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Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

versão impressa ISSN 1414-4077versão On-line ISSN 1982-5765

Avaliação (Campinas) vol.27 no.2 Sorocaba maio/ago 2022

https://doi.org/10.1590/s1414-40772022000200001 

Editorial

Editorial - Rumo à educação superior inclusiva, de qualidade e socialmente referenciada

Towards inclusive, quality and socially referenced higher education

1Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. milenaps@unicamp.br.


No atual contexto, a educação inclusiva, de excelência e socialmente referenciada se faz ainda mais presente como base para formação de todos os sujeitos de direitos humanos, indispensáveis para a promoção da dignidade humana, da recuperação da economia, dos empregos e da renda, etc. A vivência da cidadania e da democracia social, econômica e cultural está intrinsecamente conectada à garantia de direitos, sendo que um deles é o que movimenta essa revista: a garantia à educação, por meio do acesso e permanência às escolas e às universidades.

Neste sentido, este editorial e os artigos publicados buscam contribuir para com a reafirmação da educação enquanto direito, assim como buscam aportar elementos conceituais, metodológicos e empíricos que nos permitam compreender melhor os fenômenos que circunscrevem a educação superior e gerar melhorias, tanto do ponto de vista analítico quanto prático. Essa reafirmação da educação enquanto um direito constitucional pode ser visualizado nos artigos que compõem esse volume.

O artigo "Expansão e qualidade do ensino: Um balanço das metas 12, 13 e 14 do Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024" analisa a evolução de algumas das metas do Plano nacional de Educação e nos localiza quanto aos esforços necessários para o cumprimento delas até 2024. Apesar da análise compreender o período de 2012 a 2018, a partir dos dados do Censo da Educação Superior do Inep, Pnad/IBGE e PnadC 2016 e 2018, os resultados refletem a conjuntura nacional atual e indicam que as metas 13 e 14, voltadas à pós-graduação, estão parcialmente cumpridas. Por sua vez, a meta 12 (objetivo de elevar a taxa bruta de matrículas na Educação superior), que já em 2018/2019 se mostrava longe de ser cumprida em 2024, agora - em cenário pandêmico e de crise econômica - se torna ainda distante. Embora o artigo aponte um certo crescimento nos últimos anos, ela está longe de ser alcançada, sobretudo em termos das taxas líquida e bruta de matrículas, assim como no tocante à expansão das matrículas no segmento público.

O cenário de crise sanitária e econômico-política, no qual o Brasil foi acometido nos últimos anos, afasta ainda mais o país de alcançar as metas do PNE, mas também das metas pactuadas na Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Não obstante a desaceleração econômica, devido à crise sanitária, políticas econômicas de austeridade vêm sendo implementadas pelo atual Governo, que nos últimos anos empreendeu esforços sistemáticos com cortes orçamentários destinados à Educação e à Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) (SERAFIM; DIAS; ETULAIN, 2021).

Neste sentido, além de impactar negativamente na manutenção e expansão da pós-graduação e da pesquisa básica e tecnológica, a falta de investimento e custeio nas Instituições públicas de Ensino Superior leva com que haja a deterioração do ensino superior, no que tange a quatro aspectos: a) evasão estudantil; b) diminuição de recursos às políticas institucionais de acesso e permanência estudantil; c) diminuição de recursos às políticas de mobilidade internacional (estudantil e de docentes); d) deterioração das relações humanas e profissionais, com o aumento de conflitos e tipos de violência simbólica nas instituições.

O primeiro se refere à crescente taxa de evasão tanto no ensino superior público quanto no privado. O artigo "Evasão no Ensino Superior Público do Brasil: estudo de casa da Universidade de São Paulo (USP)" apresenta contribuições interessantes para a compreensão do fenômeno da evasão, a partir de revisão sistematizada da literatura, bem como busca entender a situação acadêmica e o significado das experiências de evasão na perspectiva de estudantes da USP no período 2010-2020. O trabalho apresenta algumas medidas de intervenção que buscam minimizar e combater a evasão. Uma das estratégias é desenvolver uma política institucional de acesso e permanência acadêmica.

Em momentos de crise e de austeridade econômica-orçamentária, o segundo aspecto impactado se refere exatamente à diminuição de políticas que visam minimizar a evasão, como é o caso das políticas de permanência estudantil. Neste sentido, apesar do artigo relatar a experiência da UFOB, o artigo "Acesso e permanência na educação superior como direito: sobre os impactos das políticas de assistência estudantil e ações afirmativas na UFOB" reafirma o papel das políticas de assistência estudantil e de ações afirmativas para o acesso e a permanência de estudantes de camadas populares ao ensino superior, na perspectiva dos direitos humanos, e localiza a importância das políticas de assistência estudantil e de ações afirmativas da UFOB, articulando-as à criação de ambientes acadêmicos inclusivos, com autonomia, diversidade, solidariedade, respeito e igualdade de condições de aprendizagem.

O terceiro aspecto se refere à mobilidade internacional e a internacionalização do ensino superior. O ambiente universitário se faz a partir da diversidade e da pluralidade de visões e de pessoas de contextos diversos, e de intercâmbio de conhecimentos e práticas. Políticas de mobilidade e de intercâmbio, seja incoming e outgoing, promovem consolidação, expansão e internacionalização da ciência, da inovação técnico-científica, mas também favorecem práticas compartilhadas de ensino e de formação acadêmica. Para todos os envolvidos, abre-se a oportunidade de formar redes de colaboração de pesquisa e trocas de conhecimento científico, além de conhecer novas culturas, sistemas e organizações políticas e sociais. As contribuições dos artigos "Um estudo da mobilidade acadêmica internacional em cursos de graduação da Universidade Federal de São Carlos no âmbito dos programas AUGM, Bracol, Bramex e Acordos bilaterais de cooperação" e "Internacionalização do Ensino Superior e Cooperação Educacional: o caso do PEC-G na voz dos estudantes" vão ao encontro desses pontos.

O primeiro trabalho mostra que atividades associadas à internacionalização vão muito além da mobilidade transfronteiriça de estudantes, pois engloba também o desenvolvimento curricular, a cooperação internacional, o desenvolvimento de pessoas, etc. Ao avaliar a mobilidade acadêmica internacional em cursos de graduação da Universidade Federal de São Carlos, no período de 2016 a 2019, o trabalho apresenta resultados interessantes, e vários desafios que são comuns a outras IES também. Por sua vez, o artigo "Internacionalização do Ensino Superior e Cooperação Educacional: o caso do PEC-G na voz dos estudantes" trata da cooperação educacional do Brasil com o Sul-Global (iniciada na década de 1960), por meio do Programa Estudantes - Convênio de Graduação (PEC-G) do Ministério das Relações Exteriores (MRE). O trabalho analisou a vivência de estudantes de 10 países, os quais relataram dificuldades no que se refere a preconceito e racismo vivenciados nas instituições brasileiras, mas também apontaram que a experiência de se graduar em universidades brasileiras é expressamente positiva.

O último aspecto que merece destaque é a deterioração das relações humanas e profissionais, com o aumento de conflitos e tipos de violência simbólica nas instituições, em especial quando há escassez de recursos. A partir deste diagnóstico, de que as relações estão circunscritas em ambientes - que espelham a governamentalidade neoliberal - cada vez mais polarizados e beligerantes, o artigo "Arquivos da violência escolar e suas mediações na linguagem" propõe que haja a institucionalização de práticas dialógicas informadas como contraponto e prevenção à violência. Tomando como base as mediações dialogadas e propositivas, espera-se que a convivência entre educando e educador, podendo estender-se também entre docente e servidor administrativo, pautar-se-á em uma linguagem comum, capaz de criar novas formas de relacionamento.

Melhorar esses aspectos são elementos fundamentais, mas não suficientes. Antes de tudo, é necessário que haja uma elevada injeção de recursos públicos à educação e à ciência, reconhecendo-as e valorizando-as como um dos motores do desenvolvimento civilizatório (DIAS SOBRINHO; DIAS; SERAFIM, 2018). Paralelamente à ampliação do gasto público com educação e CTI, faz-se importante o aprimoramento do sistema de avaliação da Educação Superior. Muitos são os desafios concernentes aos processos regulatórios e avaliativos no âmbito da educação, ao passo que vários modelos e critérios foram experimentados nas últimas décadas.

Apesar das críticas, o desenho do Sinaes avançou em relação ao modelo anterior. Contudo, há espaço para avanços do ponto de vista de atos normativos e desenhos mais inclusivos de regulação e avaliação, sendo que alguns podem ser vistos nos aportes de dois artigos. Enquanto o artigo "Estudo descritivo sobre o sistema de avaliação de cursos de educação superior em Portugal" apresenta um estudo que teve como objetivo analisar a avaliação de cursos do ensino superior em Portugal, pontuando preocupações quanto à homogeneização curricular decorrente do Processo de Bolonha, o artigo "Foco nas políticas de Avaliação, na regulação e na supervisão dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia a partir de atos normativos" analisa o contexto brasileiro, a partir da criação do Sinaes, em particular os atos normativos dos Institutos Federais (IFs) no que se refere à sua avaliação e regulação. Ambos os trabalhos possuem contribuições que nos permitem enxergar pontos de melhoria no sistema de avaliação, em especial no que se refere a contemplar as especificidades acadêmicas, administrativas e organizacionais de Instituições de Ensino Superior em instrumentos e políticas avaliativas e regulatórias. A principal contribuição dos trabalhos é de que o uso de instrumentos rígidos de avaliação leva a uma certa homogeneização das instituições e de suas práticas, que podem ser refratárias à lógica de uma educação inclusiva e socialmente referenciada.

Do ponto de vista acadêmico, mais precisamente à produção científica e tecnológica, nos parece que devemos aproveitar também o momento disruptivo pelo qual estamos passando para repensar uma parte do trabalho docente. A inserção da lógica fordista nos espaços de produção de conhecimento, denominando esse processo de produtivismo acadêmico, propaga a ideia do "publish or perish", a qualquer custo, criando o que pode ser coloquialmente chamado de "salami science" ou até um concorrido mercado de revistas científicas, altamente custosa, as quais "seleciona" a boa pesquisa que tenha recursos para publicar. A ultra valorização de artigos científicos como a principal métrica de desempenho das atividades de pesquisa acarretou em processos de perda de significado em relação à complexa e plural atividade docente, assim como seu adoecimento mental. Nesta linha, o artigo "Produtividade científica e tecnológica dos docentes da Universidade Federal de Roraima" apresenta algumas considerações à luz da realidade da produção dos docentes de carreira de Magistério Superior da Universidade Federal de Roraima (UFRR), durante o período de 2015 a 2020.

Por fim, do ponto de vista da formação dos estudantes, é notório que os preceitos da sustentabilidade vêm se colocando de forma transversal aos conteúdos das disciplinas de diversos cursos de graduação. Isto é, independentemente da área de conhecimento, as dimensões da sustentabilidade se apresentam como uma preocupação, tanto com o conhecimento e técnicas ensinados, quanto com práticas que tenham como sustentação os valores de uma gestão responsável. O artigo "Avanços no Desenvolvimento dos Princípios para a Educação da Gestão Responsável: um estudo em Instituições Signatárias do PRME no Sul e Sudeste do Brasil" apresenta contribuições no sentido de conscientizar e auxiliar no planejamento e execução das ações dos estudantes, que um dia se tornarão gestores, no sentido de operacionalizar/incorporar os princípios da gestão responsável.

Referências

DIAS SOBRINHO, José;DIASRafael de Brito; SERAFIM, Milena Pavan. Universidade, ciência, tecnologia, degradação do ecossistema e crise civilizacional. In: BENTO, Jorge; MOREIRA, Wagner; LOUREIRO, Adriano; BAGUINHO BENTO, Helena; BOTELHO, Rafael; MARINHO, Teresa Cristina (orgs.). Cuidar da casa comum: da natureza, da vida, da humanidade. Oportunidades e responsabilidades do desporto e da educação física. Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2018. v. 1, p. 29-38. [ Links ]

SERAFIM, Milena; DIAS, Rafael; ETULAIN, Carlos Raul. Os cortes no orçamento da ciência brasileira: da fronteira sem fim ao fim da linha? Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas/Sorocaba, v. 26, n. 3, p. 654-657, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-40772021000300001 . Acesso em: 20 jun. 2022. [ Links ]

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