumentado com a aprovação da Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, que prevê reserva de vagas para esse público. Neste texto, analisa-se a visão dos docentes do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), divididos na área técnica e propedêutica, em relação à presença dos estudantes com deficiência, particularmente a intelectual, nos cursos técnicos e a respeito das possíveis adaptações curriculares nos itinerários formativos desses estudantes. O referencial teórico mostrou o deslocamento em relação aos termos adaptações/adequações curriculares para fexibilização, diferenciação e acessibilidade curricular, que implica um entendimento mais amplo dos seus significados. A pesquisa, feita a partir das 81 respostas obtidas em um questionário com perguntas abertas e em escala Likert, teve como suporte metodológico a análise de conteúdo de Bardin (2010), com categorização a posteriori e critério semântico na separação das respostas. Por fim, a organização e a discussão dos resultados foram realizadas, problematizando-se as contribuições dos participantes da pesquisa. Os resultados mostraram diferenças no entendimento da importância do uso das adaptações entre docentes das áreas técnica e propedêutica, mas também revelaram igual discordância com aquelas que suprimem conteúdos das disciplinas e preocupação com o refexo disso na formação do estudante.

PALAVRAS-CHAVE: Adaptação curricular; Acessibilidade; Cursos técnicos; Educação inclusiva

ABSTRACT:

The arrival of students with disabilities in technical courses at Federal Institutes has increased due to the approval of the Law no. 13,409, of December 28, 2016, that provides quotas for admission to this public. In this text, the vision of the teachers of the Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSUL) is analyzed, divided into the technical and propaedeutic area, in relation to the presence of students with disabilities, particularly intellectual, in technical courses and in relation to the possible curricular adaptations in formative itineraries of these students. The theoretical framework shows the shift in relation to the terms curricular adaptations/adequacies for fexibility, differentiation and curricular accessibility, which implies a broader understanding of their meanings. The research, carried out from 81 answers obtained in a questionnaire with open questions and on a Likert scale, had as methodological support Bardin’s (2010) content analysis, with a posteriori categorization and semantic criteria in the answers separation. Finally, the results organization and discussion were carried out, problematizing the contributions of the research participants. The results showed differences in understanding the importance of the use of adaptations between teachers in the technical and propaedeutic areas, but they also revealed the equal disagreement with those adaptations that suppress the content of the disciplines and concern about the refection of this in the student’s education.

KEYWORDS: Curricular adaptation; Accessibility; Technical courses; Inclusive education

1 Introdução

O movimento dos estudantes público-alvo da Educação Especial em direção aos cursos médio técnicos integrados, lento na primeira década do século XXI, sofreu uma expansão bem significativa que, não por coincidência, ocorreu com a aprovação da Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, que passou a prever a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos e superiores das Instituições Federais de ensino.

A Figura 1 mostra o recorte desse aumento, baseado nos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ([INEP], 2021), na qual podemos obse rvar que o número de estudantes quadruplicou de 2016 a 2021.

Nota. Compilação a partir das Sinopses Estatísticas da Educação Básica do INEP/MEC de 2008 a 2021 (https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-basica).

Figura 1 Evolução das matrículas da Educação Especial no Ensino Médio Técnico Integrado 

Boa parte dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio ocorrem nos Institutos Federais. Tais instituições foram criadas pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, na qual também foi instituída a Rede Federal de Educação Prof ssional, Cien tíf ca e Tecnológica (RFECPT). A Rede Federal é composta por 38 Institutos Federais, dois Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), 22 escolas técnicas vinculadas às universidades federais e ao Colégio Pedro II. Considerando os respectivos campi associados a essas instituições, tem-se, ao todo, 661 unidades distribuídas nas 27 unidades da federação.

Em função desse incremento de estudantes com def ciência nos cursos técnicos, uma série de recursos de acessibilidade precisaram ser mobilizados para garantir, além do acesso, a possibilidade de permanência e de êxito para esse público. O currículo passou a ser foco de mais atenção, uma vez que os docentes se depararam com o que consideraram uma dicotomia: torná-lo acessível e ao mesmo tempo garantir que as habilidades e as competências necessárias à formação técnica sejam desenvolvidas. O desaf o imposto criou uma série de questionamentos em como atender essa demanda e de que forma estudantes com def ciência intelectual poderiam ser auxiliados durante o percurso de seu itinerário formativo. Dito de outro modo, até que ponto poderia se lançar mão de uma adaptação ou adequação curricular de modo a garantir a acessibilidade.

Apesar de existir na legislação e nas orientações do Ministério da Educação (MEC) material que se refere aos tipos de adaptações e ao grau de adequação que o currículo pode ter, incluindo mesmo a eliminação de objetivos, em um curso técnico essas possibilidades provocam muito debate. Nas discussões, a fgura do profissional que estará sendo formado quando o currículo é muito modificado é trazida com a problematização de que, nesse caso, uma certificação diferenciada é necessária, já que objetivos importantes do currículo podem não ter sido contemplados.

Diante de uma demanda que está posta e que precisa ser mais bem compreendida, o trabalho discutido aqui é parte de uma pesquisa de Doutorado4, que visa a investigação da certificação diferenciada ou da terminalidade específica como possibilidade de conclusão do curso médio técnico. O recorte apresentado diz respeito às percepções dos docentes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul) em relação à chegada dos estudantes com deficiência intelectual nos cursos e as implicações que esse movimento causa no formato das aulas, na adequação do currículo e no apoio específico às demandas, principalmente cognitivas, que esses discentes impõem.

2 Método

A presença de estudantes com deficiência nas classes regulares do ensino técnico, notadamente discentes com deficiência intelectual e Transtorno do Espectro Autista (TEA), motiva discussões aprofundadas sobre o papel das adaptações no currículo e o itinerário formativo eventualmente diferenciado necessário para esse público concluir o curso técnico. A diferença de perspectiva entre docentes da área técnica e da área propedêutica com relação à trajetória dentro do curso técnico foi investigada por meio de uma pesquisa com foco na visão dos docentes do IFSul desse processo. Estamos chamando de área propedêutica as disciplinas de base, que estejam em uma das áreas: Linguagens e Códigos, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática; já área técnica, referimo-nos às disciplinas de formação específica do curso escolhido.

O IFSul é um dos três Institutos Federais gaúchos e tem, segundo o Relatório de Gestão 2021 (IFSUL, 2021), 967 docentes efetivos e 17.517 matrículas na educação presencial. É composto de 14 campi, distribuídos no Rio Grande do Sul (RS), com reitoria em Pelotas, contando com cursos médio técnicos integrados, concomitantes, subsequentes, Educação de Jovens e Adultos, Graduação e Pós-Graduação lato e stricto sensu.

Para efetivar o processo investigativo, um questionário foi enviado aos docentes por e-mail ao Departamento de Ensino de cada campus, o qual foi respondido por 65 professores e professoras. A pesquisa apresentava questões fechadas, com opções de resposta em escala Likert, e questões abertas para investigar a acessibilidade/adaptação curricular no processo formativo. As questões fechadas são apresentadas a seguir:

  1. Em que medida você promove ou promovia adaptações ou acessibilidade curricular no processo de ensino durante o período da aula para potencializar o processo de aprendizagem quando tem ou tinha estudantes com deficiência intelectual? Considere 1 com pouca adaptação e 5 com muita adaptação.

  2. Ter estudantes com deficiência intelectual na turma envolve a elaboração de um Plano Educacional Individualizado (PEI), que é um documento que prevê as estratégias de ensino, a adaptação/acessibilidade curricular, os horários de atendimento, a forma de avaliação, entre outras providências a serem detalhadas para essa(e) estudante. Em que medida você considera importante na sua prática a elaboração do PEI? Considere 1 como pouco importante e 5 como muito importante.

  3. Em que medida você considera importante a adaptação na forma e na estrutura das aulas do día a día quando a turma possui estudantes com deficiência intelectual? Considere 1 como pouco importante e 5 como muito importante.

  4. Em que medida você considera as adaptações curriculares (conteúdo e objetivos) um instrumento eficiente como estratégia de ensino e de aprendizagem para estudantes com deficiência intelectual? Considere 1 como pouco importante e 5 como muito importante.

  5. Como você se posiciona em relação à política de reserva de vagas para estudantes com deficiência nos cursos técnicos? Considere 1 como discordo totalmente e 5 como concordo totalmente.

  6. Como você se posiciona em relação à inclusão de estudantes com deficiência intelectual nas classes regulares dos cursos técnicos? Considere 1 como discordo totalmente e 5 como concordo totalmente.

  7. Como você se posiciona em relação às adaptações curriculares que suprimem conteúdos no currículo do ensino técnico. Considere 1 como discordo totalmente e 5 como concordo totalmente.

A Questão 1 foi contabilizada apenas para docentes que indicaram ter tido estudantes com deficiência intelectual entre 2018 e 2021 (52 docentes).

Além das questões fechadas apresentadas, também foram oferecidas questões abertas, indicadas a seguir, que solicitavam posicionamento dos docentes acerca dos temas apresentados.

  1. Descreva seu ponto de vista em relação às adaptações curriculares como estratégia de aprendizagem para o ensino de estudantes com deficiência intelectual.

  2. Descreva que tipo de adaptação foi feita: com material adaptado, com estratégias de trabalho em grupo, com redução de conteúdo, entre outros.

Para as perguntas fechadas, a média apresentada nos resultados foi normalizada para uma nota entre 0 e 10. Para a interpretação das respostas das perguntas abertas, utilizamos a análise de conteúdo de Bardin (2010), com categorização a posteriori segundo critério semântico. As perguntas foram separadas nos resultados em dois grupos: área técnica e área propedêutica.

3 Resultados e Discussão

Antes de analisarmos os resultados e os aspectos relevantes dos dados coletados, apresentamos uma cronologia na legislação e na literatura sobre as diferentes concepções de acesso ao currículo e as possibilidades previstas e desejadas para concretizar esse acesso. Há de percebermos um deslocamento do termo “adaptação” para “acessibilidade”, mas ainda mantemos o uso do primeiro nesta pesquisa em decorrência da sua utilização nos documentos institucionais do IFSul.

3.1 Avanços nas Possibilidades de acesso ao currículo

Um marco importante nos avanços de direitos e de sistemas de apoio às pessoas com deficiência pode ser atribuído à Declaração de Salamanca por ocasião da Conferência Mundial de Educação Especial, em 1994. Trata-se de uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que versa sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educacionais da Educação Especial. No seu texto, há a inferência de que escolas e currículos devem se adaptar aos diferentes ritmos de aprendizagem e às necessidades da criança e não o contrário (ONU, 1994).

Em 1996, a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em substituição à LDB anterior, a qual datava de 1971, trouxe novos elementos. Na esteira dos avanços, a Educação Especial ganhou destaque diante das políticas públicas da educação brasileira, afirmando-se o compromisso com estudantes com necessidades educacionais especiais, ao inserir-se um capítulo inteiro dedicado a essa finalidade na LDB. Nesse capítulo, a lei não só destaca o público-alvo da Educação Especial, como detalha os serviços que esse público tem direito para garantir seu desenvolvimento. Além disso, traz uma ênfase às adequações que garantem atendimento às necessidades dos estudantes e apresenta a terminalidade específica como possibilidade de finalização de etapa escolar.

Em 1998, o MEC apresentou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – adaptações curriculares: estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais, que apontou as adaptações curriculares como formas de acesso ao currículo, as quais indicam adequação de objetivos, de conteúdos e de critérios de avaliação, de forma a atender à diversidade de estudantes no país, destacando que estas se realizam no âmbito do projeto pedagógico, no currículo desenvolvido em sala de aula e no nível individual do estudante.

Em 2000, o MEC produziu duas cartilhas versando sobre adaptações curriculares de pequeno e de grande porte. Segundo uma das cartilhas, chamada Projeto Escola Viva - Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais: Adaptações curriculares de pequeno porte (2000a): “As Adaptações Curriculares de Pequeno Porte são modificações promovidas no currículo, pelo professor, de forma a permitir e promover a participação produtiva dos alunos que apresentam necessidades especiais no processo de ensino e aprendizagem” (p. 8). Em relação às adaptações de grande porte, estão definidas na cartilha Projeto Escola Viva - Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais: Adaptações curriculares de grande porte (2000b) como “ajustes cuja implementação depende de decisões e de ações técnico-política-administrativas, que extrapolam a área de ação específica do professor” (p. 10). Nos dois casos, são exemplificadas adaptações em relação às diversas deficiências e no âmbito das diversas categorias, como adequações de objetivos, de conteúdos, de método de ensino, de organização didática, de avaliação e de temporalidade dos processos de ensino e de aprendizagem.

Em 2001, o Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Nesse documento, apareceu, pela primeira vez, a palavra “fexibilização” e reforçou-se o uso das adaptações. Embora o texto não traga o significado de fexibilizar, na leitura entende-se que o currículo possa ser menos rígido e mais maleável, que seja fexível frente às diversas características dos sujeitos que habitam o espaço escolar e que respeite os tempos de aprendizagem dos estudantes com diferentes necessidades educacionais. A adaptação curricular pode ser entendida, então, como forma de concretizar um currículo fexível, não no sentido de empobrecimento, mas de torná-lo acessível aos estudantes com deficiência.

O currículo, portanto, constitui-se em uma ferramenta que pode ser modificada para proporcionar ao educando condições singulares de desenvolvimento, resultando em alterações com maior ou menor expressão. A escola comum torna-se mais inclusiva quando reconhece que as práticas pedagógicas precisam ser ajustadas ao contexto de vida, no sentido de atenção às diferenças de quem a frequenta, visando o progresso individual contínuo dentro das especificidades de cada sujeito. O olhar do professor frente à deficiência, enxergando as potencialidades e não as limitações, é fundamental para os avanços que se pretendem atingir. A subjetividade do que é importante no contexto da deficiência faz do docente um ator central no processo, pois é a partir da sua sensibilidade que o aluno tem seu plano de desenvolvimento construído.

Em 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada na sede da ONU, em Nova Iorque, consolidou direitos sociais importantes para esse público, como o da não discriminação, da educação, da acessibilidade e do trabalho (ONU, 2006), uma vez que a deficiência passou a ser vista como um modelo social, quer dizer, como uma característica do indivíduo e não como um defeito que precisa ser corrigido.

A caminhada no Brasil em busca de uma educação em que o respeito à diferença seja um direito consolidado foi lenta, mas a publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), de 2008, constituiu mais um passo nessa direção. Nela ficou objetivado o acesso, a participação e a aprendizagem do público-alvo da Educação Especial (estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação) nas escolas regulares.

Os números mostram uma grande migração de estudantes das classes exclusivas para as classes comuns à medida que a PNEEPEI era implementada. A Figura 2, a seguir, evidencia claramente esse fenômeno, o qual foi comemorado em diversos segmentos educativos.

Nota. Compilação a partir das Sinopses Estatísticas da Educação Básica do INEP/MEC de 2007 a 2021, números expressos em milhares (https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-basica).

Figura 2 Matrícu las da Educação Especial nas classes comuns e exclusivas 

Em 2011, foi publicado o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro, que dispôs sobre a Educação Especial e o Atendimento Educacional Especializado. Esse atendimento é def nido no Decreto, em seu Art. 2º, parágrafo 1º, como o “conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente”. Nesse documento, surge a expressão “adaptações razoáveis” e “acessibilidade” no sentido de possibilidades de acesso ao currículo e de atenção às necessidades individuais do estudante.

O termo “adaptação curricular” (ou adequação curricular) ainda provoca divergências entre os pesquisadores sobre o seu real signif cado ou sobre sua abrangência no campo educacion al. Há quem entenda que se trata do único modo de promover o acesso dos alunos com def ciência ao conhecimento historicamente acumulado (Oliveira, 2008); há quem critique a possibilidade de eliminar conteúdos básicos do currículo (Garcia, 2006); e há quem veja a adaptação curricular como uma estratégia totalmente equivocada que não favorece uma educação inclusiva (Batista & Mantoan, 2007).

3.2 Adaptar, filexibilizar, diferenciar: as possibilidades de acesso ao currículo

Diante de todas as possibilidades de ajuste no currículo, com a chegada dos estudantes com def ciência nos cursos técnicos, isso se torna um fato que precisa ser bem entendido pelos docentes. Independentemente da categoria da adaptação, não se pode perder de vista a f nalidade do processo educativo, que é promover o desenvolvimento do educando ape sar de suas limitações físicas, sensoriais ou cognitivas. Assim, quando se fala em adaptação de conteúdo, deve-se ter em mente que o objetivo não é eliminar simplesmente assuntos que o professor considera desnecessários ou de difícil compreensão. A decisão deve se pautar rigorosamente pela análise das capacidades e das possibilidades educacionais do aprendiz, visto que, antes de mais nada, é um direito seu ter acesso ao conteúdo planejado para sua etapa de ensino. Logicamente, a deficiência intelectual poderá acabar requerendo uma diminuição na profundidade de alguns temas ou a supressão de alguns assuntos cuja abstração se colocará além das possibilidades do estudante. Nesse caso, justifica-se a adequação, pois há de medir-se o impacto que uma insistência demasiada em um tópico poderia desencadear: frustração desnecessária frente a um objetivo que pode se mostrar irrelevante em comparação a um desenvolvimento que o aluno possa atingir e que seria mais significativo para a sua vida.

Como já apresentamos, documentos oficiais preveem a alteração de objetivos e de conteúdos e mesmo a eliminação de tópicos do currículo quando se julgar necessário para o desenvolvimento do estudante com deficiência. Mendes (2011) considera essa possibilidade uma diferenciação curricular negativa, pois antecipa a incapacidade do estudante com um currículo diferente. Essa noção é acompanhada por Xavier (2018), que vê nas adaptações curriculares a ideia de um currículo menor, mais pobre, marcado pela impossibilidade e não exatamente pela contextualização do objeto da aprendizagem. Já Araújo (2019) considera que adaptações, adequações e fexibilizações devem ser entendidas como ajustes, modificações e diferenciações realizadas para compreender as necessidades educacionais especiais decorrentes da deficiência intelectual. A mesma ideia é defendida por Capellini (2018), a qual considera que o conceito de adequações curriculares deve ser entendido como uma possibilidade de se concretizar um currículo fexível, de modo amplo, afastando-se, necessariamente, da ideia de empobrecimento, e tornando-o acessível a todos os estudantes por meio de alternativas metodológicas que atendam às suas necessidades singulares.

Pletsch et al. (2017), no entanto, destacam as potencialidades da diferenciação curricular e do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) como princípios para a inclusão escolar. Os autores entendem que o conceito de diferenciação curricular, quando parte da trajetória do sujeito com deficiência, se constitui em uma concepção que atende à diversidade da sala de aula. Argumentam que a diferenciação não implica limitação ou empobrecimento, mas revisão de estratégias e de recursos que se aliam ao DUA para potencializar o acesso ao currículo. Segundo Pletsch et al. (2017), “essa relação favorece a elaboração de um conjunto de estratégias, técnicas e materiais e recursos para garantir a participação dos alunos nos processos educativos” (p. 274).

Como afirmamos anteriormente, a discussão acerca dos termos utilizados é importante, mas neste trabalho estão sendo entendidos todos como uma forma de proporcionar acesso curricular aos estudantes com deficiência, particularmente a intelectual. Assim sendo, interessou-nos coletar junto aos docentes suas percepções sobre os ajustes curriculares necessários para o desenvolvimento das habilidades esperadas na formação técnica.

3.3 Resultados da pesquisa

O questionário distribuído foi respondido por 65 docentes, os quais foram separados em relação à disciplina que ministravam na área técnica ou propedêutica. Tivemos, na área técnica, 36 contribuições, e, na área propedêutica, 29 respostas.

A Tabela 1 mostra a nota normalizada média (0 a 10) para cada pergunta segundo os docentes de cada uma das áreas.

Tabela 1 Resultado de pesquisa com docentes do IFSul 

Pergunta Área técnica (36) Área propedêutica (29)
Em que medida você promove ou promovia adaptações ou acessibilidade curricular no processo de ensino durante o período da aula para potencializar o processo de aprendizagem quando tem ou tinha estudantes com deficiência intelectual? Considere 1 com pouca adaptação e 5 com muita adaptação. 5,2 5,9
Ter estudantes com deficiência intelectual na turma envolve a elaboração de um Plano Educacional Individualizado (PEI), que é um documento que prevê as estratégias de ensino, a adaptação/acessibilidade curricular, os horários de atendimento, a forma de avaliação, entre outras providências a serem detalhadas para essa(e) estudante. Em que medida você considera importante na sua prática a elaboração do PEI? Considere 1 como pouco importante e 5 como muito importante. 7,5 7,7
Em que medida você considera importante a adaptação na forma e na estrutura das aulas do día a día quando a turma possui estudantes com deficiência intelectual? Considere 1 como pouco importante e 5 como muito importante. 7,4 8,9
Em que medida você considera as adaptações curriculares de conteúdo e objetivos um instrumento eficiente como estratégia de ensino e de aprendizagem para estudantes com deficiência intelectual? Considere 1 como pouco importante e 5 como muito importante. 8,3 8,9
Como você se posiciona em relação à política de reserva de vagas para estudantes com deficiência nos cursos técnicos? Considere 1 como discordo totalmente e 5 como concordo totalmente. 7,1 8,8
Como você se posiciona em relação à inclusão de estudantes com deficiência intelectual nas classes regulares dos cursos técnicos? Considere 1 como discordo totalmente e 5 como concordo totalmente. 7,0 8,2
Como você se posiciona em relação às adaptações curriculares que suprimem conteúdos no currículo do ensino técnico. Considere 1 como discordo totalmente e 5 como concordo totalmente. 6,1 6,2

A área técnica apresentou pontuações mais conservadoras em todas as questões. Notadamente, esse grupo de docentes problematiza o papel das adaptações, principalmente as significativas, à luz das competências que os discentes precisam desenvolver para assegurar a formação necessária para a conclusão do curso. Mesmo a política de reserva de vagas e a inclusão de estudantes com deficiência nos cursos técnicos apresentam uma avaliação mais baixa que a outra área pesquisada.

Conforme Diniz et al. (2009), o reconhecimento do corpo com impedimentos como expressão da diversidade humana é recente e ainda se constitui um desafo. Isso se potencializa na área técnica, a qual tem dificuldades para compreender, com razão, como alguns sujeitos com deficiência, sobretudo intelectual, podem desenvolver suas atividades com adaptações profundas em seu itinerário formativo. A questão “O aluno X poderá ser técnico nesse curso?” frequentemente é verbalizada. Novamente, Diniz et al. (2009) trazem adequadamente a refexão de que “a desvantagem social vivenciada pelas pessoas com deficiência não é uma sentença da natureza, mas o resultado de um movimento discursivo da cultura da normalidade” (p. 74).

O relato, a seguir, é de um docente da área de Ciências da Natureza que aborda o ponto de vista das adaptações curriculares e dos questionamentos da área técnica:

Acredito que as adaptações sejam necessárias para que a inclusão seja real, partindo, principalmente, do pressuposto que o estudante, como cidadão, tem o direito à educação, seja ela técnica ou não. Também acredito no bom senso da sociedade, um estudante com deficiência intelectual certamente não poderá trabalhar com maquinário pesado ou sistemas de alta tensão, citando exemplos de cursos aos quais já ministrei aulas, mas, certamente poderá se integrar nas empresas realizando trabalhos compatíveis com suas habilidades. De fato, algo que os docentes das áreas técnicas sempre reclamam é isso: estar formando um técnico que não é totalmente técnico na área, que o diploma atesta que ele pode fazer todas as atividades. Nesse ponto que acredito no bom senso das empresas e das instituições no processo formativo, pois inclusão não significa igualdade, mas equidade.

Ao mesmo tempo que o docente considera as adaptações necessárias, traz um contraponto à preocupação da área técnica em relação à formação do estudante, problematizando, mesmo sem citar, o expediente da certificação diferenciada. A “previsão” confirma-se no depoimento de um docente da área técnica que justamente pontua essa preocupação: “O que me preocupa mais não é suprimir em si, mas sim a ausência de um certificado com terminalidade específica para esses alunos; no ponto de vista da segurança deles na execução das tarefas”.

A pergunta sobre a promoção de acessibilidade ou de adaptação para estudantes com deficiência intelectual na classe nos chama atenção pelos números atingidos. A média de 5,2 (área técnica) ou de 5,9 (área propedêutica) é baixa em função da necessidade de estratégias de acesso ao currículo que esses estudantes demandam. Entender que essa prerrogativa de promoção de acessibilidade curricular tem uma importância mediana é desconhecer que um estudante com deficiência intelectual possui um desenvolvimento significativamente diferente de um estudante sem deficiência. Segundo Capellini (2018), o currículo torna-se acessível por meio de adequações que atendam às necessidades dos estudantes. Para Fonseca (2011), a adaptação consiste em um formato de currículo voltado especificamente àqueles com dificuldades de aprendizagem expressivas, como o estudante com deficiência intelectual.

A Figura 3 a seguir mostra o gráfico de respostas obtidas.

Nota. A questão refere-se a: “Em que medida você promove ou promovia adaptações ou acessibilidade curricular no processo de ensino durante o período da aula para potencializar o processo de aprendizagem quando tem ou tinha estudantes com def ciência intelectual? Considere 1 com pouca adaptação e 5 com muita adaptação”.

Figura 3 Questão do questionário aplicado aos docentes 

Um aspecto importante da pesquisa diz respeito, também, à pergunta “Como você se posiciona em relação às adaptações curriculares que suprimem conteúdos no currículo do ensino técnico?”. Tanto a área técnica quanto a propedêutica convergem para a mesma opinião de que a supressão de conteúdos não é bem recebida em um curso técnico. Isso é respaldado por diversos autores, como Correia (2016), Mendes (2011) e Xavier (2018), os quais consideram que adequar ou adaptar não pode ser sinônimo de empobrecimento do currículo.

No depoimento a seguir, o docente da área técnica r eforça sua posição totalmente contrária à supressão de conteúdos. Notamos que há uma desinformação em relação ao papel das adaptações quando ele refere que: “Adaptação é muito diferente de mudança”. Ora, adaptação, no sentido de ajuste, a nosso ver, é justamente sinônimo de mudança. Mudança de paradigma, mudança de concepção do papel do currículo no planejamento das ações em sala de aula.

Acho que pode se ter uma adaptação da estratégia desde que esta não traga prejuízos aos demais alunos. Adaptação é muito diferente de mudança. Além disso, não é viável para o professor que alguns estudantes requeiram total atenção em detrimento aos demais. A política de inclusão tem seus pontos positivos, mas deixar tudo isso na mão do docente é muito fácil para os gestores, porém é extremamente desgastante para os professores.

Quando se argumenta que a supressão de conteúdos pode impactar a aquisição de habilidades fundamentais do estudante, a discussão da certif cação diferenciada como possibilidade de conclusão de etapa ganha mais sentido, uma vez que, a depender das adaptações e das adequações curriculares, a formação do estudante pode, e talvez precise, ser encaminhada com o uso de uma terminalidade específ ca.

Isso implica dizermos, em absoluto, que a certif cação diferenciada é sempre excludente, pois entendemos que, em algumas situações, pode se tornar um expediente legítimo e inclusivo, principalmente para estudantes com def ciência intelectual. Há um equilíbrio tênue entre oferecer condições inclusivas de formação, o uso de certif cado diferenciado e a produção de um currículo acessível a todos os estudantes. De qualquer modo, a “régua” da escola, quer dizer, a exigência historicamente normalizada de requisito para a conclusão de uma etapa escolar tem de ser, no mínimo, objeto de refexão. Muitos docentes que estão à frente das classes atuais tiveram uma formação clássica de quanto mais exigente o curso, mais bem preparado o estudante estaria. Isso refete uma cultura mais difícil de ser modificada, ainda mais considerando o quão recente a pauta de inclusão e de acessibilidade é nas escolas, especialmente os institutos de formação técnica.

Uma das perguntas do instrumento inqueria, entre os docentes que disseram não ter adaptado conteúdos para o trabalho com estudantes com deficiência intelectual, o motivo de não haver realizado a adequação. A seguir, reproduzimos a resposta de um docente da área de Ciências da Natureza com uma visão mais pragmática do currículo: a de precisa-se vencê-lo porque será cobrado depois em exames como vestibular e Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), por exemplo.

Não utilizei adaptação porque tais alunos não necessitam ter conteúdos diferentes do previsto na ementa do curso, pois as avaliações como PAVE (Programa de Avaliação da Vida Escolar – UFPel [Universidade Federal de Pelotas]) e ENEM, por exemplo, não preveem esse tipo de alteração, caso o professor realize, pois, a meu ver, sempre algum tópico pode ser retirado... então [...] caso esses alunos queiram ascender em sua carreira estudantil, vão se deparar com a realidade. Assim vejo que a adaptação não serve para uma política de avaliação do país que não prevê a acessibilidade de tais alunos. No entanto, o que pode ser realizado são outras medidas como um acompanhamento mais direcionado com tais alunos, ou um plano de ensino diferente, mas que prevê os mesmos conteúdos, eu não chamaria isso de adaptação, pois se parece que alguns conteúdos possam ser retirados (não que isso ocorra por alguns professores que adaptam), mas fz/criei algumas estratégias diferentes com esses alunos e isso foi previsto no plano de ensino para estes.

A partir da análise da resposta, inferimos que o docente considera a adaptação como sinônimo de uma estratégia que elimina conteúdos da ementa do curso, o que não se ampara na legislação. Por sua vez, a justificativa de que avaliações de ingresso no Ensino Superior, como o PAVE e o ENEM, não preveem alterações em suas provas, não tem intersecção com a adequação/fexibilização de conteúdos. É, na verdade, uma visão capacitista, que Sassaki (2020) traduz como a situação em que o foco são as capacidades das pessoas sem deficiência como critério da normalidade. Em outras palavras, a ênfase é colocada nas pessoas capazes e o que elas devem realizar é o objetivo a ser atingido por qualquer indivíduo: se os estudantes “normais” fazem ENEM e PAVE, então os estudantes com deficiência devem se deparar com a realidade se quiserem “ascender em sua carreira estudantil”.

Em se tratando das questões abertas, apresentadas anteriormente neste texto, as quais solicitavam posicionamento dos docentes sobre os temas propostos, a primeira categorização, para docentes da área técnica, traz os resultados das adaptações curriculares como estratégia nas aulas. Quase 80% dos participantes, como a Tabela 2 mostra, consideram-nas como ponto chave para a aprendizagem dos estudantes com deficiência. Concebemos que emergiram também duas subcategorias com significado próximo, mas diferentemente relevantes. Enquanto a palavra “importante” sugere uma condição desejada, a palavra “essencial” foi compreendida como necessária, pois sem essas adaptações, o aprendizado, tal qual o que foi atingido, não seria alcançado.

Tabela 2 Categorização dos dados – área técnica 

Categoria Subcategoria Frequência %
Adaptações curriculares como estratégia Importante para a aprendizagem 14 37,8%
Necessária ou essencial para a aprendizagem 15 40,5%
Essencial para a integração 2 5,4%
Não podem suprimir conteúdos 2 5,4%
Docentes não estão preparados 3 8,1%
Desnecessárias 1 2,7%
37 100%

Tendo como base os docentes das áreas propedêuticas nesta pesquisa, uma diferença relevante para a área técnica diz respeito às duas subcategorias em destaque. Enquanto na área técnica o percentual de quem achava as adaptações curriculares uma estratégia importante era igual a quem achava essencial, na área propedêutica, a classificação “importante” foi o dobro da “essencial”, como mostra a Tabela 3.

Tabela 3 Categorização dos dados – área propedêutica 

Categoria Subcategoria Frequência %
Adaptações curriculares como estratégia Importante para a aprendizagem 15 51,7%
Necessária ou essencial para a aprendizagem 7 24,1%
Essencial para a integração 0 0%
Não podem suprimir conteúdos 3 10,3%
Docentes não estão preparados 2 6,9%
Desnecessárias 2 6,9%
29 100%

Uma observação importante a ser feita pode ser justificada pela resposta do docente de Matemática reproduzida a seguir, que mostra que não há, de modo algum, duas categorias de estudantes: os normais e os deficientes. Dentro da sala de aula e dentro da deficiência, há uma variedade de características e de desenvolvimento pessoais que precisam ser levados em consideração na busca de uma adequação curricular.

Já tive estudantes que só entendiam a leitura com letra de forma. Assim, os materiais precisavam ser adaptados para que o estudante tivesse autonomia em seu processo de leitura. Além disso, outro estudante já precisou trabalhar outros conteúdos que não os abordados em sala de aula, pois o estudante demonstrou não ter base para acompanhar os estudos. Assim, já tive estudantes no primeiro ano do Ensino Médio que precisavam trabalhar com questões envolvendo as quatro operações básicas, ou até mesmo potenciação e radiciação. Tais conteúdos eram mais bem trabalhados na sala de recursos, mas em sala de aula eram proporcionadas atividades diferenciadas para que o estudante estivesse incluso no processo de aprendizagem, conforme seu ritmo e possibilidade.

Essa parece ser uma premissa importante, o do docente fexível, que, segundo Scherer (2015), é uma característica da contemporaneidade – a necessidade de uma escola e de uma docência fexíveis, atentas às necessidades e às formas possíveis de desenvolvimento de seus estudantes.

Igualmente, há de destacarmos na posição dos docentes da área técnica o fato de não considerarem o currículo como estático, como podemos observar no relato a seguir, o que vai ao encontro do que Capellini (2018) pontua.

Entendo todo processo de aprendizagem requer adaptações e, no caso específico de estudantes com deficiência intelectual, estas devem ir sendo realizadas a partir das limitações efetivas do estudante, ou seja, previamente não se pode dizer o que um estudante tem condições ou não de se apropriar, mas com base no processo, dando oportunidade aos estudantes de se desafiarem, entendo que surjam concretamente os pontos que requerem uma adaptação.

A segunda categorização, também dividida em duas áreas, mostra os tipos de adaptação utilizados nas aulas. Há, como podíamos esperar, grande variedade de estratégias, conforme o que foi posto nas Tabelas 4 e 5. Chama-nos atenção o fato de uma pergunta do instrumento de pesquisa, que questionava se o docente realizava encontros fora do turno de aula para atendimento, ter 69,2% de respostas indicando encontros semanais ou quinzenais. Notamos que tal procedimento não foi considerado em todas as respostas como exemplo de adaptação realizada.

Tabela 4 Categorização dos dados – área técnica 

Categoria Subcategoria Frequência %
Tipo de adaptação realizada Adaptação de conteúdo 3 8,9%
Adaptação nas atividades 8 23,5%
Supressão de conteúdo 12 35,3%
Adaptação de material 9 26,5%
Adaptação na avaliação 2 5,9%
Atendimento individualizado 0 0%
34 100%

Tabela 5 Categorização dos dados – área propedêutica 

Categoria Subcategoria Frequência %
Tipo de adaptação realizada Adaptação de conteúdo 4 10,5%
Adaptação nas atividades 4 10,5%
Supressão de conteúdo 11 28,9%
Adaptação de material 12 31,6%
Adaptação na avaliação 4 10,5%
Atendimento individualizado 3 7,9%
38 100%

Há, no entanto, uma característica, ao nosso ver, muito peculiar: enquanto ambos os grupos se mostraram incomodados com a supressão de conteúdos nos cursos técnicos (Tabela 1), esse tipo de adaptação foi utilizado com destaque (35% pela área técnica e 29% pela área propedêutica). Ora, apesar de não concordar com a eliminação de conteúdos, esse expediente foi bastante utilizado no momento das adequações para as aulas com estudantes com deficiência.

Notamos que a prática é prevista como forma legítima de proporcionar ao educando acesso ao currículo. Considerada como adaptações significativas, a adequação que elimina conteúdos não deve ser feita indiscriminadamente, mas, sim, pautada por uma refexão detalhada da necessidade e depois de esgotadas outras formas de acessibilidade. O que se destaca aqui é a aparente contradição entre o discurso e a prática.

4 Conclusões

Embora as informações relativas aos documentos institucionais usem a terminologia adaptações curriculares, consideramos que os verbetes fexibilização, diferenciação e acessibilidade curricular, neste trabalho, têm o sentido de promover ajustes no currículo, de modo a contemplar a heterogeneidade da sala de aula. Isso não significa supressão de conteúdo, embora entendamos que possa haver eliminação de conteúdos que não sejam essenciais ao desenvolvimento do aprendiz, tal qual a legislação prevê, sem, no entanto, considerar que isso seja necessariamente um empobrecimento do currículo.

Não por acaso, os resultados obtidos nas respostas da área técnica, em todas as perguntas, foram mais conservadores. Há uma preocupação em relação ao fato de um estudante com deficiência intelectual poder desenvolver as habilidades requeridas no curso técnico para ter direito ao diploma. Em especial, a nota 5,2 da área técnica, que é atribuída à importância aos processos de acessibilidade curricular promovidos, os quais dão conta dos desafos que os estudantes ainda encontrarão dentro da formação técnica.

Cabe destacarmos, por fim, que a pesquisa refete, principalmente, o avanço lento da inclusão nas instituições de ensino. Apesar de esse fato poder ser visto como negativo, olhamos sob uma perspectiva mais otimista: o avanço é lento, mas não cremos estar ocorrendo retrocesso. Os números de chegada dos estudantes nos cursos técnicos estão aí para ratificar essa visão.

4Pesquisa submetida ao Comitê de Ética e aprovada sob o protocolo CAAE: 39995020.2.0000.5349, intitulada Certificação Diferenciada no Ensino Técnico: um processo inclusivo ou excludente?. Doutorando: Marcelio Adriano Diogo; Orientadora: Profa. Dra. Marlise Geller.

Referências

Araújo, M. A. (2019). Adaptações curriculares para alunos com deficiência intelectual: das concepções às práticas pedagógicas [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Goiás]. Repositório da Universidade Federal de Goiás. https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/9632Links ]

Bardin, L. (2010). Análise de conteúdo. Edições 70. [ Links ]

Batista, C. A. M., & Mantoan, M. T. E. (2007). Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental. In A. L. L. Gomes, A. C. Fernandes, C. A. M. Batista, D. A. Salustiano, M. T. E. Montoan, & R. V. Figueiredo (Eds.), Atendimento Educacional Especializado (1ª ed., pp. 13-42). Secretaria de Educação Especial, Secretaria de Educação a Distância, Ministério da Educação. [ Links ]

Capellini, V. L. M. F. (2018). Adaptações curriculares na inclusão escolar: contrastes entre dois países. Appris. [ Links ]

Correia, G. B. (2016). Deficiência, Conhecimento e Aprendizagem: uma análise relativa à produção acadêmica sobre Educação Especial e Currículo [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/147927Links ]

Decreto n° 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7611.htmLinks ]

Diniz, D., Barbosa, L., & Santos, W. R. dos. (2009). Deficiência, direitos humanos e justiça. Revista Internacional de Direitos Humanos, 6(11), 65-77. https://doi.org/10.1590/S1806-64452009000200004Links ]

Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. (2001). http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdfLinks ]

Fonseca, K. A. (2011). Análise de adequações curriculares no Ensino Fundamental: subsídios para programas de pesquisa colaborativa na formação de professores. [Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista]. Repositório da Universidade Estadual Paulista. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/97506Links ]

Garcia, R. M. C. (2006). Políticas para a educação especial e as formas organizativas do trabalho pedagógico. Revista Brasileira de Educação Especial, 12(3), 299-316. https://doi.org/10.1590/S1413-65382006000300002Links ]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense. (2021). Relatório de Gestão 2021. IFSUL. [ Links ]

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2021). Sinopse Estatística da Educação Básica 2008-2021. https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-basicaLinks ]

Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htmLinks ]

Lei n° 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htmLinks ]

Lei n° 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13409.htmLinks ]

Mendes, G. M. L. (2011). As práticas curriculares nos cadernos escolares: registros de inclusão?. In M. D. Pletsch, & A. Damasceno (Orgs.), Educação especial e inclusão escolar: reflexões sobre o fazer pedagógico (1ª ed., pp. 137-148). EDUR. [ Links ]

Oliveira, A. A. S. (2008). Adequações Curriculares na Área da Deficiência Intelectual: algumas reflexões. In A. A. S. Oliveira, S. Omote, & C. R. M. Giroto (Orgs.), Inclusão escolar: as contribuições da educação especial (1ª ed., pp. 129-154). Cultura Acadêmica, Fundepe. [ Links ]

Organização das Nações Unidas. Declaração de Salamanca e enquadramento da ação na área das necessidades educativas especiais. (1994). http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdfLinks ]

Organização das Nações Unidas. (2006). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. http://www.un.org/disabilities/documents/natl/portugal-c.docLinks ]

Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares: estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. (1998). https://docplayer.com.br/8626-Parametros-curricularesnacionais.htmlLinks ]

Pletsch, M. D., Souza, F. F., & Orleans, L. F. (2017). A diferenciação curricular e o desenho universal na aprendizagem como princípios para a inclusão escolar. Revista educação e cultura contemporânea, 14(35), 264-281. https://doi.org/10.5935/2238-1279.20170014Links ]

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. (2008). http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdfLinks ]

Projeto Escola Viva - Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais: Adaptações curriculares de pequeno porte. (2000a). http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/cartilha06.pdfLinks ]

Projeto Escola Viva - Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais: Adaptações curriculares de grande porte. (2000b). http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/cartilha05.pdfLinks ]

Sassaki, R. K. (2020). Capacitismo, incapacitismo e deficientismo na contramão da inclusão. Revista Reação, 96, 10-12. [ Links ]

Scherer, R. P. (2015). Cada um aprende do seu jeito: das adaptações às fexibilizações curriculares [Dissertação de Mestrado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos]. Repositório da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/3885Links ]

Xavier, M. S. (2018). Acessibilidade curricular: refetindo sobre conceitos e o trabalho pedagógico [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria]. Repositório da Universidade Federal de Santa Maria. https://repositorio.ufsm.br/handle/1/17084-Links ]

Recebido: 07 de Julho de 2022; Revisado: 12 de Setembro de 2022; Aceito: 18 de Setembro de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.