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Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.29  Marília  2023  Epub 20-Jul-2023

https://doi.org/10.1590/1980-54702023v29e0241 

Relato de Pesquisa

Recursos Públicos na Esfera Privada: Política de Educação Especial em um Município Paulista de Grande Porte

Public Resources in the Private Sphere: Special Education Policy in a Large Municipality of São Paulo

Vanessa Dias Bueno de CASTRO2 
http://orcid.org/0000-0003-1433-3669

Rosângela Gavioli PRIETO3 
http://orcid.org/0000-0003-4013-1163

2Doutora em Educação. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Rede de Pesquisadores sobre Financiamento da Educação Especial (Rede Fineesp). São Paulo/São Paulo/Brasil. E-mail: van.bcastro@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1433-3669

3Docente da Faculdade de Educação da USP. Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA). Coordenadora da Rede Fineesp. São Paulo/São Paulo/Brasil. E-mail: rosangel@usp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4013-1163


RESUMO:

A Educação Especial brasileira tem marcas históricas da privatização, uma delas é focalizada neste artigo, que tem por objetivo analisar o repasse de recursos financeiros públicos da educação para a esfera privada em um município paulista de grande porte, entre 2012 e 2017. Adotando abordagem qualitativa, são analisados os valores liquidados em favor da Educação Especial direcionados à esfera privada a partir de fontes documentais, abrangendo contratos com empresas terceirizadas, termos de colaboração e aditamento, relatórios de remuneração de profissionais da Educação Especial e documentos de repasse de recursos à esfera privada. Os resultados indicam aumento dos recursos destinados a essa modalidade na esfera privada em decorrência, principalmente, da necessidade de contratação de cuidadoras(es), até aquele momento sem provimento de cargo nessa rede de ensino. Também expressam que a inclusão escolar reproduz modos de financiamento que marcam a história da Educação Especial no Brasil. A parceria com instituições privadas sem fins lucrativos e a contratação de empresas terceirizadas vão ao encontro da perspectiva gerencial da administração pública. No caso analisado, por um lado, a política de inclusão escolar terceirizou a manutenção dos serviços a partir da concessão para a esfera privada; por outro lado, houve crescente aumento do financiamento do setor público municipal.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial; Políticas públicas; Financiamento da educação; Relação público-privada

ABSTRACT:

Brazilian Special Education has historical marks of privatization, one of which is focused on this article, which aims to analyze the transfer of public financial resources from education to the private sphere in a large municipality in São Paulo, between 2012 and 2017. Adopting a qualitative approach, the amounts settled in favor of Special Education directed to the private sphere are analyzed based on documentary sources, covering contracts with outsourced companies, terms of collaboration and additions, reports on remuneration of Special Education professionals and documents for the transfer of funds to the private sphere. The results indicate an increase in resources allocated to this modality in the private sphere, mainly due to the need to hire caregivers, until that moment without filling a position in this teaching network. They also express that school inclusion reproduces funding modes that mark the history of Special Education in Brazil. The partnership with non-profit private institutions and the contracting of outsourced companies are in line with the managerial perspective of public administration. On the one hand, in the analyzed case, the school inclusion policy outsourced the maintenance of services from the concession to the private sphere, on the other hand, there was a growing increase in funding from the municipal public sector.

KEYWORDS: Special Education; Public policy; Education financing; Public-private partnership

1 Introdução

O Brasil, na qualidade de Estado democrático de direito, tem suas políticas educacionais estabelecidas na Constituição Federal (CF) de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – e em outras normativas infraconstitucionais e tratados internacionais, dos quais é signatário (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 1990, 1994, 2000, 2015).

A luta para que o Estado brasileiro assuma deveres estabelecidos pela CF de 1988 é a marca de sua história desde a sua promulgação, e as conquistas alcançadas decorrem de pressões e resistências da sociedade civil organizada que incessantemente têm buscado combater desigualdades, proporcionando a todas(os) o acesso a bens materiais e imateriais. Dentre os compromissos constitucionais, a Educação Básica, embora tenha alcançado patamares acima de 90%, na média entre as regiões brasileiras (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010), ainda não foi universalizada4, e sua qualidade, quando medida em avaliações em larga escala, revela estar aquém das projeções nacionais.

No que tange à Educação Especial, o Brasil realizou mudanças para atender à orientação inclusiva assumida com maior ênfase desde o início dos anos 2000, o que acarretou o aumento das matrículas de estudantes elegíveis ao atendimento pela Educação Especial5 em classes comuns em detrimento daquelas registradas em classes e escolas especiais (Castro, 2015). Entretanto, a histórica relação com a esfera privada continua permeando a legislação e as políticas de Educação Especial.

Frente a esse contexto, esta pesquisa foi desenvolvida em um município paulista de grande porte, em decorrência de sua política adotar como princípio a inclusão escolar, o que implicou alterações em suas configurações ao longo dos anos, considerando suas parcerias de longa data com instituições privadas de Educação Especial. A partir desse cenário, buscar-se-á responder às questões norteadoras: Como se configura o financiamento estatal nesse município para garantir educação para todas(os)? A inclusão escolar implicou quais alterações na aplicação dos fundos públicos?

Considerando as marcas históricas da relação público-privada na Educação Especial (Kassar, 2011), este artigo tem por objetivo analisar o repasse de recursos financeiros públicos para a esfera privada da Educação Especial. O recorte temporal inicia-se em 2012, devido a mudanças internas ocorridas na organização da Educação Especial no âmbito da Secretaria Municipal de Educação (SME) do município investigado, e termina em 2017, o limite do ano de reunião das informações para a pesquisa.

Para atingir esse fim, partindo do entendimento de que a positivação de direitos é uma marca essencial da luta pelo direito à educação, serão resgatados e articulados fundamentos e normativas que orientam e regulam as políticas de Educação Especial com orientação inclusiva e sobre seu financiamento, tendo como recorte temporal o final da década de 1980. Na sequência, será apresentada a metodologia utilizada. Por fim, serão apresentados e discutidos os resultados seguidos pelas considerações finais.

2 Educação Especial no Brasil: marcos legais e financiamento

A Educação Especial no Brasil é historicamente marcada pela relação entre os setores público e privado, tendo as instituições especializadas privadas, desde o início, como responsáveis pela provisão de atendimentos destinados especificamente à população com deficiência, principalmente por meio de escolas especiais (Kassar, 2011; Laplane et al., 2016). Meletti e Ribeiro (2014) reforçam tal perspectiva, indicando que a escolarização de “pessoas com necessidades especiais” no país “constituiu-se por meio de serviços paralelos à educação regular, implementados, prioritariamente, em instituições especiais privadas de caráter filantrópico e em classes especiais implementadas majoritariamente no sistema público de ensino” (p. 176), serviços previstos no modelo denominado integração, conforme Mazzotta (2011).

A partir do final da década de 1990, houve mudança de modelo de atendimento, por ser considerado ineficiente ao menos em três aspectos: não oferecimento de um continuum de serviços como era preconizado, manter por longos anos ou mesmo a vida toda as pessoas nesses atendimentos segregados e ter efeitos muito baixos na sua escolarização (Prieto, 2006).

O que vem se firmando desde o início do século XXI são os princípios da educação inclusiva, inicialmente pautados na Declaração de Salamanca (Unesco, 1994), que primordialmente propõe crianças e jovens aprendendo juntas(os). Mendes (2006) afirma que essa Declaração é o marco mundial mais importante da propagação da filosofia da educação inclusiva e aponta que em um “contexto em que uma sociedade inclusiva passa a ser considerada um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção do Estado democrático, a educação inclusiva começa a configurar-se como parte integrante e essencial desse processo” (p. 395).

Esse princípio é corroborado em âmbito nacional e encontra respaldo em compromissos firmados na CF de 1988 e na LDB de 1996 e, desde então, está estabelecido o acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE). A Educação Especial de orientação inclusiva deve ser compreendida como uma modalidade de ensino de caráter transversal, complementar ou suplementar ao ensino comum (Ministério da Educação, 2008; Ministério Público Federal, 2004).

Assegurar o ingresso no ensino comum desde o início da Educação Básica deve implicar em prover os sistemas de ensino de condições para a melhoria da qualidade do ensino para todas as pessoas, bem como a serviços de atendimento e a professoras(es) e outras(os) profissionais com formação para atuar junto a esse público. Essas garantias dependem da aplicação de recursos financeiros na educação geral e na Educação Especial.

A inclusão escolar, conforme apontam Glat e Ferreira (2003),

implica em um envolvimento de toda a escola e de seus gestores, um redimensionamento de seu projeto político pedagógico, e, sobretudo, do compromisso político de uma re-estruturação das prioridades do sistema escolar (municipal, estadual, federal ou privado) do qual a escola faz parte, para que ela tenha as condições materiais e humanas necessárias para empreender essa transformação. (p. 30)

Nesse sentido, também exige o trabalho de profissionais que anteriormente não eram previstos no estatuto do magistério de estados e municípios, como intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras)/Português, instrutoras(es) surdas(os), professoras(es) bilíngues e profissionais de apoio.

Na vigente Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) (Ministério da Educação, 2008), estão previstos como serviços da Educação Especial, reforçando seu caráter complementar ou suplementar e sua transversalidade: instrutora(or), tradutora(or)/intérprete de Libras e guia intérprete, monitora(or) ou cuidadora(or).

No documento da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, transformado no Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, indica-se que os Estados Partes devem assegurar adaptações razoáveis6 de acordo com as necessidades individuais, o apoio necessário para facilitar sua educação no sistema educacional geral, incluindo a facilitação do aprendizado de Libras e do Sistema Braille e formas alternativas de comunicação.

Posteriormente, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em capítulo dedicado ao direito à educação, estabelece que é dever do poder público a garantia, a criação, o desenvolvimento, a implementação, o incentivo, o acompanhamento e a avaliação de uma série de medidas e serviços, tais como “formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio” (Lei nº 13.146/2015, Art. 28, inciso XI).

A LBI define que a(o) profissional de apoio escolar é a

pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas. (Lei nº 13.146/2015, Art. 3º, inciso XIII)

Além disso, cabe destacar o AEE que, segundo a PNEEPEI, “identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas” (Ministério da Educação, 2008, p. 16). Tal redação alinha-se à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), por prever a necessária identificação das barreiras ao processo de escolarização dessas(es) estudantes. Estabelece que o AEE tenha função complementar ou suplementar por meio da garantia do ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização e da tecnologia assistiva, de programas de enriquecimento curricular, entre outros, não sendo substitutivo à escolarização na classe comum.

No âmbito do financiamento, a CF/1988 determina que, além daqueles destinados às escolas públicas, parte dos recursos públicos também pode ser direcionada a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas – das quais fazem parte as instituições privadas de Educação Especial, desde que comprovem finalidade não-lucrativa (Constituição Federal, 1988, Art. 213). E, no Art. 60 da LDB (Lei nº 9.394/1996) está definido que cabe aos órgãos normativos dos sistemas de ensino o estabelecimento de critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em Educação Especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo poder público.

Nesse mesmo momento histórico, o financiamento da educação brasileira passa a ser organizado por meio de fundos. A princípio, com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e, posteriormente, com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que o substituiu em 2007 (Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007).

Nesse fundo7, a distribuição dos recursos entre as instituições filantrópicas, comunitárias ou confessionais sem fins lucrativos, dentre as quais estão as com atuação exclusiva na Educação Especial, passa a ser garantida com a seguinte redação:

Art. 8º A distribuição de recursos que compõem os Fundos, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, dar-se-á, entre o governo estadual e os de seus Municípios, na proporção do número de alunos matriculados nas respectivas redes de educação básica pública presencial, na forma do Anexo desta Lei. (. …).

§4º Observado o disposto no parágrafo único do art. 60 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no §2º deste artigo, admitir-se-á o cômputo das matrículas efetivadas, conforme o censo escolar mais atualizado, na educação especial oferecida em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público, com atuação exclusiva na modalidade. (Lei nº 11.494/2007)

Na perspectiva de Pinto (2007), a inserção dessas instituições foi justificada pela existência de um número significativo de prefeituras com convênios com elas e que, sem recursos do Fundeb, poderiam encerrar o atendimento de milhares de sujeitos de direito ao atendimento pela Educação Especial, particularmente crianças. Entretanto, essa decisão representou um “duro golpe ao princípio de que recursos públicos devem se destinar às instituições públicas” (p. 888).

Posteriormente, a Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, definiu, em seu Art. 8º, que as(os) estudantes matriculadas(os) em classes comuns e no AEE em escolas comuns e em instituições de Educação Especial filantrópicas, comunitárias ou confessionais sem fins lucrativos, são contabilizadas(os) duplamente no âmbito do Fundeb. Em outras palavras, o financiamento da matrícula no AEE é condicionado à matrícula na classe comum do ensino regular da rede pública, pois é vedada a dispensação de recursos apenas para o AEE, posto este ser complementar ou suplementar.

Apresentados aspectos relacionados aos marcos legais da Educação Especial entrelaçados aos seu financiamento no Brasil, a seguir será apresentada a metodologia utilizada para esta pesquisa.

3 Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho documental (Severino, 2016), cujos dados sobre os recursos financeiros destinados à esfera privada da Educação Especial, no período entre 2012 e 2017, foram gerados via consulta online no endereço eletrônico da Prefeitura de fontes documentais relacionadas à Educação Especial no município paulista de grande porte selecionado, em que foram reunidos contratos com empresas terceirizadas, responsáveis por serviços de cuidadoras(es) e transporte adaptado, termos de colaboração e de aditamento entre a SME e instituições privadas sem fins lucrativos de Educação Especial, dos quais foram extraídos valores e tempo de vigência disponíveis. Além disso, no Portal da Transparência do município foram coletados dados referentes à remuneração das(os) profissionais diretamente ligadas(os) à Educação Especial. Foram, ainda, realizados contatos diretos com a SME, com vistas a reunir informações que não estavam disponíveis online, como os recursos destinados à parceria com instituições, além do detalhamento acerca da fonte das verbas.

Após verificações iniciais dos dados reunidos, foi observado que havia informações sobre recursos empenhados e liquidados. Optou-se por utilizar apenas os valores liquidados, tendo em vista que nesse estágio da execução da despesa é cobrada a prestação dos serviços, a entrega dos bens ou a realização da obra8. Esses dados foram organizados em gráfico, apresentando os valores totais anuais direcionados à Educação Especial e os correspondentes ao repasse à esfera privada no município. Na sequência do tratamento dos dados, os recursos destinados à esfera privada foram organizados em tabela, a fim de apresentar detalhamentos como as fontes de origem, o tipo de serviço contratado e os valores anuais para cada tipo de serviço.

Os dados referentes aos valores destinados à Educação Especial foram atualizados por meio da Calculadora do Cidadão9, que faz a correção de valor por índice de preços. Para essa pesquisa, foi utilizado o índice “IPCA (IBGE) a partir de 01/198010”, haja vista que, como apontam Salvador e Teixeira (2014), em análises de financiamento, “as despesas devem ser atualizadas por um deflator que reflita de forma apropriada a inflação do período em estudo, eliminando assim os efeitos da variação de preços e da desvalorização da moeda” (p. 19).

Isso posto, os dados referentes às verbas públicas direcionadas à esfera privada da Educação Especial no município serão apresentados e analisados a seguir.

4 A Educação Especial com orientação inclusiva por entre o público e o privado

O município paulista de grande porte selecionado possui mais de um milhão de habitantes e seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é considerado muito alto (0,805). No que diz respeito à educação, sua Rede Municipal de Ensino (RME) é composta pela Educação Infantil e pelo Ensino Fundamental, pelas modalidades de Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Especial e Educação Profissional. No período analisado, o município contava com 172 escolas municipais, com um total de matrículas que variou entre 55.406 – menor número registrado – e 58.135 – maior número de matrículas registradas. Em relação à Educação Especial, em 2017, último ano analisado, o total chegou a 1.159 matrículas, o que representava 2% do total de matrículas da Educação Básica.

A modalidade Educação Especial foi citada pela primeira vez em uma lei municipal no final da década de 1980, a qual autorizou o Poder Executivo a criar salas de recursos, equipes de ensino itinerante e salas especiais para casos de necessidade devidamente comprovados, desde que houvesse aprovação ou autorização de equipe multidisciplinar de profissionais que atendessem pessoas “portadoras de deficiência”. Outro ponto de destaque nessa Lei é a autorização para realização de convênios com entidades públicas e privadas.

A Educação Especial no município possui uma relação histórica com a esfera privada, com a cessão de professoras(es) por parte da Prefeitura às instituições especializadas de Educação Especial da década de 1970 até 2001, quando a SME passou a subsidiar essas instituições com uma verba destinada à contratação de professoras(es), em cumprimento às orientações provenientes do Tribunal de Contas do Estado.

O município selecionado não havia formalizado sua política de Educação Especial em documento específico até a finalização da pesquisa aqui divulgada. A escolha feita foi pela presença dessa modalidade de forma transversal em todas as políticas educacionais e foi estruturada em serviços, tais como: apoio pedagógico especializado em classe comum, o AEE ofertado em Sala de Recursos Multifuncionais11 (SRM), o atendimento educacional hospitalar e o domiciliar.

No que concerne às(aos) profissionais atuantes em Educação Especial, o município conta com o cargo de professora(or) de Educação Especial desde o início da década de 1990. Além disso, os cargos de professora(or) bilíngue, intérprete de Libras/Português e instrutora (or) surda(o) foram criados no ano de 2010. A RME conta, ainda, com o serviço de cuidadora(or) que, como será apresentado, é terceirizado.

Em relação às verbas que foram utilizadas em Educação Especial, o Gráfico 1 apresenta os montantes totais liquidados e destinados à esfera privada ao longo do período entre 2012 e 2017.

Nota. Valores corrigidos com base no IPCA (IBGE) – data referência: dezembro de 2021.

Gráfico 1 Verbas anuais liquidadas com Educação Especial do município: totais e destinadas à esfera privada – 2012 a 2017 

D e modo geral, observa-se que, nos anos de 2012 e 2013, os valores totais anuais liquidados ultrapassaram os 25 milhões de reais. Já em 2014 e 2015, esses valores foram acima de 30 milhões de reais. Nesse ínterim, o percentual destinado à esfera privada girou em torno dos 30%, variando de 29,2% como mínimo em 2013 e 32,8% como máximo em 2015.

O maior aumento, em comparação ao ano anterior, ocorreu em 2016, com o valor destinado à Educação Especial do município ultrapassando os 38 milhões de reais, sendo 42,4% das verbas destinadas à esfera privada. Os dados de 2017 indicam, por sua vez, que houve aumento do valor total liquidado destinado à Educação Especial em relação ao ano de 2016, que foi acima de 39 milhões de reais. Dentre os anos do período analisado, este foi o único ano em que o percentual correspondente à esfera privada superou o percentual da esfera pública, atingindo 53,3% do total.

Ademais, verifica-se que, entre 2012 e 2017, o valor total liquidado com a Educação Especial no município foi de aproximadamente 190 milhões de reais, totalizando um aumento em torno de 56% no período analisado.

Ao analisar somente as verbas destinadas à esfera privada (Gráfico 1), observa-se que ocorreu uma pequena redução do valor em 2013 em relação ao ano anterior – cerca de 1%. Os anos subsequentes registraram consecutivos aumentos ano a ano, de modo que, na comparação com o ano anterior, o aumento, em percentuais aproximados, foi de 23% em 2014, 8% em 2015, 61% em 2016, e 30% em 2017 – ano em que foi registrado o maior valor destinado ao âmbito privado em número absoluto. Por fim, comparando o valor de 2017 ao de 2012, constata-se um aumento percentualmente expressivo de 175,6%.

Os recursos totais liquidados direcionados à esfera privada da Educação Especial pela SME, no período entre 2012 e 2017, foram majoritariamente provenientes do tesouro municipal, que é formado por receitas próprias não vinculadas, as quais não precisam atender a uma finalidade específica e, em alguns anos específicos, pela Quota do Salário Educação12 (QSE) e por verbas do Fundeb. Esses recursos foram destinados à contratação de empresas prestadoras de serviços para cargos de intérprete de Libras/Português, instrutora(or) surda(o), cuidadora(or) e para o transporte adaptado – e a parcerias com instituições filantrópicas, confessionais e comunitárias sem fins lucrativos, conforme alocação apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 Verbas destinadas à esfera privada de Educação Especial do município entre 2012 e 2017 

Ano Detalhamento Fonte Valor liquidado (R$)
2012 Serviços - Intérprete de Libras/Português QSE 726.123,56
Convênio - Parceria Educação Especial Tesouro Municipal 7.983.959,42
2013 Serviços - Intérprete de Libras/Português QSE 770.877,57
Convênio - Parceria Educação Especial Tesouro Municipal 6.784.820,62
2014 Convênio - Parceria Educação Especial Tesouro Municipal 7.750.564,00
Serviços - Cuidador 1.573.681,94
2015 Convênio - Parceria Educação Especial Tesouro Municipal 7.036.344,83
Serviços - Cuidador 3.013.640,68
2016 Convênio - Parceria Educação Especial 6.094.487,33
Serviços - Cuidador Tesouro Municipal 8.432.851,42
Serviços - Transporte adaptado* 1.479.821,06
Serviços - Cuidador Fundeb 181.391,17
2017 Colaboração - Parceria Educação Especial 4.115.930,06
Serviços - Cuidador Tesouro Municipal 9.508.641,68
Serviços - Transporte adaptado 6.624.083,39
Colaboração - Parceria Educação Especial Fundeb 803.240,30

Nota. *O serviço de transporte adaptado teve início em agosto de 2016. Valores corrigidos com base no IPCA (IBGE) – data referência: dezembro de 2021.

O serviço de “Intérprete de Libras/Português” é responsável por mediar a comunicação entre surdas(os) e ouvintes, utilizando as técnicas de tradução. Como pode ser observado, o serviço consta apenas nos anos de 2012 e 2013. Isso ocorre porque, em 2010, foi criado o cargo de “Intérprete de Libras/Português” e o primeiro concurso público ocorreu em 2011, mas, somente no segundo semestre de 2012, dois intérpretes foram nomeados para o cargo, o que exemplifica o tempo que se leva entre a criação de um cargo, a realização de concurso público e o início da atuação dessa(e) servidora(or).

Assim, verifica-se a manutenção, nesse período, de profissionais terceirizadas(os) atuando como intérprete de Libras/Português, provavelmente em razão de uma demanda existente na Rede. Esse é um movimento interessante no âmbito da organização de uma política pública de Educação Especial na perspectiva inclusiva: a demanda por um tipo de serviço fundamental para a garantia do direito ao acesso, permanência e aprendizado de parte do alunado elegível ao atendimento pela Educação Especial levou a gestão pública a contratá-lo via terceirização. Entretanto, houve mudança na legislação, com a criação do cargo desde 2010, o que garante a realização de concurso público e a aplicação de recursos públicos no pagamento de profissionais de carreira na RME.

No que diz respeito à parceria com instituições privadas sem fins lucrativos de Educação Especial, observa-se que esteve presente em todos os anos do período analisado, sendo 23 no total em 2012; 20 entre 2013 e 2015; em 2016 eram 17; e em 2017 eram 16. Essas instituições, conforme constava nos documentos analisados, realizavam o AEE no contraturno e serviços chamados de complementares, que englobavam atendimentos de fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia e psicopedagogia. Em relação aos valores, verifica-se que, entre 2012 e 2013, ocorreu uma redução de aproximadamente 2%. Em 2014, houve um aumento em torno de 14%. Nos anos seguintes, foram contabilizadas reduções consecutivas: cerca de 9% em 2015, 13% em 2016 e 19% em 2017 – quando foi registrado o menor valor do período. Ao comparar o valor do ano final em relação ao ano inicial, observa-se que houve um decréscimo de aproximadamente 29%. Cabe ainda destacar que, no primeiro ano analisado, o valor destinado à parceria correspondia a 90% do total da verba direcionada à esfera privada, e esse percentual sofreu consecutivas reduções: passou a 89,9% em 2013; 83% em 2014; 70% em 2015; 38% em 2016; e 23% em 2017.

Uma hipótese para a redução do número de instituições parceiras da SME do município e, consequentemente, dos valores destinados a elas, ocorrida no final do período analisado, é a mudança na forma como elas eram estabelecidas, pois, até 2016, a SME firmava convênios com as instituições privadas de Educação Especial. O convênio, de acordo com Di Pietro (2017),

é um dos principais instrumentos de que o Poder Público se utiliza tradicionalmente para associar-se com outras entidades públicas quer com entidades privadas. O convênio pode ser definido como forma de ajuste entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração. (p. 291)

Uma das características dos convênios estabelecidos pela SME do município era a de que os pagamentos às instituições eram realizados per capita, ou seja, não era levado em consideração o número de atendimentos realizados com uma(um) estudante – a instituição que atendia uma(um) estudante uma vez na semana recebia o mesmo valor per capita que uma instituição que atendia três vezes na semana a(o) mesma(o) estudante, por exemplo.

Ainda em conformidade com Di Pietro (2017), a partir da Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que apresenta as diretrizes para as parcerias com as organizações da sociedade civil por meio de Termo de Colaboração e de Fomento, a possibilidade de firmar convênios com entidades privadas ficou restrita. No ano seguinte, a Lei nº 13.204, de 14 de dezembro de 2015, alterou essa redação, trazendo definições que, na concepção de Di Pietro (2017), são genéricas, a respeito dos tipos de entidades que se enquadram no conceito de organização da sociedade civil, do termo de colaboração, do termo de fomento e do acordo de cooperação.

Conforme o Art. 2º, inciso VII (Lei nº 13.204/2015), o Termo de Colaboração é um

instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pela administração pública que envolvam a transferência de recursos financeiros.

Diante disso, a partir de 2017, a SME realizou alterações nas parcerias estabelecidas com as instituições privadas de Educação Especial, deixando de firmar convênios e passando a estabelecer Termos de Colaboração. Uma das mudanças foi a de que o pagamento deixou de ser realizado per capita e passou a ser feito de acordo com o número de atendimentos executados. Há a hipótese de que algumas instituições tenham desistido da parceria com a SME frente a essa mudança. No momento da pesquisa, os Termos de Colaboração tinham duração de 12 meses, com a possibilidade de serem prorrogados por até cinco anos. Se prorrogados, não haveria possibilidade de incluir instituições que não fizeram parte do chamamento público e não estabeleceram os Termos de Colaboração com a SME.

O serviço de cuidadora(or), responsável pelos auxílios na alimentação, locomoção e higiene, teve início em setembro de 2014, correspondente a 16,9% do total, contabilizou aumentos consecutivos e passou a representar o maior percentual da verba destinada à esfera privada nos anos de 2016 e 2017, atingindo 52% e 45%, respectivamente. Dados da SME indicam que o número de cuidadoras(es) e de estudantes atendidas(os) por esse serviço aumentou ao longo do período: eram 100 cuidadoras(es) para 105 estudantes em 2014 e, nos anos subsequentes, esses números passaram, respectivamente, para 200 e 182 em 2015; 200 e 264 em 2016; e 200 e 267 em 2017. O serviço de transporte adaptado, disponibilizado para levar estudantes para o AEE no contraturno, por sua vez, teve início em agosto de 2016 – referente a 10% do total – e se manteve em 2017 – 32% do total. A oferta de ambos os serviços se manteve realizada por meio de empresas terceirizadas durante todo o período analisado.

Destaca-se que, ao longo dos anos analisados, houve aumento da destinação de recursos financeiros às empresas prestadoras de serviços de naturezas distintas – empresa de modelo de franquia social (sem fins lucrativos) e empresas privadas com fins lucrativos. No contexto da Administração Pública, Silva (2011) destaca que a terceirização se constitui

numa das formas pela qual o Estado busca parceria com o setor privado para a realização de suas atividades. Por meio dela, atividades de apoio ou meramente instrumentais à prestação do serviço público são repassadas para empresas privadas especializadas, a fim de que o ente público possa melhor desempenhar suas competências institucionais. (p. 99)

Entretanto, o que se tem observado, segundo Di Pietro (2017), são contratos celebrados

com o objetivo de obter mão-de-obra para a Administração Pública, porém mascarados sob a fórmula de contratos de prestação de serviços técnicos especializados, de modo a assegurar uma aparência de legalidade. No entanto, não há, de fato, essa prestação de serviços por parte da empresa contratada, já que esta se limita, na realidade, a fornecer mão-de-obra para o Estado; ou seja, ela contrata pessoas sem concurso público para que prestem serviços em órgãos da Administração direta e indireta do Estado. Tais pessoas não têm qualquer vínculo com a entidade em que prestam serviços, não assumem cargos, empregos ou funções e não se submetem às normas constitucionais de servidores públicos. (p. 272)

Cumpre salientar que a terceirização dos serviços públicos é uma das características da administração pública gerencial, também conhecida como nova administração pública, que “é orientada predominantemente pelos valores de eficiência e de qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações (Costa, 2010, p. 130).

Laplane et al. (2016), ao analisarem efeitos da relação público-privada na Educação Especial do país, afirmam que a partir da Reforma do Aparelho do Estado, ocorrida durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, 1995-2002), a presença do setor privado na oferta do AEE foi justificada e valorizada. As autoras enfatizam, ainda, que a “presença marcante da iniciativa privada não implica, necessariamente, independência do setor público. Contrariamente, as entidades privadas subsistem, em grande medida, de recursos provenientes do setor público” (p. 44).

No que concerne à repercussão da Reforma do aparelho do Estado para a Educação Especial, Garcia (2009) aponta que:

A reforma do Estado brasileiro nos anos 1995 favoreceu uma situação que já estava naturalizada para a educação especial, qual seja, a relação público/privado na execução do atendimento educacional. As instituições privado-assistenciais assumiram o atendimento de educação especial, recebendo financiamentos públicos, que podem servir para a estrutura física, o transporte escolar e mesmo para a sustentação do quadro de professores, muitos deles cedidos pelas secretarias estaduais e/ou municipais. (p. 3)

Desse modo, observa-se que a Reforma do aparelho do Estado pode não ter sido responsável pela relação entre os setores público e privado na Educação Especial, mas intensificou esse vínculo e acabou por tornar a Educação Especial uma modalidade de ensino cliente do terceiro setor.

Nessa perspectiva, verifica-se uma redução contínua das matrículas em classes e escolas especiais, especialmente a partir dos anos 2000; entretanto, dado que o AEE pode ser realizado em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, a redução das matrículas não culminou em uma redução da presença dessas instituições (Kassar & Rebelo, 2018).

Melo e Secchi (2012), em estudo sobre as parcerias público-privadas como instrumento de reforma administrativa, apontam que houve um incentivo para que os legisladores criassem mecanismos legais que instrumentalizassem as parcerias com a iniciativa privada, além de ratificar a reformulação dos instrumentos legais já existentes. No caso da Educação Especial, está previsto inclusive financiamento às instituições especializadas.

No município analisado, esse movimento de terceirização fez com que ocorresse um aumento na destinação de recursos à esfera privada, registrado entre 2015 e 2017, principalmente em decorrência do aumento no número de cuidadoras(es) atuando na RME e do consequente aumento no valor direcionado à empresa responsável por esse serviço, tornando-se a maior parte da verba destinada à Educação Especial no município em 2017. Na literatura a respeito da relação público-privada na Educação Especial, as produções que abordam essa temática tratam do processo de terceirização do AEE e de serviços complementares (Corrêa, 2005; Oliveira, 2016), mas não foram encontradas produções que discutem esse movimento de terceirização de serviços na esfera pública.

Nesse sentido, em concordância com Di Pietro (2017), a terceirização – por meio de contratos de obras e prestação de serviços, contratos de gestão e termos de parceria – faz parte do que é denominada privatização em sentido amplo.

5 Considerações finais

A análise dos dados referentes ao repasse de recursos da educação do município à esfera privada de Educação Especial evidenciou o acirramento da relação público-privada, histórica na Educação Especial brasileira. Se, por décadas, essa relação com a esfera privada no município investigado foi marcada pela delegação de responsabilidade às instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas sem fins lucrativos em relação à escolarização das(os) estudantes elegíveis ao atendimento pela Educação Especial, com a mudança de paradigma nessa modalidade de ensino, tal relação passa a ser garantida por meio do repasse de recursos públicos ao setor privado e, esta pesquisa, embora realizada em um município único e de grande porte, é significativa pois revela que, mesmo com condições favorecedoras para assumir todas as exigências ao pleno atendimento das necessidades desse alunado e todos os custos, ainda recorria à contratação de serviços privados pagos com recurso público.

A parceria da SME com instituições privadas sem fins lucrativos para a realização do AEE e de serviços complementares, somada à contratação, via empresas terceirizadas, de profissionais para atuar dentro das escolas da RME, vai ao encontro da perspectiva gerencial da administração pública (Costa, 2010). O autor aponta que

a relação entre Estado e sociedade, nos países democráticos e, em particular, nos marcados pelo estigma da desigualdade social, não pode ser fixada apenas em termos mercadológicos, pois envolve fatores bem mais complexos, que são a equidade e o direito de participação ativa nas decisões sobre a alocação de recursos. (p. 158)

Nesse sentido, ainda em conformidade com o referido autor, a cidadania não é viável sem equidade e participação, pois torna-se impossível o estabelecimento de parâmetros adequados de eficiência e de efetividade que sejam consensualmente aceitos por diferentes grupos da sociedade (Costa, 2010).

O aumento de recursos destinados à contratação de empresas responsáveis pelos serviços de cuidadoras(es) sem a previsão da criação desse cargo até o momento de desenvolvimento desta pesquisa indica que, para além do deslocamento de recursos públicos – os quais deveriam ser investidos no setor público –, em aderência à perspectiva da administração pública gerencial, há a transferência da responsabilização da tarefa do Estado, evidenciando-se a perspectiva da educação a ser entregue às(aos) denominadas(os) clientes, como produto, sem que ela seja efetivamente papel do Estado. Em decorrência disso, observou-se um movimento de ampliação dos recursos destinados à esfera privada, ultrapassando mais da metade do total direcionado à Educação Especial, marcado pela necessidade de prover estudantes com serviços não existentes na RME.

Por fim, cabe apontar que a análise do aumento do valor total destinado à Educação Especial no município entre 2012 e 2017, bem como da contratação de serviços terceirizados na RME, com destaque às(aos) cuidadoras(es), que dão suporte para a garantia da permanência das(os) estudantes elegíveis ao atendimento pela Educação Especial nas classes comuns e da criação do cargo de intérprete Libras/Português, após um período de contratação terceirizada, indica que a adoção da perspectiva inclusiva exige mais intervenção e investimento financeiro do Estado, haja vista a demanda de serviços necessários não exigidos quando essas(es) estudantes estavam fora da escola.

4Em 2019, 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estavam fora da escola no país. Informação retirada do endereço eletrônico do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). https://www.unicef.org/brazil/educacao

5Neste artigo, optou-se pelo uso desse termo para fazer referência às pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou superdotação (Ministério da Educação, 2008). Vale salientar que os termos utilizados em documentos oficiais e trabalhos acadêmicos foram mantidos conforme o original, mas apresentados entre aspas.

6Na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), consta: “Art. 3º. Para fins de aplicação desta lei, consideram-se: (.…) VI – adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais” (Lei nº 13.146/2015).

7Cumpre destacar que, após o fim da vigência desse fundo, ele foi substituído pelo Fundeb de caráter permanente (Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020) e a prerrogativa do Art. 8º foi mantida.

10Conforme consta no endereço eletrônico do IBGE, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tem por objetivo medir a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, referentes ao consumo pessoal das famílias. A unidade de coleta desse índice de preços são os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, concessionária de serviços públicos. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/precos-e-custos/9256-indice-nacional-de-precos-ao-consumidor-amplo.html?=&t=o-que-e

11“As salas de recursos multifuncionais são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado” (Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, Art. 5º, § 3º).

12“O Salário-Educação é uma contribuição social destinada ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para a educação básica pública, conforme previsto no § 5º do art. 212 da Constituição Federal de 1988”. A quota municipal “(. ...) correspondente a 2/3 dos recursos gerados, por Unidade Federada (Estado), o qual é creditado, mensal e automaticamente, em contas bancárias específicas das secretarias de educação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na proporção do número de matrículas, para o financiamento de programas, projetos e ações voltados para a educação básica (art. 212, § 6º da CF)”. https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/financiamento/salario-educacao

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Recebido: 13 de Dezembro de 2022; Revisado: 18 de Abril de 2023; Aceito: 20 de Abril de 2023

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