A obra Current Trends and Legal Issues in Special Education [Tendências e questões jurídicas da Educação Especial], organizada por David Bateman e Mitchell L. Yell, está dividida em 15 artigos de diferentes pesquisadores que discutem temas relacionados à realidade vivenciada por gestores, professores, estudantes e pais que são afetados diretamente pela política de Educação Especial nos Estados Unidos. Desde 1975, quando a lei de Educação Especial entrou em vigor nos Estados Unidos, muitas ações foram impetradas a fim de garantir a igualdade de direitos e de atendimento nas escolas públicas, exigindo o cumprimento da lei, impedindo problemas como segregação, discriminação e o não atendimento apropriado do público-alvo da Educação Especial.

No Capítulo 1, os autores discutem formas de identificar e evitar discriminação de estudantes com deficiência, abordando questões acerca do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, além de problemas comportamentais em programas de educação individualizada (Individualized Education Program - IEP). De forma complementar, o capítulo discute sobre a medicalização na Educação Especial e disputas metodológicas, tais como custos, encaminhamentos o ambiente menos restritivo (Least Restrictive Environment - LRE), acessibilidade e avaliação educacional, independentemente da falta de acordo entre a escola e os pais dos estudantes.

O Capítulo 2 disponibiliza orientações para líderes escolares (gestores, diretores, coordenadores) e educadores sobre a concepção, a implementação, a avaliação e a sustentação do modelo triplo Ci3T de apoio às competências acadêmicas, comportamentais e socioemocionais dos estudantes. Esse modelo de abordagem é recente e tem sido ampliado aos vários níveis educacionais, promovendo a colaboração e a formação de equipes entre todas as partes interessadas da escola e da comunidade, integrando os três domínios a todos os estudantes - incluindo os estudantes da Educação Especial.

O Capítulo 3 refere-se ao direito de uma educação pública, gratuita e apropriada previsto em lei federal desde 1975 no Education for All Handicapped Children Act (EAHCA) (o nome da lei foi alterado para Individuals with Disabilities Act - IDEA [Lei de Indivíduos com Deficiências], em 1990). Alguns termos e direitos garantidos por lei são controversos e geram inúmeras audiências em secretarias de educação e processos judiciais em cortes dos Estados Unidos. A definição de educação apropriada tem sido tema de discussões, assim como educação de qualidade é tema de discussões no Brasil.

O Capítulo 4 discute a importância da parceria entre pais de estudantes da Educação Especial e os profissionais da escola. Dessa parceria, são abordados princípios como: comunicação, comprometimento, igualdade, habilidades, confiança e respeito. Também são enumeradas algumas barreiras dessa relação como a dinâmica de poder desigual e falta de treinamento adequado de alguns profissionais.

O Capítulo 5 trata do serviço de transição que é ofertado aos estudantes da Educação Especial em alguns momentos de sua formação acadêmica como ao fim de sua Educação Básica para o Ensino Superior e a importância do IEP nesse processo. Essa etapa depende de uma boa equipe de IEP para desenvolver metas pós-secundárias adequadas e mensuráveis com base em avaliações de transição apropriadas para a idade, relacionadas ao treinamento, à educação, à empregabilidade e, quando aplicável, a habilidades para a vida independente.

O Capítulo 6 trata da disciplina de estudantes da Educação Especial e discute, nesse sentido, a proteção desses estudantes e, também, a respeito do porquê estudantes com deficiência, particularmente aqueles de origens raciais diversas, são desproporcionalmente sujeitos à disciplina excludente. Já o Capítulo 7 chama atenção para a existência de uma lacuna de pesquisas direcionadas às práticas na Educação Especial e suas implicações para a aprendizagem do estudante, tendo em vista que essas pesquisas podem ser indicadores para a melhoria dos resultados dos estudantes.

O Capítulo 8 aborda a prestação de contas na Educação Especial e como ela pode ser aplicada de várias maneiras na educação - para estudantes, educadores, distritos e escolas, destacando o porquê a prestação de contas é parte fundamental nesse processo para aumentar o acesso e a permanência dos estudantes com deficiência. Em seguida, o Capítulo 9 trata da Educação Especial na primeira infância e o aumento da conscientização e apoio às necessidades de saúde mental de crianças e familiares, priorizando a diversidade cultural e linguística entre os estudantes.

O Capítulo 10 discute questões relacionadas ao bullying na Educação Especial, tentando compreender como este se tornou um problema difundido e persistente para os jovens em idade escolar, especialmente para estudantes com deficiência. Na sequência, no Capítulo 11, os autores tratam de algumas inovações nas escolas, dentre elas está a expansão de programas de saúde mental. O foco é a discussão de como as necessidades de crianças e de jovens podem ser atendidas com sucesso nas escolas com a expansão de serviços de saúde mental escolar (School Mental Health - SMH).

O Capítulo 12 traz uma problematização acerca da formação de professores da educação comum para atuarem na Educação Especial. O texto explicita a necessidade de formação de líderes na educação comum, a necessidade do trabalho em conjunto dos professores da educação regular e da Educação Especial, a separação existente na formação para educação regular e Educação Especial, a pressão existente para que estudantes apresentem progresso e os modelos integrados de preparação e suporte da educação regular e Educação Especial.

O Capítulo 13 discute a relação escola-prisão, os índices de violência e os impactos na vida escolar. Além disso, explica o desenvolvimento do programa escola-prisão (school-to-prison pipeline - STPP) e os antecedentes relativos ao aumento da permanência e à atuação de policiais nas escolas públicas e os impactos na Educação Especial. Já o Capítulo 14 apresenta a escassez e a evasão de professores na Educação Especial e as várias razões pelas quais esses professores enfrentam a escassez de profissionais e como isso é sintomático de um antigo conjunto de problemas complexos como a falta de formação continuada.

Por fim, o Capítulo 15 aborda a formação de futuros líderes e administradores da Educação Especial. Também discute sobre o cargo desses profissionais, suas funções e responsabilidades. Além disso, o capítulo defende que a preparação e o desenvolvimento profissional de líderes em Educação Especial precisam estar alinhados à visão, à missão e aos objetivos da modalidade.

A obra de ^{Bateman e Yell (2019)} apresenta, de forma bem estruturada, os tópicos mais recentes sobre a implementação da política pública de Educação Especial nos Estados Unidos. O livro não aborda questões relacionadas ao financiamento da Educação Especial nos Estados Unidos - um tópico em constante discussão, já que o fundo federal de financiamento não cobre os custos totais da Educação Especial, ficando a cargo dos estados e dos distritos arcarem com esses custos. A obra está direcionada a questões relacionadas com a prática em sala de aula, formação de professores e profissionais da educação e os programas de melhoria da dinâmica de atendimento dos estudantes da Educação Especial.

A obra aqui resenhada traz, portanto, algumas reflexões sobre a realidade das escolas públicas dos Estados Unidos em relação à Educação Especial e aos conflitos e aos problemas enfrentados por professores, gestores escolares, pais e pelos próprios estudantes e a legislação em vigor. Os autores são pesquisadores da Educação Especial com muitas publicações sobre a modalidade. Bateman é professor no Departamento de liderança em Educação e Educação Especial da Universidade Shippensburg no estado da Pennsylvania, autor e coautor de livros e artigos sobre a Educação Especial. Yell é professor na Universidade da Carolina do Sul e publicou mais de 124 artigos, quatro livros e 26 capítulos de livros sobre a Educação Especial nos Estados Unidos.

O interesse pela obra surgiu a partir de pesquisas em educação comparada internacional sobre práticas, legislações, políticas públicas e financiamento da Educação Especial oriundas da produção científica e da vinculação ao grupo de pesquisa “Políticas, Gestão e Inclusão Escolar: contextos e processos sociais”, o qual desenvolve uma pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Tal pesquisa teve início em 2018, objetivando um estudo comparado sobre Educação Especial entre Brasil e México, mas, atualmente, está expandindo para outras realidades, como os Estados Unidos e a Inglaterra. Ressaltamos que, nesse processo, coletâneas de artigos sobre a realidade dos profissionais da educação, pais e estudantes da Educação Especial nos auxiliam a perceber como a materialização das políticas públicas apresentam indícios de influência na cultura e nos espaços educacionais em diversos contextos, incluindo os Estados Unidos.