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Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

versão impressa ISSN 1414-4077versão On-line ISSN 1982-5765

Avaliação (Campinas) vol.27 no.1 Sorocaba jan./abr 2022

https://doi.org/10.1590/s1414-40772022000100011 

Relato

Relato NEWTON CESAR BALZAN Fazer doutorado não é para qualquer um

Case-reportNEWTON CESAR BALZAN Doing a PhD is not for everyone

Adolfo-Ignacio Calderón1 
http://orcid.org/0000-0001-6534-2819

Marco Wandercil2 
http://orcid.org/0000-0002-9295-1051

Rafael Fernando da Costa3 
http://orcid.org/0000-0002-2757-1036

Stela Maria Meneghel4 
http://orcid.org/0000-0002-7615-5784

1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, SP, Brasil, adolfo.ignacio@puc-campinas.edu.br

2 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, SP, Brasil,, marco.wandercil@gmail.com

3 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, SP, Brasil,, rafaelich3@gmail.com

4 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, SP, Brasil,, stmeneg@terra.com.br


RESUMO

Formação de professores, qualidade do ensino, avalição e autoavaliação institucional, sempre foram estudadas em profundidade pelo professor Newton César Balzan. Persona que soube combinar seu marcante papel na docência e atividades de gestão com proeminente participação na história de duas grandes universidades no Estado de São Paulo, tem na educação, reconhecidamente, seu trabalho de pesquisador e divulgador científico dessa área do conhecimento. Com o objetivo de abordar o processo de formação de pesquisadores em nível de doutorado na visão do professor Newton Cesar Balzan, retomamos elementos marcantes de sua trajetória por meio de lembranças, cartas, mensagens, e-mails trocados entre o homenageado e os autores, assim como, transcrição de sua fala no projeto Vivências realizado em 2016, no âmbito da disciplina obrigatória “A produção do conhecimento no campo das Ciências da Educação” do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. No intuito de manter viva a voz do professor Balzan, este texto contém também aspectos pessoais com forte vínculo emocional, devido a influência exercida pelo homenageado nos autores deste.

Palavras-chave: Newton Cezar Balzan; doutorado em educação; avaliação institucional; educação superior

ABSTRACT

Teacher education, teaching quality, institutional assessment and self-assessment have always been studied in depth by Professor Newton César Balzan. Someone who knew how to combine his outstanding role in teaching and management activities with prominent participation in the history of two great universities in the State of São Paulo, has had his work recognized as a researcher and scientific disseminator in this area of knowledge in education. In order to address the process of training researchers at the doctoral level in the view of Professor Newton Cesar Balzan, we return to important elements of his trajectory through memories, letters, messages, e-mails exchanged between the recipient and the authors, and also, a transcription of his speech in the project Vivências held in 2016, in the scope of the mandatory subject “The production of knowledge in the field of Educational Sciences” of the Postgraduate Program in Education at the Pontifical Catholic University of Campinas. In order to keep Professor Balzan's voice alive, this text contains personal aspects with a strong emotional bond, due to the influence exerted by the honoree on its authors.

Keywords: Newton Cezar Balzan; doctorate in education; institutional assessment; higher education

Apresentação

Como seria bom conversar novamente com o saudoso professor Newton Cesar Balzan! Aquele homem de voz suave, olhar atento, silêncios longos e inteligentes, de estatura mediana, que tratava a educação com grandiosidade e respeito admirável, nos deixou em 16 de novembro de 2019, vítima de parada cardiorrespiratória. Com isso, deixou um vácuo não somente no pensamento crítico sobre a educação brasileira, mas também no coração de todos aqueles que o admiravam e o amavam.

A conversa é a troca de palavras, de ideias entre duas ou mais pessoas; ato humano que possibilita interação, transmissão histórico-cultural e sociabilidade. Seja uma conversa informal ou um diálogo mais efetivo, as trocas por meio do intercâmbio de ideias são uma das principais ferramentas para o desenvolvimento humano. Não temos, neste texto, a intenção de nos debruçarmos sobre o conceito de conversa, mas cabe fazer tal introdução para indicar sua intenção: o desejo de conversar com um interlocutor que sempre propiciou bons e produtivos diálogos.

Nosso objetivo, portanto, é fazer ouvir novamente o professor Balzan; propiciar que sua fala ecoe para além da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) - espaço ao qual dedicou os últimos anos da sua vida profissional. Faremos isso a partir da narrativa de sua vida acadêmica, feita na primeira pessoa, ao recuperar um depoimento feito por ele sobre sua trajetória e experiências, complementado com registros autobiográficos dos autores deste texto. Trata-se de uma conversa cuja sistematização e resgate, sem dúvida alguma, estão carregados de forte apego emocional e um viés pessoal dos autores deste texto, envolvidos com o mestre homenageado por meio da admiração, proximidade e/ou convivência no âmbito acadêmico-científico e familiar.

O professor Newton Balzan sempre foi uma mente à frente de seu tempo, um intelectual brilhante, referência no cenário educacional brasileiro. Foi uma figura emblemática. Seu amor à vida e sua capacidade de se renovar sempre, mesmo quando tinha avançado na idade, transparecia até nos detalhes. Próximo aos 70 anos, colocou-se a estudar um novo idioma, o alemão, pois planejava visitar a Alemanha e comunicar-se com as pessoas na sua língua nativa. Quem tem ânimo para começar a aprender um idioma próximo dos 70 e levar sua ciência pelo mundo afora?

O professor Balzan inspirava e inspira a voar além dos horizontes, reforçando a necessidade de aprender novos idiomas para superar barreiras e sentir, sem falsas modéstias, o sabor do sucesso - palavra que não gostava de usar por sua conotação negativa, mas a usava porque não havia outra - como recompensa a todo seu esforço e dedicação à pesquisa e produção de conhecimento. Seu orientando de mestrado Marco Wandercil lembra narrativas do professor Balzan:

modéstia à parte, vocês, sabem o que significa apresentar os resultados de uma pesquisa na Universidade de Oxford e depois receber, como uma espécie de prêmio, um giro por toda a Grã-Bretanha, passando pela Escócia, País de Gales, Londres? Ou, apesar de minha insegurança (ainda!) com o inglês, ter que assumir a coordenação de um debate - mais de 100 pessoas - na Universidade de Praga, República Tcheca?1

Ele dizia: ‘sempre precisamos dar um novo tom para a vida’ trocadilho com seu nome ‘NEWton’, formato que acostumou assinar seus e-mails. Esse detalhe compôs sua marca pessoal e, até seus 86 anos, resistiu, conferindo um novo tom a tudo - às conversas, aos textos que avaliava, ao seu olhar para a realidade, às leituras, aos conselhos àqueles que lhe pediam.

Conforme consta em seu currículo lattes (BALZAN, 2011), o professor Newton Balzan graduou-se em Geografia e História pela Universidade de São Paulo (USP), em 1957, e em Pedagogia pela Universidade de Mogi das Cruzes, em 1972; fez Doutorado em Educação na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em 1974 e Pós-Doutorado na Boston University, nos Estados Unidos, entre 1983 e 1984. Foi Professor Adjunto (MS-5) na Unicamp, onde depois aposentou-se e atuou como voluntário; chegou a ser bolsista Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Pesquisador Sênior e, ainda, foi Professor Titular da PUC-Campinas e Assessor da Pró-Reitoria de Graduação dessa universidade.

Destaca-se ainda que foi um dos “fundadores e apoiadores” da Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, a mesma que ao homenageá-lo por sua “trajetória e contribuição crítica aos estudos sobre Educação”, o considera como “um dos grandes entusiastas e advogado da qualidade do ensino de graduação, em especial da formação de professores e da avaliação institucional” (SERAFIM, 2019, p. 571).

Com vasta experiência acumulada na área de Educação, deu ênfase à Educação Superior, focalizando como campos de pesquisa: Formação de Professores, Avaliação do Ensino e Aprendizagem e Avaliação Institucional. Em seu último livro, publicado em 2015, o professor Balzan (2015) propôs aos leitores um diálogo, com seu título emblemático: “Conversa com Professores: do fundamental à pós-graduação”. Neste trabalho, apresentou reflexões cultivadas ao longo de meio século de vida dedicados à educação. O livro traz onze capítulos, divididos em três partes, que abordam sua trajetória como estudante, professor de escola básica, coordenador pedagógico, professor universitário e orientador de mestrado e doutorado. Os textos apresentam “várias conversas” com o Professor Balzan e, como produtivas, não se esgotam ali; as ideias emanadas e sua contribuição à educação brasileira permanecem atuais, se fazendo a cada dia mais importantes e necessárias. Por isso, repetimos: como seria bom conversar, hoje, com o nosso sempre professor Balzan!

Frente a este desejo, em tom de ‘conversa’ compartilharemos um encontro tido com ele em 21 de março de 2016, em uma atividade da disciplina “A produção do conhecimento no campo das Ciências da Educação”, sob a responsabilidade do Dr. Adolfo-Ignacio Calderón. A atividade em questão foi o projeto "Vivências e percursos formativos em nível de doutorado: encontro com formadores de formadores”, doravante chamado simplesmente de projeto vivências, cujo objetivo era possibilitar aos doutorandos uma interlocução com formadores de formadores para, a partir da narrativa de suas trajetórias, compreender melhor a formação doutoral em educação. O encontro, feito às 9h30 da manhã, ocorreu com um grupo de nove dos dez ingressantes na primeira turma do recém-inaugurado Doutorado em Educação do PPGE da PUC-Campinas.

Foram convidados para o projeto "vivências” quatro grandes intelectuais brasileiros: o Professor Doutor Cleiton de Oliveira, professor aposentado da Unicamp e da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep); o Professor Doutor Valdemar Sguissardi, professor titular aposentado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Unimep; a Professora Doutora Lídia Maria Rodrigo, docente do PPGE da Unicamp; e, finalmente, o homenageado neste texto, o Professor Doutor Newton Cesar Balzan.

Dentre todos esses importantes pensadores da educação no país, o professor Balzan foi convidado por vários motivos, sendo que aqui ressaltamos dois. Primeiro: o fato de ser pesquisador 1A do Programa Bolsa Produtividade em Pesquisa do CNPq, isto é, pesquisador Sênior - o nível mais alto de um programa destinado a valorizar a produção científica de investigadores que se destacam entre seus pares. Atingir este patamar, portanto, implica ser reconhecido “como líder e paradigma na sua área de atuação” (CAPES, 2021). O segundo motivo diz respeito ao fato dele haver sido professor e um dos fundadores do PPGE da PUC-Campinas, além de fundador do grupo de pesquisa ‘Qualidade de Ensino’ (ENTREVISTA, 2008), que deu origem ao hoje denominado Grupo de Avaliação, Políticas e Sistemas Educacionais (GRAPSE), cadastrado junto ao CNPq e coordenado pelo professor Adolfo-Ignacio Calderon.

Calderón, coautor deste texto, guarda em suas memórias o primeiro encontro, de mais de três horas, que teve com o professor Balzan, em 2010, quando assumiu a liderança do grupo de pesquisa em questão. Nele permanece a lembrança de um homem de imagem forte, sem meios termos, apaixonado pela ciência que ao compartilhar sua trajetória enfaticamente afirmou: “cansei de dizer a meus colegas, pesquisem, publiquem, sejam disciplinados, consigam a bolsa produtividade. Ser pesquisador é uma vocação e compromisso para a vida com a ciência, está para além do salário e da instituição em que você trabalha. A verdade é que ninguém me ouvia e eu cansei de falar; quem quer ouvir, que ouça, mas eu cansei”2.

Esse encontro marcante com o Professor Balzan, um pesquisador vivaz, cheio de energia e vitalidade intelectual, que apesar de seu corpo e forças físicas não estarem à altura de seus sonhos devido à marca dos anos, foram determinantes para fazer com que, por meio deste registro, suas palavras marcantes e impactantes ecoassem e chegassem a mais pessoas, principalmente aos pesquisadores em formação.

Outra frase marcante do professor Balzan está no título do presente texto: “Fazer doutorado não é para qualquer um”; afirmação impactante, que ele repetiu quando de seu depoimento ao projeto “Vivências”. Segundo ele, essa visão era muito criticada e motivo dele ser acusado de elitista. No entanto, ele deixava claro que não era este seu intuito, pois entendia que não ser doutor não era um demérito; explicava ainda a importância de compreenderem que tal formação não podia ser direcionada a todos, pois poucas pessoas tinham possibilidades de ser doutor.

Ao ouvir isso no dia do encontro, sabendo que os ouvintes eram doutorandos no início do seu processo de formação, podemos dizer que a frase reverberou forte! O doutor em Educação, Rafael Fernando da Costa, um dos autores deste texto, na época um dos doutorandos presentes no referido encontro com o professor Balzan, avalia que, no geral, o sentimento entre os alunos após esta fala não resultou em uma percepção de elitismo, mas um alerta para a grandeza do compromisso exigido por um doutorado. Afinal, há exigências não só durante seu percurso, dado o alto volume de leitura e escrita, mas sobretudo após a conclusão, já garantido o título de doutor, que gera compromisso com a produção, disseminação e avaliação do conhecimento científico.

Como se poderá observar na entrevista, muitas lições podem ser obtidas da narrativa do professor Balzan sobre seu processo de formação doutoral. Ele mostra que a pesquisa não se encerra com a tese de doutorado, que o curso, às vezes, não corresponde às nossas expectativas e, ainda, que este processo pode - mas não deveria - ser muito solitário.

O professor Balzan não teve uma boa experiência na sua formação de doutorado, como também não se reconhecia na tese positivista que produziu e defendeu. Sua narrativa é poderosa quando demonstra que, apesar disso, a aprendizagem com este percurso foi significativa e lhe possibilitou, posteriormente, realizar outras pesquisas com a sua assinatura.

A avaliação e a autoavaliação da educação superior sempre foram estudadas em profundidade pelo professor Balzan, que deu diversas contribuições à Unicamp neste campo. Stela Maria Meneghel, que teve a honra de ser sua orientanda em nível de mestrado, conheceu e conviveu com ele durante um período emblemático da história desta universidade: o ano de 1987, quando foi inaugurado um sistema de vestibular próprio (dissertativo) com o intuito de selecionar estudantes com um novo perfil, mais críticos e reflexivos. Neste contexto, o professor Balzan passou a investigar o perfil do estudante ingressante e do concluinte e, após algum tempo de pesquisa, considerando também sua experiência em um projeto de formação continuada de docentes da própria Unicamp, concluiu: “não adianta a universidade selecionar um estudante mais crítico se, ao longo da formação, não dá espaço para que ele aja desta forma. Em poucos meses eles se ‘unicampizam’”3.

Importante ressaltar que o professor Balzan conseguiu combinar seu trabalho de pesquisador e professor. Seu legado não se restringe a obras acadêmicas - 3 livros, 15 capítulos de livros, mais de 70 artigos científicos, uma infinidade de textos publicados em jornais e revistas, diversas conferências internacionais, atuação como membro de conselhos municipais, estaduais e federais. A contribuição deste pensador também se espelha na formação de muitos pesquisadores de altíssimo gabarito, que certamente foram impregnados por seus ensinamentos; ao todo, ele orientou 66 mestres e 14 doutores. Dentre eles, temos destacados profissionais de renome no cenário educacional brasileiro, hoje também formadores de formadores, tais como o saudoso professor Dr. Cleiton de Oliveira, a professora Sonia Giubilei, o professor Newton Bryan, a professora Maria Isabel da Cunha, a professora Maria da Gloria Pimentel, em meio a tantos outros.

Em depoimento dado ao projeto "vivências”, o Professor Cleiton de Oliveira, ao se referir ao professor Balzan, seu orientador de mestrado e doutorado, destacou, entre outras qualidades, o fato de ser “exigente quanto à redação, quanto ao material final. Eu sempre me identifiquei muito com o doutor Newton e eu nunca tive problema, nunca tivemos uma discussão, nada disso! (CALDERÓN; DA COSTA; WANDERCIL, 2021, p. 1120).

Passar de ser orientando (a) para conviver lado-a-lado de seu orientador não mais como estudante, mas como doutor (a), contribuindo no processo formativo de novos mestres e doutores, não pode ser visto como uma simples decorrência da formação e do trabalho acadêmico. Carrega consigo não somente fortes vínculos acadêmicos, construídos entre orientador e orientando na difícil seara da pesquisa acadêmica, mas também, em muitos casos, afetivos.

Stela Maria Meneghel vivenciou momentos talvez inimagináveis na época em que era estudante de mestrado e doutorado em educação na Unicamp, como ter participado da banca de defesa da última orientanda de doutorado do professor Balzan naquela instituição: Joyce Wassem4, que concluiu o mestrado sob sua própria orientação. Meneghel, uma das autoras deste texto, avalia que o exemplo de seus formadores - ela fez o doutorado sob orientação do Dr. José Dias Sobrinho - foi determinante para sua cosmovisão e atuação profissional. Especificamente, no caso do professor Balzan, ele se mostrava absolutamente avesso a atitudes de ‘doutrinação’ intelectual e homogeneização de pensamento. Ao contrário, estimulava o debate, o contraponto, o pensar ‘para além dos ditames e da moda’.

Marco Wandercil, coautor deste texto, que também teve a honra de tê-lo como orientador em nível de mestrado, guarda consigo a lembrança de um orientador exigente no mais alto nível, corrigia inclusive as vírgulas, enfatizando que “os textos devem ser reescritos, tantas vezes quantas o orientador determinar”5. Wandercil contou com sua mentoria e presença na banca de qualificação do doutorado em 2019. Mas infelizmente, seu falecimento impediu sua presença no dia da defesa da tese. A parceria desse aprendiz com seu eterno mestre começou em 2004 e findou em 2019: com o professor Balzan ele publicou seu primeiro artigo científico na ‘Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior’ (WANDERCIL; BALZAN, 2007) e, por capricho do ‘acaso’, com ele publicou, em 2019, o artigo que viria a ser o último artigo publicado pelo professor Balzan, no mesmo ano de sua partida e na mesma revista (BALZAN; WANDERCIL, 2019).

Na banca de qualificação de Marco Wandercil, em agosto de 2019, já bem debilitado em decorrência do agravamento de seus problemas de saúde, o professor Balzan fez questão de estar presente, mesmo amparado por uma cadeira de rodas da qual ele tinha vergonha, na banca daquele que em um dos e-mails por ele enviado se referiu como: “Marco, o filho que eu não tive” (BALZAN, 2019).

No dia do exame de qualificação, a máxima autoridade acadêmica da PUC-Campinas, o Magnifico Reitor Dr. Germano Rigacci Júnior, e o Padre Wilson Denadai, ex-reitor da mesma universidade, acudiram a recepcioná-lo em claro sinal de reconhecimento de seus relevantes serviços prestados e da profunda amizade que os unia.

O saudoso professor Newton Balzan muito contribuiu para o campo da educação com seu pensamento crítico e produção contundente, assim como sua própria trajetória profissional e acadêmica. Suas lições, disseminadas quando atuou em diferentes cargos, como docente de diferentes níveis da educação e como orientador de teses e dissertações, seguem nos ensinando e inspirando.

Professor seja bem-vindo, agradecemos sua disposição para compartilhar sua experiência de vida com nossos doutorandos.

Newton Cesar Balzan: Em primeiro lugar, deixem-me dizer uma coisa para vocês. Interessante esta iniciativa do professor Calderón de reunir vocês [doutorandos]. Eu tomo a liberdade de propor o seguinte: fazer isso várias vezes durante o ano, não precisa ser todo o mês, reunir o grupo todo, pois dá esta ideia de integração que é importantíssima. Não havia isto em meu tempo de professor aqui na PUC-Campinas e nem na Unicamp. Naquela época, cada um ia para um lado e ‘tchau’. Então, a ideia de nos trazer aqui, independentemente de nossa qualidade ou não, acho extremamente importante.

Qual seria a primeira mensagem para nossos doutorandos?

Newton Cesar Balzan: Antes de entrar no relato de minha experiência, quero lembrar uma questão a vocês que eu tenho escrito no livro ‘Conversa com Professores’ (BALZAN, 2015), no qual tenho um capítulo que trato especificamente da defesa de tese e tem uma parte de um outro capítulo - aliás eu fui criticado por isso - em que eu argumento que fazer doutorado não é para qualquer um. Então, me viram com uma posição elitista, mas eu fico firme, não é para qualquer um. Não é qualquer pessoa que está disposta a mergulhar, estudar, estudar e estudar. Escrever e escrever. No nosso caso [pesquisadores da área de humanas, nossa atividade principal] é leitura, leitura e escrever. Não é para qualquer um, não é! Não significa que quem não tem condição para o doutorado seja inferior. Significa que quer fazer outra coisa, simplesmente quer outra coisa e eu respeito. Mas, fazer o doutorado não é para qualquer um. Como não é para qualquer um também ter habilidade em informática [gesticula com as mãos como se digitasse]. Então, pode me chamar de elitista, mas eu acho isso.

Compartilhe conosco uma lembrança da época de faculdade.

Newton Cesar Balzan: Eu fui contemporâneo do Fernando Henrique Cardoso, eu estava entrando no primeiro ano da faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e o Fernando Henrique estava no quarto ano. Só que ele, enfim o pai era General, tinha posses, estudava de dia, enquanto eu trabalhava numa estrada de ferro em Jundiaí, o dia inteiro e, viajava para São Paulo, assistia aulas à noite e voltava para Jundiaí. No dia seguinte, trabalhava na estrada de ferro de dia e ia para lá à noite, novamente. Então, o Fernando Henrique estava no quarto ano e eu no primeiro.

Compartilhe conosco uma lembrança de seu doutorado.

Newton Cesar Balzan: Bom! Acho que vocês não vão gostar muito da experiência que eu tive no doutorado. Deixem-me dizer antes uma coisa para vocês: na minha vida, as grandes coisas que aconteceram foram por acaso, o acaso funcionou melhor em minha vida do que os planos rigorosos que eu traçava [...] No caso do meu doutorado, eu escrevo sobre isso no capítulo dois do livro ‘Conversa com Professores’, eu descrevo minha experiência nos ginásios vocacionais. Para mim o ginásio vocacional foi o melhor projeto do Brasil no século XX e acho que, do mundo, um dos melhores. Foi extinto pela ditadura militar. Passados oito anos, muitos de meus alunos que na época tinham treze, quatorze e quinze anos, muitos deles já estavam em faculdade e alguns, até já tinham se casado. Eu queria muito, me interessei em fazer uma avaliação a partir do que eles pensavam sobre o vocacional, da atitude deles. Então, veio esta ideia na cabeça e aconteceu uma coisa e, aconselho nunca acontecer com vocês, era o “finzinho” de janeiro e de repente eu tive um “insight”: “bolei” na minha cabeça a tese, o tema do doutorado. Mas ao invés de eu anotar, passar a noite em claro, eu preferi dormir, perdi [risos]! Daí fiz as disciplinas. Quando eu tinha entrado no doutorado, já tinha feito todos os créditos. Mas, o acaso está aí! [refere-se à forma de escolha do tema da sua tese de doutorado].

Como se decidiu a fazer o mestrado e doutorado em Educação.

Newton Cesar Balzan: Bem, a paixão da minha vida foi essa escola vocacional, e eu estava lá, não mais na escola vocacional como professor, mas supervisor da área de ciências sociais em todos os colégios vocacionais, e resolvi fazer o mestrado. Naquele tempo não havia mestrado e doutorado, alguns anos depois começou institucionalmente, o pioneirismo. Não sei se o professor Valdemar Sguissardi vai lembrar ou concordar, começou pela PUC- São Paulo6 o primeiro mestrado oficial, mas quando eu comecei, não havia mestrado e doutorado, era uma coisa só. Bem, olha o acaso, eu ia fazer mestrado e doutorado em Ciência Política, estava na fila para fazer a matrícula, no guichê da antiga faculdade de Filosofia, que hoje [...] é onde está hoje a SBPC7, vocês conhecem? A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na rua Maria Antônia. Naquele prédio funcionava a faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, geografia, história, neolatinas, letras clássicas, física, pedagogia, tudo lá. Enfim: este prédio, onde era nossa faculdade, foi incendiado em sessenta e oito (1968) no auge dos gritos contra a ditadura, com todo o pessoal na rua.

Valdemar Sguissardi - A guerra, Mackenzie. O pessoal do Mackenzie que jogava coquetel molotov em cima do prédio.

Newton Cesar Balzan: Eu estava na rua também pichando lá e os alunos do Mackenzie que era em frente, então, para eles nós erámos todos comunistas. De fato, nós erámos de esquerda, a faculdade de Filosofia da USP era de esquerda e o Mackenzie era de direita, direita mesmo, e eles incendiaram nosso prédio em sessenta e oito.

Valdemar Sguissardi - Ali sediava o Comando Caça Comunista.

Newton Cesar Balzan: Isso! Tinha o CCC - Comando Caça Comunista no Mackenzie e até hoje eu não vou com a “cara” do Mackenzie [risos]. Eu sei que é uma universidade boa, mas enfim, ficou marcado. Bem, voltando lá, eu estou na fila, num fim de tarde, começo de noite, com uma ex-noiva, ex-futura esposa, para fazer inscrição em Ciência Política. Inclusive já tinha falado com a doutora Paula Beiguelman8, que depois foi presa, caçada e torturada. Eu estava na fila e alguém me falou que tinha aberto um novo curso, o primeiro curso de mestrado e doutorado em educação, voltado para a metodologia de ensino. Eu falei: É? O que é isso aí? A pessoa me falou rapidamente, e eu pensei: É isso que me interessa, e não ciência política. Então, na fila eu mudei de ideia e fiz a minha inscrição neste curso, que nós fizemos [fazendo menção ao professor Valdemar Sguissardi] na faculdade de Filosofia da USP9. Bom, não sei a opinião dele [fazendo menção, novamente, ao professor Valdemar], vou ver depois, mas eu achei que não valeu nada, nada e nada, absolutamente nada. Para vocês terem uma ideia, nós estudamos dois anos de psicologia, de psicogenética de Piaget. O Piaget já é difícil, tudo em francês e era psicologia genética do Piaget. Eu nunca fiz nada com aquilo, não sei para que servia. Eu só sei que um dia dei uma aula sobre isso, eu tinha que dar uma aula sobre a ‘noção de conservação da ideia de pesos e medidas em crianças de seis anos’. Eu pensei em desistir do curso, porque além de ser em francês - eu leio francês fluente, não falo, mas leio - Piaget era um autor difícil. Mas eu fui em frente e dei minha aula, coloquei cartazes lá, não havia estes instrumentos tecnológicos de hoje. Eu me lembro que o Nélio Parra10 deu sua aula. Então, a aula supostamente era um seminário, mas na verdade eram aulas dadas pelos alunos. Isso não era um seminário. Eu dei a minha aula. Um dia o Nélio Parra, meu amigo, anos e anos depois, nós conversamos e ele me disse: Newton, eu não entendi nada da sua aula. E eu falei: Nem eu entendi da sua [risos]. Nós dois demos risadas. Lembro que toda semana, ou uma semana sim outra não, eram alternadas, vinha do Rio (Rio de Janeiro) um professor argentino, ‘fraquíssimo’!

Valdemar Sguissardi - Era Angel Diego Marquez.

Newton Cesar Balzan: Isso! Angel Diego Marquez11. Não serviu para nada! Eu terminei os créditos todos e o primeiro emprego que tive na universidade foi naquela que hoje é a Unesp, em Presidente Prudente. Então, eu continuava trabalhando o dia inteiro na sede do vocacional em São Paulo e viajava para lá. Bem, daí eu me interessei em fazer uma tese, aquela ideia que lhes contei no início ficou: o que estes alunos do vocacional da cidade de Americana com os que eu trabalhei acharam daquilo [refere-se à experiência vivida pelos alunos no vocacional]. É uma espécie de avaliação institucional a partir da voz do aluno. Acontece que a minha orientadora de doutorado tinha vinte orientandos [refere-se à Dra. Amélia Domingues de Castro]. Os doutorados na USP estavam represados, e naquele ano havia seiscentas teses a serem orientadas para serem defendidas na USP. De matemática à medicina, de biologia à engenharia de materiais, tudo, seiscentas. A minha orientadora tinha vinte orientandos, então, ela não tinha tempo, o mérito dela foi me deixar livre, só isso, ela não me ajudou.

Se o senhor estava praticamente sem orientação, nessas condições como realizou sua pesquisa de doutorado?

Newton Cesar Balzan: Eu não me lembro se foi ela mesmo, acho que sim, sugeriu que eu entrasse em contato com duas moças que estavam fazendo doutorado em sociologia com a doutora Aparecida Joly Gouveia12, um nome famoso no Brasil. Então, eram alunas, mas disseram que elas podiam me orientar sobre a pesquisa com ex-alunos. Bom, foi uma desgraça. Por quê? Porque elas estavam apaixonadas por um novo método de pesquisa, meramente e profundamente estatístico, chamava-se análise fatorial. [...] Era aquela época que ciência, vale como ciência, não isso que vocês estão propondo e nem o que eu faço agora [refere-se à pesquisa com maior enfoque qualitativo]. Na ciência, você não põe a mão, você não se envolve, tudo é asséptico [faz gesto com as mãos], você não se envolve. Então, eu não podia dizer nada, quem dizia eram eles [os dados], eu não. Meramente positivista e eu não tinha esta ideia, mas as duas moças me orientaram e disseram que a melhor forma de fazer um trabalho científico era pegar todas as respostas dos cento e dezoito alunos e rodar em um processo estatístico chamado de análise fatorial.

Qual foi o título da sua tese?

Newton Cesar Balzan: A minha tese, seu nome foi “Atitudes e Opiniões de Ex-Alunos”, ou seja, eu medi atitude e atitude você mede, realmente, através deste processo todo “louco”. Só que das cento e oitenta e uma páginas do meu doutorado, eu acho que cem é puramente estatística. Daí eu cheguei em uma conclusão, no mundo inteiro quem quiser fazer uma avaliação sobre estudos sociais, consulte esta tese que construo uma escala de atitude, eu construí uma escala de atitude. Me perguntem se alguém leu esta tese ou a publicou? Eu acho que raramente. Alguns me telefonaram e, sim, científica, espetacular, ciência, só que positivista. Não faria nunca mais isso.

Como foi o dia da defesa da sua tese?

Newton Cesar Balzan: A banca, um deles era professor da USP e nunca tinha visto aquilo. Aquela época era de furar cartão, lembram? A gente furava cartões e ele me pediu os cartões emprestados para treinar, pois ele nunca tinha visto isso. O outro da banca, também não tinha visto, a orientadora também não conhecia. Só um que conhecia, mas ele disse: que besteira, você tinha tanto trabalho para fazer sobre o Vocacional no Brasil, sociológico, a sociologia desses alunos e você foi fazer um trabalho deste? Puramente matemático. Então, não serviu para nada e sinto muito, eu falei que ia decepcionar vocês, não fiz um curso que “prestou” em pós-graduação. Quando terminou meu curso de pós-graduação, o mestrado com o doutorado juntos, não houve uma solenidade, não houve nada, nada e nada. Acabou e cada um foi para um lado. Voltando para cá então, penso que respondi as perguntas de vocês e se for o caso posso voltar e responder a cada uma delas [risos].

O senhor sempre quis ser professor universitário, fazer mestrado e doutorado?

Newton Cesar Balzan: O meu ideal na vida, naquele tempo era ser um bom professor de ginásio. Naquele tempo, era dividido entre primário, ginásio e colegial. Colegial hoje é o ensino médio, um nome péssimo, eu acho horrível este nome ensino médio. O colegial era dividido em científico, clássico e normal. Científico voltado para as ciências biológicas e exatas - é o que eu fiz -, clássico era humanas e estudavam grego, latim e história. O normal preparava professores para o ensino primário. O pessoal da época dizia que era escola espera marido, que as moças faziam o curso espera marido. Os mais pobres e os que não gostavam de estudar faziam o curso técnico de contabilidade, chamava contador na época e hoje o contador é ensino superior. Bem, então, o meu ideal na vida, eu nunca pensava em ser professor do ensino superior, eu pensava em ser professor, um bom professor do ginásio, do colégio e, modéstia à parte, eu consegui. Então, prestei depois de formado, antes de fazer este mestrado, um concurso duríssimo. Imaginem um concurso duríssimo, o doutor Cleiton [refere-se ao Dr. Cleiton de Oliveira que foi seu orientando no mestrado e doutorado] deve lembrar bem, duríssimo para você ingressar no ensino público. Nós éramos cento e cinquenta e seis candidatos - é fácil guardar o número - na primeira prova caíram fora 100, na segunda prova caíram mais 28, sobraram 28, eu fiquei em quarto lugar, escolhi a melhor escola que era em uma cidade no interior do estado que chamava Bariri. Na época em que eu ingressei, neste concurso duríssimo, eu tinha vinte e sete anos, vinte e seis para vinte e sete. [...]. Bom, então, para fechar a minha conversa com vocês, depois a gente pode voltar e responder a cada uma das questões que me foram feitas. Sinto decepcioná-los, mas o meu curso de doutorado, foi uma “droga”, nunca fiz nada com a tese, não me serviu para nada. A tese, eu fui mal orientado, foi mal orientada. Então, ao invés de trabalhar pondo a mão na massa, eu trabalhei com o método asséptico [faz gesto de afastamento com as mãos], ou seja, eu não posso pôr a mão no objeto de estudo, o objeto está lá. Quem falou na minha tese foi a estatística, eu não pude falar nada. No capítulo final, falo alguma coisa minha, mas na hora da revisão do português eu peguei um aluno da USP e ele disse: Ah, professor! Este final aqui está bom, mas não tem nada a ver com a tese. Então, uma tese de cento e oitenta e uma página, cem páginas pelo menos de estatística [gesto com a mão de desaprovação]. Mas terminando eu fui muito feliz como professor secundário, muito feliz. Depois eu trabalhei na USP e na PUC-São Paulo ao mesmo tempo. Detestei a USP, odiei. Amei quando eu fui aluno da filosofia, daquele prédio, do pessoal de esquerda, foi muito bom! Mas, o trabalho na USP, na Faculdade de Educação - eram um bando de retardados. Os meus colegas da USP estavam na idade média. Era um pessoal atrasadíssimo. Os professores do ginásio vocacional eram brilhantes e o pessoal da USP era um horror. Olha! Eu só fiquei feliz de novo quando eu disse tchau e vim para Unicamp.

Como foi sua trajetória na Unicamp e na PUC-Campinas?

Newton Cesar Balzan: Eu fiquei na Unicamp e daí eu fiz pós-doutorado nos Estados Unidos, dois anos e meio, primeiro na universidade de Boston e depois em Harvard. Eu fui com bolsa da Capes para fazer obrigatoriamente na Boston University, mas sem avisar a Capes eu mudei para Harvard e fiz em Harvard. Eu voltei para Unicamp e depois vim para a PUC-Campinas onde fundei, ajudei a fundar o programa de mestrado em educação da PUC-Campinas e nos últimos anos eu trabalhei como assessor da pró-reitoria de graduação, no fim de 2014 eu me desliguei também. E a última tese de doutorado da USP e da Unicamp eu terminei ano passado e dei tchau também. Estão me convidando para voltar para Unicamp como professor colaborador voluntário, sem ganhar um tostão. Eu fui muito feliz, muito feliz!

O senhor já formou vários mestres e doutores, temos aqui presente um que o senhor formou [ao professor Cleiton de Oliveira]. Como tem conduzido este processo de formação de mestres e doutores?

Newton Cesar Balzan: Eu ministrei várias disciplinas, mas no meio de cada disciplina minha no mestrado e doutorado, eu colocava um trabalho, qualquer que fosse a disciplina, eu chamava assim: pesquisa de curta duração. O aluno fazia uma pesquisa e ele tinha que planejar a pesquisa, executar a pesquisa, escrever os resultados e apresentar. Eu corrigia e devolvia o trabalho para ele. Ou seja, eu chamava de pesquisa de curta duração porque era uma pesquisa empírica feita entre março e maio. Isto foi um ponto que eu acho que foi muito importante para os meus alunos. Eu tenho ex-orientandos no norte do país, eu trabalhei também na universidade da Amazônia, no Pará. Uma única da turma do mestrado lá da Amazônia fez doutorado comigo, na verdade dois [fizeram doutorado], o outro fez com um amigo meu, excelentes [alunos]. Do doutor Cleiton eu não preciso falar, vocês vão ver quanta, quanta gente ele formou, quanta gente, muitas. Na Unicamp também [formei] vários doutores e em vários estados do Brasil, alguns eu não vi mais. Ah! Uma ex-orientanda minha vocês conhecem por nome, produziu demais, é a Maria Isabel da Cunha, Mabel.

Valdemar Sguissardi - Você foi orientador da Mabel? Parabéns!

Newton Cesar Balzan: É. A tese dela foi sobre a prática pedagógica do bom professor ou o bom professor e sua prática. Muito Bom. Ela naquele tempo estudava em Pelotas e depois ela passou para o Rio Grande do Sul e trabalha na Unisinos [Universidade do Vale do Rio dos Sinos]. É um dos nomes mais conhecidos do Brasil hoje.

Valdemar Sguissardi: No ano passado, ela ganhou um prêmio como pesquisadora do Rio Grande do Sul.

Newton Cesar Balzan: A outra é a Maria da Gloria Pimentel, Glorinha. A Glorinha é um caso interessante [sorri], ela foi minha superior nesta escola vocacional, ela era orientadora educacional. Então, eu bem mais novo que ela, ela tinha sessenta e três anos, por aí. Inteligentíssima. Foi na PUC-São Paulo. A turma pegava no pé dela para ela fazer mestrado e eu, na Unicamp, estava desenvolvendo uma pesquisa, eu estava amando minha pesquisa que era o seguinte, todo ano eu aplicava um questionário junto a alunos da Unicamp que estavam saindo. Alunos da engenharia elétrica, pedagogia, medicina, matemática e tudo, engenharia de alimentos. Eu fazia uma avaliação dos cursos da Unicamp a partir da voz dos alunos. Era o que eu gostaria de ter feito no doutorado. O que eu gostaria de ter feito no doutorado eu estava fazendo na Unicamp. Então, eu estava fazendo isso e me telefonaram de São Paulo, o Antonio Carlos Ronca13 do Conselho Nacional de Educação que foi reitor da PUC-SP, ele falou: Newton você não quer pegar a Glorinha, nós estamos dando um safanão nela aqui em São Paulo para ela retomar os estudos. Eu falei: Vou! [...]. Quando ela apresentou o mestrado dela estava presente o reitor da PUC-SP, o Joel Martins14. O Joel Martins eu considero o maior gênio do Brasil em psicologia da educação. Estava o Joel Martins e mais três ou quatro pesquisadores e eu sentado ali. Eles pegaram a tese dela de mestrado e disseram: Glorinha, isso não é uma dissertação de mestrado, é uma tese de doutorado, quase um doutorado e um pouquinho mais que você trabalhar nisto fica um doutorado [Glorinha]. Não. Não quero. Para que eu quero um doutorado, eu já vou fazer sessenta e cinco. Eu disse: Mas, vai fazer sessenta e cinco doutora ou sessenta e cinco sem ser doutora? Ela topou e continuou um pouco mais e deu uma tese brilhante. Leiam, leiam. Chama-se “O professor em construção”. Ela trabalha bem, faz vinte anos que defendeu, mas é bem atual ainda. O que vale é a metodologia que ela usou, análise de discurso. Ou seja, ouve o sujeito e o que ele disse e o que ele não disse. Maravilhoso.

Finalizando, o que nos diz sobre o que é ser um bom orientador.

Newton Cesar Balzan: Orientador bom vai devolver a tese para vocês, dez, doze vezes. Teve um caso que eu devolvi treze vezes a redação, treze, para acertar e não funcionou. Então, é muito difícil. E como falei no começo e agora para terminar, parabéns por reunir a turma e quem dera acontecer isso durante todo o curso para vocês terem uma integração [se direciona ao professor Calderón]. Se eu falei muito, me desculpem [palmas].

Referências

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BALZAN, Newton Cesar; WANDERCIL, Marco. Formando médicos: a qualidade em questão. Avaliação, Campinas; Sorocaba, v. 24, n. 3, p. 744-765, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/aval/a/hVdg7JfySM8XWSBSBsJ338g/abstract/?lang=pt . Acesso em: 20 set. 2021. [ Links ]

BALZAN, Newton Cesar. E-mail enviado a Marco Wandercil [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <marcowandercil@puc-campinas.edu.br > em: 08 maio 2019 [ Links ]

BALZAN, Newton Cesar. Newton Cesar Balzan Plataforma Lattes, 2011. Disponível em: Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do . Acesso em: 20 set. 2021. [ Links ]

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1 Fala do Prof. Dr. Newton Balzan ao professor Dr. Marco Wandercil, PUC-Campinas, Brasil, em 2004

2Fala do Prof. Dr. Newton Balzan ao professor Dr. Adolfo Ignacio Calderón, PUC-Campinas, Brasil, em novembro ou dezembro de 2010.

3Fala do Prof. Dr. Newton Balzan à Profa. Dra. Stela Maria Meneghel, Unicamp, em junho ou julho de 1990.

4Banca de defesa em nível de doutorado de Joyce Wassem, com a tese intitulada “A excelência nos programas de pós-graduação em educação: visão de coordenadores”, realizada na Unicamp em 2014.

5Fala do Prof. Dr. Newton Balzan ao Prof. Dr. Marco Wandercil, PUC-Campinas, em 2019.

6Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

7Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

8Proeminente cientista social e pensadora brasileira(1926 - 2009). Durante a ditadura militar brasileira, foi uma das docentes da USP obrigada a se aposentar por suas atividades acadêmicas e sociais. É considerada pelo CNPq uma das pioneiras da ciência no Brasil.

9Universidade de São Paulo.

10Professor aposentado da Faculdade de Educação da USP

11Professor de Filosofia e Ciências da Educação e Doutor em Ciências Pedagógicas pela Universidade Livre de Bruxelas (+1923-2001).

12Socióloga, educadora e pesquisadora brasileira. Referência em estudos da educação (+1919-1998).

13Pedagogo e Filósofo, Mestre e Doutor em Psicologia. Reitor da PUC-SP de 1993 a 2004.

14Bacharel e Licenciado, em Pedagogia e em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Mestre e doutor em Psicologia da Educação.

Recebido: 27 de Setembro de 2021; Aceito: 07 de Outubro de 2021

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