SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30ATITUDES, AUTOEFICáCIA E INTENÇãO DE ENSINAR EM AULAS INCLUSIVAS DE PROFESSORES EM SERVIÇO NO CHILE: VALIDAÇÃO DE ESCALASINTERACCIONES Y CONVIVENCIA ESCOLAR EN CLAVE DE INCLUSIÓN: APUNTES A PARTIR DE LAS CONCEPCIONES DOCENTES índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.30  Marília  2024  Epub 27-Jun-2024

https://doi.org/10.1590/1980-54702024v30e0110 

Relato de Pesquisa

PERFIL DE AUTODETERMINAÇÃO DE ADULTOS COM E SEM DIFICULDADES INTELECTUAIS E DESENVOLVIMENTAIS: ESTUDO COMPARATIVO

SELF-DETERMINATION PROFILE OF ADULTS WITH AND WITHOUT INTELLECTUAL AND DEVELOPMENTAL DIFFICULTIES: COMPARATIVE STUDY

Catarina PIRES2 

Psicomotricista. Mestranda em Reabilitação Psicomotora, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa


http://orcid.org/0009-0007-5351-9454

Maria LIMA3 

Psicomotricista. Mestranda em Reabilitação Psicomotora, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa.


http://orcid.org/0009-0006-3262-4565

Maria RIBEIRO4 

Psicomotricista. Mestranda em Reabilitação Psicomotora, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa


http://orcid.org/0009-0003-1825-6135

Clarissa MOREIRA5 

Fisioterapeuta, Mestre em Fisioterapia Neuromusculoesquelética, Instituto Politécnico Setúbal (IPS), Doutoranda em Reabilitação, Faculdade de Motricidade Humana, ULisboa.


http://orcid.org/0000-0002-7483-3342

Sofia SANTOS6 

Doutora em Motricidade Humana na especialidade de Educação Especial. Professora Auxiliar na Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa. Investigadora na UIDEF do Instituto da Educação. Lisboa/Portugal.


http://orcid.org/0000-0002-6654-564X

2Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa E-mail: catpires2000@hotmail.com

3Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa. E-mail: mariaanalima0299@gmail.com

4Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa E-mail: E-mail: mcelina.1999@gmail.com

5Faculdade de Motricidade Humana, ULisboa. E-mail: clarissa-fisio@hotmail.com

6Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. E-mail: sofiasantos@fmh.ulisboa.pt


RESUMO

O reconhecimento da autodeterminação tem vindo a ser evidente também no campo da Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID), visto que a pessoa deve assumir-se como agente ativo e decisor na própria vida. A aprendizagem das competências autodeterminadas é fundamental dada a sua transversalidade contextual, não se devendo restringir apenas à adolescência. Em Portugal, as evidências são escassas e baseadas no anterior modelo. Assim sendo, o objetivo deste estudo foi identificar o perfil de autodeterminação, à luz da teoria do agente causal, de adultos com DID, no intuito de analisar as variáveis que o influenciam. A versão portuguesa do Inventário de Autodeterminação foi aplicada a 44 participantes entre os 21-73 anos (40.77±12.07), 20 do género feminino e 24 do masculino. Metade da amostra eram participantes com DID, todos institucionalizados. A consistência interna foi aceitável (α=.65). A análise comparativa pelo diagnóstico, género, idade, habilitações académicas, situação profissional e local de residência apontou a tendência para perfis semelhantes (p>.05). As diferenças encontradas estão associadas a perfis mais autodeterminados de adultos com DID, inferindo-se o maior peso das características envolvimentais do que individuais (diagnóstico). As pessoas com DID reconhecem a autodeterminação como relevante e apresentam as habilidades para a decisão. Recomendações para a investigação e para a prática serão avançadas.

PALAVRAS-CHAVE Autodeterminação; Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental; Inventário; Variáveis; Comparação

ABSTRACT

The recognition of self-determination has also become evident in the field of Intellectual and Developmental Disability (IDD), as the person must assume him/herself as an active agent and decision-maker in his/her own life. Learning self-determined skills is fundamental given their contextual transversality and should not be restricted to the period of adolescence. In Portugal, evidence is scarce and based on the previous model. Therefore, the aim of this study was to identify the self-determination profile, in the light of the causal agent theory, of adults with IDD, in order to analyze the variables that influence it. The Portuguese version of the Self-Determination Inventory was applied to 44 participants aged between 21-73 years old (40.77±12.07), 20 females and 24 males. Half of the sample were participants with IDD, all institutionalized. Internal consistency was acceptable (α=.65). The comparative analysis by diagnosis, gender, age, academic qualifications, professional status and place of residence showed a tendency towards similar profiles (p>.05). The differences found are associated with more self-determined profiles of adults with ID, inferring the greater weight of involvement characteristics than individual ones (diagnosis). People with IDD recognize self-determination as relevant and present decision-making skills. Recommendations for research and practice will be advanced.

KEYWORDS Self-determination; Intellectual and Developmental Disability; Inventory; Variables; Comparison

1 INTRODUÇÃO

A investigação no âmbito da Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID) tem confluído para a melhoria das capacidades deste subgrupo, com a criação de oportunidades para a independência e a participação social, e uma vida com mais qualidade assente no ajustamento de apoios face às características individuais e na consagração prática dos direitos (Santos et al., 2022). A DID implica limitações significativas no funcionamento intelectual e adaptativo, dois desvios-padrão abaixo da média, que se expressam nos domínios concetual, prático e social no período desenvolvimental (American Psychiatric Association [APA], 2013) ou até aos 22 anos (Schalock et al., 2021). A tendência para o foco nas limitações, em detrimento de uma abordagem positiva (Santos, 2020) tem restringido o papel destas pessoas na sua própria vida e exige um reposicionamento das intervenções (Santos et al., 2022) educativas e reabilitativas, apesar da institucionalização ser ainda a resposta major em Portugal (Torres et al., 2022).

O modelo de qualidade de vida (QdV) e apoios preconiza duas “partes”: o sistema de apoios - consoante necessidades e pREFERÊNCIAS individuais e contextualizado nas características envolvimentais -, e a QdV, enquanto enquadramento concetual e com indicadores válidos para a avaliação e monitorização da implementação das intervenções (Gómez et al., 2021). Este modelo exige a reorganização das instituições para planeamentos centrados na pessoa para a mudança a nível micro (indivíduo), meso (organizações) e macro (político), destacando-se a necessidade de competências de autodeterminação para que a pessoa com DID escolha e decida, tomando o controlo da sua própria vida (Santos et al., 2022). Um dos constructos chave é a autodeterminação (Vicente et al., 2020), com impacto ao nível da trajetória desenvolvimental. As competências autodeterminadas não só são determinantes ao nível do processo académico, transição para a vida ativa e adulta, integração laboral e participação social (Vicente et al., 2020), como se erguem como um dos direitos para uma vida em plena e no gozo de todos os seus direitos, visando alcançar os objetivos pessoais (Burke et al., 2020). O contexto que se pretende responsivo e inclusivo impacta a promoção de oportunidades para a autodeterminação (Shogren et al., 2021).

A autodeterminação é definida, à luz da teoria do agente causal como “dispositional characteristic manifested as acting as the causal agent in one’s life7 (Shogren et al., 2015, p. 238). A teoria do agente causal defende que deve ser a própria pessoa com DID, sem estar dependente de terceiros, a assumir o papel principal em todas as decisões que guiam o seu projeto de vida e que, à partida, promovem melhores resultados pessoais e, por conseguinte, melhores índices de QdV. A teoria integra três características essenciais (Shogren et al., 2020; Wehmeyer et al., 2017): ação volitiva (autoiniciada e autónoma), implicando a consciencialização da escolha que deve refletir motivações e valores individuais; ação agêntica identificando o percurso reflexivo e resolução dos desafios para atingir os objetivos estabelecidos; e crenças de controlo de ação - empoderamento pessoal e autoconhecimento para o equilíbrio adaptativo entre capacidades (para produzir as mudanças pretendidas - crenças de causalidade), desafios (crenças de agente: confiança nas capacidades) e expetativas (atingir objetivos) (Shogren et al., 2015). As características da autodeterminação surgem na medida em que a pessoa se conhece e toma controlo sobre a sua vida, sob a influência das experiências (Moniz & Miranda, 2021), devendo considerarem-se as variáveis contextuais (Mumbardó-Adam et al., 2018), relevando-se a criação de oportunidades para a sua promoção.

As habilidades inerentes à autodeterminação envolvem escolha e decisões para responder às exigências envolvimentais e diárias (Burke et al., 2020) e perceção da sua própria eficácia, e caracterizam-se por serem transversais a todos os momentos e períodos de vida das pessoas. Estas habilidades é que permitem, a cada cidadão, a escolha em função dos próprios interesses, pREFERÊNCIAS e motivações e que à partida guiam o percurso de vida, pelo que a compreensão e o conhecimento do perfil de autodeterminação revelam-se como fundamentais, sendo ainda mais emergente ao nível dos grupos vulneráveis, como as pessoas com DID e que, por normativos antigos, mas ainda vigentes, restringem a possibilidade de decisão. Os adultos com DID parecem encontrar mais barreiras na possibilidade de ações autodeterminadas e vivência de oportunidades para a decisão (Burke et al., 2020).

Adultos com DID parecem ter capacidade de resolução de problemas, tomada de decisão e escolha - com valores semelhantes, apesar de resultados inferiores nas competências de autoconhecimento, autodefesa e/ou autoinstrução (Frielink et al., 2018; Moniz & Miranda, 2021), menores índices de autonomia, autorregulação, empoderamento psicológico e autorrealização do que os pares típicos (Nunes & Santos, 2019). O desenvolvimento da autodeterminação é influenciado por fatores pessoais (e.g., diagnóstico género, idade), e ambientais (Vicente et al., 2020), com as experiências e oportunidades a assumirem uma influência superior do que as características individuais. A presença da DID e o nível de severidade intelectual (Mumbardó-Adam et al., 2018; Vicente et al., 2019) parecem limitar a capacidade de autodeterminação (Vicente et al., 2019, 2020), pelo que se deve repensar a provisão de apoios individualizada e não massificada em função de um único diagnóstico (Santos, 2020), exigindo a criação de oportunidades para ações autodeterminadas em contextos inclusivos (Vicente et al., 2020).

A idade parece influenciar a autodeterminação das pessoas com DID em Portugal com os escalões mais jovens (16-25 anos) a apresentar ações mais autodeterminadas e sem diferenças a partir dos 25 anos (Nunes & Santos, 2019). Pessoas com menores habilitações, tendem a desempenhos menos autodeterminados com reflexo na situação profissional (Nunes & Santos, 2019; Torres et al., 2022). As pessoas com DID tendem a estar institucionalizadas e em situação de desemprego e os poucos que exercem uma atividade profissional fazem-no em contextos laborais protegidos (Vicente et al., 2019). Torres et al. (2022) apontam para perfis mais autodeterminados por parte das pessoas com DID do género feminino (e.g., Verdugo et al., 2015), mas Nunes e Santos (2019) não constataram diferenças, apesar de valores médios ligeiramente superiores, nas participantes, nas atividades de rotina de cuidados pessoais e vida familiar, e no género masculino ao nível da orientação vocacional/transição para a vida ativa.

Um dos fatores contextuais que mais parece impactar a autodeterminação de adultos com DID é o local de residência/trabalho (ambiente restritivo vs. inclusivo), com a vivência em instituições - como espaço segregado e restritivo a condicionar, de forma negativa a capacidade de autodeterminação deste subgrupo (Stancliffe et al., 2011; Wehmeyer & Bolding, 2001). A acessibilidade e a facilidade de mobilidade na comunidade, alinhados com os recursos e materiais que promovem a independência, parecem potenciar níveis mais elevados de autodeterminação (Wehmeyer & Bolding, 2001).

A nível nacional, apesar de pouca tendência em promover a competência de autodeterminação (Santos, 2020), este domínio/competência foi considerado como detendo maior peso na QdV de adultos com DID com todos os seus itens a assumirem-se como os principais preditores de um ou mais direitos humanos/legais (Simões, 2016). A tendência para menores níveis de autodeterminação das pessoas com DID decorrem não somente das limitações inerentes, mas especialmente pela possibilidade de inabilitação/interdição e eterna infantilização dessas pessoas que condicionam as decisões diárias, quer em atividades simples como complexas, e que conduz à contínua superproteção e desresponsabilização, sendo as decisões assumidas por terceiros e continuando-se a fundamentar as práticas em conceitos já refutados pela literatura (e.g., idade mental) (Santos, 2020).

O trabalho e o processo da promoção da autodeterminação não se podem circunscrever ao contexto educativo - onde se constata a multiplicidade de estudos, dada a transversalidade dos domínios e das competências, pelo que a sua análise deve abranger outros escalões etários (e.g., adultos) e contextos (e.g., comunidade e instituição). Apesar de alguns estudos (Nunes & Santos, 2019; Torres et al., 2022), eles ainda se baseiam no modelo funcional, não se fundamentando nas novas abordagens e que implicam outro tipo de indicadores e análise. Baseadas na inexistência de evidências sobre a ação volitiva, ação agêntica e crenças de controlo de ação (Shogren et al., 2015) das pessoas com DID, a presente investigação tem como objetivo uma primeira abordagem à identificação do perfil de autodeterminação de adultos com DID institucionalizados, na comparação com pares típicos, tentando identificar pistas para futuras intervenções.

2 MÉTODO

Nesta seção, são apresentados os participantes da pesquisa, o instrumento utilizado para a coleta de dados e os procedimentos éticos.

2.1 PARTICIPANTES

A amostra de conveniência envolveu 44 adultos entre os 21 e 73 anos (40.77±12.07), com 20 participantes do género feminino (45,5%) e 24 (54.5%) do masculino, com (n=22, 50%) e sem (n=22, 50%) diagnóstico de DID, a residir em Portugal continental. Os adultos com DID frequentavam o centro de atividades ocupacionais e/ou formação profissional em organizações prestadoras de apoios na zona da Grande Lisboa, em regime de institucionalização. Ao nível da situação profissional dos participantes com DID, 15 (34.1%) estavam em situação de emprego protegido, e os restantes sete (15.9%) estavam desempregados (em centro de atividades ocupacionais). Dos participantes sem DID, apenas um (2.3%) era estudante (mestrado), três (6.8%) se encontravam desempregados, 15 (34.5%) tinham emprego remunerado a tempo inteiro, um (2.3%) estava empregado em tempo parcial, dois (4.5%) estavam em situação de reforma. Sobre o local de residência, dos adultos sem DID, 20 (90.9%) viviam em casa própria, e apenas dois (9.1%) em casa de familiares. Dos adultos com DID, 15 (72.5%) em casa de familiares, e sete (28.6%) na instituição. As pessoas com DID necessitaram de ajuda no preenchimento do questionário.

Como critérios de inclusão, estabeleceram-se: idade superior a 18 anos, com compreensão verbal e capacidade de responder ao questionário (mesmo com auxílio de um técnico), e, no caso dos participantes com DID, a existência do diagnóstico prévio no processo educativo/clínico. O recrutamento das pessoas adultas com DID foi feito pelo contacto direto com instituições da área, e todos os participantes que deram o seu aval integravam o grupo de autodeterminação da respetiva instituição.

2.2 INSTRUMENTO

A versão portuguesa do inventário de autodeterminação para adolescentes e adultos com DID (IAD_AA_DID), traduzido do original Self-Determination Inventory: Adult Report8 (Shogren et al., 2021), objetiva avaliar a autodeterminação de adolescentes e adultos com DID (Moreira & Santos, 2021), sob a forma de autorrelato. O inventário, baseado na teoria do agente causal, incide sobre a ação volitiva, ação de agência e crenças de controlo de ação, distribuindo-se por 21 itens que são respondidos via online ou em formato papel. A cotação é realizada através de uma escala de Likert (0 a 20) de acordo com o grau de concordância com a afirmação apresentada: 0 corresponde a discordo completamente; e 20, a concordo completamente. Os itens organizados entre si originam as três características: ação volitiva, constituída pelas componentes de autonomia (itens 5, 9 e 18), e autoiniciação (itens 3, 13 e 16); ação de agência, incluindo as componentes de autodireção (itens 7, 14 e 19), e percursos reflexivos (itens 2, 11 e 22); e crenças de controlo de ação, incluindo as componentes de empoderamento psicológico (itens 6, 8 e 15), autorrealização (itens 4, 12 e 20) e controlo da expectativa (itens 1, 10 e 17). A versão original foi analisada quanto à sua validade e fiabilidade. A consistência interna foi confirmada com valores de alpha de Cronbach elevados: α=.96 (amostra total), α=.97 para a população com DID e .93 para os participantes sem DID (Shogren et al., 2021). O instrumento encontra-se em fase de validação em Portugal.

2.3 PROCEDIMENTOS

Todos os procedimentos éticos, alinhados com as diretrizes da Declaração de Helsínquia, foram respeitados, tendo numa primeira fase sido enviado o consentimento informado onde se apresentava o estudo especificando o seu objetivo e procedimentos previstos, assegurando-se a confidencialidade e o anonimato dos dados, a duas instituições da Grande Lisboa, pedindo-se autorização para a concretização do estudo com os respetivos clientes.

Depois de autorizado pela direção, estabeleceu-se contacto com as pessoas responsáveis pelos grupos de autodeterminação, que se responsabilizaram pela recolha das assinaturas dos consentimentos pelos próprios e respetivos tutores, e, em seguida, iniciou-se a aplicação do inventário. De acordo com as pREFERÊNCIAS e formas de funcionamento das instituições, por motivos de pandemia e medidas assumidas a nível nacional, a aplicação do inventário aos participantes com DID foi diferente: numa instituição, os inventários foram aplicados pelas técnicas dos grupos de autorrepresentação numa das sessões do grupo, com os investigadores presentes via Zoom para qualquer esclarecimento; e, na outra instituição, o formato de aplicação foi a entrevista presencial pelas investigadoras. A aplicação do inventário, num único momento, às pessoas com DID teve uma duração média de 30 minutos e de 15 minutos com os participantes sem DID (autoadministrado).

Para o tratamento dos dados, recorreu-se ao Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 26.

3 RESULTADOS

A descrição do perfil de autodeterminação dos participantes será apresentada com base nas medidas da média e desvio-padrão (Tabela 1), e, para o estudo comparativo, optou-se pelas técnicas paramétricas (N>30) através do t-student na análise das variáveis dicotómicas e da on3-way ANOVA para variáveis com três ou mais opções. Apresentam-se os resultados obtidos ao nível do diagnóstico (participantes com e sem DID, Tabela 1), género (Tabela 2) e local de habitação (Tabela 3), apesar de se terem analisado, ainda, as variáveis habilitações académicas, ano de escolaridade e situação profissional. Os tamanhos dos efeitos (d) são apresentados em todas as análises, assumindo-se efeitos insignificantes (d<.20), pequenos (.20≤d<.50), médios (.50≤d<.80) e grandes (d≥.80) (Lipsey & Wilson, 2001). O valor alpha de Cronbach total foi calculado (α=.65), indiciando uma consistência interna aceitável, considerando, inclusive, o número reduzido da amostra.

Tabela 1 Valores médios (M) e desvios-padrão (sd) e estudo comparativo da autodeterminação na variável de diagnóstico: participantes com e sem DID 

Itens Grupo s/ DID (M±sd) Grupo c/ DID (M±sd) p
Item 1: Tenho o que preciso para alcançar objetivos 15.23±4.75 16.36±3.16 .36
Item 2: Penso mais que uma forma para resolver problemas 16.36±3.84 15.91±3.66 .69
Item 3: Considero várias possibilidades .... planos futuros 16.82±3.63 17.73±2.98 .37
Item 4: Sei o que faço melhor 16.82±3.63 16.82±4.77 1
Item 5: Planifico atividades de fim de semana que gosto... 11.36±4.92 17.50±4.00 <.001 (d=1.37)
Item 6: Continuo a tentar mesmo depois de errar 15.00±3.78 16.14±4.35 .36
Item 7: Estabeleço os meus próprios objetivos 16.14±3.76 16.59±3.90 .69
Itens 8: ... esforçar-me muito ajuda a conseguir o que quero 16.14±4.86 16.59±4.19 .74
Item 9: Escolho as atividades que quero fazer 15.68±4.17 17.27±2.55 .14
Item 10: Trabalho arduamente para alcançar os meus objetivos 16.59±4.19 17.50±2.99 .41
Item 11: Descubro maneiras de contornar os obstáculos 16.82±4.51 15.68±4.95 .43
Item 12: Tenho confiança nas minhas capacidades 16.36±4.41 17.27±4.00 .48
Item 13: As minhas experiências anteriores ajudam-me a planificar o que vou fazer 16.36±4.68 16.59±3.90 .86
Item 14: Penso sobre cada um dos meus objetivos 17.27±4.00 16.59±3.58 .55
Item 15: Faço escolhas que são importantes para mim 17.05±2.95 17.73±2.98 .45
Item 16: Procuro experiências novas que acho que vou gostar 14.77±3.93 18.18±2.46 .001 (d=1.04)
Itens Grupo s/ DID (M±sd) Grupo c/ DID (M±sd) p
Item 17: ...manter-me focado para alcançar meus objetivos 16.36±3.51 16.82±2.91 .64
Item 18: Escolho como o meu quarto está organizado (e.g., aparência, disposição do mobiliário) 16.82±4.77 17.05±2.95 .85
Item 19: Aproveito as oportunidades que surgem... 14.55±4.06 17.05±2.95 .22
Item 20: Conheço os meus pontos fortes 16.82±4.24 18.41±2.38 .13
Item 21: Encontro formas de alcançar os meus objetivos 16.36±3.84 17.50±2.56 .25
IAD_TOTAL 335.7±60.0 357.3±43.6 .18

Nota.

*p<.05.

Tabela 2 Valores médios e desvios-padrão e estudo comparativo dos itens do IAD_AA_DID na variável de género: feminino e masculino 

Itens Participantes género
feminino_ M±sd
Participantes género
masculino_ M±sd
p
Item 1 14.75±3.80 16.67±4.08 .12
Item 2 15.25±3.80 16.88±3.55 .15
Item 3 16.50±3.66 17.92±2.92 .17
Item 4 16.50±3.66 17.08±4.64 .65
Item 5 13.50±4.89 15.21±5.80 .30
Item 6 14.25±3.73 16.67±4.08 .04(d=.62)
Item 7 16.00±4.17 16.67±3.51 .57
Itens 8 16.50±4.32 16.25±4.72 .86
Item 9 15.25±3.02 17.50±3.61 .03 (d=.68)
Item 10 16.50±3.29 17.50±3.90 .37
Itens Participantes género
feminino_ M±sd
Participantes género
masculino_ M±sd
p
Item 11 16.00±3.84 16.46±5.41 .75
Item 12 16.00±3.84 17.50±4.42 .24
Item 13 15.25±4.13 17.50±4.17 .08
Item 14 16.75±3.35 17.08±4.15 .77
Item 15 16.50±3.29 18.13±2.47 .07
Item 16 14.75±4.13 17.92±2.52 .001 (d=.92)
Item 17 15.25±3.02 17.71±2.94 .01 (d=.83)
Item 18 18.00±2.99 16.04±4.42 .10
Item 19 15.00±2.81 16.46±4.3 .20
Item 20 16.75±3.35 18.33±3.51 .14
Item 21 16.25±2.75 17.50±3.61 .21
IAD_TOTAL 331.5±47.2 358.98±55.2 .18

Nota.

*p<.05.

Tabela 3 Valores médios e desvios-padrão e estudo comparativo dos itens do IAD_AA_DID na variável de habitação: casa própria, casa familiares e instituição 

Itens Casa própria
(CP)
Casa
Familiares (CF)
CP vs CF
p
Instituição (inst) CP vs Ins
p
CF vs Inst
p
Item 1 15.48±4.72 15.88±3.18 .96 16.67±4.08 .82 .92
Item 2 16.43±3.92 15.88±3.18 .91 15.83±4.92 .94 1
Item 3 17.14±3.73 17.65±2.57 .90 16.67±4.08 .96 .83
Item 4 16.90±3.34 16.47±4.60 .95 17.50±6.12 .96 .88
Item 5 11.9±4.87 16.76±4.66 .02(d=1.01) 16.67±4.1 .13 1
Item 6 15.24±4.02 15.59±3.48 .97 16.67±6.05 .76 .86
Item 7 16.90±2.95 16.18±4.16 .84 15.00±5.47 .57 .81
Itens 8 16.67±4.83 15.59±4.28 .77 17.50±4.18 .93 .68
Itens Casa própria
(CP)
Casa
Familiares (CF)
CP vs CF
p
Instituição (inst) CP vs Ins
p
CF vs Inst
p
Item 9 15.95±4.07 16.47±2.94 .90 18.33±2.58 .35 .54
Item 10 17.14±4.05 17.06±3.09 1 16.67±4.08 .96 .98
Item 11 16.90±4.60 16.18±4.16 .90 14.17±6.65 .47 .67
Item 12 16.90±4.32 16.47±3.43 .95 17.50±6.12 .96 .88
Item 13 16.43±4.78 17.06±3.09 .90 15.00±5.48 .78 .61
Item 14 17.62±4.07 16.18±3.32 .51 16.67±4.08 .86 .96
Item 15 17.14±2.99 17.65±2.57 .88 17.50±4.18 .97 1
Item 16 15±4.2 17.65±2.6 .08 18.33±2.58 .13 .92
Item 17 16.67±3.65 16.18±2.19 .90 17.50±4.18 .86 .69
Item 18 16.90±4.60 16.76±3.03 .99 17.50±4.18 .95 .93
Item 19 15±4.2 15.59±3 .88 19.17±2.04 .05(d=1.39) .12
Item 20 17.38±4.07 17.35±3.12 1 19.17±2.04 .55 .56
Item 21 16.67±3.98 16.76±2.46 1 18.33±2.58 .56 .61
IAD_TOTAL 342.38±59.87 347.35±41.35 .96 358.33±63.77 .82 .91

Nota.

*p<.05.

Ao contrário do expectável, não se observaram diferenças significativas entre os dois grupos (com e sem DID), exceção nos itens 5 e 16, nos quais as pessoas com DID parecem ter uma preocupação maior com este tipo de atividades, eventualmente fomentado pela própria instituição. É interessante ainda reparar a tendência para valores médios ligeiramente superiores nas pessoas com DID em 11 dos itens e no total do inventário, com sete itens apresentando valores médios muito próximos em ambos os grupos. O tamanho dos efeitos nos itens com diferenças é forte. Na variável gênero, apenas cinco itens apresentam diferenças entre os participantes do género feminino e masculino com efeitos de tamanho moderados a fortes. Ao analisar as diferenças entre géneros por grupos com e sem DID, apenas se constatam diferenças significativas ao nível dos participantes com DID, no qual os do género masculino tendem a apresentar melhores valores médios (item 9=18.13±2.5; item 19=18.13±2.5) ao nível dos itens 9 (escolha das atividades, p=-007, d=.53) e 19 (aproveito todas as oportunidades que surgem, p<.003, d=1.73), respetivamente, quando comparados com os do género feminino (item 9=15±0; item 19=14.17±2.04). O tamanho dos efeitos foi de médio a grande.

A análise das variáveis referente às habilitações literárias, ano de escolaridade e situação profissional (resultados não apresentados), ao contrário das expectativas, não apresentou quaisquer diferenças (p>.05) entre os participantes. Na análise do local de residência (Tabela 3) e na comparação dos três grupos (vive em casa própria, ou em casa de familiares ou em ambiente institucional), constataram-se apenas diferenças significativas nos itens 5 (planifico as atividades de fim de semana de que gosto, p=.009), 16 (procuro experiência novas que acho que vou gostar, p=.032) e 19 (aproveito todas as oportunidades que surgem no meu caminho, p=.04). As pessoas que vivem em casa própria (na sua maioria sem DID) parecem planificar, procurar e aproveitar menos as atividades e oportunidades, do que as pessoas que vivem com os familiares. É interessante reportar, contudo, que as pessoas institucionalizadas apontam, tendencialmente e na maioria dos itens, valores médios mais altos.

4 DISCUSSÃO

Este artigo, de caráter exploratório, assumiu-se como uma abordagem preliminar ao perfil autodeterminado de pessoas adultas com e sem DID, para tentar identificar as ações mais e menos autodeterminadas, e para que se possam identificar pistas para apoios mais ajustados e nos mais variados contextos, para planeamentos centrados na pessoa (Santos, 2020), dada a autodeterminação edificar-se como um constructo chave na participação diária individual, em contexto académico (Shogren et al., 2021) e nas mais variadas situações de vida quotidiana (Vicente et al., 2020). A capacidade e a possibilidade de escolher e decidir são direitos (Burke et al., 2020; Moniz & Miranda, 2021; Santos et al., 2022) e competências para todos, parecendo deter ainda maior impacto no subgrupo com DID, dadas a superproteção e a desvalorização do seu papel ativo (Santos, 2020), suportado por decisões judiciais que restringem o poder decisor sobre a própria vida. A pessoa com DID deve ser o principal agente causal, assumindo o controlo da sua própria vida e fazendo as escolhas e as decisões em função dos seus valores e objetivos.

A comparação de adultos com e sem DID, e mesmo considerando o número reduzido de participantes, é interessante constatar poucas diferenças, conduzindo a duas hipóteses: a autodeterminação é um constructo estimulado ao longo da trajetória desenvolvimental a nível nacional e para todos ou, pelo contrário, a escassez de diferenças infere a menor importância dada às competências autodeterminadas na população em geral (Santos, 2020) e em particular das pessoas com DID (Santos, 2020; Santos et al., 2022; Simões, 2016). As pessoas, com e sem DID, parecem considerar que reúnem as condições para alcançar os seus objetivos, com boa capacidade de equacionar possíveis e várias soluções para os desafios e planos futuros, ao mesmo tempo que parecem identificar em si próprios as áreas fortes, na resolução de problemas com características de resiliência, foco na tarefa e autoconfiança, mesmo quando erram, estabelecendo objetivos, esforçando-se para conseguir o que se pretende, escolhendo e decidindo em função de experiências anteriores e aproveitando as oportunidades com que se vão deparando, corroborando outros estudos (Córdova et al., 2020; Frielink et al., 2018; Moniz & Miranda, 2021; Nunes & Santos, 2019).

Apesar de pouco expectável (Nunes & Santos, 2019; Torres et al., 2022), esta tendência para comportamentos mais autodeterminados, na generalidade, pode eventualmente ser explicada pelo facto de metade dos participantes, sem DID, assumir o papel de agente causal (Shogren et al., 2015; Wehmeyer et al., 2017) e da outra metade serem pessoas com diagnóstico de DID com menor necessidade de apoios, detendo maiores níveis de autoconhecimento (Córdova et al., 2020; Frielink et al., 2018; Moniz & Miranda, 2021), integradas em grupos de autorrepresentação e, portanto, com alguma formação e treino nas competências de autodeterminação, assumindo maior controlo na sua própria vida. Esta justificação poderá ajudar a compreender o porquê de serem estas pessoas a tenderem a planificar as atividades de fim de semana consoante os seus gostos e pREFERÊNCIAS e a procurar por experiências novas e agradáveis (Moniz & Miranda, 2021). Em ambos os grupos, inferem-se as oportunidades na comunidade, instituição e família (Burke et al., 2020). As limitações inerentes à DID denotam relações mais fortes com o ajustamento do plano de apoios do que a autodeterminação (Vicente et al., 2020), pelo que a presença de DID pode não ser significativa de menor autodeterminação.

As pessoas sem DID eventualmente procuram descansar ao fim de semana, preferindo ficar em casa ou sem dedicar uma atenção particular às atividades de fim de semana, abstraindo-se da vivência diária de experiências novas, decorrentes dos desafios das atividades laborais e pessoais diários que o contexto coloca (Mumbardó-Adam et al., 2018). A participação laboral e comunitária, habitual na vida das pessoas com DID, tende, por um lado, a exigir comportamentos mais autodeterminados (Shogren et al., 2015), o que pode favorecer a tendência para os resultados positivos encontrados no presente estudo. Por outro lado, as competências de autodeterminação parecem conhecer um maior desenvolvimento durante a fase da adolescência e em contexto escolar, estabilizando na idade adulta, o que parece corroborar Nunes e Santos (2019), que apontam a inexistência de diferenças a partir dos 25 anos. As poucas diferenças apontam para que as pessoas adultas com DID tenham melhores resultados ao nível da ação volitiva.

Parece que as características não são influenciadas pelo género (Shogren et al., 2020; Wehmeyer et al., 2017), corroborando Nunes e Santos (2019) e contrariando Torres et al. (2022) que reportam a tendência para valores médios superiores nos participantes do género feminino, tal como Verdugo et al. (2015). O presente estudo aponta diferenças significativas, e com tamanho de efeitos médios e fortes, nos itens 6 (continuo a atentar mesmo depois de errar), 9 (escolho as atividades que quero fazer), 16 (procuro experiências novas que acho que vou gostar) e 17 (sou capaz de manter-me focado para alcançar os meus objetivos), com os participantes do género masculino com melhores valores médios (Santos, 2020) focados mais no âmbito da decisão e da atividade profissional. Dados os resultados inconclusivos na literatura, recomenda-se o aprofundamento de análise, com amostras mais representativas e significativas.

A idade não parece influenciar o nível de autodeterminação das pessoas adultas, com e sem DID (Nunes & Santos, 2019), eventualmente pela necessidade do seu desenvolvimento na entrada laboral (pessoas sem DID) e pelas responsabilidades dos adultos com DID que, devido às suas características (menor compromisso cognitivo e maior perfil adaptativo), frequentam a formação profissional e assumem o papel de mentores e autorrepresentantes nas instituições onde se encontram. Esta explicação também poderá fundamentar a inexistência de diferenças por ciclo de escolaridade, relacionado com as habilitações académicas, e ao contrário do expectável (Nunes & Santos, 2019; Torres et al., 2022) com a maioria (68%) das pessoas com DID da amostra em situação de emprego protegido, tal como os pares típicos, com 68% das pessoas em situação e emprego remunerado a tempo inteiro.

Esta indiferenciação, mesmo em contextos mais protegidos, pode ser um indicador de que estas competências são relevantes na integração em mercado laboral e resolução dos desafios diários. O menor peso do funcionamento intelectual no perfil de autodeterminado é inferido relevando-se antes a qualidade e quantidade de oportunidades em ambientes (mais) inclusivos e não restritivos. No nosso estudo, os participantes com DID tinham a categoria de “leve”, o que, de acordo com alguns autores (Mumbardó-Adam et al., 2018; Vicente et al., 2019), pode influenciar o perfil.

Finalmente, na análise do local de residência, viver em casa de familiares e/ou na instituição, o que parece acontecer com todos os participantes com DID, parece deter impacto ao nível das atividades de fim de semana, quando comparado com o viver em casa própria (Stancliffe et al., 2011; Wehmeyer & Bolding, 2001). Eventualmente, esta situação pode ser explicada pelo maior apoio da família ou mesmo da equipa institucional para a planificação de atividades que difiram das rotinas dos dias de semana. Neste ponto, parece ser necessária a criação de oportunidades para a prática da autodeterminação (Burke et al., 2020).

5 CONCLUSÕES

Os nossos resultados evidenciam um perfil de autodeterminação equivalente entre pessoas com e sem DID, reforçando a necessidade de se reorganizarem currículos e planeamentos centrados na pessoa, fundamentados em evidências e numa abordagem de capacitação (Santos, 2020). Infere-se que perfis mais autodeterminados correspondam à oportunidade de controlo individual sobre a própria vida, considerando experiências vividas e interesses/motivações (Curryer et al., 2015; Moniz & Miranda, 2021) e visando a tomada de decisão em função de um objetivo de vida (Wehmeyer et al., 2013, 2017) aos mais variados níveis e consagrando, na prática, os direitos previstos (Burke et al., 2020).

Apesar da autodeterminação ser um constructo em crescimento a nível nacional, os resultados inferem a ainda menor importância dada à sua aprendizagem em contexto nacional, com as pessoas sem DID a tenderem para menos habilidades autodeterminadas. O ineditismo da nossa pesquisa relaciona-se com a nova abordagem à autodeterminação, à luz da mais recente concetualização, enquanto direito e forma de qualquer pessoa assumir o controlo da sua vida, contribuindo para uma vida com mais qualidade. Ser autodeterminado está associado a resultados pessoais positivos, pelo que há de investir-se na aprendizagem destas habilidades também com adultos com DID, subgrupo que tem visto a sua escolha e decisão restringida ao longo do tempo.

A consideração dos fatores contextuais é algo que deverá ser refletido, para a promoção da autodeterminação em contexto nacional, dadas as evidências que apontam relações positivas com a transição para a vida adulta e ativa com todos os desafios que este processo implica ao nível funcional, de participação e qualidade de vida. Os resultados reforçam a relevância de se criarem oportunidades, em contextos familiares e comunitários e parecem minimizar o papel preditivo do (menor) funcionamento intelectual (Mumbardó-Adam et al., 2018) apesar de se identificar a influência de variáveis demográficas e ambientais. Estas questões parecem alinhadas com o modelo de qualidade de vida e apoios e com a necessidade de se reequacionarem políticas e práticas na provisão dos apoios para todos, e não como tem vindo a ser hábito de forma massificada em função de um diagnóstico. A autodeterminação é uma competência transversal no processo de desenvolvimento.

Tal como qualquer estudo desta natureza, constatam-se algumas limitações que deverão ser consideradas em futuros estudos na área. A amostra reduzida é uma das principais limitações, e todos os participantes com DID estavam associados às categorias de leve e moderado, o que de alguma forma pode ter enviesado os resultados e daí a cautela na sua generalização. A ainda não validação (em curso) do instrumento exige cautela na interpretação e generalização dos resultados. Ademais, os resultados deste estudo ainda não refletem a realidade nacional, onde mais estudos serão necessários e imprescindíveis para responderem às várias hipóteses tanto a nível concetual, medida e de aplicabilidade na prática e em diferentes contextos numa amostra mais expressiva.

Nesse sentido, recomenda-se a aplicação do instrumento a uma amostra representativa e significativa, e com uma especial atenção à sua estratificação pelas diferentes variáveis listadas na literatura como detendo impacto no desenvolvimento deste perfil. A validação do instrumento à realidade nacional, a identificação dos preditores e a aplicação de um programa que promova as características da autodeterminação com o estudo pré-pós, em diferentes contextos (e.g., educativo e institucional) são outras das sugestões para a investigação e para a prática.

7Tradução possível: característica disposicional manifestada em como agir como agente causal na própria vida.

8Elaborado para pessoas com e sem deficiência.

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). APA. https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425596Links ]

Burke, K., Raley, S., Shogren, K., Hagiwara, M., Mumbardó-Adam, C., Uyanik, H., & Behrens, S. (2020). A meta-analysis of interventions to promote self-determination for students with disabilities. Remedial Special Education, 41, 176-188. https://doi.org/10.1177/0741932518802274Links ]

Frielink, N., Schuengel, C., & Embregts, P. (2018). Autonomy support, need satisfaction, and motivation for support among adults with intellectual disability: Testing a self-determination theory model. American Journal on Intellectual and Developmental Disabilities, 123(1), 33-49. https://doi.org/10.1352/1944-7558-123.1.33Links ]

Gómez, L., Schalock, R., & Verdugo, M. (2021). A new paradigm in the field of intellectual and developmental disabilities: characteristics and evaluation, Psicothema, 33(1), 28-35. https:/doi.org/10.7334/psicothema2020-385Links ]

Lipsey M., & Wilson D. (2001). Practical Meta-Analysis. Sage. [ Links ]

Moniz, S., & Miranda, L. (2021). Perfil de autodeterminação: um estudo exploratório em adultos com dificuldade intelectual e desenvolvimental (DID). Revista Amazônica, 26(2), 93-123. [ Links ]

Moreira, C., & Santos, S. (2021). Inventário de Autodeterminação - versão Adolescentes e Adultos com Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais, Fichas de registo [Unpublished manuscript]. Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa. Lisboa. [ Links ]

Mumbardó-Adam, C., Guàrdia-Olmos, J., Giné, C., Shogren, K. A., & Vicente Sánchez, E. (2018). Psychometric properties of the Spanish Version of the Self-Determination Inventory Student Self-Report: a structural equation modeling approach. American Journal on Intellectual and Developmental disabilities, 123(6), 545-557. https://doi.org/10.1352/1944-7558-123.6.545Links ]

Nunes, I., & Santos, S. (2019). A autodeterminação de adultos com e sem dificuldades intelectuais e desenvolvimentais: um estudo comparativo. Revista de Educação Especial e Reabilitação, 26(4), 87-105. [ Links ]

Santos, S. (2020). Como lidar com a Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental. Flora Editora [ Links ]

Santos, S., Moreira, C., Torres, M., Gomes, F., & Shogren, K. (2022). Uma educação para a autodeterminação. In S. Santos (Eds.), Diversidade Educação Inclusiva: instrumentos validados (1ª ed., pp. 89-103). Instituto da Educação, Universidade de Lisboa. [ Links ]

Schalock, R., Luckasson, R., & Tassé. M. (2021). Intellectual disability - definition diagnosis classification and systems of supports. American Association on Intellectual and Developmental Disability. [ Links ]

Shogren, K., Little, T., Grandfield, E., Raley, S., Wehmeyer, M., Lang, K., & Shaw, L. (2020). The Self-Determination Inventory - Student Report: confirming the factor structure of a new measure. Assessment for Effective Intervention, 45(2), 110-120. https://doi.org/10.1177/1534508418788168Links ]

Shogren, K., Rifenbark, G., & Hagiwara, M. (2021). Self-determination assessment in adults with and without intellectual disability. Intellect and Developmental Disabilities, 59(1), 55-69. https://doi.org/10.1352/1934-9556-59.1.55Links ]

Shogren, K., Wehmeyer, M., Palmer, S., Forber-Pratt, A., Little, T., & Lopez, S. (2015). Causal agency theory: teaching exceptional children - reconceptualizing a functional model of self-determination. Education and Training in Autism and Developmental Disabilities, 50, 251-263. [ Links ]

Simões, C. (2016). O direito à autodeterminação das pessoas com deficiência. Associação do Porto de Paralisia Cerebral, Faculdade de Direito da Universidade do Porto. [ Links ]

Stancliffe, R., Lakin, K., Larson, S., Engler, J., Taub, S., & Fortune, J. (2011). Choice of living arrangements. Journal of Intellectual Disability Research, 55(8), 746-762. https://doi.org/1111/j.1365-2788.2010.01336.xLinks ]

Torres, M., Moreira, C., Gomes, F., & Santos, S. (2022). Adaptação e validação da Arc’s Self-Determination Scale à população adolescente e adulta com DID portuguesa. Revista Brasileira de Educação Especial, 28, e0135, 169-186. https://doi.org/10.1590/1980-54702022v28e0135Links ]

Verdugo, M., Vicente, E., Fernández-Pulido, R., Gomez-Vela, M., Wehmeyer, M., & Guillén, V. (2015). A psychometric evaluation of the ARC-INICO Self-Determination Scale for adolescents with intellectual disabilities. International Journal of Clinical and Health Psychology, 15(2), 149-159. https://doi.org/10.1016/j.ijchp.2015.03.001. [ Links ]

Vicente, E., Verdugo, M., Gómez-Vela, M., Fernández-Pulido, R., Wehmeyer, M., & Guillén, V. (2019). Personal characteristics and school contextual variables associated with student self-determination in Spanish context. Journal of Intellectual and Developmental Disabilities, 44, 23-34. https://doi.org/10.3109/13668250.2017.1310828Links ]

Vicente, E., Mumbardó-Adam, C., Guillén, V., Coma-Roselló, T., Bravo-Álvarez, M., & Sánchez, S. (2020). Self-Determination in People with Intellectual Disability: The mediating role of opportunities. International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(17), 1-14. https://doi.org/10.3390/ijerph17176201Links ]

Wehmeyer, M., & Bolding, N. (2001). Enhanced self-determination of adults with mental retardation as an outcome of moving to community-based work or living environments. Journal of Intellectual Disability Research, 45, 1-13, https://doi.org/10.1046/j.1365-2788.2001.00342.x. [ Links ]

Wehmeyer, M., Palmer, S., Shogren, K., Williams-Diehm, K., & Soukup, J. (2013). Establishing a causal relationship between intervention to promote self-determination and enhanced student self-determination. Journal of Special Education, 46(4), 195-210. https://doi.org/10.1177/0022466910392377Links ]

Wehmeyer, M., Shogren, K., Little, T., & Lopez, S. (2017). Introduction to the self-determination construct. In M. Wehmeyer, K. Shogren, T. Little, & S. Lopez (Eds.), Development of Self-determination Through the Life-course (1a ed., pp. 3-16). Springer. [ Links ]

Recebido: 17 de Junho de 2023; Revisado: 30 de Novembro de 2023; Aceito: 07 de Dezembro de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.