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Revista Brasileira de Educação Especial

versión impresa ISSN 1413-6538versión On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.29  Marília  2023  Epub 15-Mayo-2023

https://doi.org/10.1590/1980-54702023v29e0151 

Relato de Pesquisa

TELEATENDIMENTO EM EXERCÍCIO FÍSICO PA RA POPULAÇÃO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES2

TELESERVICE IN PHYSICAL EXERCISE FOR POPULATION WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER: CHALLENGES AND POSSIBILITIES

José Valdo Tenório da SILVA3 
http://orcid.org/0000-0001-9743-7337

Amaro Wellington da SILVA4 
http://orcid.org/0000-0002-8728-2244

Keity Maria Nogueira da SILVA5 
http://orcid.org/0000-0002-2340-9074

Simone Assunção KEINER6 
http://orcid.org/0000-0002-7599-4383

Chrystiane Vasconcelos Andrade TOSCANO7 
http://orcid.org/0000-0002-6625-4447

3Preparador Físico de Futebol da Categoria SUB-15. UFAL. Alagoas/Sergipe/Brasil

4Graduando no Bacharelado em Educação Física. UFAL. Alagoas/Sergipe/Brasil

5Professora de Educação Física. Centro Unificado de Intervenção e Desenvolvimento do Autista. Graduada em Licenciatura Plena em Educação Física. UFAL. Alagoas/Sergipe/Brasil

6Professora. Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. São Paulo/São Paulo/Brasil

7Professora. Universidade Federal de Alagoas. Alagoas/Sergipe/Brasil


RESUMO

Neste artigo, objetivou-se identificar possibilidades e dificuldades relacionadas ao teleatendimento em exercício físico para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) atendidas por um serviço especializado de Maceió. Utilizou-se o delineamento AB; e, na linha de base, foram aplicados instrumentos de caracterização dos perfis de sintomas relacionados ao TEA dos participantes e de aspectos sociodemográficos, tanto dos participantes quanto de seus mediadores familiares. A fase de intervenção, que consistiu em um teleatendimento em exercício físico via WhatsApp e chamada telefônica para aqueles que tinham smartphones e somente via chamada telefônica para quem não tinha, estendeu-se de abril de 2020 a dezembro de 2021 e contou com dez crianças (6,8 ± 2,1 anos) do sexo masculino e seus mediadores familiares. Ao longo da intervenção, realizaram-se análises dos registros audiovisuais dos mediadores familiares acerca das possibilidades e das dificuldades relacionadas à aplicação da intervenção. Concluiu-se que, ainda que tenha havido dificuldades tecnológicas e sociais, o teleatendimento foi uma importante estratégia para dar continuidade à prática de atividade física no ambiente doméstico e esteve associado à melhoria na relação dos mediadores familiares com os indivíduos com TEA.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino a distância; Autismo; Educação de pessoas com deficiência; Exercícios físicos; Psicologia e educação

ABSTRACT

In this paper, we aimed to identify possibilities and difficulties related to teleservice in physical exercise for children with Autism Spectrum Disorder (ASD) attended by a specialized service in Maceió, Brazil. The AB design was used, and, at baseline, instruments for characterizing the ASD-related symptom profiles of the participants and sociodemographic aspects of both the participants and their family mediators were applied. The intervention phase, which consisted of a teleservice in physical exercise via WhatsApp and a phone call for those who had smartphones and only via phone call for those who did not, was extended from April 2020 to December 2021 and counted on ten male children (6.8 ± 2.1 years old) and their family mediators. During the intervention, analyses of the audiovisual records of the family mediators were conducted regarding the possibilities and difficulties of the application of the intervention. Although there were technological and social difficulties, it was concluded that teleservice was an important strategy to continue the practice of physical activity in the home environment and was associated with an improvement in the relationship between family mediators and individuals with ASD.

KEYWORDS Distance learning; Autism; Education of people with disabilities; Physical exercises; Psychology and education

1 INTRODUÇÃO

Para prevenir o contágio pelo SARS-CoV-2, causador da covid-19, na América Latina, autoridades impuseram o distanciamento social (Valdez et al., 2021). Os serviços educacionais foram fechados, e a rede de apoio (e.g. avós, babás, vizinhas) de pais de crianças deixou de prestar suporte. Em ambiente doméstico, o papel dos pais tornou-se mais crucial do que antes da pandemia, já que passaram a distribuir o tempo do trabalho em home office com o tempo para promover desenvolvimento, atividades físicas e oportunidades de aprendizagem para seus filhos (Logrieco et al., 2022; Shahrbanian et al., 2021).

Com a diminuição da circulação das pessoas nas vias públicas e das interações relacionadas às atividades de trabalho, educação e lazer, outra pandemia, agora relacionada ao comportamento sedentário, também passou a preocupar, já que a redução da prática de atividade física prejudicou diferentes populações (Barros et al., 2020). Por estar associada a riscos neurológicos e inflamatórios, a falta de oportunidades para a prática de atividade física foi ainda mais crítica para a população com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em função dos sintomas primários e das interferências de base neurológica e inflamatória que caracterizam o diagnóstico (D’souza et al., 2021; Ketcheson & Pitchford, 2021; Lima et al., 2020).

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento que acomete uma a cada 44 crianças (Maenner et al., 2021) e tem como principais questões desenvolvimentais obstáculos de comunicação e interação social e interesses restritos e repetitivos (American Psychiatric Association [APA], 2013).

Nos indivíduos com TEA latino-americanos, após o início do distanciamento social, constataram-se aumento da irritabilidade, conduta de deambular, dificuldades de alimentação e de concentração, ansiedade e distúrbios de sono, pioras correlacionadas, principalmente, a mudanças na rotina (Dewi et al., 2022; Valdez et al., 2021). Com a finalidade de melhorar a saúde durante o isolamento social, os indivíduos com TEA beneficiaram-se de teleatendimentos. Além de essa modalidade evitar a submissão ao risco de contágio, também impede o estresse da viagem ao centro de intervenção e promove redução no custo financeiro de deslocamento (Ketcheson & Pitchford, 2021; Lima et al., 2020; Logrieco et al., 2022; Valdez et al., 2021). Um tipo de teleatendimento do qual as pessoas com TEA se beneficiaram foi aquele baseado em atividade física (Dewi et al., 2022). Ainda que haja aumento no número de pesquisas que se centram em intervenções baseadas em atividade física (Feng et al., 2022), poucos estudos empíricos abordaram efeitos do teleatendimento em atividade física para pessoas com TEA (Dewi et al., 2022; Ketcheson & Pitchford, 2021).

Na revisão de literatura de Dewi et al. (2022), foram analisados 19 estudos em língua inglesa e da Indonésia sobre intervenções para indivíduos com TEA durante os anos de 2020 e 2021, mas nenhuma delas foi a distância. Em outra revisão de literatura (Shahrbanian et al., 2021) sobre atividades físicas para crianças com TEA na pandemia, foram selecionados apenas quatro teleatendimentos (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Garcia et al., 2021; Healy & Marchand, 2020; Yarımkaya et al., 2021).

As intervenções citadas por Shahrbanian et al. (2021) foram conduzidas no Oriente Médio - Ancara e Teerã (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Yarımkaya et al., 2021) - e na América do Norte - município de Humboldt, localizado na parte norte da Califórnia (Healy & Marchand, 2020), e na Flórida Central (Garcia et al., 2021). No total, participaram dos estudos 78 indivíduos, com idades entre 5 e 18 anos, sendo a maior parte deles do sexo masculino. No estudo de Garcia et al. (2021), não foram coletados dados sobre os principais cuidadores ou mediadores familiares. Nos demais estudos, os mediadores familiares eram, em sua maioria, do sexo feminino, cursavam ou haviam completado o Ensino Superior, tinham idade média entre 35 e 51 anos (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Yarımkaya et al., 2021) e faziam parte de uma classe socioeconômica intermediária ou alta (Yarımkaya et al., 2021). As intervenções totalmente a distância duraram entre quatro e seis semanas. No estudo em que parte da intervenção foi conduzida presencialmente e parte a distância, o primeiro momento durou sete semanas, e a fase remota durou seis semanas e meia (Garcia et al., 2021).

Para a apresentação das atividades físicas aos mediadores familiares e/ou participantes, foi utilizado o WhatsApp (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Yarımkaya et al., 2021), o Zoom (Garcia et al., 2021) e o Facebook (Healy & Marchand, 2020). Em um estudo, as atividades físicas foram diretamente apresentadas, de maneira síncrona, aos participantes (Garcia et al., 2021), enquanto nos demais foram implementadas de modo assíncrono aos mediadores familiares. Foi recomendado pelos pesquisadores que os participantes da maior parte dos estudos - exceto os de Garcia et al. (2021) - se exercitassem em intensidade moderada a intensa.

Os exercícios deviam ser realizados de uma a sete vezes por semana, uma vez por dia, com duração de 20 a 45 minutos por sessão. Sugestões e modelos de atividade física foram providos por escrito (Healy & Marchand, 2020), por vídeo no YouTube (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Yarımkaya et al., 2021) e por videochamada (Garcia et al., 2021). O tipo de exercício proposto foi ginástica (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Healy & Marchand, 2020; Yarımkaya et al., 2021) e judô (Garcia et al., 2021). O delineamento utilizado em todos os estudos foi ABA, e as intervenções foram avaliadas pelos pais (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Garcia et al., 2021; Healy & Marchand, 2020; Yarımkaya et al., 2021), pela professora escolar (Garcia et al., 2021) e pelos próprios participantes (Garcia et al., 2021) via Google Forms (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Healy & Marchand, 2020; Yarımkaya et al., 2021), e, em um estudo, via videochamada (Garcia et al., 2021). Os teleatendimentos foram avaliados como úteis, viáveis (Esentürk & Yarımkaya, 2021; Healy & Marchand, 2020), seguros e com menos distrações do que os atendimentos presenciais (Garcia et al., 2021), tendo afetado significativa e positivamente o nível de atividade física dos participantes com TEA (Yarımkaya et al., 2021).

Segundo as revisões de Shahrbanian et al. (2021) e Dewi et al. (2022), portanto: a) nenhum teleatendimento baseado em atividade física para indivíduos com TEA foi implementado no Brasil; b) não houve intervenção via telefone durante a pandemia; e c) nenhuma intervenção durou mais do que seis semanas e meia. Considerando essas lacunas, o presente estudo tentou atendê-las e, dessa forma, garantiu seu ineditismo por ter: a) apresentado um modelo de intervenção com exercício físico a partir do teleatendimento para crianças com TEA assistidas por um centro especializado brasileiro; b) aplicado exercícios de coordenação e de equilíbrio, preferencialmente de intensidade leve a moderada, com sessões de tempo mínimo de 15 minutos, totalizando 60 minutos semanais e duração total de 90 semanas; e c) acompanhado alguns indivíduos somente por meio de chamadas telefônicas, o que permitiu a participação daqueles cujas famílias estavam em desvantagens econômicas severas, sem acesso à internet e/ou a smartphones.

2 MÉTODO

Nesta seção, trata-se dos participantes da pesquisa; do delineamento implementado; do procedimento, o qual envolveu duas etapas; e, por fim, como se deu a análise de dados e os equipamentos utilizados para isso.

2.1 PARTICIPANTES

No início da pandemia da covid-19, o Centro Unificado de Intervenção e Desenvolvimento do Autista (CUIDA), de Maceió, responsável pelo serviço especializado dirigido exclusivamente à população com TEA, adaptou a estrutura de oferta dos serviços de Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Educação Física aos seus 130 pacientes à modalidade de teleatendimento. Inicialmente, todos os mediadores familiares das crianças e dos adolescentes com diagnóstico de TEA assistidos pelo CUIDA foram comunicados, por telefone, de que os serviços, inclusive o de Educação Física, passariam a ser a distância em razão da pandemia. Em seguida, esses mediadores foram convidados, via WhatsApp - ou, para aqueles que não tinham smartphones, via chamada telefônica - para o teleatendimento em Educação Física.

Foram considerados elegíveis a participar da pesquisa indivíduos cujos mediadores familiares tivessem acesso a equipamentos necessários à realização do teleatendimento (telefone ou smartphone) e disponibilidade para aplicar exercício físico no ambiente domiciliar. Entre os que tinham smartphone, era um pré-requisito ter os repertórios de recepção e de envio de áudio e de vídeo, a produção de pequenos textos e a abertura de arquivos no formato PDF para leitura, além de WhatsApp instalado. Participaram da pesquisa dez mediadores familiares e dez crianças sob suas tutelas, entre 6,8 ± 2,1 anos de idade.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - CAAE no 41181320.7.0000.5013 -, e mediadores familiares que aceitaram aderir ao estudo preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Assentimento do Menor, conforme orientação da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

2.2 DELINEAMENTO

Foi realizado um estudo de caso de delineamento AB, em que A se refere às mensurações em linha de base, e B representa as mensurações que ocorrem durante a introdução da variável independente (VI). Esse tipo de delineamento é considerado uma demonstração que oferece dados que permitem traçar hipóteses de que uma relação é possível (Johnston & Pennypacker, 2009).

2.3 PROCEDIMENTO

O Serviço de Educação Física (SEF), antes da pandemia, era ofertado na modalidade presencial a partir de uma parceria estabelecida entre o CUIDA e a UFAL desde 2013. Esse serviço passou a ser a distância em abril de 2020, e a presente pesquisa ocorreu desde então até dezembro de 2021. O procedimento foi dividido em duas etapas.

2.3.1 ETAPA 1: INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PRÉ-INTERVENÇÃO

Antes da intervenção, os mediadores familiares responderam a dois questionários:

  1. Avaliação de Traços Autísticos (ATA): a ATA (Ballabriga et al., 1994) é composta por 23 subescalas que têm como objetivo avaliar comportamentos comuns em indivíduos com diagnóstico de TEA, como falta de contato visual, evitação de pessoas, emissão de estereotipias motoras e vocais, utilização de outra pessoa como objeto, recusa de mudar a rotina, não expressão daquilo que se sente, dificuldade de dormir, seletividade alimentar, tardio controle noturno dos esfíncteres, ingestão de itens não comestíveis, uso inapropriado de brinquedos, não olhar quando chamado(a) pelo nome, dificuldade de estabelecer diálogo, demonstração do que aprende, que apenas ocorre em contextos específicos, e expor-se ao perigo sem se dar conta. Os comportamentos antes descritos devem aparecer antes dos 36 meses de idade (Assumpção Jr. et al., 1999).

  2. Perfil sociodemográfico: foram avaliadas variáveis sociodemográficas, a classe econômica dos participantes e o nível de escolarização do mediador familiar por meio do questionário desenvolvido pela Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABEP), versão 2012, baseado na pesquisa de orçamento familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O instrumento avalia padrões ou potenciais de consumo (televisão, rádio, banheiro, automóvel, empregada mensalista, máquina de lavar, videocassete e/ou DVD, frigorífico e congelador) e nível de escolarização do chefe da família, do analfabetismo ao Ensino Superior completo (ABEP, 2015). Cada item pode ser apresentado em uma escala de zero a quatro, com pontuação específica para tipo e número de itens. A soma aritmética dos itens (0-46 pontos) permite a definição da classe econômica (A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E), em que A1 representa o status econômico mais alto, e E, o status econômico mais baixo (ABEP, 2013).

2.3.2 ETAPA 2: DESENVOLVIMENTO DA INTERVENÇÃO, MATERIAIS E SETTING

Todo o acompanhamento do projeto de teleatendimento foi realizado pela professora especialista em atendimento a indivíduos com diagnóstico de TEA do SEF do CUIDA - e supervisionado pela coordenadora do projeto “Teleatendimento em Exercício Físico” da UFAL, que tem expertise na produção de programas de intervenção para a população com TEA (e.g. Ferreira et al., 2018; Toscano et al., 2018, Toscano et al., 2021). Seis estagiários, estudantes de Educação Física do Instituto de Educação Física e Esporte (IEFE) da UFAL foram responsáveis por produzir os recursos audiovisuais enviados aos mediadores familiares - textos em formato PDF e vídeos com a descrição da atividade, a apresentação dos recursos e a demonstração do exercício. A produção desses recursos utilizou como materiais: computador, teclado, mouse, smartphone com câmera e o Microsoft Word. Os recursos audiovisuais eram enviados aos mediadores familiares que tinham WhatsApp, ou comunicados por chamada telefônica, pela professora ou pela coordenadora, àqueles que não o tinham.

Antes do início da intervenção, a coordenadora telefonou para os mediadores familiares e perguntou se se lembravam de determinados exercícios (aqueles usados na presente intervenção). A resposta foi afirmativa em todos os casos, pois os mediadores familiares já haviam visto as atividades na modalidade presencial. Em seguida, questionava-se o tamanho do espaço físico para desenvolver as atividades; os tipos de materiais disponíveis para aplicar as atividades físicas; e os itens preferidos que podiam ser usados como consequência pela adesão à atividade física.

Os mediadores familiares que tinham WhatsApp foram incluídos em um grupo nesse aplicativo, pelo qual, durante a fase de intervenção, recebiam mensagens como “Já fez exercício hoje?”, “Envie ao professor vídeos, áudios e/ou fotos do treino!” e “Estamos esperando seu registro”. Aqueles que não tinham smartphone eram contatados apenas por chamada telefônica, pela professora ou pela coordenadora. Duas vezes por semana, ao longo da intervenção, todos os mediadores familiares eram individualmente acessados por chamada telefônica, pela professora ou pela coordenadora, e questionados se haviam implementado a intervenção, por quanto tempo, se haviam tido dúvida ou dificuldade, como estava sendo a experiência com a intervenção a distância (pontos fortes e fracos) e efeitos do exercício no comportamento dos indivíduos sob suas tutelas.

Os mediadores familiares foram orientados a preparar o ambiente antes de cada sessão, de modo que a criança iniciasse a atividade logo que adentrasse o setting. Para aqueles que tivessem disponibilidade de tempo, indicou-se que incentivassem as crianças a preparar o setting de exercício. As atividades não precisavam ser apresentadas em uma sequência rígida; assim, caso a criança se recusasse a executar um dos exercícios, o mediador familiar podia conduzi-la a uma segunda ou terceira opção e utilizar itens de preferência, potencialmente reforçadores, para manter a criança engajada na atividade proposta durante o tempo da sessão. Orientou-se que as sessões tivessem duração de, no mínimo, 15 minutos, totalizando pelo menos 60 minutos de atividade por semana, distribuídos em até quatro sessões semanais ou da melhor forma a atender aos ajustes realizados na rotina familiar para aplicação do programa de teleatendimento em exercício físico. A indicação do tempo de engajamento da criança nas atividades semanais com exercício físico (60 minutos) considerou as orientações estabelecidas no estudo de protocolo para intervenção com a população com TEA (Ferreira et al., 2018) e os efeitos positivos gerados no perfil de sintomas e de saúde nessa população (Toscano et al., 2018).

A cada sessão, foram implementados exercícios de coordenação e de equilíbrio, preferencialmente em intensidade leve a moderada, inferida pela transpiração: a) subida de três degraus ou plano inclinado, realizando o movimento de flexão do quadril e do joelho; b) escalada de três conjuntos de steps/degraus sequenciados; e c) marcha frontal sobre um total de cinco arcos dispostos sequencialmente no solo.

Os participantes realizaram as atividades físicas em suas residências ou em local próximo a elas em que houvesse os materiais necessários à realização da atividade; assim, para que a criança, por exemplo, realizasse uma atividade de subir degraus, podia ser conduzida à casa de um vizinho onde houvesse escada, a uma praça pública onde houvesse degraus ou a qualquer outro ambiente indicado pelo mediador familiar para atender ao objetivo da tarefa. Para a realização do exercício, os materiais foram escolhidos a partir dos recursos de cada família. Os itens de preferência utilizados como consequência pela adesão ao exercício, para alguns indivíduos, foram: dinossauro, peças de lego, quebra-cabeça e celular.

2.4 ANÁLISE DE DADOS E EQUIPAMENTOS

Para a coleta de dados, foram utilizados computador, teclado, mouse, celular com WhatsApp instalado e o Microsoft Word para transcrever ou documentar os relatos dos mediadores familiares recebidos via WhatsApp ou ligação telefônica.

Por meio de estatística descritiva, foram analisadas as idades das crianças rastreadas e assistidas no SEF do CUIDA, e o número de indivíduos que puderam e que não puderam participar da pesquisa. Entre aquelas que não puderam participar do estudo, foram verificadas qualitativamente as dificuldades de contexto familiar e as dificuldades materiais, de setting ou tecnológicas. Dados sobre os indivíduos selecionados foram também analisados qualitativamente quanto às variáveis críticas para aderirem ao teleatendimento em educação física.

Foi conduzida a análise dos escores gerais do protocolo padrão da ATA - somatório dos itens constituintes das subescalas de zero a dois, mesmo que a pontuação fosse superior a dois (Assumpção Jr. et al., 1999). A interpretação dos dados foi feita a partir de três intervalos de classificação gerados estatisticamente a partir de tercil: a) 1º tercil: perfil de sintoma leve; b) 2º tercil: perfil de sintoma moderado; e c) 3º tercil: perfil de sintoma intenso.

Por meio do questionário desenvolvido pela ABEP (2015), versão 2012, foram coletados dados sobre o grau de instrução dos mediadores familiares e sobre o perfil sociodemográfico dos participantes selecionados, sendo este último analisado quanto ao sexo (masculino e feminino), classe econômica e idade - a idade cronológica foi calculada com a aproximação de 0,1 anos como data de nascimento menos data de avaliação e, posteriormente, categorizada em faixas etárias: < 8 anos, 8-11 anos e > 11 anos.

Semanalmente, durante a intervenção, dados foram coletados pelos estagiários a partir dos registros das narrativas dos mediadores familiares armazenados no WhatsApp em formato de vídeo, de áudio e/ou de texto durante o processo de entrevistas e registros relacionados ao desenvolvimento da intervenção realizada no teleatendimento em exercício físico. Também foram transcritas, pela professora e pela coordenadora, as conversas realizadas via chamada telefônica. A análise desses dados deu-se em termos de: a) tempo de sessões de exercício; b) tempo total de exercícios por semana; c) possibilidades e dificuldades da aplicação do programa a distância; d) efeitos do exercício no comportamento dos participantes; e) quantificação de áudios recebidos e ligações telefônicas (em horas); e f) frequência de registros fotográficos e em vídeo.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Esta pesquisa centrou-se em identificar as possibilidades e as dificuldades relacionadas ao teleatendimento em exercício físico para a população com TEA assistida no CUIDA - Maceió no período de abril de 2020 a dezembro de 2021. A primeira etapa da presente intervenção foi a seleção dos participantes. Das 62 crianças, com média de idade entre 8,2 ± 3,2 anos, assistidas pelo SEF do CUIDA, 52 (84% do total da amostra) não realizaram adesão ao teleatendimento em exercício físico. As principais dificuldades identificadas pelos mediadores familiares dessas crianças estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1 Dificuldades apresentadas pelos familiares para não adesão à intervenção segundo o número de familiares que apresentaram a dificuldade e a percentagem que esse número representa em comparação ao total da amostra que não aderiu 

Dificuldades de contexto familiar
n %
Perda familiar em decorrência da covid-19 e mudança na rotina familiar. 6 11%
Sobrecarga com as tarefas encaminhadas pelos serviços de teleatendimento de outras áreas. 23 44%
Sentimento de impotência para inserir a criança nas atividades estruturadas do teleatendimento em exercício físico e em outros teleatendimentos. 25 48%
Mudanças na rotina familiar em decorrência dos cuidados necessários com outros membros da família. 27 51%
Sobrecarga com as tarefas domésticas. 32 61%
Dificuldades materiais, de setting ou tecnológicas
n %
Falta de acesso à internet. 4 8%
Falta de espaço físico e/ou recurso material no ambiente de casa. 22 42%
Falta de equipamento de telecomunicação e/ou pacote de dados que suporte às demandas do teleatendimento de educação física e outros serviços. 29 56%
Problemas relacionados à qualidade do acesso à rede. 31 60%

Esses relatos corroboram a literatura que indica que mediadores familiares de pessoas com TEA estão submetidos a condições estressoras que se agravaram durante a pandemia, associadas, por exemplo, à adaptação à rotina da criança, à coordenação de equipes multidisciplinares e à disponibilidade de recursos limitada (Logrieco et al., 2022).

Como mencionado na seção “Método”, participaram da pesquisa dez crianças (16% do total da amostra), com média de idade entre 6,8 ± 2,1 anos. Após quatro meses de desenvolvimento do teleatendimento, em razão de dificuldades de contexto e outras, quatro dos dez mediadores familiares realizaram apenas o recebimento das informações via WhatsApp sem devolutivas no que se refere à aplicação do programa. Por isso, os dados desses mediadores foram avaliados somente até julho de 2020. As principais variáveis identificadas pelos mediadores familiares para a adesão à intervenção incluíam, além do suporte familiar e das possibilidades materiais, de setting e tecnológicas (Tabela 1), a percepção de que o teleatendimento proveria oportunidades de desenvolvimento de atividades no contexto doméstico, cuidados com a saúde física e manutenção e/ou melhorias no perfil de repertórios e/ou comorbidades relacionadas ao TEA, como evidenciam as seguintes transcrições: “estou querendo continuar porque, quando ele faz educação física, dorme e come melhor” (Familiar 1); “estou escutando de muita gente que fazer exercício é muito bom, igual à vacina, então não vou poder parar” (Familiar 2); “Eu preciso ocupar meu filho. Não sei se vou dar conta das outras terapias porque as coisas são mais difíceis de fazer. Acho que a professora vai passar coisas fáceis. Só assim eu vou usar e acho que ele vai gostar” (Familiar 3); “Tenho medo que meu filho aumente ainda mais o peso” (Familiar 5); “Tenho medo que ele fique o tempo todo no celular. Daí, eu posso oferecer no quintal alguma coisa para deixar ele mais movimentado” (Familiar 6); “Fico preocupado que ele piore, porque educação física é tudo. Melhorou muito muita coisa dele, principalmente o comportamento” (Familiar 7); e “Tudo que for para melhorar, eu estou aqui para fazer. O problema é a internet. Acho que essa vai dar trabalho, mas estou disposta, afinal, nada é fácil mesmo. É enfrentar e pronto. O que for necessário para melhoria da saúde, estou dentro” (Familiar 8).

Após a adesão à pesquisa, foi realizada uma caracterização dos participantes, apresentada na Tabela 2.

Tabela 2 Características do perfil de sintomas do TEA, variáveis sociodemográficas dos participantes e escolaridade dos mediadores familiares, segundo o número de participantes e de mediadores e qual percentagem esse número representa em comparação ao total de participantes 

Variáveis n %
Sexo
Masculino 10 100
Faixa etária
4-6 anos 6 60%
10-11 anos 4 40%
Classe econômica (ABEP)
Classe C 3 30%
Classe D/E 7 70%
Escolaridade dos mediadores (ABEP)
Ensino Fundamental I incompleto 2 20%
Ensino Fundamental II incompleto 5 50%
Ensino Médio incompleto 3 30%
Perfil dos sintomas (ATA)
1º tercil 2 20%
2º tercil 2 20%
3º tercil 6 60%

Todos os indivíduos que participaram da presente pesquisa são do sexo masculino, o que é parcialmente representativo da população total com TEA: a literatura indica que o diagnóstico é quatro vezes mais comum em homens do que em mulheres (Maenner et al., 2021). Quanto ao perfil de sintomas de TEA dos participantes, segundo a percepção dos familiares mediadores, 60% dos indivíduos tinham muitos sintomas; 20%, um número moderado; e 20%, um número reduzido.

Quanto à situação socioeconômica dos participantes e de seus familiares, observou-se que 70% das famílias fazem parte da classe mais pobre do Brasil (Equipe InfoMoney, 2022). A amostra incluída neste estudo declarou ter uma renda mais baixa do que outros grupos incluídos em outras intervenções de teleatendimento em exercício físico (Shahrbanian et al., 2021). Além disso, a maior parte dos mediadores familiares não completou o Ensino Fundamental, o que demonstra, também, uma escolaridade mais baixa quando comparada à escolaridade equivalente dos mediadores participantes de intervenções sobre o mesmo tema (Shahrbanian et al., 2021).

Registros de 300 horas de áudios e de ligações telefônicas foram transcritos. Os mediadores enviaram também um total de dez registros fotográficos relacionados a demonstrações de recursos materiais, espaços físicos e da criança executando as atividades nas suas possibilidades e dificuldades de engajamento; e cinco registros em vídeo das crianças realizando as atividades para demonstração das possibilidades e das dificuldades. As narrativas dos mediadores familiares sobre o programa foram sintetizadas e organizadas a partir das categorias de possibilidades e de dificuldades de aplicação do programa (Quadro 1 que segue).

Quadro 1 Identificação das possibilidades e das dificuldades de aplicação do programa de exercício físico a partir do modelo de teleatendimento pelo SEF do CUIDA 

Possibilidades Dificuldades
Tipo de exercício
“A estrutura do teleatendimento é semelhante às atividades desenvolvidas no...
CUIDA e isso ajuda... a reduzir a resistência do meu filho para realizar as atividades” (Familiar 1).
“Os vídeos são bons. A gente vê os meninos da UFAL fazendo o máximo. Vejo que as casas deles são simples, daí eu fico motivada, porque o material das atividades era muito parecido com o que tenho em casa... até eu estou gostando das atividades” (Familiar 1).

“Os tipos de atividades eram tão semelhantes àquelas aplicadas no CUIDA que, depois de um tempo, meu filho passou a conseguir organizar o espaço e montar as atividades sozinho” (Familiar 2).
“A professora manda o material, fica no pé para ver se a gente faz... mas eu não estou conseguindo porque tudo está acontecendo de uma vez só nesta covid e eu não consigo dar conta de nenhum teleatendimento” (Familiar 3).

“As atividades são simples, a explicação dos vídeos é fácil e dá pra fazer com o que tem em casa. A questão é só ele querer fazer. Como vivo em um lugar muito pequeno, as birras e gritos me deixam preocupada com aquilo que os vizinhos vão pensar... Não é só educação física. Todas as atividades do CUIDA têm sido um problema aqui em casa” (Familiar 5).

“No começo, eu até realizei - na cozinha -, mas com as coisas acontecendo e o nível de irritação dele, eu não consigo dar conta. As atividades são fáceis... as mesmas do CUIDA, mas eu não tenho o mínimo de material e espaço físico em casa para fazer” (Familiar 6).
Intensidade dos exercícios
“As atividades cansam um pouco as crianças, deixando elas mais tranquilas” (Familiar 10).

“Com as atividades em casa, meu filho começou a suar. Antes, ele só suava com as estereotipias, mas passei a perceber que ele começou a suar porque estava fazendo a atividade. Eu fiquei muito feliz que ele estava parando com esses movimentos que não servem para nada” (Familiar 8).
“Eu não consigo ver ele cansado nunca. Ele sua pouco mesmo com a atividade. Fico rouca de tanto falar pra ele ir rápido. Acho que ele está se cansando, mas não demonstra” (Familiar 5).
“Estou tentando, mas ele cai no chão, chuta as coisas e perco mais tempo organizando” (Familiar 4).
Duração da sessão e frequência semanal
“Manter a rotina tem sido o principal motivo de não termos... vontade de parar as atividades. Ele já está acostumado com as atividades e a hora que eu organizo as coisas para ele realizar” (Familiar 2). “Eu até consegui fazer os 15 minutos no começo, mas as coisas foram só piorando e eu larguei tudo. Daí fazia quando dava e preferi dizer que não posso mais porque estou doente e preciso descansar. É muita coisa” (Familiar 3).
Duração da sessão e frequência semanal
“O dia a dia faz com que muitas vezes eu não consiga realizar as atividades. Prefiro fazer logo na segunda, 30 minutos, para não deixar de fazer no resto da semana por falta de tempo. Ele até gosta e se eu não tivesse outras coisas para fazer eu faria mais coisas até” (Familiar 9). “No começo, 15 minutos pensei que fosse rápido... é uma eternidade. Eu estou tentando como a professora falou: cinco minutos, depois cinco minutos... Daí eu me mato, mas faço dez minutos. Agora, estou tentando manter ele por 15, mas acho difícil” (Familiar 6).
“Mesmo eu doidinha de pedra com tanta coisa, outros filhos e doenças na família, estou tentando, mas não sei por quanto tempo vou conseguir fazer os exercícios em casa. Quero voltar para o presencial, mas 15 minutos duas vezes dá para fazer, embora pareça uma eternidade” (Familiar 4). “A dificuldade é minha, eu não posso fazer muito esforço porque tenho problema de coração. Ele faz do jeito dele, às vezes rápido quando quer ir para TV, às vezes bem devagar. Acho que eu não tenho muito como ajudar, mas é pior deixar de fazer” (Familiar 1).
Teleatendimento
“Agora sei que a dificuldade do meu filho em participar de coisas que tenha que seguir regras é natural do autismo. Eu não tenho que fugir, mas aprender... seguir porque ele acaba cedendo e realizando tudo mesmo que devagarinho” (Familiar 3).

“Foi mais fácil do que pensava. Foi bom ter uma orientação daquilo que era possível fazer em casa” (Familiar 8).

“Antes eu ficava de fora das terapias, nem sabia o que acontecia, até na educação física eu tentava fugir. Agora eu sei que saber de tudo que fazem com meu filho me ajuda e muito” (Familiar 1).

“Acho que a gente teve a oportunidade de ver que não sabe fazer muita coisa com o próprio filho a partir da exigência de ter que fazer. Aprendemos mais e acabou ajudando em outras coisas do dia a dia que ele também tinha dificuldade de aprender” (Familiar 2).

“Os estagiários fizeram bons vídeos e conseguiram me ajudar... Não foi fácil dinamizar tantas coisas de uma só vez. A supervisão me aliviou... para pensar em materiais e formas de fazer os exercícios” (Familiar 4).

“No começo, foi estressante fazer os vídeos, mas depois eu... fiquei empolgada com o desafio. Fazíamos, a coordenadora revisava, refazíamos e entendíamos o cuidado dela em aproximar o vídeo da realidade das crianças” (Familiar 2).
“Acho que muita gente deixou de fazer pelos problemas pessoais. Eu também tive muitos e quase desisti... é difícil ter tempo para aplicar tanta coisa em casa” (Familiar 7).

“A dificuldade é que a gente não tem dinheiro para fazer vídeos e mandar. Isso foi um estresse, porque, às vezes, queria mostrar o que estava acontecendo” (Familiar 5).

“Estava tudo... difícil. Sair do presencial e ir para remoto de uma hora para outra foi bem complicado para todos, imagine para ele, com autismo” (Familiar 10).

“Acho que o principal desafio era manter o contato com tanta gente ligando para mandar fazer coisas. Meu celular não tinha memória suficiente para tudo que chegava. Acabei só baixando o que era importante e me sentia com capacidade de fazer” (Familiar 6).

“Nós ficamos sobrecarregados com tantos teleatendimentos. De uma hora para outra... os pais passaram a ser os responsáveis por tudo. Não dá certo assim... Entramos dez, e só seis finalizaram. Isso não é porque eles não são comprometidos. Isso é porque ninguém estava dando conta de nada com tantas questões de família para resolver” (Familiar 5).

“Foi bem complicado... encarar esse desafio. Eu pensei ‘se na universidade os alunos tinham dificuldade em ter os recursos e a internet, imagine pais de crianças que passam o dia fora em atendimentos especializados’” (Familiar 3).

De modo geral, os mediadores relataram como possibilidades: a) o fato de que a estrutura das atividades era conhecida tanto pelas crianças quanto pelos próprios mediadores antes do teleatendimento, garantindo semelhança com a rotina pré-pandemia, o que é importante, uma vez que a literatura atribui à falta de rotina e de intervenções estruturadas o aumento dos níveis de irritabilidade em crianças com TEA (Dewi et al., 2022; Logrieco et al., 2022); b) os materiais usados serem acessíveis; c) melhoria na lida com a criança em outras atividades para além da intervenção, a partir das orientações recebidas pela equipe do CUIDA, o que é um avanço, já que, em intervenções anteriores, pais relataram não se sentirem capazes de levar teleatendimentos adiante (Valdez et al., 2021); e d) suporte constante dos estagiários, da professora e da coordenadora sobre como realizar os exercícios e implementar adaptações procedimentais para a aplicação da intervenção.

As principais dificuldades relatadas foram: a) irritabilidade de algumas crianças durante a atividade física (gritos, jogar-se no chão, bater na própria cabeça), embora, quanto a outras, tenha sido mencionada a redução dos comportamentos indesejáveis após o exercício, indicando a necessidade de avaliações de preferências e funcionais prévias à intervenção, com o fim de personalizar o tipo de exercício, a sua intensidade e a sua duração para cada criança (Keiner, 2020); b) dificuldade de manter a criança engajada na atividade pelo tempo e pela intensidade requisitados; c) doenças na família e sobrecarga em tarefas domésticas; e d) dificuldades financeiras e técnicas para enviar e receber os materiais, que a literatura aponta como uma barreira comum no acesso ao teleatendimento por populações em desvantagem socioeconômica (Dewi et al., 2022).

4 CONCLUSÕES

Não houve adesão ao teleatendimento por parte de 84% das pessoas assistidas pelo Serviço de Educação Física do CUIDA na modalidade presencial. Dificuldades de contexto familiar e falta de acessibilidade tecnológica foram indicadas como principais barreiras para não dar continuidade ao atendimento especializado no contexto do distanciamento social devido à pandemia da covid-19. Essas dificuldades foram também mencionadas, embora em menor grau, por aqueles que aderiram à intervenção.

Relatos dos dez mediadores familiares que aderiram à intervenção de teleatendimento em exercício físico, implementado tanto via chamada telefônica quanto via WhatsApp, indicaram que participar da intervenção possibilitou entender as barreiras comportamentais e as estratégias para o engajamento dos seus filhos em atividades estruturadas e permitiu a criação de uma rotina de atividades.

A área da Educação Especial tem preocupações relacionadas à necessidade de os cientistas trabalharem em conjunto com os cuidadores e executarem a intervenção em ambiente natural. Nesse sentido, os contributos epistemológicos oferecidos pelo presente estudo dirigem-se à demonstração de que: a) o teleatendimento em exercício físico, inclusive via chamada telefônica, é um modelo que pode gerar nas famílias o protagonismo no processo de aplicação do programa de intervenção; e b) o conhecimento científico pode ser adequado ao ambiente doméstico e comunitário de crianças com TEA, independentemente da condição financeira familiar. Futuros estudos, com um delineamento experimental, poderão ser iniciados a partir desta pesquisa, na expectativa de desenvolver melhores teleatendimentos em exercício físico.

2A modalidade de teleatendimento em exercício físico contou com apoio financeiro do Edital Proex 05/2020 e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - Edital nº 02/2021 Propep - Ufal.

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Recebido: 19 de Agosto de 2022; Revisado: 25 de Outubro de 2022; Aceito: 07 de Novembro de 2022

Mestra em Análise do Comportamento. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Doutora em Ciências do Desporto e Educação Física. Universidade de Coimbra, título validado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Bacharel em Educação Física pela UFAL.

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