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Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.29  Marília  2023  Epub 15-Maio-2023

https://doi.org/10.1590/1980-54702023v29e0173 

Relato de Pesquisa

O ENSINO DA MATEMÁTICA PARA ESTUDANTES COM PARALISIA CEREBRAL: AÇÕES QUE CONTRIBUEM PARA A INCLUSÃO DE TODOS

TEACHING MATHEMATICS TO STUDENTS WITH CEREBRAL PALSY: ACTIONS THAT CONTRIBUTE TO THE INCLUSION OF ALL

Dilson Ferreira RIBEIRO2 
http://orcid.org/0000-0002-0777-9796

Isabel Cristina Machado de LARA3 
http://orcid.org/0000-0002-0574-8590

2Professor. Colégio Municipal Pelotense. Pelotas/Rio Grande do Sul/Brasil

3Professora permanente. Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS. Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil


RESUMO

A origem deste artigo é uma tese que propôs categorizar ações para possibilitar um ensino da Matemática mais eficaz para estudantes com paralisia cerebral (PC). O objetivo deste texto é apresentar a categorização de ações que contribuam com uma proposta de ensino voltada a todos. As ações fundamentam-se em atitudes acolhedoras por parte de professores e estudantes, adaptação de materiais ou uso de recursos que prezem pela inclusão de pessoas com PC. Os participantes da pesquisa foram 13 professores de Matemática e 11 estudantes com PC, distribuídos em cinco escolas de Educação Básica. Suas falas, transcritas após a realização de uma entrevista semiestruturada, foram analisadas por meio da Análise Textual Discursiva, cujos excertos são articulados com um referencial teórico baseado nas Neurociências, na Educação Matemática e na Educação Inclusiva. Na conclusão, é exposta a necessidade de a escola oferecer um ambiente adequado para a aprendizagem, estruturado por meio do estímulo e da acolhida às diferenças. Para isso, utiliza-se da linguagem corporal e gestual como estratégia de comunicação, bem como da aplicação, em sala de aula ou em sala especializada, de materiais manipulativos ou provenientes de tecnologia informatizada que supram as barreiras impostas pela deficiência.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Matemática; Paralisia cerebral; Educação Inclusiva

ABSTRACT

The origin of this article is a thesis that proposed to categorize actions to enable a more effective teaching of Mathematics for students with cerebral palsy (CP). The purpose of this text is to present the categorization of actions that contribute to a teaching proposal aimed at all. The actions are based on welcoming attitudes on the part of teachers and students, adaptation of materials or the use of resources that value the inclusion of people with PC. The research participants were 13 Mathematics teachers and 11 students with PC, distributed in five Basic Education schools. Their speeches, transcribed after conducting a semi-structured interview, were analyzed using the Discursive Textual Analysis, whose excerpts are articulated with a theoretical framework based on Neurosciences, Mathematics Education and Inclusive Education. In conclusion, the need for the school to offer an adequate environment for learning is exposed, structured through stimulation and the welcoming of differences. For this, body language and gestures are used as a communication strategy, as well as the application, in the classroom or specialized room, of manipulative materials or those from computerized technology that overcome the barriers imposed by the disability.

KEYWORDS Mathematics Teaching; Cerebral Palsy; Inclusive Education

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de propostas de ensino que se adequem às habilidades de todos pode ser considerado um dos pilares que estruturam a Educação Inclusiva. Para ensinar Matemática ou qualquer outra área do conhecimento, o professor, diante do público que compõe sua sala de aula, necessita compreender que há, conforme Campbell (2016), uma complexidade na estruturação dessas propostas de ensino que são relevantes: o estudante; o professor; as formas utilizadas para ensinar; e a organização curricular.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a deficiência e a incapacidade podem ser consequências do ambiente e das condições do indivíduo, quer dizer, “elas não são apenas uma consequência das condições de saúde/doença, mas são determinadas também pelo contexto do meio ambiente físico social” (Farias & Buchalla, 2005, p. 190). Nessa perspectiva, o estímulo e a valorização das habilidades de todos pode ser o ponto inicial para o desenvolvimento de ações que contribuam com o processo de ensino e de aprendizagem dos estudantes, incluindo estudantes com paralisia cerebral (PC) que frequentam salas de aulas regulares.

Este artigo é o recorte de uma tese de Doutorado, intitulada “O ensino da Matemática para pessoas com paralisia cerebral: uma análise de ações pedagógicas na Educação Básica” (Ribeiro, 2020), financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A referida pesquisa apresentou a categorização de ações que possibilitam o desenvolvimento de propostas de ensino de Matemática mais eficazes para pessoas com PC, inclusas em salas de aulas regulares. Durante a pesquisa, levou-se em consideração a valorização das habilidades desses estudantes, em vez de suas limitações. Os estudantes participantes da pesquisa são pessoas com PC. Para Rotta (2002) a PC ocorre por meio de uma “sequela de agressão encefálica, que se caracteriza, primordialmente, por um transtorno persistente, mas não invariável, do tono, da postura e do movimento, que aparece na primeira infância” (p. 48). Diante disso, na perspectiva da Educação Inclusiva, o estudo de Ribeiro (2020) apropriou-se das ideias de Campbell (2016), no entendimento de que: “Não existem alunos incapazes, existem alunos não estimulados adequadamente, [...] e, se lhes forem oferecidas condições favoráveis, é possível a superação de dificuldades” (p. 55).

Para a autora, o que se coloca como ponto inicial é a valorização das habilidades dessas pessoas e, em consequência disso, a possibilidade de se estar propondo metodologias de ensino ou desenvolvendo ações que possam atingir, de forma pontual, cada um dos demais estudantes da sala. “Se o ajuste entre professor e aprendizagem do aluno for apropriado, o aluno aprenderá e apresentará progressos, qualquer que seja o seu nível” (Campbell, 2016, p. 79). Assim sendo, valorizando um ensino estruturado em propostas que se adequem às condições de cada estudante, este artigo tem por objetivo apresentar a categorização de ações que contribuam com uma proposta de ensino voltada a todos. Essa categorização é realizada por meio da Análise Textual Discursiva (ATD), baseada em Moraes e Galiazzi (2014).

Diante disso, o texto está organizado em seções, as quais apresentam: a estrutura metodológica adotada durante a pesquisa; a categorização das ações; e algumas considerações sobre os resultados encontrados.

2 A ESTRUTURA METODOLÓGICA

A ideia original deste artigo, conforme já anunciado, tem como base uma tese de Doutorado, cujo objetivo foi a categorização de ações pedagógicas que possibilitassem o ensino mais eficaz da Matemática para pessoas com PC, inclusas em salas de aulas regulares (Ribeiro, 2020). Os participantes da pesquisa foram 24 pessoas de cinco escolas municipais de Educação Básica de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Dentre os participantes, estavam presentes 11 estudantes com PC, cujas idades variaram entre 12 e 17 anos e cursavam do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. Os demais 13 participantes foram sete professoras e seis professores de Matemática que tiveram estudantes com PC em suas salas de aulas regulares. Todos os professores tinham formação em nível de Especialização e, dentre eles, quatro tinham Mestrado. Suas idades variaram entre 26 e 62 anos e seu tempo em sala de aula como professor estava entre oito e 31 anos. Para a construção deste texto, levou-se em consideração a articulação entre os depoimentos dos professores, as experiências dos estudantes ao aprender Matemática e o referencial teórico alicerçado nas Neurociências e na Educação Inclusiva. Dentre alguns autores citados, destacam-se Bridi Filho e Bridi (2016), Campbell (2016) e Gonzáles Rey (2011).

Os depoimentos dos participantes foram obtidos por meio de uma entrevista semiestruturada. A entrevista, realizada de forma individual, oportunizou a todos os participantes a exposição de suas experiências e/ou perspectivas sobre: a) a sala de aula com estudantes que tinham PC; b) a comunicação entre professores e estudantes; c) suas limitações em relação a ensinar/aprender Matemática; d) as práticas inovadoras nas aulas de Matemática; e) seus sentimentos sobre o momento de realizar a avaliação em Matemática.

Durante a análise, foram levadas em consideração o ponto de vista de cada grupo (estudantes e professores), mas, na organização dos excertos, a ideia foi permitir uma articulação entre esses grupos, contribuindo com propostas mais inclusivas. Para isso, a metodologia adotada para a análise dos excertos selecionados, após a transcrição das entrevistas, foi a ATD, que, conforme Moraes e Galiazzi (2014), é composta pela desmontagem dos textos, estabelecendo relações e permitindo que o autor assuma a autoria do processo, quando interpreta e categoriza os dados encontrados na análise. Essa interpretação gera o que se tem por metatexto, o qual estabelecerá relação entre a análise das entrevistas e o referencial teórico utilizado.

Para apresentar a análise, a seção seguinte tem como subseções as categorias finais que emergiram por meio da seleção de um conjunto formado por 214 excertos, os quais estruturam as 31 categorias iniciais. Em cada seção, é apresentada uma tabela com as categorias iniciais e seu respectivo número de excertos. O objetivo desse formato de apresentação é proporcionar ao leitor um panorama sobre as principais ideias que serviram de base para a escrita deste artigo, bem como destacar, de forma coesa, os pontos mais relevantes em cada uma das categorizações. Para isso, articularam-se as falas dos entrevistados com o referencial teórico. O depoimento dos participantes que compõe os excertos está em itálico e seus nomes verdadeiros foram substituídos, a fim de preservar sua identidade.

3 CATEGORIAS RESULTANTES DA ANÁLISE

O processo de análise foi estruturado após a transcrição da entrevista em 80 páginas. Dessa transcrição, obtiveram-se os 214 excertos que compuseram as categorias finais, apresentadas na Tabela 1. Essas categorias trazem os principais fatores ou recursos que permitem a realização de ações que tornem o ensino da Matemática mais eficaz para todos.

Tabela 1 Categorias finais e a respectiva frequência de excertos 

Categorias finais Frequência de excertos selecionados
Atitudes de exclusão/inclusão 70
Diferentes usos da linguagem 27
Utilização de recursos diferenciados 26
Sala de recursos 29
Alternativas para incluir 62

Durante a análise, levou-se em consideração a perspectiva de que todos podem contribuir para a aprendizagem dos estudantes: tanto professores descobrindo ou investigando estratégias em que não apenas estudantes com PC sejam beneficiados, quanto estudantes com PC que forneçam subsídios suficientes para que professores descubram o melhor caminho para estruturar suas propostas de ensino. As subseções, a seguir, explanam essa categorização.

3.1 ATITUDES DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO

Abordar o tema ensino inclusivo pode oportunizar a realização de práticas que, de alguma forma, podem acabar excluindo os estudantes em vez de incluí-los no seu dia a dia escolar. Para Silva et al. (2014), um ensino inclusivo deve apoiar-se “em um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade e a diferença” (p. 73). Nessa perspectiva, ocorre a necessidade em adaptar as propostas para todos os estudantes e a valorização da ideia de que todos têm habilidades para serem desenvolvidas. A Tabela 2 apresenta as categorias iniciais que emergiram durante a análise e que forneceram dados suficientes para discutir sobre as atitudes de exclusão e de inclusão.

Tabela 2 Atitudes de exclusão/inclusão: categorias iniciais e a respectiva frequência de excertos 

Categorias iniciais Frequência de excertos selecionados
Inclusão em sala de aula 21
A necessidade em adaptar 17
A escola inclusiva 11
A escola excludente 8
A falta de estímulo 7
O rótulo 5
A superproteção 1

Durante a entrevista, o estudante Vicente destacou: “que a inclusão é válida, [desde que todos estejam] convivendo e estudando juntos”. Associando essa fala com a ideia de Educação Inclusiva, podem ser consideradas ações que abrangem a necessidade em adaptar algumas atividades para os estudantes com PC, de forma que estes consigam desenvolvê-las de maneira mais próxima a de seus colegas.

Apoiado nessa ideia, o professor Thomas contribui ao considerar que “há a possibilidade de que se tenham várias adaptações para conseguir fazer com que esse aluno avance. E avance [...] no sentido de ter conhecimento e entender alguma coisa”. Por essa razão, propor atividades nas quais o estudante consiga trabalhar os conteúdos propostos pelo professor permite a inclusão daquele em sala de aula. Nessa inclusão, podem ocorrer ações que permitem ao estudante com PC desenvolver os mesmos deveres e as mesmas obrigações dos demais colegas. Desse modo, não está sendo permitido que o estudante com PC apenas ocupe um lugar na sala de aula, mas que sejam oportunizadas vivências que valorizem suas habilidades, aproximando-o dos demais colegas. Nos excertos analisados, os professores afirmaram que há de se considerar as limitações do estudante com PC e permitir, por meio dessa concepção, que ele adquira o conhecimento matemático, mesmo este precisando ter, em alguns casos, uma proposta metodológica diferenciada devido às limitações do estudante.

Sobre propostas diferenciadas, a estudante Antônia destacou sua satisfação por sua professora não perceber nela somente as incapacidades, mas a capacidade em desenvolver as mesmas atividades dos demais, confirmando mais uma ação: estar presente na realização de tarefas com o mesmo objetivo proposto aos demais. Em uma perspectiva mais ampla, essas ideias contribuem para o aprendizado com todos, na convivência com o outro e na valorização das diferenças.

Para discutir sobre as diferenças ou a diversidade entre as pessoas, consideram-se as ideias de Campbell (2016), em que as atividades propostas devem ser apropriadas às condições de cada estudante. Especificamente sobre pessoas com PC, o estudante Severus afirmou: “Cada um será atingido de uma maneira”, quer dizer, a PC deixa características únicas de pessoa para pessoa, permitindo o desenvolvimento de ações que valorizem o respeito às diferenças.

Esse processo de inclusão, para a professora Maria, é “bem difícil porque não é a aula para a pessoa com PC, é a aula para a turma”. Nas palavras dessa professora, essas ações, muitas vezes, perpassam por: reestruturação do modo como o professor desenvolve seu trabalho; conteúdos iguais para todos; ou mudança na perspectiva dos demais estudantes que não possuem qualquer limitação e estão naquele ambiente aprendendo com o outro.

Para confirmar essas ações, levando-se em consideração o ensino inclusivo, espera-se que o professor “possa aprender a analisar [...] seus padrões de interação, para, desse modo, [...] modificá-los em determinadas direções quando necessário” (Mizukami, 1986, p. 21). Essas modificações vão ao encontro de adaptações necessárias ou ao desenvolvimento de outras estruturas metodológicas que permitam que todos os estudantes possam alcançar seus objetivos durante a aprendizagem.

Essas adaptações podem estar presentes, segundo a professora Ottávia, quando for proposto ao estudante com PC a resolução de menos exercícios ou atividades que os demais. No entanto, mesmo com menos atividades, o estudante deve atingir os objetivos necessários para um bom resultado na aprendizagem, permitindo, dessa forma, mais uma ação relevante: o respeito às diferenças.

A professora Egídia, ao afirmar sobre como é dar aula para uma pessoa com PC, destacou: “Olha, é um desafio. [...]. Ela corresponde muito bem [...]. Ela é uma surpresa até”. Essa surpresa pode estar associada ao fato de comumente esses estudantes serem julgados pelas suas condições físicas, em vez de ser avaliado sua capacidade de aprendizagem, fato que pode ser considerado como ação relevante, já que, na perspectiva dos estudantes entrevistados, ser incluído por todos os colegas e professores é um reconhecimento sobre suas capacidades. O respeito ao fato de cada pessoa possuir suas características singulares contribui para a necessidade de a escola oferecer um espaço em que todos, sem rótulos, consigam desenvolver suas habilidades em vez de exporem apenas suas dificuldades.

Por essa razão, ao refletir-se sobre o fato da possibilidade de a escola ser excludente, há de considerar-se que ter uma deficiência física não é sinônimo de deficiência cognitiva. No entanto, levar em conta as habilidades desses estudantes e valorizar seu potencial nem sempre ocorre. De acordo com um dos professores participantes, na escola em que ele trabalha “não [se] pode reprovar, com certeza. Na época do conselho, eles pedem o parecer escrito, não quer nem saber se ele [estudante] conseguiu” (Professor Paré). Para Molter (2014), essa pode ser uma das maiores enganações ao tentar aproximar o estudante com PC do grupo de sala de aula. Conforme o autor, a necessidade em desenvolver a autonomia do estudante é o ponto mais difícil em se tratando de inclusão escolar, dado que “muitas escolas [facilitam] a vida escolar do aluno, aprovando-o, ano após ano, em Conselhos de Classe, ou dando ‘pontos’ para que ele alcance um resultado mínimo para sua aprovação” (Molter, 2014, p. 30). Por essas razões, segundo o professor Paré, não importa para a instituição a forma como foi abordado o conteúdo, muito menos o avanço do estudante e a forma encontrada por ambos, estudante e professor, para que consigam ser superadas as dificuldades impostas pela PC. Para a instituição, o estudante será avançado para o ano seguinte por estar no grupo de estudantes com deficiência.

Segundo o depoimento do professor Paré, quando pedido para relatar sua experiência quanto ao avanço dos estudantes com PC, ele afirmou: “aquela nota na prova não vai fazer diferença no parecer, pelo que dizem para a gente. Não vai ter diferença nenhuma se ele tirou dez ou dois. [...] no canhotinho não vai nada” (Professor Paré). Com isso, percebe-se que a instituição escola pode ser uma das responsáveis pela exclusão do ensino, criando rótulos e privando o desenvolvimento de habilidades que poderiam estar preservadas, mesmo com o advento da PC. Essas considerações são associadas às palavras de Raad e Tines (2011) em relação à deficiência. Para os autores, a deficiência pode forjar o desenvolvimento de mentes deficientes: “Por mais que a pessoa rotulada se esforce por romper com a realidade relacional instituída, [...] é vista como um corpo doente, alguém [...] identificada pelo pacote que a contém” (Raad & Tines, 2011, p. 28).

Esses rótulos suscitam sentimentos, como demonstrado pela estudante Pope, que, durante seu relato, citou o fato de seus colegas terem uma nota numérica e, ela, um parecer descritivo. Conforme a estudante: “é um sentimento que eu tenho [...] de eu não poder pegar o boletim” (Estudante Pope). Por meio dessas palavras, ocorre o entendimento de que atitudes criadas inicialmente com o intuito de incluir podem, por vezes, estar excluindo ao propiciar momentos em que nem todos vivenciam.

Na fala da professora Egídia: “A gente acaba se corrompendo ao longo da carreira, se desestimulando aos poucos”, considerando o professor dependente, “que adota a inovação criada por outros, [...]. Tudo isso adormeceu um coletivo que, com frequência, se sente incapaz de inovar, perdendo assim a capacidade de gerar novo conhecimento pedagógico” (Imbernón, 2011, p. 20). Assim, é necessário um trabalho em conjunto entre professor e instituição, e a valorização de ideias ou a busca por soluções de problemas que venham ao encontro de uma escola mais equânime. Nesse equilíbrio, são necessárias a valorização das habilidades e a consideração sobre as diferentes formas de comunicação, conforme será apresentado na próxima seção.

3.2 DIFERENTES USOS DA LINGUAGEM

Para o desenvolvimento de atividades em salas de aula que contam com a presença de estudantes com PC, é preciso levar em consideração as diferentes formas de expressões, estratégias ou recursos usados por esses estudantes, com limitações na fala ou na motricidade, para se comunicar com o outro. A Tabela 3 apresenta as principais ideias que favorecem a comunicação entre estudantes e professores.

Tabela 3 Diferentes usos da linguagem: categorias iniciais e a respectiva frequência de excertos 

Categorias iniciais Frequência de excertos selecionados
O diálogo 10
O gesto 9
A fala 5
A boa comunicação 1
A escrita 1
A leitura labial 1

Sobre as dificuldades de comunicação por meio da fala, a estudante Albia citou: “notava que no início [os professores] tinham mais dificuldade, mas depois eles iam aprendendo a conversar”. Essas considerações levam ao fato de os estudantes encontrarem, na falta de diálogo, a maior barreira para o desenvolvimento de seu aprendizado. Para o professor Diderot: “Era difícil e eu olhava para o menino do lado e ele dizia: ela está dizendo tal coisa”. Nessa perspectiva, Vasconcellos (2001) contribui: “implicar a linguagem em meu trabalho levou-me à possibilidade de dar ouvidos às minhas intuições primeiras e a poder apreender ou escutar o que se escondia sob as produções do sujeito com PC” (p. 606). Sobre isso, o professor Georg relatou uma situação em que o gesto estava mais presente do que a fala: “O aluno que trabalho atualmente fala muito pouco e nossa comunicação acontece, por vezes, até através de gestos”.

Considerar essa outra forma de comunicação conduz para ações que mostram o quanto os gestos podem ser aceitáveis. Uma das professoras entrevistadas relatou que a comunicação por meio de gestos se tornou, com o passar do tempo, corriqueira, sem barreiras. Quando a professora Angélica afirmou: “Eu dei dois anos de aula para ele e, por fim, eu já sabia até o que ele queria pelo gestual”, percebeu-se a possibilidade de haver comunicação entre a professora e o estudante. Isso contribui com uma comunicação feita por meio da oralização ou da emissão de sons, possibilitando outras formas de expressar o conhecimento.

Mesmo assim, devem ser levadas em conta as palavras de Manoel (2004) sobre o fato de que, se o estudante tem PC, a “sua relação com a linguagem será necessariamente problemática” (p. 237). Em relação à fala, o professor Louis afirmou que, por vezes, “tu tens meio que deduzir o que [ele] está perguntando”. Na necessidade em compreender determinadas pronúncias, considerar as dificuldades na dicção pode ser uma ação relevante. No depoimento da estudante Pope, constatou-se que seus professores “às vezes entendiam, às vezes não”. Para Romero (1995), a dificuldade em compreender o que esses estudantes desejam pode estar relacionada ao fato do “desajuste que uma criança apresenta em relação aos iguais de sua mesma idade. Assim, dizer que uma criança apresenta dificuldade na linguagem é o mesmo que dizer que essa criança não se ajusta ao nível de seus companheiros” (p. 84). Dessa forma, de acordo com a estudante Pope, falar pausadamente é outra ação a ser desenvolvida para facilitar a comunicação. Além disso, alternativas como a comunicação por meio da escrita podem ser atitudes simples que contribuem na eficácia do ensino, bem como o uso de leitura labial por parte de estudantes com PC que apresentem dificuldades auditivas.

Dessa maneira, o reconhecimento da possibilidade de outras formas de linguagem é necessário para que todos sejam afetados de modo positivo ao perceberem a maneira como o outro se comunica e a possibilidade de não existir somente uma forma de expressão. Nesse reconhecimento sobre outras formas de linguagem, a análise encontrou diferentes recursos para que a aprendizagem em Matemática se torne mais eficaz, conforme é apresentado na próxima seção.

3.3 A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DIFERENCIADOS

Esta seção enfatiza a necessidade do desenvolvimento de diferentes estratégias para aprender Matemática. Essas estratégias compõem as categorias iniciais, apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4 Utilização de recursos diferenciados: categorias iniciais e a respectiva frequência de excertos 

Categorias iniciais Frequência de excertos selecionados
Material manipulativo 7
A informática 6
O corpo 5
Recursos para adaptação 4
O jogo 3
Estratégias para aprender 1

Durante a análise dos depoimentos, percebeu-se que a escola inclusiva é aquela que dispõe da atenção do professor a todos os estudantes. Albia afirmou: “Gostava quando colocavam a caneta entre meus dedos para que eu pudesse escrever”. Essa situação ocorria quando seus professores permitiam que ela conseguisse escrever como todos os demais colegas, oportunizando o desenvolvimento de ações que prezam pela atenção igual para todos. Durante a análise dos excertos, notou-se que as estratégias para a utilização de recursos diferenciados vêm associada ao uso de material manipulativo, de computadores e até mesmo do próprio corpo.

A professora Ottávia afirmou que, diante dos espasmos, os quais caracterizam a falta de coordenação motora do estudante, teve de encontrar um modo para permitir que ele conseguisse escrever para acompanhar os demais colegas. Segundo a professora Ottávia, o estudante “tinha os espasmos e [por essa razão, pediu] para o funcionário: tens um quadro do tamanho da mesa dele? Me fazes? E eu consegui. Ele fazia ali, com um canetão”. Essa atitude comprova a possibilidade de utilizar instrumentos que supram as dificuldades que surgem devido às limitações encontradas.

Na fala da professora Ottávia, emergiram alternativas que contribuem para a inclusão de todos. A professora começou a utilizar a tabuada de botões por causa da dificuldade de visão de um estudante com PC e, depois disso, acabou se apropriando desse recurso para todos os demais estudantes. De acordo com a professora Ottávia: “a tabuada é feita com pano preto e botões maiores e brancos. Então esse contraste eu levei em consideração devido à baixa visão”. Percebeu-se, na entrevista, a motivação demonstrada pela professora e, consequentemente, transmitida para o estudante. “Quando a criança interage com os objetos e com outras pessoas, constrói relações e conhecimentos a respeito do mundo em que vive” (Tessaro & Jordão, 2007, p. 4). Assim, esses objetos de interação podem ser uma alternativa mais lúdica, cujo propósito pode estar em beneficiar a aprendizagem dos estudantes.

Outro recurso mencionado pelos professores participantes foi o material manipulativo. Um exemplo disso pode ser a confecção de gráficos desenhados com tinta alto-relevo para que estudantes com dificuldade de visão percebam seu formato por meio da ponta dos dedos. Outra estratégia foi mencionada pela professora Hilla: “Eu trabalho muito com jogos. Aí o meu estudante com PC está fazendo atividade com jogos, daí passo para todos os demais e eles acham aquilo maravilhoso”. Na fala da professora, o destaque foi dado ao fato de o jogo ser um recurso que, inicialmente, foi planejado para o estudante com PC, mas, devido à curiosidade dos demais estudantes, acabou sendo uma ação desenvolvida para todos. Soma-se às considerações da professora, o depoimento da estudante Antônia, a qual afirmou o quanto recursos como tabuadas, calculadoras e até mesmo softwares matemáticos reduzem as dificuldades encontradas por pessoas com PC. Nessa perspectiva, alguns estudantes elencaram o uso da tecnologia informatizada como meio de comunicação ou de recurso para o ensino.

Foi nomeada tecnologia informatizada para que, de outra forma, seja considerada tecnologia qualquer outro elemento que estabeleça uma relação entre qualquer objeto e a necessidade de o sujeito em construir ações. Assim, nas palavras de Merlo e Assis (2010): “o que torna estes objetos tecnologias é a presença de uma linguagem e uma necessidade que relaciona sujeito e objeto na construção de ações e operações que envolvem o pensamento humano” (p. 48). Dessa forma, os recursos informatizados podem suprir as limitações impostas, por exemplo, pela falta de coordenação motora, ou pelo atraso na fala, possibilitando a interação na qual o estudante está inserido, permitindo maior proximidade com os demais colegas de sala de aula.

Nos recursos informatizados, podem ser encontradas, por exemplo, listas de exercícios disponibilizadas em sites, páginas ou grupos de redes sociais. No caso do estudante Severus, com deficiência visual devido à PC, as calculadoras que emitem som, cujo recurso pode ser encontrado em sites ou nas próprias calculadoras, foram fundamentais para seu aprendizado.

No entanto, percebeu-se, nesses depoimentos, que essas estratégias surgiram após uma fase de experimentação. Segundo os professores e os estudantes, essa fase ocorre em todo começo de ano letivo. Dessa forma, considera-se que “experimentar é atuar com o fim de observar o que resulta” (Schön, 1987, p. 74), compreendendo a necessidade em desenvolver alternativas que contribuam para a melhoria do ensino. Nessas situações, podem ocorrer contribuições não apenas para os estudantes com alguma limitação, mas para qualquer outro estudante que, inicialmente, não teria a necessidade de alguma proposta adaptada.

Além do uso de materiais como jogos ou softwares, ocorre a utilização do corpo. Professores buscaram alternativas, valorizando a sensibilidade do toque para ensinar cálculos aritméticos. Uma das professoras participantes destacou:

se eu pegar os dedos das mãos mais os dedos dos pés, isso porque ele não tem a visão, mas tem a sensibilidade, então nós temos vinte dedos. [...]. Aí eu foquei fazendo esse jogo e ele começou a entender o processo da multiplicação e ele mesmo disse: então é só somar. [...]. Ele introjetou isso com o toque. (Professora Ottávia)

Ao perceber o recurso do toque, a professora apropriou-se da relação do estudante com seu próprio corpo, configurando-se como uma ação para o ensino da tabuada.

Essas ações podem ocorrer quando professores fazem reflexões sobre quais alternativas serão necessárias para atender às necessidades de cada um de seus estudantes. Na busca dessas alternativas, podem ser encontrados recursos disponibilizados de forma eletrônica, em jogos ou em atividades lúdicas, bem como a realização de estratégias para que pessoas com PC possam utilizar materiais considerados triviais para os demais estudantes, como lápis ou caderno.

Assim, de acordo com Imbernón (2016), estratégias compostas por “projetos ou pesquisa reflexiva, partindo de suas situações problemáticas contextuais” (p. 145), podem permitir, por parte do professor, novas práticas e desenvolver atividades de uma forma diferenciada daquela construída em seu processo de formação inicial. Para isso, considera-se que esse ato de desenvolver novas práticas pode contar com espaços disponibilizados na sala de recursos, conforme será apresentado na próxima seção.

3.4 A SALA DE RECURSOS

Durante as entrevistas, a Sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE), frequentada apenas por estudantes com alguma limitação, foi frequentemente citada. Assim, emergiu a categoria final: a sala de recursos, conforme é apresentada na Tabela 5.

Tabela 5 Sala de recursos: categorias iniciais e a respectiva frequência de excertos 

Categorias iniciais Frequência de excertos selecionados
A exclusão na sala de recursos 13
Uma equipe na sala de recursos 7
O papel da sala de recursos 6
Atividades no AEE 3

Um ambiente oferecido para suprir as dificuldades de estudantes com limitações físicas ou cognitivas deve ser considerado um lugar de acolhimento e de auxílio. Nesse viés, a sala de recursos oportuniza a estudantes com alguma dificuldade de aprendizado a participação em propostas de ensino de forma mais equânime possível em relação aos demais estudantes. No entanto, para o estudante Nicolas, a sala de recursos “causa exclusão por parte de alunos”. Esse sentimento de exclusão, manifestado por alguns participantes desta pesquisa, ocorre por meio do julgamento de outros estudantes. Para alguns estudantes sem deficiência, as pessoas atendidas na sala de recursos são protegidas e têm todas as respostas das avaliações. Ocorre, de forma simultânea a esse julgamento, a possibilidade da privação de experiências as quais todos os estudantes devem viver, como citado por um dos entrevistados sobre a realização da avaliação em sala de aula.

No depoimento de dois estudantes com PC, ao serem questionados sobre o fato de realizarem as avaliações fora da sala de aula, obteve-se o seguinte relato: “prefiro ficar na sala de aula porque o professor está lá” (Estudante Sundiata). Nas palavras do estudante João, percebeu-se sua posição por meio de um questionamento: “Se seus colegas têm a oportunidade em perguntar para seu professor durante a avaliação, por que ele [estudante com PC] não tem?”. Dessa forma, a presença em sala de aula de estudantes com PC, ou com qualquer outra especificidade, desenvolvendo as atividades propostas pelos seus professores, pode ser considerada uma ação relevante. Essa atitude permite a essas pessoas a acolhida e a inclusão nas atividades propostas aos demais.

Assim, a sala de recursos pode ser considerada um espaço adequado para dar continuidade às atividades propostas em sala de aula. De outra forma, conforme apresentado nos relatos anteriores, a intenção em sanar as dificuldades encontradas pela deficiência pode acabar se tornando uma atividade excludente para alguns dos participantes. Para Veras (2014): “Estar fora, ser diferente, não se submeter às normas homogeneizadoras, é estar excluído ou ‘empurrado’ para fora” (p. 38). A partir dessa citação, verificou-se que é necessário propor atividades que possibilitem a todos a vivência das mesmas experiências, mesmo devendo ser consideradas algumas adaptações devidas às limitações do estudante.

Na perspectiva dos professores, encontrou-se a dúvida quanto à eficácia da sala de recursos em momentos pontuais como a avaliação. A professora Egídia relatou: “Eu fico na dúvida se ele está conseguindo fazer ou se ele está sendo induzido a fazer. [...]. Eu não sei realmente se ele fez ou se ele teria condições de fazer, é muito complicado isso”. Para essa professora, fica a desconfiança sobre o trabalho desenvolvido nesse ambiente, fora de seu alcance. Afinal, no desejo do professor, se as atividades propostas resultam em avaliações contínuas, haveria a necessidade de que essas atividades estivessem sendo acompanhadas pelo professor que dará um parecer no final desse período avaliativo, e não por um profissional exclusivo da sala de recursos que, por vezes, tem como especialidade outra área de formação.

Por meio desses relatos, valorizou-se como ação oportunizar momentos em que todos os estudantes compartilhem suas experiências e possam, dessa forma, aprender com as dificuldades do outro. Nessa vivência, faz-se necessária a presença do professor, interagindo no processo de aquisição do conhecimento e desenvolvendo uma proposta de ensino para todos. Para Lerner (1998), “o conhecimento é construído em interação não só com o objeto a ser conhecido, mas também com os outros seres humanos que atuam sobre esse objeto. Tornar-se-ia francamente contraditório excluir dessa interação precisamente o professor” (p. 117). Mesmo assim, os estudantes relataram que contar com o trabalho desenvolvido pela professora auxiliar na sala de recursos facilita as atividades propostas para eles. O estudante Nicolas comentou sobre isso: “a maioria das vezes, eu fui mais compreendido dentro da sala de recursos do que na sala de aula”.

Dessa maneira, a sala de recursos tem, para alguns estudantes e professores, o significado de acolhimento, a oportunidade de encontrar pessoas mais preparadas para lidar com as especificidades de alguns estudantes. Por conta disso, esse ambiente deve desempenhar um papel de auxílio às dificuldades no momento de acompanhar as propostas de ensino desenvolvidas na sala de aula. Conforme destaca Stenhouse (1996): “O professor é como um jardineiro que trata de forma diferente suas distintas plantas e não como um lavrador em grande escala que aplica tratamentos iguais a todas as plantas, independentemente de sua classificação” (p. 47). No entanto, essas considerações encontram dificuldades para serem executadas quando esse professor se depara solitário, fato destacado pelo professor Diderot: “outra pessoa ali, não é professor de Matemática, já é outro estilo de trabalho”. Nas palavras desse professor, houve uma falta de articulação entre o professor da sala de aula, o professor da sala de recursos e o estudante.

Para isso, alguns professores destacaram a necessidade de uma equipe formada por profissionais de diversas áreas do conhecimento e com ideias articuladas às ideias do professor em sala de aula. Dessa forma, o desenvolvimento das propostas de ensino poderia ser mais apropriado às condições de estudantes com alguma limitação. Essa colocação enfatiza os anseios, por parte de alguns professores entrevistados, quanto à forma de ensinar encontrada por outro profissional sem a formação adequada em Matemática.

Complementando a ideia de que uma equipe poderia desenvolver uma proposta de ensino mais sólida aos estudantes com PC, ou qualquer outra deficiência, o professor Thomas afirmou: “Porque às vezes as professoras se esforçam, mas às vezes atrapalham um pouco por não compreender o conteúdo”. Assim, a contribuição de profissionais que, além da formação em Matemática, possam ter uma formação que contribua para o ensino voltado às pessoas com determinada limitação, foi algo que esteve presente nas considerações desses professores ao se posicionarem sobre o trabalho desenvolvido na sala de recursos.

Diante disso, conclui-se que há a necessidade de desenvolver ações que incluam estudantes com PC em salas de aulas regulares. Acerca desse assunto, a próxima seção apresenta alguns pontos relevantes.

3.5 ALTERNATIVAS PARA INCLUIR

Esta categoria apresenta alternativas que favorecem a inclusão dos estudantes com PC em salas de aulas regulares. Para isso, destaca-se a necessidade de quebrar as barreiras impostas pela deficiência e a busca por formas de adaptação, conforme mostra a Tabela 6.

Tabela 6 Alternativas para incluir: categorias iniciais e a respectiva frequência de excertos 

Categorias iniciais Frequência de excertos selecionados
Quebrar barreiras 21
Formas de adaptação 10
O professor e a professora auxiliar 9
A professora auxiliar e o estudante 8
Considerar as habilidades 6
A professora auxiliar 4
Aulas de reforço 2
O estudante e o professor de Matemática 2

Sobre desenvolver atividades para todos os estudantes em sala de aula, John afirmou: “Se ela [a professora] passa no quadro e apaga, eu copio de minha colega ou falo e ela espera”. Nessas palavras, percebeu-se que as atividades são iguais para todos e, por essa razão, o estudante sentiu-se incluso nas escolhas metodológicas oferecidas pelo professor, reduzindo, cada vez mais, as diferenças existentes entre os demais estudantes. Durante a entrevista, a maioria dos estudantes demonstrou a capacidade de vencer obstáculos por vezes impostos pelas dificuldades físicas. Assim, superar as dificuldades é como uma forma encontrada para que a inclusão possa ser uma iniciativa da própria pessoa com limitação, e não apenas de seus professores.

Severus, um estudante com baixa visão, relatou que, por meio de um recurso tecnológico, conseguiu mostrar ao seu professor que tinha capacidade em aprender. Quando pediu para apresentar um trabalho, ele afirmou: “Eu fiz por áudio. Eu escutei o áudio, entendi a matéria e resolvi o problema” (Estudante Severus). Quando seu professor percebeu a sua habilidade em conseguir aprender, surgiu uma cumplicidade entre eles, cujo propósito estava na exploração dessa alternativa para que o aprendizado de uma pessoa com PC se aproximasse ao máximo dos demais estudantes.

Nessa busca por alternativas de inclusão, são consideradas “as múltiplas possibilidades que o humano apresenta diante de uma determinada situação [possibilitando] que enxerguemos de que forma são construídas as obviedades esperadas a cada um” (Bridi Filho & Bridi, 2016, p. 22). Segundo os autores, o processo de aprendizagem cria uma expectativa de que crianças aprendam no mesmo tempo previsto, ocorrendo um conflito interno, já que, para Bridi Filho e Bridi (2016), “a aprendizagem é, certamente, um processo de autoconhecimento contínuo, que acaba por determinar nossas relações com o meio, por toda uma vida” (p. 23). No entanto, as dificuldades podem ocorrer no momento desses estudantes provarem a todos as suas habilidades, por vezes oprimidas devido à sua deficiência. O estudante Severus afirmou: “Já tive professores que te olham e acham que tu não consegues. Aí tu tens de ir lá, provar, bater o pé e dizer que consegue”. Dito de outro modo, é preciso superar-se em relação às dificuldades impostas pela sua condição e desconstruir rótulos por vezes adquiridos devido às suas limitações.

O estudante João afirmou que a PC nunca foi protagonista de sua vida a ponto de influenciar seu comportamento. Semelhante a isso, Severus destacou que o desafio diário é mostrar que uma pessoa com PC é capaz, desde que sejam medidas as habilidades de cada um e desconsideradas as desvantagens que supostamente possam ocorrer devido à deficiência. Em analogia à ideia destacada pelo estudante, Freitas (2013) corrobora ao destacar que haveria desvantagem social caso o estudante tivesse de disputar com pessoas que têm todos os membros, uma corrida com a ausência de uma das pernas. Para o autor: “Se a execução da tarefa que nos cabe não admite reelaboração, eu participo dessa situação como alguém não eficiente, impossibilitado de realizar a tarefa tal como o outro a realiza” (Freitas, 2013, p. 43). Nessas considerações, reduzir as diferenças contribui para o que pode ser chamado de um ensino inclusivo.

Conforme Gonzáles Rey (2011): “O ensino é inclusivo não por aceitar crianças com limitações, mas por criar um espaço subjetivo e social que permita que crianças diferentes se encontrem e sejam capazes de compartilhar as suas atividades” (p. 60). Dessa forma, mesmo que a responsabilidade e o comprometimento com a aprendizagem de todos os estudantes sejam do professor de sala de aula, o auxílio de outro professor pode ser uma alternativa positiva na construção de um ensino inclusivo. Para a professora Ottávia, a professora auxiliar não é a titular: “Não é ela quem vai preparar a aula”. Nessa situação, a professora auxilia o estudante a ter seus registros da mesma maneira que seus colegas têm. Assim, professor e professora auxiliar desenvolvem um trabalho em conjunto, jamais de forma isolada. Ao encontrar Marcus afirmando: “Quando a professora auxiliar está aqui ela passa uma coisa para eu fazer. Quando a auxiliar não está, eu não faço nada, fico só quieto na minha”, percebeu-se que deixar as atividades sob a responsabilidade de outro professor pode não ser uma alternativa apropriada.

Nas palavras de Campbell (2016), a Educação Inclusiva “deve ser entendida como uma tentativa de atender às dificuldades de aprendizagem de qualquer aluno no sistema educacional e como um meio de assegurar que os alunos que apresentam alguma deficiência tenham os mesmos direitos que os outros” (p. 139). No que se refere ao atendimento especial para os estudantes que possuem alguma dificuldade cognitiva ou física, a relação pode estar não apenas entre estudantes e professores, mas a possibilidade do convívio entre professora auxiliar e estudante com PC, articulado com o professor de sala de aula.

No entanto, a interação deve ser desenvolvida por todos. Para a estudante Pope, quando ela “perguntava, [seus professores] vinham e explicavam, mas não como Diderot”. Segundo a estudante, Diderot agia de forma especial não apenas com ela, mas com todos. Para isso, não ocorria “nenhuma adaptação para ela, mas para toda a aula” (Professor Diderot). Nessas considerações, o desenvolvimento de ações, ao propor tarefas que valorizem as habilidades de todos e leve em consideração às dificuldades específicas de cada um, faz com que a inclusão se torne mais sólida.

Um dos fatores encontrados como alternativa para incluir pode estar relacionado com a acolhida que o professor propõe diante de seu grupo de estudantes. Quando a professora Egídia destacou sobre as dificuldades motoras do estudante com PC e o fato de “sempre ter alguma coisa adaptada mais pela função motora do que pela função intelectual”, percebeu-se a necessidade de propor atividades adaptadas às condições do estudante, sem desprezar suas habilidades.

Conforme Molter (2014): “Esse aluno precisa ser acolhido [...] e acreditado em todas as suas dimensões e aspectos. Isso significa se sentir parte de um grupo, com espaço para se desenvolver” (p. 29). Essa busca por formas de adaptação, também intitulada pelos participantes como quebra de barreiras, perpassa por considerações que podem estar alicerçadas na proposta de uma Matemática menos abstrata, como é considerada pela professora Ottávia, quando relatou: “Eu nunca trouxe a teoria da Matemática. Eu ia direto para o problema”. Em seu relato, a professora afirmou que propunha, inicialmente, atividades mais compatíveis com a realidade dos estudantes, para, em um segundo momento, proporcionar o desenvolvimento da linguagem formal da Matemática. Ela complementou informando que “concluía a aula na aula de apoio, para mim, não sala de recursos” (Professora Ottávia). Essa aula era ministrada em turno inverso e não era concomitante com o horário que o estudante dispunha para a sala de recursos.

Nessas palavras, compreende-se que uma das ações que contribui para a aprendizagem desses estudantes é a ocorrência de aulas de reforço, assim como outras citadas anteriormente, das quais se destacam: participação do professor auxiliar, considerações em relação às habilidades do estudante, propostas que permitam ao professor uma reflexão acerca de suas práticas e ao estudante com PC e oportunidade de este vencer suas limitações.

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Na categorização de ações apresentada, percebeu-se que desenvolver uma proposta inclusiva não é apenas colocar estudantes com deficiência dentro de salas de aulas regulares. Desenvolver propostas de ensino que se adequem a todos os estudantes é, antes de tudo, ter um olhar para esse outro que nada mais é do que apenas mais um estudante, diferente como todos os demais, conforme assegura Freitas (2013). Os estudantes participantes desta pesquisa citaram a acolhida e o desenvolvimento de atividades escolares que permitem que suas vivências escolares se tornem cada vez mais próximas das vivências de seus colegas. Para isso, destacaram como estratégias a utilização de materiais manipulativos, de recursos informatizados, assim como o uso de diferentes formas de comunicação que perpassam pela utilização do gestual, da fala pausada, da leitura labial e dos membros do corpo para auxiliar na compreensão de conceitos matemáticos, conforme citado pela professora Ottávia.

Para esses participantes e para Molter (2014), a autonomia de estudantes com deficiência precisa, a todo momento, ser resgatada, havendo, por exemplo, a necessidade de buscar meios para melhorar a comunicação entre todos. Nessa busca, é oportuno frisar o quanto essas ações podem ser adaptadas para outras áreas do conhecimento, dentre elas, a área de Linguagens, Ciências da Natureza ou Ciências Humanas.

Desse modo, leva-se em consideração que não há uma receita pronta para isso, mas um momento reflexivo para cada estudante com PC, considerando as diferentes especificidades que ocorrem em cada caso. Assim sendo, é válido observar que, se os participantes desta pesquisa fossem outros, poderia haver a apresentação de outras categorias e, em consequência disso, o desenvolvimento de outras ações.

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Recebido: 23 de Setembro de 2022; Revisado: 02 de Dezembro de 2022; Aceito: 20 de Dezembro de 2022

Doutor em Educação em Ciências e Matemática. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Pós-doutorado em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS.

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