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Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

versão impressa ISSN 1414-4077versão On-line ISSN 1982-5765

Avaliação (Campinas) vol.27 no.2 Sorocaba maio/ago 2022

https://doi.org/10.1590/s1414-40772022000200007 

Articles

Arquivos da violência na educação e suas mediações na linguagem e na memória

Archives of violence in education and their mediations in language and memory

Amarildo Luiz Trevisan1 
http://orcid.org/0000-0002-3575-4369

1Universidade Federal de Santa Maria, Programa de Pós-Graduação em Educação, Santa Maria, RS, Brasil, amarildo1.trevisan@gmail.com


RESUMO

O artigo visa a debater a viabilidade da institucionalização de práticas dialógicas informadas como contraponto e prevenção à violência na educação. Para isso, trata das dificuldades de seus registros em arquivos e o imperativo de (re)construir mediações dialogadas e propositivas, com vistas a sua melhor compreensão e enfrentamento na convivência da relação educando e educador. O objetivo é investigar as contribuições de Benjamin, Agamben, Bernstein e Ricoeur, entre outros autores, sobre a relação entre violência, linguagem e memória. A proposta pretende adotar a perspectiva da hermenêutica reconstrutiva, complementando-se através dos estudos da Escola de Frankfurt. A abordagem enquadra-se no âmbito do objeto investigado, principalmente por levar em consideração o lugar do outro, algo negado no contexto ou na era da violência que estamos vivendo.

Palavras-chave: filosofia da educação; violência; linguagem.

ABSTRACT

The article aims to debate the feasibility of institutionalizing informed dialogical practices as a counterpoint and prevention of violence in education. For this, it deals with the difficulties of its archived records and the imperative to (re)build dialogical and purposeful mediations, with a view to their better understanding and coping in the coexistence between student and educator. The goal is to investigate the contributions of Benjamin, Agamben, Bernstein and Ricoeur, among other authors, on the relationship between violence, language and memory. The proposal aims to adopt the perspective of reconstructive hermeneutics, complementing itself through the studies of the Frankfurt School. The approach fits within the scope of the object investigated, mainly because it takes into account the place of the other, something that is denied in the context or in the era of violence that we are experiencing.

Keywords: philosophy of education; violence; language.

1 Introdução

“Na realidade, pode ser que, precisamente porque alguém é formado através da violência, a responsabilidade de não repetir a violência da formação é ainda mais urgente e importante” (BUTLER, 2015, p. 236).

O objetivo do texto está ligado ao desenvolvimento de um projeto de pesquisa sobre a violência e as dificuldades encontradas, bem como os desafios dos seus enquadramentos na memória escolar. O projeto se originou pela crescente demanda trazida pelos educadores sobre o tema da violência nas escolas e seu entorno, temática que vem ganhando cada vez mais visibilidade e atenção da parte dos profissionais que atuam nas escolas, bem como dos teóricos de diferentes áreas que estudam a questão.1

No transcorrer das investigações a dificuldade maior foi acessar arquivos sobre a violência escolar. Nos levantamentos que fizemos em escolas públicas da cidade de Santa Maria/RS/Brasil, a impressão é de que eram ocultados os informes para se resguardar, com receio de que fossem publicados de forma incorreta, vindo, portanto, a prejudicar a imagem dos que trabalham no ambiente.2 Às perguntas que formulamos no questionário “Como a escola posiciona-se em relação a casos de violência?” e “Existem dados da escola com relação a este assunto?”, não raro recebiam, como resposta, que os casos mais graves eram registrados em atas. Algumas escolas relataram ter conversado com os envolvidos, feito reuniões com os pais e círculos restaurativos, porém admitiram que não têm pessoal suficiente. Acreditamos que tais atitudes devem ser lidas no contexto autoritário e legalista do estado em que vivemos, especialmente no Brasil, uma vez que os docentes não estão seguros da importância/ necessidade dos registros e temem por sua integridade pessoal e social.

Encontramos junto ao governo do estado do Rio Grande do Sul um programa que trabalha com levantamentos de dados sobre o assunto junto às escolas, o Programa CIPAVE - Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar. O CIPAVE atua em parceria com as demais secretarias de governo e busca orientar a comunidade escolar sobre as mais diversas situações que podem ocorrer nas escolas nesse sentido, procurando trabalhar na prevenção dessas ocorrências. Porém, apesar das iniciativas tomadas, não conseguimos autorização para acessar esses arquivos, tendo recebido tal assertiva como resposta: “Nós, do CIPAVE, temos a orientação de não fornecer os dados de nossos mapeamentos, eles são para controle da SEDUC e não podem ser divulgados”. Nos contatos subsequentes com autoridades do setor e com a SEDUC - Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, os quais fizemos logo após o recebimento da mensagem, fomos informados de que os subsídios não estavam sendo divulgados porque eles não eram confiáveis, eram informações que não representavam a realidade escolar. As estatísticas levantadas eram falhas e nem todas as escolas preenchiam as planilhas corretamente. E que a metodologia está sendo aprimorada com a participação de pesquisadores do IFRS (Instituto Federal do Rio Grande do Sul) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Na esfera do governo federal, em visita ao Ministério da Educação (MEC) e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em Brasília-DF, tivemos mais facilidade para acessar elementos específicos sobre essas ocorrências. Recebemos um pen drive com inúmeros indicadores coletados no recente Censo Escolar, os quais vêm entremeados com outros itens sobre o fluxo e evasão escolar, promoção e repetência, migração para o EJA (Educação de Jovens e Adultos), etc. Entre esses dados, tivemos acesso aos levantamentos, realizados em 2015, através da Prova Brasil, sobre casos de violência observados na convivência entre educadores e estudantes cada vez mais comuns nas escolas. Segundo os levantamentos, 50% dos professores disseram ter presenciado algum tipo de agressão verbal ou física de alunos contra profissionais da escola, 30 mil declararam ter sofrido ameaças de estudantes, mas tal agressão também pode vir por parte das famílias. No entanto, há lacunas nos dados sobre índices alocados por escolas.

Tendo isso em vista, o texto se pergunta sobre a possibilidade de (re)construir elementos reflexivos para qualificar o diálogo de maneira mais efetiva, isto é, averiguando a hipótese de estabelecer relações dialógicas e propositivas ao mesmo tempo no ambiente escolar, porém informadas pelas narrativas sobre as violências ocorridas nas escolas. Consideramos pertinente no estado atual em que nos encontramos, de uma verdadeira guerra civil não declarada em nossa sociedade3, questionar se as escolas dispõem, ou poderiam dispor de subsídios reflexivos sobre as noções de violência em repositórios, reunindo narrativas sobre essas ocorrências para além das anotações das atas. Segundo a provocação de Scherer, Oliveira, Petri e Paim, “é preciso aceitar o desafio de promover o gesto de organização empírica e especializada de arquivos ainda silenciosos” (2013, p. 119).

Em termos metodológicos, a proposta pretende adotar a perspectiva da hermenêutica reconstrutiva (TREVISAN, 2000; DEVECHI; TREVISAN, 2010; 2011), em diálogo com aportes da biopolítica. Como lembra Seligmann-Silva (2009): “Quando se fala de arquivo, não se pode esquecer que a toda inscrição deve-se associar um modo de leitura e de interpretação, de outra forma teríamos um arquivo literalmente morto.” (p. 276). A abordagem hermenêutica enquadra-se no âmbito do objeto investigado, principalmente, por levar em consideração algo vivo - o lugar do outro -, um tanto negado no contexto ou estado de violência que estamos vivendo. Ela se liga à noção de arquivo, uma vez que: “A hermenêutica reconstrutiva busca ir além dos propósitos da hermenêutica tradicional, porque busca não só compreender, mas validar as ações linguísticas diante do mundo comum a todos.” (DEVECHI; TREVISAN, 2010, 154-155). A noção de arquivo aqui não advém somente do conceito técnico da arquivologia, mas, na direção teórica da hermenêutica, enquanto documento pertinente a provocar uma questão teórica. A hermenêutica se caracteriza como um tipo de abordagem que se circunscreve dentro da comunicação não violenta, posto que tem como base de interpretação o bem falar e o escutar e, para isso, é fundamental o trabalho com a memória. A hermenêutica contemporânea, ou pós-metafísica, se caracteriza como um tipo de abordagem que busca superar o essencialismo, seja da substância ou da consciência, procurando “localizar o silenciamento arbitrário que detém a voz e as razões do outro, que é o germe característico do que conhecemos como ‘violência’” (PAZ, 2005, p. 563). A escuta hermenêutica é ativa, pois passa pelo estabelecimento das relações entre sujeito e memória, retirando os arquivos do seu silenciamento.

Por isso, neste texto pretendemos qualificar a reflexão dialógica da prática pedagógica de educadores das redes de ensino, no sentido de problematizar o significado da formação em tempos de exceção normalizadora e de incisiva presença da violência nas escolas. Além disso, visa discutir a respeito das limitações do sistema em gerar e dispor de dados mais específicos sobre a violência, em forma de arquivo nas escolas, e seus desafios de enquadramento na filosofia da educação.

Procuraremos assim tecer cruzamentos entre as noções de violência e linguagem em sua relação com a memória (arquivo) com base em Ricoeur (1995), Bernstein (2015), Agamben (2002; 2007; 2010) e Benjamin (2012; 2013), Seligmann-Silva (2008; 2009; 2014), Scherer, Oliveira e Petri (2013); Roudinesco (2006) e Oelsner (2009). Em relação as implicações da violência com a escola, abordaremos Charlot (2002; 2006), Ratusniak (2012), Pedroso (2019) e Santos, Pereira e Rodrigues (2013). Partiremos, num primeiro momento, da problematização sobre o silenciamento das escolas a respeito dos arquivos da violência. A seguir, essa tensão será discutida a partir da ideia de arquivo como testemunho histórico da barbárie. Por fim, faremos algumas sugestões com o intuito de propor uma correção hermenêutica no rumo das práticas pedagógicas quanto ao tratamento das noções de arquivo da memória sobre a violência.

As indagações que procuraremos responder são: por que ainda hoje se faz silêncio sobre os arquivos da violência na escola? Quais os efeitos que a ocultação e o silenciamento dos arquivos e da memória sobre a violência trazem para o pensamento e para a autocompreensão da educação? E quais os modos de operar uma saída deste curto-circuito hermenêutico? Afinal, urge retirar a memória da violência dos seus enquadramentos estabelecidos, algo que ainda está preso, em nossa visão, a uma concepção da “violência mítica” do processo laboral, conforme veremos a seguir.

2 Contrapontos à violência na educação: é possível sair do silenciamento?

Os estudos sobre a violência na educação têm mais vigor e debates em outras áreas, tais como a psicologia, referindo-se ao comportamento humano e seus processos mentais, e a sociologia, no que se refere à conduta humana em função do meio e os processos que interligam os indivíduos em grupos, associações e instituições sociais. Aquino (1998) referenda essa questão, apontando a existência dessas duas abordagens, predominantes no campo da educação, do seguinte modo: “uma de cunho nitidamente sociologizante, e outra de matiz mais clínico-psicologizante” (p. 8). Em geral, os estudos têm historicamente transcendido a relação da violência contra os alunos para abordar as violências plurais: aluno contra aluno, aluno contra professor e vice-versa, e ainda o vandalismo e a violência institucional (SANTOS; PEREIRA; RODRIGUES, 2013).

Na filosofia contemporânea há uma rica literatura sobre a questão da violência, haja vista as produções: Sobre a violência (2014), de Hannah Arendt; Violência (2014), de Slavoj Žižek; Violencia: pensar sin barandillas (2015), de Richard Bernstein; Para a crítica da violência, de Walter Benjamin; Relatar a si mesmo: crítica da violência ética (2017), de Judith Butler, entre outras. Na relação filosofia e educação emergiu recentemente um diálogo mais incisivo sobre a violência e suas manifestações, geralmente associado a termos como barbárie, biopolítica, poder, cuidado de si, ideologia, entre outros. No entanto, é raro encontrar trabalhos que se deparam nesse campo com aquilo que Bernard Charlot chama de a situação do professor real: “É essa a condição real do professor no Brasil, e, se queremos mudar a educação no Brasil, é preciso sempre pensar nesse profissional real, e não no professor santo ou militante” (2006, p. 11).

O artigo procura problematizar essas questões por intermédio do desafio de repensar a tensão entre linguagem, memória e violência para ressignificar os saberes e práticas da docência. Por isso, perguntamos: como a educação tem se posicionado, nos últimos tempos, a respeito da questão dos arquivos da violência no processo de ensino e aprendizagem? Para o enfrentamento dessas ocorrências, as direções consultadas na pesquisa que desenvolvemos informaram, via entrevistas nas escolas, que têm atuado dentro das suas limitações de pessoal, legais e orçamentárias, buscando construir redes de apoio em parcerias com universidades e empresas, estabelecendo diálogo em rodas de conversa, ou círculos restaurativos, registros em ata, procurando auxílio à coordenadoria ou secretaria de educação, ou ao conselho tutelar, mas em geral dados formais nesse sentido as escolas não possuem ou apresentam. É buscado sempre o plausível, pois para colocar em prática os círculos restaurativos, por exemplo, haveria necessidade de um mediador capacitado, para que todos tivessem a oportunidade de falar e ouvir com a colocação de questões norteadoras de acordo com a problemática enfrentada. Mas as escolas não dispõem desse profissional especializado muitas vezes, sem contar a falta de protocolo de ação do SOE (Serviço de Orientação Educacional), coordenadores, psicólogos, etc., enquanto sobra ameaça da política de punição do estado autoritário. Por isso acabam agindo empiricamente, não raro pactuando com a política da repressão, que leva à punição dos envolvidos, ou, em casos mais extremos, à suspensão.

Porém, o silêncio dos indicadores sobre a questão da violência na/da educação com que nos deparamos na pesquisa contrasta visivelmente com o contexto atual, uma vez que, seja na televisão, internet, telefones celulares, ou qualquer artefato que nos liga às tecnologias de informação e comunicação, não podemos fugir de contemplar cenas de violência, inclusive ocorridas em escolas. Na verdade, todo o contexto criado a partir da Primeira Grande Guerra mundial é marcado pelo “fracasso da formação humanística diante da barbárie” (STEINER, 1990, p. 17). A violência está onipresente em nosso cotidiano, pois estamos o tempo todo em contato com as mais diversas mídias, seja mídia visual ou auditiva. Certamente é por esse motivo que Richard Bernstein abre seu famoso livro Violencia: pensar sin barandillas dizendo: “Vivemos um tempo atormentado de escritos, discursos, e especialmente, imagens sobre a violência.” Diante desse cenário, esse diagnóstico é que lhe parece o mais adequado: “nossa época poderia muito bem ser chamada de era da violência porque as representações reais ou imaginárias da violência, que não poucas vezes se difundem e se confundem, são iniludíveis”. Pensar sem os apoios (barandillas) do nihilismo e do fundacionalismo é o de que precisamos para enfrentar, ainda segundo Bernstein, o contexto de exceção violento que nos deparamos atualmente. Termina por afirmar que, “sem dúvida, esse excesso de imagens e discursos sobre a violência embrutece e até inibe o pensamento” (2015, p. 28).

Na contramão desse excesso de violência e de embrutecimento do pensamento, de que fala o filósofo norte-americano, buscamos neste artigo a possibilidade da troca de conhecimentos e de saberes, no diálogo mais próximo e profícuo sobre este tema que está interferindo de maneira direta na vida escolar, repensando-o em conexão com a dimensão da linguagem e da memória. Quando a criança está sujeita a abusos ou maus-tratos, como preconceitos de gênero, de religião, opção sexual, racismos, ciberbullying, intolerâncias ou crimes de ódio, não vai ter um desempenho correto em outras áreas, como a aprendizagem cognitiva. O equacionamento de situações como estas pode contribuir para a diminuição dos índices apresentados no Relatório da Situação Global sobre Violência Escolar e Bullying da Unesco, de 2015, que mede o percentual de alunos em escolas secundárias em que se relatou que o bullying impediu o seu aprendizado. Nesse relatório, o Brasil se encontra em 19º lugar entre todos os países do mundo com maior incidência. E também, para dirimir situações como as apresentadas no relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação), de 2018, o qual aponta que o clima emocional das escolas brasileiras não é dos melhores, estando bem acima da média mundial em indisciplina, solidão e bullying, e que isso está contribuindo para que o país não consiga transcender os índices de atraso histórico de aprendizagem de leitura, Matemática e Ciência (OLIVEIRA, 2018). Daí a importância de conceber a escola como uma instituição em que se institui também a memória da violência e o seu legado histórico, pois as crianças e jovens não podem estar submetidas a atitudes ou discursos de discriminação e ódio de qualquer espécie, justamente num ambiente onde se formam valores caros à cidadania e à vida democrática.

Sabemos que o direito já dispõe, no Brasil, da Justiça de Transição como reação crítica ao silêncio e esquecimento impostos pelo regime autoritário. Ela busca registrar e reconhecer as violências sistemáticas a grupos minoritários, dando assim visibilidade à memória, como condição de construção da verdade da história com vistas a impedir novas violações dos direitos humanos. E o que dispõe as escolas, nesse sentido? Para Saviani (2008, p. 173), a adoção de regimes de prêmios, castigos e sanções da conduta de alunos remonta à Lei nº 88, de 8 de setembro de 1892, regulamentada pelo Decreto n. 144B de 30 de dezembro do mesmo ano. Sua vigência só foi abolida plenamente com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que veda a colocação dos alunos em situações humilhantes ou opressivas, bem como, no seu artigo 18, diz ser preciso “velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL, 1990). E ainda, torna crime a expulsão do aluno indisciplinado, pois as crianças e jovens têm direito à educação. Se por um lado houve avanços na legislação que facultam abolir os castigos nas escolas, por outro abriu-se a possibilidade de pensar em novas formas de disciplinamento e padronização de condutas. Uma das saídas propostas tornou a biopolítica presente de forma mais incisiva no ambiente escolar, por intermédio dos diagnósticos de uma medicina normalizadora, através dos processos de medicamentalização. Como afirma Ratusniak (2012, p. 6), “o consumo da Ritalina (metilfenidato), droga usada no tratamento do TDAH, conhecida como ‘pílula da obediência’ aumentou de 71.000 caixas em 2000 para 1.147.000 caixas em 2008”. Ou seja, o problema do conflito com a lei não foi resolvido, mas transferido de vez para a esfera biopolítica (AGAMBEN, 2007; 2010). Mas será que não podemos ir além dos “registros convencionais” e da “medicina normalizadora” por intermédio da discussão sobre a relação entre violência, memória e linguagem? É o que tentaremos debater a seguir buscando subsídios na ideia de arquivo como depoimento histórico da barbárie.

3 O arquivo como testemunho de memória da barbárie

Walter Benjamin, para quem a vida “sem monumento e sem lembrança, mesmo sem testemunho, deveria ser inesquecida” (2013, p. 78), é considerado por Giorgio Agamben (2002; 2007; 2010) como um dos pontos de apoio mais importantes para pensar a biopolítica contemporânea. Prova disso é a recepção do seu texto “Para a crítica da violência”, que se deu mais recentemente no contexto do debate sobre a catástrofe biopolítica nazista, provocando uma reação de pensadores como o próprio Giorgio Agamben, Richard Bernstein, Axel Honneth, Slavoj Žižek, entre outros. Essa linha de discussão veio à tona, no cenário intelectual contemporâneo, por conta da interpretação de Jacques Derrida em seu livro Força de lei, quando tenta a aproximar a concepção da “violência divina”, de Benjamin, do que viria a ser conhecido depois como a “solução final”, proposta pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. É nesse contexto que, em vários momentos de sua obra, Benjamin oferece subsídios para uma crítica filosófica da memória da violência, considerando a sua crítica à ideia de progresso que perpassa o seu trabalho, como as teses sobre o conceito de história, que leva as pessoas a viverem, em nome da civilização, uma “mera vida”, ou uma vida desqualificada.4

A Escola de Frankfurt, na qual Walter Benjamin é um dos expoentes mais controversos, promoveu uma crítica dialética ao Esclarecimento ou Iluminismo, procurando mostrar o quanto o discurso progressista que preconizava a liberdade, autonomia e emancipação para indivíduos e povos se tornou refém de uma nova heteronomia, a barbárie. A barbárie é um conceito caro à tradição da Escola de Frankfurt, ao indicar condições subjetivas e objetivas para a sua ocorrência, na medida em que a violência é constitutiva do processo social. Para reverter a violência e a barbárie, seus integrantes apostaram na força da arte e da formação cultural pela via do processo educativo. Nesse sentido, fizeram uma crítica da idealização da práxis, por um lado, e da crença ingênua no progresso social e histórico por outro, demarcando as influências tanto do marxismo quanto da psicanálise na compreensão desse conceito.

Levando em consideração as catástrofes das guerras e destruição ambiental, das quais o século XX foi pródigo, Seligmann-Silva assevera: “A razão ocidental, esse constructo que levava em si um arquivo que era constantemente redesenhado e cujas origens também foram projetadas, desde o Renascimento, na Grécia antiga, foi derretida sob o calor dessas catástrofes” (2014, p. 37). Essa nova paisagem arquival põe em dúvida as identificações e categorias utilizadas até então, levando os expoentes da Escola de Frankfurt a se perguntur: a que tipo de mundo está nos levando o projeto do Esclarecimento ou Iluminismo? Vivemos tempos de evolução, autonomia e emancipação ou de barbárie, guerras, destruição ambiental e de regressão intelectual e moral da sociedade?

A crítica da crença ingênua no progresso encontra eco na obra de Benjamin, pois a própria ideia de cultura brota da experiência de violência e barbárie, afinal, para ele, todo monumento de cultura é, também, um monumento à barbárie. Violência, memória e linguagem são inerentes ao processo histórico e formativo, algo que não deveria ser transmitido sem um alto grau de dramaticidade. Ele vai buscar na análise do drama barroco alemão essa inspiração, pois o barroco não esconde essa possibilidade de falar da cultura senão pelo viés da violência e da barbárie: “Quando se apaga a consciência da presença latente da violência numa instituição de direito, esta entra em decadência” (BENJAMIN, 2013, p. 137). Essa frase foi escrita por Benjamin pensando nas assembleias e congressos populares, que esqueceram a sua origem na violência, passando a agir em prol de práticas mercantilizadas. Mas ela pode ser estendida para a relação da escola com a violência, como veremos adiante. Mesmo os processos de estetização não ficam incólumes, pois, demonstra que o fascismo fez uso de ritos paradas militares, jogos, ginástica, discursos políticos e músicas, e por isso em seu texto A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica aponta, como resposta, a politização da arte. Segundo o testemunho de Habermas:

Sem dúvida Benjamin, como Marcuse, vê na arte de massa do fascismo, que surge com a pretensão de ser política, o perigo de uma falsa dissolução da arte autônoma. Essa arte propagandística dos nazistas liquida efetivamente a arte como uma esfera autônoma, mas atrás do véu da politização ela está a serviço, na verdade, da estetização do poder político bruto (1980, p. 175).

Compreender o que está incrustado nos produtos culturais e dar voz e vez para extrair esse sentido do seu silenciamento, conferindo visibilidade ao arquivo, é algo que potencializa o processo formativo. É assim que a “violência mítica” (BENJAMIN, 2013) é uma violência que se retroalimenta de forma cíclica e se reproduz na esfera cultural e simbólica, não apenas ocorrendo no mundo prático. A violência “da” escola é de tipo mítico, pois enlaça uma relação de poder e direito, enquanto instituição estatal, política e violência. Ela está na memória da escola pois faz parte de sua “natureza” institucional enquanto órgão a serviço do controle do Estado e não da comunidade e do seu entorno.

A memória permite à vivência “se aproximar do próprio passado soterrado”, agindo “como um homem que escava” e que vai espalhando a terra revolvendo-a de forma “tateante na terra escura” (BENJANIM, 2012, p. 245-6). Tal é o desejo de um outro arquivo e, por isso: “Ao invés da fé cega na razão e na sua capacidade de revelar a verdade, surge cada vez mais ao longo da modernidade um outro modo de pensar e de agir que desconfia dos arquivos” (SELIGMANN-SILVA, 2014, p. 37). Como a memória é necessária para que possamos enfrentar o presente e o futuro com conhecimento do passado sem nos repetir, o que hoje custa muito caro ao enfrentamento do problema da violência na educação, urge retirá-la dos enquadramentos estabelecidos. Afinal:

É na ruptura desse círculo atado magicamente nas formas míticas do direito, na destituição do direito e de todas as violências das quais ele depende, e que dependem dele em última instância, então, na destituição da violência do Estado, que se funda uma nova era histórica (BENJAMIN, 2013, p. 155).

Por isso, para Benjamin a violência não se reduz a esse aspecto de inferiorização do outro, há um tipo de violência que não se enquadra nas categorias meios-fim, mas é puro meio, ela tem um fim em si próprio: a violência divina. Essa manifestação não está presente apenas na tradição religiosa ou da Antiguidade, mas inclusive em pelo menos uma forma consagrada da vida: “o poder que se exerce na educação” (2013, p. 152). É tarefa da história nos libertar das forças míticas que aprisionam o seu acontecer: “Em face do poder mítico, Benjamin tentará pensar uma pura Gewalt, que possa impedir ou paralisar a sucessão de catástrofes do poder mítico” (BARBOSA, 2013, p. 159). A violência divina, aludida por Benjamin, quando fala em educação, é a relação que se estabelece com as subjetividades dos educandos, confrontando-as, modificando-as, formando-as, produzindo sujeitos.

A desconstrução da ideia da violência predadora do sistema abre assim a possibilidade também de encarar o problema pela via positiva da memória, quando admite existir “uma esfera da não violência no entendimento humano que é totalmente inacessível à violência: a esfera própria da ‘compreensão mútua’, a linguagem.” (BENJAMIN, 2013, p. 139). É importante ter contato com esses contrapontos, caso contrário podemos recair novamente no que aconteceu no Brasil e no mundo recentemente. Em nosso caso, quando no período de redemocratização ficamos embalados nos sonhos de consumo, da equivalência da nossa moeda diante do dólar, que permitiu à população mais pobre ascender social e economicamente, mas também à classe média viajar e aumentar o seu poder de consumo. Porém, nos despreocupamos de consolidar uma memória da ditadura e de todas as suas consequências negativas para a liberdade e para o estado democrático e de direito, fazendo emergir uma subjetividade conservadora e voltada ao consumo (MACHADO; SCALCO, 2018). E por isso vimos voltar, com muita força nas manifestações de ruas que ocorreram de 2013 em diante, os apelos extemporâneos de jovens principalmente, porque não consolidamos uma memória desse estado de exceção, como revela Pedroso:

É um caso sintomático dessa situação, as manifestações públicas de muitos jovens brasileiros a favor do retorno à Ditadura. Isso revela claramente uma patologia social em nosso país atualmente. Portanto, o estudo em torno do nosso objeto de investigação desvela importantes conexões da educação com os problemas nevrálgicos da sociedade contemporânea em face da sua compreensão sobre a violência (2019, p. 149).

Também não podemos esquecer de todo o debate sobre o apagamento dos arquivos do genocídio praticado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. E menos ainda que, para ocorrer as monstruosidades protagonizadas por Hitler, foi preciso o uso abusivo da palavra por Goebbels: “É necessário o sofista Goebbels para criar as palavras e as frases que mobilizam o ódio, que cimentam a sociedade do crime e que convocam ao sacrifício e à morte” (RICOEUR, 1995, p. 63). Ou seja, a violência, para ocorrer, precisa da justificativa capciosa oferecida pelo ardil da palavra. Nessa linha constatamos o testemunho de Victor Klemperer no livro LTI: a linguagem do Terceiro Reich, um sobrevivente dos campos de concentração nazista. Ele apresenta aí um panorama histórico contundente da relação estreita entre violência e linguagem, que não é apenas de oposição, mas de vinculação extrema quando reduzida a propósitos por demais obscuros. A apresentadora da obra, Miriam Bettina Paulina Oelsner, adverte: “Klemperer mostra o desejo de transmitir a alunos e leitores a experiência vivida e de propor alterações no sistema educacional dos jovens que haviam sofrido a lavagem cerebral nazista” (2009, p. 13). Essa consciência é porque o nazismo se fez valer não apenas por discursos isolados, manifestações programadas, artigos, cartazes e panfletos, mas especialmente porque havia penetrado nas massas por meio de palavras, expressões e frases repetidas à exaustão e aceitas de forma inconsciente por elas. Qualquer semelhança com o contexto em que estamos vivendo certamente não será só coincidência, na medida em que se naturaliza reduzir não só a linguagem, mas a cultura e o papel do professor, como intelectual, a clichês, modismos e frases de efeito próprias dos discursos de ódio e intolerância que inferiorizam o outro.

Como vimos acima, a dimensão biopolítica do arquivo, apoiada em Benjamin e Agamben procede pela via negativa, refletindo de forma crítica sobre a sua ausência e propondo novas possibilidades, através da “visada da cultura como documento e testemunho da barbárie” (SELIGMANN-SILVA, 2008, p. 110). A percepção a esse respeito possibilita entender a centralidade da história para a noção de arquivo, e as consequências nefastas representadas pelo apagamento da memória realizado tanto no caso da ditadura do Brasil recente, quanto nos campos de concentração da Segunda Guerra. Esses elementos são muito importantes para pensar o silenciamento dos rastros da violência nas instituições de ensino, especialmente no que diz respeito à noção dos seus arquivos.

4 Arquivos da violência na educação

Um dos desafios maiores dos estudos da violência escolar é transcender a discussão estabelecida no contexto macro que a reduz a aspectos puramente positivistas e quantitativos, mas que avance em direção a referenciais teóricos mais amplos. O objetivo é promover uma discussão sobre a memória (da violência) na educação situada no patamar de justificação que relaciona filosofia e educação, afeito ao contexto da “era da violência” contemporânea (BERNSTEIN, 2015), levando em conta que não existe memória espontânea e, sim, que o arquivo tem compromisso com a memória da barbárie. Trata-se de repensar a possibilidade de organizar alguns dispositivos teóricos, estratégicos e instrumentais que dão margem para outras atitudes em relação ao presente, baseado na crítica filosófica da violência, buscando desvelar supostos ideológicos, políticos e culturais para melhor compreender a situação dos arquivos da violência na educação.

Ora, as escolas não são apenas locais de socialização de conteúdo, mas ambientes de desenvolvimento socioemocional. Esse aspecto é salientado na nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular), quando refere que entre as tarefas para o ensino médio, por exemplo, compete à escola: “promover o diálogo, o entendimento e a solução não violenta de con flitos, possibilitando a manifestação de opiniões e pontos de vista diferentes, divergentes ou opostos” (BRASIL, 2017, p. 467). Para isso, deve cultivar uma dinâmica discursiva que produza uma ambiência propícia por intermédio de uma vontade ou desejo de memória. Portanto, a proposta questiona não simplesmente as possibilidades da representação da violência, e os limites desta possibilidade em forma de arquivos, mas principalmente a relação entre violência, memória e linguagem, tendo como parâmetro as grandes violências das quais o século XX foi pródigo, como a Shoa.5

Diante de tal situação, semelhante ao filme que conta a história do povoado de Bacurau (2019)6 que, ao sofrer ataques de violência, passou a organizar formas de resistência para além da invisibilidade, sugerimos nesse artigo, primeiro, uma reflexão sobre a relação violência, memória e linguagem de acordo com a perspectiva histórica e, a seguir, no pensamento contemporâneo. No contexto de hiperpolarização política e da pós-verdade contemporâneas, as narrativas de formação acabam sendo diretamente afetadas, pois há aqui um incremento da reafirmação do sujeito em prol da negação do outro, o que demanda a recusa da possibilidade do diálogo, base do aprendizado mútuo e da civilidade democrática. Em uma entrevista dada ao livro escrito em sua homenagem, Hermann se refere ao abismo provocado pela falta de um sentido comum, que divide o mundo entre nós x eles, com as seguintes palavras:

A incapacidade de produzir sentido e de compartilhar um mundo comum traz um abismo, uma falta que tende a ser preenchida pelos mais diversos apelos imediatistas disponíveis, seja os de salvação pelo poder e dinheiro, pelo fanatismo religioso, seja pela sedução do consumo. Em todos esses casos, há desconsideração do outro, o que abre o espaço para a violência. O que não é reconhecido situa-se num espectro da desvalorização até a exclusão. Em última instância, a violência é a negação e a exclusão do outro (HERMANN, 2016, p. 25).

A preocupação com a alteridade é um braço importante dessa investigação, presente não apenas na questão metodológica, mas ainda no sentido da preocupação de buscar o envolvimento dos implicados, bem como a (re)construção de mediação de intervenção, o que demandam um esforço no sentido contrário ao que está por vezes instituído. Não raro as políticas e práticas pedagógicas são pensadas alheias ao professor real e as suas necessidades prementes, o que leva Charlot a afirmar que:

É preciso ter a coragem de dizer que a prática não é um argumento, e sim um elemento do debate que deve, ele próprio, ser analisado. É preciso também ter a coragem de dizer que a recusa do pesquisador ou do professor universitário de confrontar as teorias que ele ensina com as situações e práticas do professor ou do formador levanta suspeitas, sérias, sobre o valor de suas teorias, incluindo-se aí a questão do valor do ponto de vista da verdade (2006, p. 11).

O objetivo da reflexão não é, portanto, aplicar medidas no combate à violência na escola, e verificar a eficiência dessas medidas na resolução dos problemas, cujos resultados sejam positivos colaborando para a sua diminuição. E sim, buscar o aperfeiçoamento de ações inovadoras e que interfiram no meio ambiente saudável, cujos efeitos contribuam para o equacionamento do problema da violência escolar e, por conseguinte, social. Não se trata de pactuar com a fuga para adiante e nem propor se ilhar no tempo pretérito, mas justamente de redimensionar essa relação presente-passado consoante uma aprendizagem hermenêutica. O sentido é questionar o afã pelo futuro em prol da despreocupação com o passado, esquecendo que essa foi a saga da qual o titã Prometeu - o arauto do progresso -, foi vítima, o que diz respeito diretamente ao poder que exerce o professor na educação. Afinal, também ele, na metáfora cunhada por António Nóvoa (1998), foi considerado um “arauto do progresso”.

Diferentemente, definimos aqui a imagem do professor como um apanhador de crenças dos seus alunos e a sua devolução de maneira mais elaborada, para que não caiam nos abismos fascistas de subalternização do outro.

Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto... quer dizer; ninguém grande... a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo (SALINGER, 2017, p. 205).

A metáfora extraída do livro “O apanhador no campo de centeio”, de J. D. Salinger, permite compreender que, semelhante ao trabalho no campo de centeio, o educador acolhe as opiniões dos estudantes e procura ampará-las para que não caiam no abismo das crenças fascistas de inferiorização do outro.7 Acolher ou apanhar significa, nesse caso, (re)construir mediações pedagógicas em forma de arquivos, que nos permita lidar com a violência insurgente nas escolas. Mas não nos referimos apenas às formas históricas de fascismos já existentes, ou mesmo somente à que estamos enfrentando no Brasil e no mundo de hoje - um autoritarismo de índole social, porém apoiado no poder das redes sociais, político e, ainda, no poder religioso. Pois, na linha do que afirma Foucault, não é mais suficiente estarmos alerta somente contra

O fascismo histórico de Hitler e Mussolini - que soube tão bem mobilizar e utilizar o desejo das massas - mas também o fascismo que está em todos nós, que ronda nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz gostar do poder, desejar esta coisa mesma que nos domina e explora (1993, p. 199).

Acreditamos ser este um desafio, ou talvez um convite, para alçar um novo voo do Pássaro de Minerva no enfrentamento do desafio da violência pela raiz, para que “nos apropriemos de arquivos de modo criativo e antifascista” (SELIGMANN-SILVA, 2014, p. 55). É claro que não devemos, como diz Roudinesco, “cultivar a ideia louca segundo a qual podemos arquivar tudo” (2006, p. 9). E muito menos o nosso objetivo é ressuscitar a ideia do Livro Negro, ou livro preto nas escolas, instrumento biopolítico antigamente responsável pelo registro das ocorrências de infrações às regras pelos educandos. Essa tecnologia (de nome “racista”) representava uma forma de controle a serviço do estado autoritário para a normalização dos corpos inadaptados ao padrão da sociedade da época. Sem dúvida, esse é um suposto político e ideológico da noção de arquivo da violência, que precisa ser desconstruído na cultura educacional para auxiliar no autoesclarecimento pedagógico de educandos e educadores. Como diz Charlot, referindo-se às ciências da educação: “Nossa disciplina não tem uma memória suficiente, e isso freia o progresso da pesquisa em educação. De minha parte, defendo, há dez anos, a ideia de definir uma frente da pesquisa, que seria também uma memória” (2006, p. 17).

A prática de destruição dos registros de arquivos é própria da cultura autoritária do estado fascista e a introjeção da dependência em cada um, que leva à mentalidade colonial de obediência a lógicas heterônomas. “As tentativas de apagamento de arquivos, por parte de regimes autoritários e totalitários, são o contraponto de um movimento apenas aparentemente paradoxal de registro, documentação e armazenamento da barbárie (SELIGMANN-SILVA, 2009, p. 275). A queima de arquivos em escala nacional (de museus, livros didáticos, etc.) tem como objetivo abalar a capacidade da memória identitária brasileira. Assim, a introjeção da dependência do senhor pelo oprimido, pode auxiliar a encontrar a raiz da violência mítica, de que falava Benjamin. Ela pode ser transportada, como analogia, para compreender os arquivos, de forma a projetar para a relação registrador-denunciante, ou como quer que se chamem os papéis utilizados no caso da violência escolar. Poderia assim ser evitada também a concepção da gestão e da atuação em sala de aula que permeia uma visão ou mentalidade como detentora de um suposto saber, que ao entrar em conflito não produz a dialética do diálogo, mas o cumprimento de regras, as quais, se não forem obedecidas, geram penalidades.

5 Considerações finais

A investigação desse artigo orientou-se teórica e metodologicamente pela hermenêutica reconstrutiva, que se caracteriza como uma abordagem da comunicação não violenta, posto que tem como base de interpretação se colocar na escuta da alteridade. O artigo traz discussões candentes sobre violência escolar e, a partir de sua contribuição teórico-metodológica, aponta e discute as ações no âmbito institucional para lidar com essas questões, posto que muitas vezes o tema é colocado de lado na formulação e acompanhamento das políticas de educação.

Buscamos analisar assim a dinâmica atual que o conceito de violência escolar assume, levando em consideração as profundas transformações pelas quais o sistema social vem passando no atual contexto, marcado pelo crescente aumento da violência e o processo de colonização biopolítica da subjetividade. No contexto macropolítico em que vivemos isso passa por uma visão crítica da forma como o fascismo está operando, o qual conspira contra uma educação para a formação de valores da cidadania e da vida democrática. Diferentemente, definimos a função do professor como um apanhador de crenças dos seus alunos e a sua devolução de maneira mais refinada, para que não caiam nos abismos fascistas de subalternização do outro.

Na verdade, compete à escola desenvolver esforços no sentido da melhoria sistêmica e universal para gerar um clima de bem-estar socioemocional e acadêmico dos estudantes, bem como trabalhar na promoção de um clima seguro, cooperativo e atraente para toda a comunidade escolar. Os arquivos funcionariam então como dispositivos acionadores para o incremento de uma educação que preza a comunicação não violenta. A escuta hermenêutica passa pelo estabelecimento das relações entre sujeito e memória, desde que os registros ou anotações de incidência ou reincidência das narrativas (que podem ser histórias de vida, relatos de casos ou de experiências traumáticos, desenhos, etc.) podem ocorrer dentro de uma metodologia científica própria, resguardando, é claro, a identidade dos envolvidos.

Desse modo, acreditamos que se pode contribuir para repensar as mediações que as escolas podem oferecer, pela sua própria capacidade estratégica de intervenção na sociedade, como contribuição para a melhoria da saúde emocional dos alunos, professores, técnicos que trabalham nas escolas, enfim, da população intra e extraescolar. O aprendizado para saber como lidar com conflitos, perturbações, traumas ou transições importantes nos diferentes ciclos da vida pode colaborar para a diminuição dos índices de violência, especialmente por intermédio do incremento de uma comunicação para a resolução não violenta de conflitos. Pretendemos assim favorecer a reflexão sobre uma outra forma de abordagem dos arquivos da violência escolar e a não reprodução da violência na sociedade por mecanismos de repressão, mas para debelar, diminuir ou distender os conflitos e a violência na sociedade, segundo mediações dialogadas e esclarecidas.

Assim, ao mesmo tempo em que se geram dispositivos para a leitura macro, contribui para desenvolver um trabalho híbrido, proporcionando meios de resolução não violenta de conflitos, no sentido micro. E isso requer ir além de registrar ocorrência em formulários ou documentos, assumindo-se a tarefa de edificar a memória da violência contra seu apagamento, o que demanda uma relação entre arte, política e ética da memória, diferenciando-se, portanto, de um simples arquivo de dados. É nesse ponto que atitudes como a escuta, os círculos restaurativos e a mediação de conflitos, em suma, todo o aparato da comunicação não violenta e da Justiça Restaurativa se ressignificam, como garantia de que o arquivo não esteja sendo construído à base de reprodução da barbárie. Tais apontamentos ofereceriam indicativos sobre as repetições na realidade escolar, que certamente reverbera o contexto social mais amplo, facilitando o trabalho de aprofundamento necessário com vistas a encontrar as causas mais profundas de tais manifestações e possibilidades de enfrentamento.

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1Para Charlot (2002), a violência na escola não pode se reduzir à violência física (que inclui golpes, ferimentos, roubos, crimes e vandalismos, e sexual), mas também envolve as questões relacionadas às incivilidades (humilhações, palavras grosseiras e falta de respeito) e, ainda, à violência simbólica ou institucional (compreendida, entre outras coisas, como desprazer no ensino, por parte dos alunos, e negação da identidade e da satisfação profissional, por parte dos professores).

2Os dados apresentados no artigo se devem à pesquisa documental extraídos a partir dos relatórios dos estudantes da disciplina de Filosofia da Educação, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS/Brasil), gerados em escolas públicas e particulares de Santa Maria/RS/Brasil no 2º semestre de 2019.

3No Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016 ([xref ref-type="bibr" rid="r19"]FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2016[/xref]), consta que o Brasil registrou mais vítimas de mortes violentas intencionais (ou pessoas assassinadas) em cinco anos do que a Guerra na Síria no mesmo período.

4Agamben toma como ponto de partida de sua reflexão alguns conceitos de Benjamin como o de “mera vida”, enfocado em “Para a crítica da violência”, que serve de substrato para melhor entender o uso do seu conceito biopolítico de “vida nua”. Além disso, potencializa ou amplia essa discussão para o campo da biopolítica, explorando a tensão entre os conceitos de arquivo, violência e linguagem a partir das reflexões do seu livro O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. Para Agamben, a vida nua é a vida exposta à violência do Estado e este seria “o grande nó górdio impensado das origens da disseminação da violência contemporânea” (BARBOSA, 2013, p. 53). Ele reflete a partir das consequências da negação do arquivo, perpetrada nos grandes genocídios, como os da Segunda Guerra Mundial, em que a vida fica exposta ao ponto de não deixar rastros.

5Shoa é uma palavra de origem hebraica para denominar a destruição, ruína, catástrofe ou genocídio praticado pelos nazistas contra os judeus e todos os considerados “diferentes”, que culminou no extermínio de seis milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial.

6Bacurau”: filme brasileiro premiado internacionalmente que narra a história de um povoado do interior do Brasil que adota o estranho sumiço como estratégia de sobrevivência, diante de uma série de assassinatos inexplicáveis.

7Tais crenças são largamente difundidas nas redes sociais atualmente (como a retomada do armamentismo, o orgulho exacerbado da nação e do patriotismo e a visão afeita a uma cultura machista, misógina e homofóbica), sem contar a defesa do negacionismo (das vacinas, do aquecimento global, contra as medidas de proteção ao coronavírus, da curvatura da terra, e assim por diante), e ainda, do holocausto da 2ª guerra e da ditadura no Brasil, pois o que está em curso no Brasil e no mundo é uma briga política por um tipo de memória do passado. O filme Negação (2017), aborda bem essa problemática, mostrando que a questão do negacionismo, no caso, do holocausto, está muito forte nos países ricos, envolta na problemática dos discursos de ódio e o seu limite da liberdade de expressão.

Recebido: 03 de Dezembro de 2020; Aceito: 30 de Maio de 2022; Aceito: 01 de Junho de 2022

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