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Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

versão impressa ISSN 1414-4077versão On-line ISSN 1982-5765

Avaliação (Campinas) vol.27 no.3 Sorocaba set./out 2022

https://doi.org/10.1590/s1414-40772022000300017 

Interview

Entrevista com José Dias Sobrinho Avaliação institucional1, PAIUB, SINAES...

Interview with José Dias Sobrinho Institutional evaluation, PAIUB, SINAES...

Gladys Beatriz Barreyro 11 
http://orcid.org/0000-0002-2714-5811

1Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil, gladysb@usp.br


 José Dias Sobrinho 1941-2022 

A entrevista a seguir foi realizada no âmbito da pesquisa Avaliação da Educação Superior no Brasil: concepções e atores, desenvolvida entre 2007 e 2009, com apoio da Fapesp, que visava investigar as diversas concepções de avaliação e como permeavam as experiências de avaliação desse nível de educação, e, especialmente, o então recente processo de criação do Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). José Dias Sobrinho foi entrevistado em Sorocaba, em 4 de novembro de 2008, tendo prestado importantes informações para essa pesquisa, muitas delas divulgadas em artigos e livros. O entrevistado revisou e autorizou a publicação desta entrevista, mas esta permaneceu inédita até hoje. Na entrevista, José Dias Sobrinho evoca seu trabalho com a avaliação, explica claramente sua concepção a respeito, reflete sobre experiências de avaliação da educação superior como o Paiub (Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras), o “Provão” (Exame Nacional de Cursos) e o Sinaes, e prevê alguns desdobramentos futuros da avaliação. O Prof. Dias Sobrinho faleceu em 10 de setembro de 2022. A publicação desta entrevista de quem distinguiu-se no país e na América Latina como um grande teórico e implementador da avaliação institucional da educação superior é uma forma de homenageá-lo e de manter viva sua memória.

Gladys: Então, eu tenho várias perguntas, algumas sobre o Paiub, sobre o “Provão”, sobre a Comissão Especial da Avaliação, sobre o Sinaes. A primeira pergunta é sobre seu começo, seu envolvimento profissional com a temática da avaliação institucional. Começou com a avaliação da Unicamp, quando você era pró-reitor...?

José Dias: É, exatamente quando eu era pró-reitor de pós-graduação da Unicamp, que nós resolvemos tomar a iniciativa de fazer um processo de avaliação. Antes havia muito discurso a respeito da avaliação, muita discussão, especialmente na ANDES [Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior], e nas associações de docentes das universidades, mas não havia praticamente nenhum programa, nenhum processo de avaliação que se completasse. Havia algumas iniciativas, por exemplo, a Ana Lúcia Gazolla implementou uma avaliação da pós-graduação em Minas Gerais, na UFMG; a Isaura Belloni também desenvolvia um processo de avaliação na UnB, a Maria Amélia coordenava uma avaliação na Federal do Paraná, mas eram iniciativas muito incipientes ainda. O que nós fizemos na Unicamp foi um modelo completo. Por modelo eu estou falando de uma proposta que continha uma teoria de avaliação, uma concepção de avaliação, uma metodologia, uma implementação, uma prática. Ela se completou e foi publicada em livro. Ela se completou no sentido de que foi feita a avaliação interna sobre todos os cursos, todas as faculdades e institutos, e, em seguida, avaliações externas por áreas, que produziram resultados, posteriormente, como alterações no currículo, publicação do texto etc. Havia cerca de nove mil páginas de documentos, instrumentos, informações etc. Claro que essas informações ficaram arquivadas, o que se tornou público era apenas aquilo que estava no livro (DIAS SOBRINHO, 1994). Esse processo ocorreu no período de 1990 a 1993, quando eu era pró-reitor de pós-graduação, sendo reitor o prof. Carlos Vogt.

Gladys: E antes você não tinha tido contato?

José Dias: De modo sistemático, não.

Gladys: Foi aí que começou.

José Dias: É, de modo sistemático não tinha anteriormente. Claro nós sempre temos leituras, a questão da avaliação não é nada estranha a um professor de educação, obviamente, mas nunca tinha feito um estudo sistemático de avaliação institucional. Esse modelo da Unicamp, serviu de ponto de partida também para o Paiub. Um grande exemplo para o Paiub, em dois sentidos: o primeiro, no sentido de que se tornou pública a ideia de que é possível fazer uma avaliação sem colocar em risco a dignidade das pessoas, ou sem “puxar o tapete” de ninguém, sem uma ideia punitiva, sem objetivo punitivo, e sim, de conhecimento e melhoramento. E isso foi muito importante para desarmar um pouco as resistências que havia na comunidade universitária.

Gladys: Seria reativa, então, essa experiência, à proposta do Geres [Grupo Executivo para a Reforma da Educação Superior], à dos improdutivos...?

José Dias: Sim, porque era um processo proativo... Sempre houve uma reação na comunidade acadêmica, sempre houve uma atitude ambígua a respeito da avaliação e, de certo modo, isso permanece até hoje. Nem todo mundo é a favor de avaliação, pois muita gente tem receio de que a avaliação possa servir a propósitos ocultos mostrar debilidades, fragilidades da instituição, e até mesmo dos professores, e assim por diante: todas essas coisas existentes que são normais. O segundo aspecto positivo dessa experiência da Unicamp foi de criar mesmo um modelo, foi de mostrar o modelo de autoavaliação, seguido de avaliação externa, que é essencialmente qualitativo e socialmente dialógico. Houve muita discussão, muito debate, muita participação. Depois foi levado ao Paiub [Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras], como exemplo.

Gladys: E você tinha contato com a Isaura Belloni, e o trabalho dela, que também era desenvolvido na Universidade de Brasília?

José Dias: Não, não tinha, obviamente eu conhecia Isaura, mas não tinha contato com aquilo que estava sendo feito na UnB.

Gladys: E com o Paiub, como chegam a se envolver com o Paiub? Como é chamado para compor a comissão?

José Dias: Pois é, o Paiub foi uma iniciativa da SESu da época, juntamente com o trabalho desenvolvido pela Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior] e outros setores da comunidade acadêmica, especialmente os fóruns de graduação. A Andifes tinha naquele momento..., o Hélgio Trindade era o coordenador de avaliação da Andifes, e na SESu estava a Maria José Feres. Havia muitas discussões dentro da Andifes, sobretudo, e também na Abruem [Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais]. Eu participei muito das discussões da Abruem sobre avaliação. Foi crescendo a idéia de que era o momento apropriado para se fazer um programa amplo de avaliação institucional. Então, em 1993, houve o apoio da Maria José Feres, na SESu, e mais do que apoio, ela deu ampla liberdade, foi convocada uma comissão, com representantes de reitores, das associações dos diversos fóruns da Andifes, da Abruem, da Abruc [Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior], das privadas também, enfim, uma comissão com ampla representatividade. Eu entrei como representante da Abruem, das universidades estaduais e municipais e, dada a minha experiência com o programa da Unicamp, eu tive uma participação intensa no Paiub. Essa comissão foi instaurada no dia 14 de julho de 1993. Durante os meses seguintes houve discussões de como seria esse programa nacional, que viria a ser chamado de Paiub. Especialmente, houve um avanço bastante importante por parte da Andifes: em uma reunião ocorrida em Florianópolis, em outubro de 1993, a Andifes elaborou um documento que foi submetido depois a uma reunião da comissão do Paiub, como uma proposta preliminar, e que foi basicamente aprovado, com algumas poucas alterações. Então se tornou o texto do Paiub, que acabou circulando. Já a partir de novembro se aprovou um documento básico e, a partir desse momento, se abriu um edital convocando as universidades que quisessem (porque era um programa voluntário) participar. Havia financiamento por parte do MEC. E, em 1994, funcionou muito bem, a ponto de cerca de 90% das universidades - era um programa para as universidades, e não aberto para todas as instituições - 90% das universidades já aderiram ao Paiub. Depois vem em 1995 o novo governo e a história do Paiub muda.

Gladys: Quanto às avaliações institucionais decorrentes do Paiub, você acompanhou algumas delas, como aquela, por exemplo da UFRGS, da UFMG, a de Feira de Santana? Queria lhe perguntar um pouco a opinião que você tem sobre esses resultados.

José Dias: Olha, a UFRGS teve realmente, e continua tendo, ainda, uma avaliação institucional importante, mas muito importante para mim são também as experiências das comunitárias gaúchas. O Comung é o consórcio das universidades gaúchas e esse consórcio criou o Paiung [Programa de Avaliação Institucional das Universidades Gaúchas], que é a adaptação do Paiub para as universidades gaúchas. Eu acho que, até hoje, eles têm uma tradição muito forte. Eu diria que foi o segmento universitário que mais aderiu ao Paiub, que teve uma grande perseverança, até hoje, com publicações, com congressos, com reuniões anuais, enfim, levando coletivamente o processo que começou em 1994.

Gladys: E as outras..., estou catando no texto doPalharini (2001), aquele de Tormento e Paixão que ele escreveu sobre o Paiub, a ideia dele de que não tinha avançado tanto, de que algumas carregavam o Paiub?

José Dias: Houve algumas universidades que levaram mesmo o Paiub mais seriamente, como essas aí citadas, no início, nos primeiros tempos também a Federal de Santa Catarina; as estaduais baianas, também, fizeram algumas coisas interessantes, mas pouco a pouco isso ia se desmantelando frente ao Provão. Eu acho que o que persistiu de modo mais consistente foram a avaliação do Paiung e a avaliação institucional da UFRGS.

Gladys: E o “Provão” depois veio ocupar o lugar oficial, e o Paiub foi deixado de lado?

José Dias: Exatamente, algo como o que está acontecendo hoje com o Sinaes. O “Provão” foi criado por quê? Qual a motivação do Ministério? O Ministério queria um sistema de regulação mais objetivo, mais simples e mais indiscutível, que não provocasse discussões e crises no Sistema, e cujos resultados devessem ser aceitos por todos. E uma prova que permitisse classificações, não oficialmente ranking, mas pelo menos comparações, classificações, depois a mídia se encarregou de fazer o ranking. Com isto, as universidades passaram a se desinteressar, salvo exceções, pelo Paiub, uma vez que tinham como obrigação mostrar serviço, “aparecer bem numa foto” do MEC, e a autoavaliação, como não valia nada para efeitos de regulação, foi pouco a pouco sendo deixada de lado. A avaliação institucional foi se enfraquecendo, e isso é uma tendência universal: em todo lugar em que há uma avaliação externa muito forte, e com efeitos muito fortes, muito duros relativamente à acreditação, à regulação ou à imagem social, a autoavaliação tende a se anular. Assim a autonomia do professor vai se enfraquecendo, a autonomia da universidade diminui, e a autonomia se transfere da universidade, da instituição, do professor, dos grupos acadêmicos, para os responsáveis pela gestão centralizada dos Ministérios, das agências...

Gladys: E vocês não foram consultados quando da aparição do “Provão”?

José Dias: Não, pelo contrário, houve manifestação explicita do Ministério, de que Paiub e todo mundo que estava envolvido com o Paiub não interessavam.

Gladys: E vocês [o ex Ministro Paulo Renato Souza] não se conheciam da Unicamp, não houve nenhuma discussão, ou algum contato?

José Dias: Não, esse período do Ministro Paulo Renato foi marcado pela decisão centralizada.

Gladys: E a criação da Raies e da Revista Avaliação são uma conseqüência direta da implantação do “Provão”?

José Dias: Sim, do “Provão”. A Raies [Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior] e a Revista Avaliação foram criadas no dia 26 de abril de 1996, durante um seminário que estava acontecendo na Universidade Católica de Pernambuco, em Recife. Estava presente a secretária da SESu e presidente do INEP [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”], Maria Helena Castro. Ela expôs as novas políticas do MEC, inclusive o “Provão” e, nós já havíamos pensado em termos uma revista, um órgão de divulgação dos nossos trabalhos. Então, aquele seminário naquele momento oportunizou a criação da revista. Conseguimos arrecadar algum dinheirinho de alguns dos presentes e fizemos o primeiro número, mais ou menos improvisado. Uma semana depois eu estive com o Dilvo Ristoff, em Santa Catarina, e discutimos o formato, os textos, a parte mais prática, operacional da revista, que já começou a circular em julho de 1996. No primeiro ano houve duas edições, depois, nos anos seguintes, 4 edições. Pontualmente, saíam, em março, junho, setembro e dezembro, nunca atrasamos um número. Sempre com apoio apenas dos assinantes, e de algumas poucas universidades. E, há dois anos, a partir de 2007, essa revista passou a ser editada pela Raies em convênio com a Uniso [Universidade de Sorocaba]. Ela é uma revista agora partilhada entre a Raies e a Uniso, e passou a ser quadrimestral, de 2007 para cá. Então, foi criada naquele momento, 1996, com a idéia de que precisávamos de um espaço para discutir, divulgar, multiplicar as nossas ideias, os nossos textos, sempre na linha do aprofundamento de nossas concepções de avaliação. Em contraposição ao Provão. Hoje há rankings, há um excessivo objetivismo, produtivismo, avaliações excessivamente marcadas pelo objetivo de controlar e ranquear.

Gladys: E teve algum impacto no Ministério a criação da revista?

José Dias: Não.

Gladys: E na comunidade acadêmica?

José Dias: Eu acho que teve, porque ela é um lugar onde os acadêmicos da área discutem suas idéias, suas experiências, divulgam as experiências das diversas instituições. Eu diria que ela ajudou a construir o campo da avaliação no país e na América Latina, porque ela teve uma penetração muito boa. Não do ponto de vista quantitativo, mas do ponto de vista qualitativo, ela é bastante conhecida em vários países, e de alguma forma interferiu na discussão da avaliação e mesmo na criação dos processos de avaliação da América Latina. E dizem, isto não sou eu quem diz, há quem diga que é a principal revista dessa área na América Latina, que sistematiza a temática da educação superior e sua avaliação. Talvez seja a única, por isso que é a melhor, (risos). Ela, eu acho que influenciou bastante a consolidação do campo da avaliação, especialmente da avaliação da educação superior no Brasil, um pouquinho na América Latina também, e não resta dúvida de que o Sinaes tem nesta revista sua base, sua âncora: as pessoas que construíram essa revista acabaram indo também para a comissão que elaborou o Sinaes.

Gladys: A Raies que, como você definiu é um grupo de pesquisadores que defendem a avaliação institucional, que outras atividades, além da revista, essa rede tem?

José Dias: Do ponto de vista formal, legal, ela é uma associação civil sem fins lucrativos, por isso ela é registrada em cartório, tem CNPJ, enfim, ela é uma associação que tem de prestar contas anualmente de suas atividades, de seus financiamentos, e assim por diante, com reuniões formais de sua diretoria. Agora, do ponto de vista acadêmico, é uma rede um pouco fluida, que reúne pesquisadores da área de avaliação e da área de educação superior. Embora se chame Avaliação, ela publica muito sobre a temática geral da educação superior.

Gladys: Em algum momento, no número oito da revista, começa a aparecer a separata do Cipedes [Centro Interdisciplinar de Pesquisa para o Desenvolvimento da Educação Superior], se não estou enganada, são oito números de separata do Cipedes, que foram publicados. Como surge o Cipedes e qual a relação com a revista? Por que termina essa publicação na revista?

José Dias: O Cipedes é independente da Raies. O Cipedes já existia, é um centro de investigação, situado na UFRGS, coordenado pelo professor Hélgio Trindade que, em algum momento, utilizou a revista como meio de divulgação dos trabalhos desse Centro, durante 8 números, fez parte da revista, mas sempre como um anexo. Uma separata. A idéia era essa: durante algum tempo, provisoriamente, o Cipedes iria utilizar a revista como meio de divulgação. Depois o Cipedes trataria de criar seus meios de divulgação, porque estava ficando também muito cara para nós essa separata.

Gladys: Queria lhe perguntar como avalia a revista, depois de mais de 10 anos e por que foi para a Uniso?

José Dias: Por que a Uniso? Por uma necessidade mesmo. Eu não conseguia manter, fazer a revista no meu escritório, na minha casa, sozinho, e cuidar da parte cartorial, de financiamento, cuidar da parte acadêmica, de recrutar artigos, cuidar das correspondências que havia, eu mesmo levar as revistas para o correio, eu mesmo pagar o correio e tratar da editoração etc. Enfim, isso estava sendo impossível para mim, então surgiu a ideia da Uniso, para assegurar toda essa parte mais administrativa, de normalização e financiamento. Eu acho que foi uma solução muito boa para os dois lados, tanto para a Raies, como para a Uniso, porque a Uniso ganhou uma revista já consolidada, já com nome e conseguiu melhorar essa revista do ponto de vista da apresentação, da divulgação e da normalização. Agora a revista está no Scielo... Que é uma grande coisa.

Gladys: Há uma ideia que perpassa a primeira fase da revista até o final de 2002, até o início do governo Lula, que ia vir a ser o Sinaes. Nessa fase, quem é que está na construção do campo e da crítica, como você falou no editorial de vários números. Há uma intencionalidade de marcar uma oposição, de criar uma teoria sobre avaliação?

José Dias: Esta intenção sempre houve, de nós mantermos uma linha editorial que defendesse a avaliação qualitativa, participativa, democrática, não punitiva, que consolidasse o campo da avaliação. Eu diria que até hoje temos essa preocupação, sempre vamos fazer isso porque a construção desse campo continua.

Gladys: E quais as referências que vocês, sobretudo trabalham nesse primeiro momento, para construir essa teoria?

José Dias: Obviamente que ninguém cria do nada, nós temos as leituras de referência. Depois que comecei a me envolver com a avaliação, e, sobretudo depois do Paiub, eu quis me aprofundar um pouco mais na teoria da avaliação, mas nunca encontrei alguma coisa que me satisfizesse plenamente. Obviamente, você vai encontrar algum autor espanhol, outro autor francês, outro autor americano, especialistas que trabalham aspectos importantes, mas eu acho que nós aqui no Brasil temos que construir uma teoria e uma prática mais coerentes com a nossa realidade.

Gladys: Você se manifestou publicamente em vários textos, mas, o que você pensa hoje em dia do “Provão”?

José Dias: Continuo pensando a mesma coisa, da mesma forma que se o Enade tomar esse caminho, também, de uma avaliação estática, para efeitos classificatórios, eu acho que ele iria se transformando também numa espécie de “Provão”. Pode ter alguns méritos, o “Provão” teve, no sentido de que colocou na agenda a questão da avaliação, mas para mim não contribuiu em nada na consolidação de uma avaliação participativa, democrática, reflexiva etc. Pelo contrário, consolidou um campo de avaliação produtivista, muito mais de interesse de mercado, com mínimos valores pedagógicos, acadêmicos. Isso eu disse num texto lá de 1999: o “Provão” se fizesse parte de um conjunto de outros instrumentos com valor formativo, ele poderia também adquirir um valor formativo e, portanto, ser importante pedagogicamente. É interessante que quem resgatou esta ideia foi a Coneau [Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria] da Argentina que diz que é possível, sim dar a um exame nacional um valor formativo, educativo.

Gladys: Então haveria uma questão da importância da finalidade da avaliação, ou avaliar para quê e isso condicionaria o uso de um instrumento?

José Dias: Sim, exatamente. Eu acho que a avaliação sempre tem que trabalhar com muitos instrumentos. Agora, esses instrumentos têm que ter uma finalidade educativa, eles não podem ser isolados, segmentados, ou sem conexão uns com os outros. Um exemplo comum em alguns textos meus: uma coisa é você dizer quantos livros tem uma biblioteca, e dizer se isso é suficiente ou não, se atende aquele mínimo exigido nas normas ou não, uma espécie de check list. Outra coisa é dizer, além disso, se os livros estão adequados para a formação, se os alunos têm a possibilidade de acesso à biblioteca; se as práticas docentes estimulam o aluno a frequentar a biblioteca, se o acervo está de acordo com o currículo geral, se são livros atualizados, se há uma correspondência com a missão da instituição, se do ponto de vista da pertinência e da relevância social, da formação do estudante, e uma série de outras questões que você possa sempre ir levantando a biblioteca cumpre com suas finalidades. Agora, se você ficar somente no quantitativo, você empobrece e passa para o punitivo, segundo a lógica de quem tem, merece mais, quem não tem está fora, está cortado.

Gladys: Bom, vamos chegando à Comissão de Avaliação, a CEA de 2003. Queria lhe perguntar se você conhece o processo pelo qual você é nomeado presidente, se foi iniciativa de alguém, de Cristóvam Buarque, do Hélgio Trindade, dos professores das universidades públicas que estavam no governo nesse momento: Roberto Antunes, Ottaviano Helene, Mário Pederneiras?

José Dias: Tiveram participação na criação da CEA o Hélgio, o então secretário da SESu, Carlos Roberto Antunes dos Santos e também o Mario Pederneiras. Foi a SESu que, em 2003, desenvolveu a ideia de constituir uma comissão para elaborar uma proposta de avaliação. Antes dessa comissão tinha havido um seminário promovido pelo INEP, que o Otaviano Helene organizou. Eu participei desse seminário. Esse seminário discutiu os rumos da avaliação no governo que se iniciava. O secretário Carlos Roberto Antunes criou essa comissão no dia 28 de abril de 2003. Essa era uma iniciativa da SESu, não do Ministro. Fui nomeado presidente, imagino que pela minha relação sistemática com a avaliação, na Revista, pela experiência anterior da Unicamp e do Paiub. Até hoje faço da avaliação meu trabalho cotidiano, minha dedicação central. Acompanho a bibliografia internacional e nacional. Naquela altura muitas pessoas tinham boas condições para presidir essa comissão. A indicação dos membros da comissão foi uma indicação conjunta, eu aceitei a presidência, sugeri a indicação de várias pessoas que já tinham tido experiência com o Paiub, anteriormente, e o Ministério, claro, nomeou algumas pessoas do próprio Ministério, representantes da CAPES, do INEP, da SESu, solicitou a indicação de professores das universidades e membros da UNE. No total, 19 membros.

Gladys: Quais são as pessoas que você indicou, você pode me dizer?

José Dias: Eu sugeri pessoas que tinham tido experiências com o Paiub: Maria Amélia Zainko, Isaura Belloni, Dilvo Ristoff,, Maria José Jackson, Maria Isabel da Cunha, Nelson Amaral, Stela Meneghel e outros.

Gladys: A Maria Beatriz Luce?

José Dias: Algumas indicações foram feitas pelo Hélgio Trindade, com total concordância minha e do secretário. Havia ainda o Isaac [Roitman], da CAPES, o José Everaldo, da Federal do Paraná, José Geraldo Souza Junior, da SESu-MEC, José Marcelino de Rezende Pinto, do INEP, o Julio César Godoi Bertolin, Mario Pederneiras, da SESu; ainda do INEP havia o Raimundo Luiz Araújo, havia também o Ricardo Martins, Silke Weber e representantes da UNE.

Gladys: Você teve alguma participação no plano de governo do Lula?

José Dias: Não. Eu tive uma pequena participação, naquele momento não tive a oportunidade de participar mais intensivamente, então a minha participação foi via internet, mandando alguns documentos por escrito. Então, a minha participação foi muito restrita.

Gladys: Como trabalhou essa comissão (CEA), que sistemática, e que acordos e desacordos tinham?

José Dias: A Comissão Especial de Avaliação foi instalada no dia 28 de abril; depois, então, no mês de maio, junho, julho e agosto, nós nos reunimos dois períodos por mês, em cada período nos reuníamos dois dias em Brasília, mas houve também reuniões em Curitiba, e na SBPC, em Recife.

Gladys: Acordos e desacordos?

José Dias: Começamos a discutir livremente o que fazer, o que deveria ser superado, o que deveria ser construído, quais as diferenças que queríamos estabelecer em relação à sistemática antiga, e os acordos foram todos assim, na linha da avaliação mais democrática, mais participativa. Não foi difícil criar esses consensos. Depois, quando nós já tínhamos pelo menos os princípios básicos, os consensos básicos já estabelecidos, no interior da comissão, nós os levamos a discussões públicas, às audiências públicas; dialogamos com 38 instituições, associações, sindicatos etc., 38 entidades ligadas diretamente ou indiretamente à educação superior. Foram convidados os diversos sindicatos, desde CUT, sindicatos ligados a agricultores, à indústria, entidades e associações da SBPC, sociedades científicas etc. Fizemos 38 audiências públicas, algumas em Brasília, e outras durante a reunião da SBPC, em Pernambuco. O importante é que elas, em geral, consolidaram a ideia de que era necessário criar uma avaliação que não fosse punitiva, que não fosse ranqueadora, não fosse produtivista, e fosse mais formativa, mais qualitativa, mais participativa etc. O caminho que o Sinaes acabou adotando.

Gladys: Nos primeiros editoriais da Revista Avaliação, há uma dicotomia entre avaliação emancipatória e entre avaliação regulatória. E como no Sinaes entra a questão da regulação?

José Dias: Nos primórdios da revista, nós estávamos mais na perspectiva do Paiub. Avaliação voluntária que não necessariamente fosse levada em conta para a regulação; considerávamos que regulação era um problema do Ministério, e avaliação tem caráter educativo e essencialmente formativo. Poderia haver certa dicotomia, senão total, pelo menos alguns interesses contraditórios nessa concepção. Depois disso houve uma enorme expansão do sistema de educação superior, que se tornou muito complexo, especialmente depois de 1998, com a proliferação de novos cursos, novos professores, e especialmente, instituições de mercado mesmo, de baixa qualidade muitos deles. Enfim, se tornou necessária uma regulação um pouco mais consistente, mais forte, então, do nosso ponto de vista, a avaliação devia passar a ser a base para qualquer ato de regulação que viesse a ser tomado. A regulação deveria ter como base a avaliação, para evitar que fosse simplesmente quantitativista ou legal-burocrática. Enfim, é necessário dar um caráter também educativo, formativo à própria regulação, com essa ancoragem na avaliação; isto que o Sinaes propôs.

Gladys: Não havia nesse momento certa ingenuidade ou visão de acadêmicos de universidades públicas, no que diz respeito à autoavaliação?

José Dias: É, nós tínhamos uma profunda convicção da importância da autoavaliação.

Gladys: Vocês chegaram a enxergar exatamente o setor privado nesse momento ou havia uma visão de avaliação influída pelo Paiub?

Gladys: Nós tínhamos muita consciência das dificuldades, tínhamos consciência de que as instituições privadas comerciais iam de alguma forma se adaptar a esse novo esquema de acordo com os interesses delas; nós tínhamos consciência de que era preciso tentar fazer alguma coisa, de criar uma cultura de avaliação um pouco mais consolidada em termos de avaliação educativa propriamente dita e não de mera e burocrática prestação de contas ao MEC. Sim, nós tínhamos consciência das dificuldades, tínhamos consciência de que haveria um trabalho muito difícil e longo; sabíamos e nós temos consciência também, hoje, 4 anos depois da implantação do Sinaes, de que houve alguma evolução, mas que é um processo ainda muito incipiente, e que muita coisa ainda precisaria ou precisará ser feita no futuro. Mas a questão toda é que há um crescente aumento da privatização e da mercantilização da educação superior e a avaliação educativa e democrática ainda não se consolidou. São os valores do neoliberalismo, da globalização, que impõem o viés que o INEP está imprimindo, hoje, à avaliação da educação superior. É uma inspiração que vem lá do exterior, dos grandes organismos multilaterais, da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], do Banco Mundial etc, que impõem certo tipo de avaliação, provas nacionais, padronizadas, rankings e assim por diante. Um deles, o PISA [Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes]. É doloroso ver que o PISA é feito para trinta e tantos países, para milhões de pessoas, e são 20 ou 30 pessoas que decidem como é que deve ser essa prova. Essa determinação vem de cima para baixo, e todo mundo acha que o exame é a coisa mais fácil de fazer, mais cômoda e que produz mais impacto na mídia.

Gladys: É que as condições não são iguais para milhões de alunos de trinta países diferentes...

José Dias: Trinta países diferentes, e essa decisão é feita por vinte ou trinta pessoas, fechadas...

Gladys: O que aconteceu na reunião da apresentação do Sinaes, aquela em que você apresentou e estava a professora Eunice Durham?

José Dias: São momentos diferentes. A reunião com a professora Eunice Durhan foi em outro momento posterior à entrega do documento. Provavelmente no dia 2 de setembro, foi entregue a proposta para o Ministro. Ele já tinha convocado alguns jornalistas, e, quando eu passei para ele o texto elaborado pela CEA, ele disse publicamente: “Essa é uma proposta de uma comissão. O Ministro ainda não tem nenhuma posição tomada a respeito de como será feita a avaliação, quando tiver, vou comunicar”.

Gladys: Sim, sim, isso está no jornal, está publicada essa frase do Cristóvam [Buarque, ministro de educação à época]?

José Dias: Não sei se está publicada. “Esta não é a proposta do Ministro, esta é uma proposta de uma comissão”. Mas ele disse com o intuito de provocar discussões públicas; depois nossa proposta foi colocada para discussão na sociedade, a mídia, especialmente a grande imprensa, criticando muito, porque o “Provão” foi sempre...

Gladys: A menina dos olhos.

José Dias: A menina dos olhos. E as manifestações favoráveis ao Provão e ao ex-Ministro Paulo Renato por parte da grande imprensa eram muito fortes, especialmente a Veja foi muito crítica à proposta do Sinaes. Então houve discussões na sociedade, a mídia repercutiu muito os debates, e houve um momento em que o Ministro Cristóvam Buarque disse que seria interessante fazer uma sessão de discussão pública em que tivesse um representante do Sinaes, no caso eu, e alguém que fosse lá criticar o Sinaes e defender o ponto de vista do “Provão”. Essa pessoa seria indicada pelo ex-Ministro Paulo Renato, ou ele mesmo poderia ir. Então acabou indo a professora Eunice Durhan, que eu respeito muitíssimo, do ponto de vista acadêmico, embora nós tenhamos também divergências, pontos de vista diferentes, especialmente na questão da avaliação, o que é absolutamente normal, mas é alguém que reconhecidamente tem um trabalho bastante respeitável na área de educação superior, é alguém com muita experiência e muitos conhecimentos do sistema superior. E, então foi uma discussão bastante interessante, creio que alguns veículos de informação divulgaram.

Gladys: Sim.

José Dias: Foi bastante importante, mas, ao final, o Ministro ainda não se pronunciara, o Ministro Cristóvam. Ele deixou em aberto a possibilidade de aprovar a proposta do Sinaes ou não, mas ele continuou fazendo reuniões em seu gabinete, com seus assessores e convidados; ele procurava aproveitar muitas ideias do Sinaes, inclusive o próprio nome do Sinaes, que ele aprovou, mas criando outras alternativas que a nosso ver feriam a lógica, a racionalidade do Sinaes, como aquela ideia do progresso.

Gladys: Sinapes [Sistema Nacional de Avaliação e Progresso do Ensino Superior].

José Dias: É, Sinapes, já alterava o nome introduzindo um “p”, que era do progresso, que seria um conceito e uma metodologia oriundos da econometria e transferidos para a educação, e que obviamente nós não aceitamos. Dissemos não, isto corrompe a ideia do Sinaes, não é isso que nós pensamos. Mas houve várias idas e vindas, o próprio Ministro ficou em dúvida durante algum tempo sobre o que fazer, e aceitava algumas sugestões de uns e de outros, até que ele deixou o Ministério em dezembro. Depois, entrou o Ministro Tarso Genro e adotou a política de praticamente aprovar o Sinaes nos termos que havia sido apresentado pela comissão e discutido no Congresso Nacional e no Senado.

Gladys: Teve a intervenção do Hélgio Trindade aí, nesse momento, perante o Ministro Tarso Genro?

José Dias: Que eu saiba, não.

Gladys: Outras articulações políticas?

José Dias: Desde quando o Ministro Tarso Genro assumiu o Ministério, quem teve um papel muito forte, muito decisivo foi o Dilvo Ristoff, no sentido de que ele transformou todas essas 100 páginas do Sinaes, de ideias e concepções e instrumentos, em um projeto de lei. Ele contou com minha colaboração, nós sempre conversávamos; o papel dele, na Deaes [Direção de Avaliação da Educação Superior] foi decisivo na criação da lei que veio a ser aprovada na Câmara, no Senado e homologada pelo presidente Lula, em 14 de abril de 2004.

Gladys: Você acha que o Sinaes é uma acumulação e metamorfose das outras experiências de avaliação, por exemplo, considerando o Paiub? Temos 1) a questão da autoavaliação, que incorpora o Sinaes, 2) da ACE [Avaliação de Cursos de Ensino], que se transforma na avaliação de cursos que faz parte do Sinaes, e 3) do “Provão”, que se transforma no Enade

José Dias: Sim, dentro de um paradigma novo, mas aproveitando alguns instrumentos que já existiam antes, como a ACE. E o Enade [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes] numa concepção totalmente diferente do “Provão”, em vez de ser uma avaliação estática, somativa, é uma avaliação dinâmica, de mudança, e não de retenção de conhecimentos. Então, houve uma transformação, um aproveitamento de experiências anteriores, mas dentro de uma visão nova, constituindo um paradigma novo, na minha concepção.

Gladys: Agora eu queria perguntar-lhe sobre a Conaes [Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior], quais as discussões que houve no interior da comissão de avaliação (CEA) sobre a Conaes, e quais as funções que ela teria nessa concepção, se ela vai continuar como uma agência de avaliação, com funções operacionais?

José Dias: Não. A Conaes, na concepção da Comissão Especial de Avaliação, foi pensada como uma comissão que iria traçar as grandes linhas da política, supervisionar, garantir que os processos desenvolvidos nas instituições e no próprio INEP estejam de acordo com a concepção básica dos Sinaes. Então é um papel mais político, mais filosófico, e não instrumental.

Gladys: Está bom. Você lembra que no momento quando o Sinapes foi aprovado como medida provisória, ele tinha duas comissões, uma Conavi e uma Conapes? Na verdade, eu não me lembro muito bem de cor, isso valeu nesses 3 meses que vigorou a medida provisória, até se completar a lei dos Sinaes. E nós encontramos que...

José Dias: Você tem certeza disso?

Gladys: Sim, nós vemos certo paralelo entre aqueles que pensaram no Sinapes, do Cristóvam e, depois, a atuação da Conaes, e essa CTAA, que existe hoje em dia, que é a Comissão Técnica de Acompanhamento de Avaliação, que apareceu depois.

José Dias: Apareceu depois, eu não tive nenhuma participação na criação dela, não sei bem quais são as funções da CTAA, não sei se ela se justifica ou não, enfim, eu desconheço. Agora a Conaes, ao invés de um papel mais pedagógico, político e reflexivo que ela deveria ter, ela foi constituída um pouco burocraticamente, integrada por representantes de entidades, algumas delas sem muito envolvimento anterior com a avaliação educativa.

Gladys: Desde o início?

José Dias: Desde o início, poucos membros da Conaes tinham conhecimento e experiência de avaliação da educação superior; havia representante dos funcionários, dos estudantes, das instituições privadas etc., não necessariamente familiarizados com a temática da avaliação da educação superior e essa não era a concepção que nós tínhamos em termos da constituição da Conaes.

Gladys: Que era mais de acadêmicos e pessoas da área de avaliação?

José Dias: É, ela foi criada com um perfil mais político.

Gladys: Por que a Unicamp não acolheu o Sinaes e aderiu ao Enade? Há uma forte identificação entre a Unicamp e o “Provão”?

José Dias: Não é só a Unicamp, a USP também não aderiu, especialmente ao Enade2. É porque essas instituições já têm os seus processos próprios de avaliação, que são bons, e que em muitos sentidos correspondem ao que se espera do Sinaes. As estaduais não têm nenhuma obrigação legal de entrar no Sistema Nacional de Avaliação, porque elas se relacionam não com o MEC e, sim, com os Conselhos Estaduais de Educação.

Gladys: O processo de criação do Sinaes pouco aparece na revista Avaliação, assim como a constituição da Comissão Especial de Avaliação, só o faz em setembro de 2003, num texto de perguntas sobre o Sinaes, assinado por Dilvo Ristoff. Depois, em março de 2004, aí sim se informa sobre a CEA; depois é publicada a medida provisória e, então, queria lhe perguntar: por quê?

José Dias: É, embora a participação da revista tenha sido forte, já desde a construção do campo da avaliação no país e nas discussões do Sinaes, nós também queríamos manter a autonomia desta revista no sentido de não a tornar muito aderente ao Sinaes. Os artigos poderiam ser favoráveis, ou até mesmo contrários ao Sinaes, se quisessem fazer as críticas e as críticas tivessem qualidade de artigos.

Gladys: Inclusive, nos números dos anos seguintes, em 2005 e 2006, não tem prevalência do Sinaes na publicação dos artigos; eu vi que aparecem um, no máximo dois artigos que tratam do Sinaes.

José Dias: Antes do Sinaes, eu já havia publicado um artigo na revista, antes mesmo da comissão, em que eu fazia uma proposta de uma avaliação de sistemas de educação superior, que acabou sendo depois levado ao Sinaes. Isso está publicado antes da existência do Sinaes. Agora, depois eu não quis misturar as coisas, e mesmo depois de 2004, tenho várias publicações sobre avaliação, mas poucas aqui no Brasil.

Gladys: Sua produção acadêmica, pelo menos no Brasil, nessa época, começa a se concentrar na internacionalização da educação superior, sobretudo. E a revista muda o nome de avaliação institucional, para avaliação da educação superior. De “Revista da avaliação institucional da educação superior”, para “Revista da avaliação da educação superior”.

José Dias: Também pela Uniso [Universidade de Sorocaba].

Gladys: E também significa uma ampliação da temática?

José Dias: Da temática. Até não se limitando à avaliação. Cada vez mais à educação superior.

Gladys: Parece a única revista sobre educação superior no país...

José Dias: E é também meu caso pessoal, embora esteja trabalhando muita coisa da avaliação, como você já observou, eu tenho tratado muito de internacionalização, que é o grande tema do momento, junto com a questão da qualidade, da pertinência e da acreditação. Acredito que daqui a pouco a palavra “avaliação” perca também no Brasil um pouco a sua força e ganhe mais força a palavra “acreditação”, que já está por aí na América latina toda. As agências dizem muito mais “acreditación” do que “evaluación” e muitas vezes a avaliação serve principalmente como subsídio para a acreditação.

Gladys: Evaluación/acreditación?

José Dias: Claro, é CNA, na Colômbia, Comisión Nacional de Acreditación, e há muitos outros organismos com nomes semelhantes em quase todos os países da região; é acreditação muito mais do que avaliação o que vigora por aí.

Gladys: Bom, a instauração do Sinaes, então, foi um processo que teve muita discussão sobre as funções e os instrumentos de avaliação, em 2003 e 2004. Mas no segundo governo Lula, há uma volta da avaliação no mesmo sentido do de Fernando Henrique Cardoso, ao uso dos exames nacionais para a regulação.

José Dias: Especialmente a partir de 2008. No final de 2007 e começo de 2008 ocorre o desmonte da equipe da Deaes (INEP), que conduzia a avaliação da educação superior segundo os princípios e lineamentos gerais do Sinaes.

Gladys: Quanto o Sinaes se aproxima do que você esperava que fosse uma política de avaliação da educação superior, de acordo com o princípio da avaliação formativa e democrática? Em uma escala de 1 a 10.

José Dias: Em termos teóricos 10, em termos do que ele se tornou, é outra realidade; o que fizeram com o Sinaes de 2008 para cá está bem distante do 10.

Gladys: Como imagina o futuro da avaliação da educação superior em meio à grande internacionalização que acabou de mencionar.

José Dias: É a acreditação, eu creio que é a tendência e o Brasil está tendendo a isto. São os instrumentos internacionais, como já se faz, por exemplo, na educação básica com o IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], os Índices3, o PISA, o ENEM [Exame Nacional do Ensino Médio] - pode se transformar num futuro exame de entrada na universidade, semelhante ao que é feito nos Estados Unidos - e na graduação também alguma coisa que já se pratica na pós-graduação, que são as avaliações mais produtivistas, mais medição que produção de sentidos. As avaliações serão mais medida do que reflexão, muito mais controle do que questionamentos sobre valores e compromissos sociais. Medição, classificação, ranqueamento, um instrumento mais de acordo com a racionalidade de mercado. Acreditação, selos de qualidade, que já existem em alguns países e que certamente estão chegando aqui. Dificilmente vamos reverter essa tendência, mas temos de buscar construir um outro paradigma de avaliação da educação superior.

Referências

DIAS SOBRINHO, José. Avaliação Institucional da Unicamp: processo, discussão e resultados. Campinas: Unicamp, 1994. [ Links ]

PALHARINI, Francisco de Assis. Tormento e paixão pelos caminhos do Paiub. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas, SP, v. 6, n. 1, 2001. [ Links ]

1 Agradeço ao professor Valdemar Sguissardi pela leitura e comentários do texto.

2Em momento posterior a Unicamp aderiu ao Sinaes. A USP continua sem participar.

3Faz referência ao Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) e ao Conceito Preliminar de Curso (CPC) incorporados ao Sinaes em 2008.

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