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Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

versión impresa ISSN 1414-4077versión On-line ISSN 1982-5765

Avaliação (Campinas) vol.26 no.2 Sorocaba mayo/ago 2021

https://doi.org/10.1590/s1414-40772021000200001 

Editorial

O papel das Universidades no alcance dos ODS no cenário do "pós"-pandemia

The role of Universities in achieving the SDGs in the "post"-pandemic scenario

Milena Pavan Serafim1 
http://orcid.org/0000-0002-7541-4182

Juliana Pires de Arruda Leite2 
http://orcid.org/0000-0002-4048-9029

1 Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil, milenaps@unicamp.br

2 Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil, leiteju@unicamp.br


Em 2015, as Nações Unidas e seus membros signatários aprovaram a Agenda 2030. Composta por uma estratégia que tem como escopo (re)projetar o desenvolvimento das nações à lógica da sustentabilidade, baseada no equilíbrio entre as dimensões ambiental, econômica e social, foram elaborados 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esses objetivos apresentam uma série de metas e indicadores para orientar a tomada de decisões dos países e a sua implementação.

Apesar de compartilhar uma abordagem global, a estratégia para sua implementação tem uma ênfase nacional; cada país pode determinar suas prioridades, modos de financiamento e mecanismos de avaliação. Entre os principais temas dos ODS, é possível destacar a erradicação da pobreza, a promoção da saúde e do bem-estar, o acesso à educação, a igualdade de gênero, a redução das desigualdades, entre outros.

É importante relembrar que os ODS acompanham e renovam, em alguma medida, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Um desses objetivos renovados, o ODS 4, teve seu foco expandido para além da educação primária e secundária, a fim de incluir a educação superior. Esse movimento foi extremamente importante, pois o ensino superior estava ausente da agenda de desenvolvimento internacional.

O ODS 4 propõe acesso igual ao ensino superior como parte da promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Paralelamente a isso, as universidades têm outro papel importante junto a outros ODS: elas são um ator central - enquanto impulsionadoras - para o alcance do conjunto completo de metas a partir de seu papel na formação humana, produção de conhecimento e inovação (CASTELLS, 1994; NEAVE, 2000; MCCOWAN, 2016; CHANKSELIANI; MCCOWAN, 2021).

Historicamente, o papel das Instituições de Ensino Superior (IES) demonstra que a sua evolução enquanto instituição social foi sendo construída. A Universidade se orientava inicialmente enquanto estabelecimento de ensino, assumindo posteriormente a função de criação (pesquisa) de conhecimento e mais recentemente a chamada terceira missão (extensão).

Inseridas em um movimento global, as IES adquiriram um potencial cada vez maior de contribuição para o desenvolvimento da sociedade, ao passo que houve a expansão e a ampliação de vagas (incluindo as cotas étnico-raciais) do ensino superior. Elas formam biólogos, engenheiros, químicos, médicos, professores, dentre outros profissionais, os quais com sua formação acadêmica e profissional passarão a atuar, no exercício de suas funções profissionais, no tecido social e produtivo de uma sociedade. Simultaneamente à formação de cidadãos-profissionais, as IES realizam pesquisas básicas e aplicadas que geram conhecimento para melhor compreensão das dimensões do ambiente e da vida e geram inovações sociais e tecnológicas (CHANKSELIANI; MCCOWAN, 2021). O desenvolvimento científico e tecnológico são elementos importantes para o desenvolvimento econômico, social e sanitário de uma nação. Sobre esse aspecto, nem se faz necessário se alongar, tendo em vista a evidente contribuição da ciência, das universidades públicas e dos centros de pesquisa - nacional e internacional - na produção de vacinas e no combate à pandemia mais mortal da atualidade.

A relevância da ciência para com os grandes desafios da sociedade, incluindo as metas dos ODS, é compreendida e fortemente apoiada pela maioria das nações e de seus governos. Ao contrário do Governo Bolsonaro e de outros governos de caráter autoritário que difundem o negacionismo científico, a maioria dos estados-nação não só reconhece a importância da comunidade científica, como reconhece o papel fundamental das IES na produção e disseminação de conhecimentos sobre o desenvolvimento sustentável (incorporando o alcance das metas dos ODS) (LEAL FILHO et al., 2018; KÖRGEN et al., 2018; HELETA; BAGUS, 2021). As grandes Universidades no mundo, incluindo as principais lideranças universitárias como as universidades da Ivy League, a University of Oxford e a Cambridge University, não apenas declaram seu compromisso institucional com a agenda da ONU, como consideram sua posição de destaque dentre os stakeholders no processo de formulação de políticas públicas nacionais e, dependendo da política, sendo modelo para outros contextos.

De acordo com a ONU (2019), atualmente há três modos relevantes de engajamento de pesquisa científica ao cumprimento da Agenda 2030. Eles não são mutuamente excludentes, mas sim devem se complementar.

O primeiro modo se relaciona com o reconhecimento de que as dinâmicas sociais e naturais são fortemente entrelaçadas em sistemas humanos-ambientais complexos e não podem ser totalmente compreendidas separadamente. Neste sentido, a comunidade acadêmica busca acompanhar esses sistemas e mensurar o impacto do antropoceno no meio ambiente, gerando a partir de diferentes modelagens um diagnóstico atual e prospectando cenários futuros para as próximas gerações.

O segundo se estabelece na interface com as políticas públicas. A partir de diagnósticos, embasados em evidências empíricas geradas no rigor científico, e com detalhamento da forma como os problemas contidos nos ODS podem ser mitigados e/ou alcançados, a comunidade vem contribuindo com a formulação de políticas públicas regionais e nacionais. Nesta segunda forma de contribuição, evidencia-se a cooperação científica-política rumo ao alcance das metas do desenvolvimento sustentável. Destaca-se neste aspecto a importância das pesquisas interdisciplinares, que através do diálogo entre as áreas do saber podem oferecer uma análise aprofundada dos fatores determinantes envolvidos e por isso viabilizam a produção de políticas e iniciativas que se mostram mais efetivas na mitigação das problemáticas.

Por fim, o terceiro modo diz respeito à contribuição das evidências científicas das pesquisas para a compreensão de fenômenos cada vez mais complexos e passíveis de controvérsias, disputas e interesses. Em um contexto cada vez mais global, com fluxos de interesses mútuos ou conflitantes, a comunidade acadêmica - apesar de ter seus próprios valores - é imbuída de ethos científico o qual se esforça para preservar a independência, transparência e reprodutibilidade de seus métodos. Neste sentido, ele é reconhecido pelos outros stakeholders como um ator legítimo no sistema sócio-político no qual ele se insere.

O aumento considerável de produção científica, analisando a relação entre desenvolvimento sustentável e ensino superior, demonstra que o alcance dos ODS vem gerando novos contornos às IES, no sentido de conferir maior responsabilidade e impacto social às atividades de ensino, pesquisa e extensão. Recentemente, iniciativas como a San Francisco Declaration on Research Assessment e o Leiden Manifesto demonstram que existe um movimento cada vez mais crescente que busca repensar a forma como a comunidade acadêmica avalia o impacto das pesquisas e a atuação de seus pesquisadores. Sem dúvida, a tirania das métricas de mensuração da produção científica e os rankings que se baseiam nelas entraram em total dissonância com as urgências sociais. Ainda que os papers sejam uma forma importante de socialização do conhecimento, eles não são um fim em si mesmo. Nem todas as pesquisas geram aplicações, e elas devem ser preservadas, mas quando uma IES ou uma instituição de fomento, como as brasileiras Capes, CNPq e Fapesp, por exemplo, se baseiam prioritariamente em métricas quantitativas de número de papers para mensurar qualidade e/ou relevância da pesquisa e do corpo acadêmico e utilizando essa métrica para realizar sua seleção e ranqueamento de projetos e de recursos, acabam induzindo comportamentos. Aqui jaz o malefício desse tipo de indução.

No cenário pós-pandêmico torna-se ainda mais importante o protagonismo das IES na construção de alternativas de desenvolvimento. A crise econômica e sanitária global está recrudescendo diversas problemáticas que são foco dos ODS, especialmente nas regiões mais vulneráveis do planeta. Soma-se a isso a crise climática, que vem se mostrando irreversivelmente crítica nas duas primeiras décadas do século XXI. Neste contexto, é cada vez mais urgente a relação entre produção de conhecimento e melhoria de vida dos povos e biomas do planeta. Para consolidar esta relação - e dado que a crise econômica gera também uma crise orçamentária das IES, exigindo das mesmas resiliências - a alocação de recursos para financiamento de pesquisa deverá ter a Agenda 2030 como uma bússola para aumentar a relevância e os benefícios da ciência e da tecnologia para a sociedade.

Referências

CASTELLS, M. The university system: Engine of development in the new world economy. In: SALMI, J.; VERSPOOR, A. M. (ed.). Revitalising Higher Education. Oxford: Pergamon, 1994. p. 14-40. Disponível em: Disponível em: https://collections.infocollections.org/ukedu/en/d/Jwb20ie/6.html . Acesso em: 7 jul. 2021. [ Links ]

CHANKSELIANI, M.; MCCOWAN, T. Higher education and the Sustainable Development Goals. High Educ, Michigan, v. 8, n. 1, p. 1-8, 2021. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10734-020-00652-w. Acesso em: 7 jul. 2021. [ Links ]

HELETA, S.; BAGUS, T. Sustainable development goals and higher education: leaving many behind. High Educ, Michigan, v. 81, n. 1, p. 163-177, 2021. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10734-020-00573-8 . Acesso em: 7 jul. 2021. [ Links ]

KÖRGEN A. et al. It’s a hit! Mapping Austrian research contributions to the Sustainable Development Goals. Sustainability, Basel, Switzerland, v. 10, p. 9, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.mdpi.com/2071-1050/10/9/3295 . Acesso em: 7 jul. 2021. [ Links ]

LEAL FILHO, W. et al. Reinvigorating the sustainable development research agenda: the role of the sustainable development goals (SDG). International Journal of Sustainable Development & World Ecology, UK, v. 25, n. 2, 2018. Disponível em: . Disponível em: . https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13504509.2017.1342103?journalCode=tsdw20 . Acesso em: 7 jul. 2021. [ Links ]

MCCOWAN, T. Universities and the post-2015 development agenda: an analytical framework. Higher Education, Michigan, v. 72, n. 4, p. 505-523, 2016. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-016-0035-7 . Acesso em: 7 jul. 2021. [ Links ]

NEAVE, G. R. International Association of Universities, & Mid Term Conference of Heads of Universities. The universities’ responsibilities to society: international perspectives, Amsterdam: Pergamon, published for the IAU Press. 2000. [ Links ]

ONU. Global Sustainable Development Report 2019: The Future is Now- Science for Achieving Sustainable Development. United Nations, New York, 2019. Disponível em: Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/24797GSDR_report_2019.pdf . Acesso em: 7 jul. 2021. [ Links ]

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