1 Introdução
A maioria dos relatos com experiências na aplicação das metodologias ativas está associada às TDIC – Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. Indiscutivelmente, o uso de recursos da Tecnologia da Informação (TI) para aplicar os mecanismos e estratégias das Metodologias Ativas torna a experiência mais dinâmica e enriquecedora. No entanto, o ambiente de aplicação descrito neste trabalho difere bastante dos encontrados nos relatos de pesquisas. A experiência aqui foi planejada e aplicada em uma universidade pública situada na Zona Oeste do Rio de Janeiro. É reconhecidamente inclusiva, pois a maioria dos seus alunos foram usuários de cotas para o ingresso e são oriundos do ensino médio público local. As carências de fundamentos básicos são percebidas nitidamente, mas os professores da instituição têm consciência de sua responsabilidade social e buscam cumprir o seu papel de educadores, adequando seus métodos para este público em especial. Mas as dificuldades são muitas. A taxa de egressos é baixa, a evasão é alta, e é desafiador para o professor alcançar a motivação dos alunos. São poucos os laboratórios disponíveis, e não há internet sem fio em todo o campus. Como nem todos os alunos possuem smartphones com planos de dados, não há como estabelecer como pré-requisito para as aulas o uso de ferramentas de TI. Esse fator limitador conduziu a uma pesquisa nos fundamentos das Metodologias Ativas, de forma a identificar os recursos com mais peso pedagógico que tecnológico. É fundamental que as dinâmicas possam ser usadas em um ambiente sem disponibilidade de nada além da sala de aula tradicional e folhas impressas, uma vez que a instituição possui impressoras, papel e tinta disponíveis para impressões a cada encontro. Este objetivo não chega a ser um desafio, uma vez que este movimento surgiu muito antes da introdução da tecnologia e seus recursos, com a chamada “escola nova”, de John Dewey (SCHMIDT, 2009). Seu princípio básico era o “aprender fazendo”, que também é usado nas técnicas atuais, privilegiando o protagonismo do aprendiz, através de sua liderança, iniciativa, criatividade e cooperação com os colegas de classe. Paulo Freire (1996) também é convergente, introduzindo desafios baseados na problematização dos fenômenos cotidianos, de forma a conduzir os alunos a se motivarem a questionar a realidade e propor transformações. Independentemente de aprender de forma indutiva ou dedutiva, aprendemos com base em situações concretas.
Este trabalho está organizado da seguinte forma: a seção 2 descreve sucintamente os fundamentos teóricos necessários para o desenvolvimento da pesquisa, que são as metodologias ativas avaliadas antes do experimento, bom como aspectos sobre a motivação humana para o aprendizado. A seção 3 apresenta pesquisas correlatas, uma importante influência na escolha dos caminhos a trilhar. A seção 4 mostra a metodologia adotada, a seção 5 analisa os resultados e a seção 6 conclui o trabalho.
2 Fundamentação Teórica
Visando contextualizar os objetivos dessa pesquisa, são apresentados nesta seção aspectos dos dois principais componentes estudados: as Metodologias Ativas e a Motivação Humana, em especial na educação superior.
2.1 As metodologias ativas
Um dos maiores desafios para uma mudança na estratégia de ensino é a motivação do aluno e do professor. Todas as metodologias avaliadas para este experimento pressupõem o comprometimento do aluno em consumir conteúdo teórico disponível previamente, de forma a redirecionar o precioso tempo investido pelo professor na apresentação de conceitos que podem ser adquiridos pelo aluno de forma autônoma, de acordo com a sua disponibilidade temporal, estado de espírito e mídia preferida. Além disso, as técnicas precisam motivar, provocar reflexões, fundamentar-se no desejo de aprender.
2.1.1 A Escolha pelas Metodologias Ativas
As Metodologias Ativas caracterizam-se por objetivar que o aluno se torne o protagonista do seu desenvolvimento intelectual, tornando o professor um propositor de atividades em que o aluno aplica conhecimentos já adquiridos, criatividade, capacidade de análise, síntese e outras características desejáveis para a construção do seu próprio conhecimento (BACICH; MORAN, 2018). Privilegia também o trabalho colaborativo, através de atividades em pares ou grupos. O papel do professor também é profundamente modificado, uma vez que as atividades precisam ter objetivos muito bem definidos, com competências a adquirir associadas e passíveis de mensuração de sua eficácia, mas também proporcionar uma visibilidade muito clara para o aluno de sua evolução. Os métodos tradicionais são tipicamente carentes dessas características, uma vez que os instrumentos de avaliação são os raros momentos em que o aluno coloca à prova seus conhecimentos. Segundo Bacich e Moran (2018), o processo de aprender é mais eficiente quando os alunos estão motivados, e isso depende da identificação dos objetivos, e o processo de cada atividade até a sua conclusão, mas principalmente do potencial de contribuição de cada um individualmente para a solução dos desafios propostos.
É óbvio que o ideal é que esta mudança comportamental seja top-down, com treinamento e motivação para os professores, modificações curriculares para alinhamento com as novas técnicas e apoio incondicional da direção, mas sabe-se que a realidade das instituições públicas é bem diferente.
2.1.2 Técnicas Avaliadas
As técnicas de Metodologias Ativas já foram exaustivamente discutidas na literatura, com comprovada melhoria no aprendizado. Uma percepção óbvia é que o uso de técnicas variadas pode motivar o aluno mais do que o uso de uma única técnica durante o curso. A demanda de engajamento do aluno, através de estudo prévio, parece ser o principal desafio. Algumas técnicas que foram selecionadas para avaliação serão sucintamente descritas a seguir.
2.1.2.1 Aula Invertida
A técnica de aula invertida (flipped Classroom) busca otimizar o tempo de aula, porque o professor é responsável por antecipar a disponibilização ou indicação de fontes de informação sobre os objetivos a alcançar, para que o aluno possa previamente ao encontro síncrono se preparar para aplicar os conceitos aprendidos, dentro de um contexto de aplicação prática (BERGMANN; SAMS, 2016). A ideia é que o que é tradicionalmente feito em sala de aula atualmente seja feito individualmente pelo aluno em casa, e o que é tradicionalmente feito como “dever de casa” seja feito em sala de aula, representando efetivamente uma inversão nos paradigmas de aprendizado (RIBEIRO; PASSOS, 2020). Isso pode ser feito com uma simples lista de questões, e as discussões vão evidenciar as carências individuais para os próprios alunos, porém sem expô-los a constrangimentos. O uso de atividades de aplicação prática dos conhecimentos em desafios do mundo real pode eventualmente conduzir a um maior engajamento e motivação.
2.1.2.2 Aprendizagem Baseada em Problemas
A técnica PbL (Problem-based Learning) foi criada na década de 60 na área da Medicina (BACICH; MORAN, 2018), e hoje em dia é bastante comum em cursos de outras áreas, em virtude da sinergia que se pode alcançar quando os estudantes tentam combinar suas vivências com a base teórica no tratamento de uma situação-problema. Nesse contexto, podem ser discutidas possíveis razões para a existência do problema e propor uma correção dela, ou então uma forma de tratamento para um problema aparentemente sem possibilidade de reversão. Um grande ponto positivo dessa metodologia é que o professor pode usar situações práticas típicas da rotina profissional do egresso do curso em que está sendo aplicada, com grande potencial para manter os alunos motivados e dedicados à solução do desafio proposto. É considerada uma estratégia educacional que contribui significativamente para o desenvolvimento de raciocínio lógico e competências na comunicação com terceiros, qualidades essenciais para o sucesso na vida profissional (RIBEIRO; PASSOS, 2020). A competitividade inata do ser humano também faz com que essa técnica seja interessante para alunos com dificuldades de atenção.
Outro aspecto relevante da PbL é a sua transdisciplinaridade, agregando conhecimentos e experiências que envolvem aspectos humanos, tecnológicos, éticos, arquiteturais e vários outros em uma abordagem holística.
2.1.2.3 Aprendizagem Baseada em Projetos
Projetos onde vários conhecimentos de uma ou mais disciplinas devem ser aplicados para a consecução de objetivos permitem que o tempo entre os encontros presenciais seja utilizado para reflexões profundas, observação no mundo real e um processo de melhoria contínua. Assim como a PbL, propõe o trabalho colaborativo, mas demanda um papel mais participativo do professor, não apenas na condução das fases da atividade, mas principalmente para evidenciar questões que representam possíveis problemas na escolha de determinadas soluções para o projeto como um todo. Dentre as possíveis abordagens para o uso desta técnica (BACICH; MORAN, 2018), a mais simples e interessante para uma primeira experiência com as Metodologias Ativas é a de Exercício-Projeto, onde a atividade é aplicada no âmbito de uma única disciplina. As demais abordagens são a componente-projeto, não articulada a uma disciplina específica, a abordagem-projeto, quando há viabilidade de interdisciplinaridade entre disciplinas, e a currículo-projeto, onde não há a identificação explícita de uma ou mais disciplinas.
2.1.2.4 Aprendizagem por Jogos (Gamificação)
Atividades lúdicas costumam motivar e prender o interesse de pessoas de qualquer idade, desde que adequadamente conduzidas. Além da competitividade humana já mencionada, a possibilidade do uso de cenários adaptativos, dependentes das decisões tomadas ao longo do jogo, possuem grande potencial de melhorar o aprendizado. É possível observar que conceitos de gamificação são aplicados em várias áreas de conhecimento (RIBEIRO; PASSOS, 2020). A maior dificuldade no uso desta técnica parece ser a sua preparação, de forma a não tornar a competição mais relevante que o aprendizado. Segundo depoimentos colhidos pelos autores de alunos usuários de jogos, a atividade traz pequenas recompensas que estimulam a continuidade desse processo competitivo. É importante então, ao adotar atividades de gamificação, que se mantenha essa estratégia, oferecendo recompensas cumulativas que mantenham o aluno motivado a participar com entusiasmo, e com isso, alcançar o verdadeiro objetivo, que é o aprendizado.
A próxima seção descreve algumas definições de Motivação, com foco na área educacional.
2.2 Motivação para o Aprendizado
Apesar de serem conhecidos há décadas trabalhos sobre Motivação Humana voltados à produtividade industrial, como os estudos de Maslow e Herzberg, percebe-se a complexidade da discussão quando se trata do desejo de aprender. A Motivação pode ser definida como: “Tensão afetiva suscetível de desencadear uma determinada atividade com o objetivo de alcançar algo.” (RIBEIRO; SARAIVA; PEREIRA; RIBEIRO, 2019). Em outro trabalho, encontra-se a seguinte definição: “A Motivação para aprender pode ser compreendida como um fenômeno dinâmico e multifacetado, que tem importante papel na aquisição de conhecimento e no desempenho acadêmico, em diferentes níveis de ensino.” (PEREIRA; CASTILLO; ZOLTOWSKI; TEIXEIRA; SALLES, 2022). Para uma comparação, pode-se ainda encontrar outras definições, como “A Motivação pode ser entendida como um estado ou condição interna que nos desperta para a ação, dirige e persiste o nosso comportamento e nos envolve em certas atividades.” (RIBEIRO; RIBEIRO; PEREIRA, 2022). Pode-se observar nessas definições a subjetividade dos elementos motivadores, bem como o seu potencial multidimensional.
Há muitas teorias desenvolvidas, que divergem em aspectos que possuem potencial para influenciar na motivação de um indivíduo. Fatores pessoais, sociais, contextuais e outros são omitidos ou destacados, buscando oferecer uma sistematização da busca pela motivação do aluno (RIBEIRO; RIBEIRO; PEREIRA, 2022). Dentre as propostas, destaca-se a Teoria da Autodeterminação, que classifica os estímulos em três categorias: intrínseca, extrínseca e desmotivação. É apontada como promissora, por ultrapassar a dicotomia entre aspectos intrínsecos e extrínsecos, indicando que indivíduos possuem uma tendência inata a desenvolver-se pessoalmente, interiorizando suas experiências em direção ao sucesso pessoal. (INÁCIO; SCHELINI; NORONHA, 2021).
A próxima seção descreve trabalhos que contribuíram significativamente para um entendimento mais profundo das técnicas e influenciaram na decisão do modelo a ser adotado para a pesquisa.
3 Trabalhos Relacionados
Muitos relatos sobre experiências com metodologias ativas podem ser encontrados na literatura. Após o trabalho de revisão sistemática, onde foram usadas chaves de busca compatíveis com as características do experimento pretendido nesta pesquisa, foram selecionados e avaliados 304 trabalhos, dos quais 59 possuem similaridades relevantes, e suas contribuições foram importantes para o planejamento, execução e avaliação dos resultados obtidos. Muitos dos trabalhos avaliam genericamente o potencial agregador das metodologias ativas, e foram descartados durante o processo de seleção, em favor de experiências correlatas ao ensino superior de disciplinas de computação.
A pesquisa de Blaszko, Ujiie e Claro (2021) avalia a contribuição das técnicas ativas na prática docente de professores universitários. Usa uma abordagem qualitativa através de um estudo de caso, baseado em uma pesquisa com docentes. O estudo mostra que a importância das metodologias ativas no ensino superior é perceptível para os docentes, mas há um notável destaque nas dificuldades no rompimento da chamada “zona de conforto” dos professores. As técnicas de aprendizagem baseada em problemas, rotação por estações, aprendizagem em pares, gamificação e sala de aula invertida são as mais utilizadas. O estudo conclui que os docentes concordam que as metodologias contribuem para a participação efetiva dos alunos como protagonistas do seu aprendizado, proporcionando a construção coletiva do conhecimento. Com relação às dificuldades, propõe uma formação especializada nas técnicas ativas para os professores, proporcionando um momento de discussão, reflexão e popularização de sua aplicabilidade.
O trabalho de Garcia, Oliveira e Carvalho (2022) propõe a construção de planos de ensino personalizados para disciplinas de algoritmos com o uso de metodologias ativas. A principal motivação foi a alta taxa de reprovações nesta disciplina, um dos pilares fundamentais dos cursos de computação. Os autores argumentam que, uma vez que as técnicas possuem características diferentes, há demanda de um cuidadoso planejamento, com identificação precisa dos objetivos a atingir, recursos auxiliares necessários e uma metodologia de avaliação de resultados muito bem definida. Seis diferentes técnicas ativas foram selecionadas, com propósitos diferentes. Para a seleção delas, foi usada uma correlação entre as características de cada unidade de ensino com os níveis cognitivos da Taxonomia de Bloom. Após a definição do plano de ensino, o experimento foi conduzido com dois grupos de 34 alunos. Em um deles manteve-se a abordagem tradicional. No outro, o plano de ensino com metodologias ativas foi adotado. Os resultados mostraram diferenciais relevantes em comparação com outras experiências, uma vez que, além do ganho estatístico nas métricas definidas para avaliação do nível de aprendizado, o uso de múltiplas técnicas em uma mesma disciplina não é verificado na maioria dos trabalhos analisados.
A pesquisa de Ribeiro e Passos (2020) também se dedica à avaliação do uso das metodologias ativas no estudo de assuntos da área da computação. Argumenta que os desafios de aprendizado nessa área demandam o desenvolvimento de competências específicas, e se propõe a avaliar quais técnicas seriam mais apropriadas para esta demanda. Na revisão sistemática, identificaram as técnicas de Gamificação, Aprendizado por Problemas, por Projetos, em pares e em grupos, e sala de aula invertida. Relata a observação de resistência à adoção das técnicas ativas por alguns professores, o que representa um desafio para uma adoção mais ampla. Através de perguntas de pesquisa bem elaboradas, identificou que a gamificação foi destacadamente a mais adotada dentre os trabalhos pesquisados, com 74%, seguido de Aprendizado Baseado em Problemas (17%), Projetos (9%), Instrução aos Pares (6%), Sala de Aula Invertida (6%) e Aprendizado em Grupos (3%). Também pesquisou sobre a percepção dos alunos quanto a aplicação das metodologias ativas no aprendizado de temas de computação, principalmente para aferir a influência na motivação pessoal para se dedicar ao aprendizado, uma vez que, com o uso de metodologias ativas, o comprometimento do aluno é essencial. Dentre as técnicas citadas acima, todas foram indicadas majoritariamente como impulsionadores da satisfação no aprendizado e na motivação para estudar o tema, porém, a técnica de sala de aula invertida não foi percebida nos estudos avaliados como uma técnica que traga a sensação de domínio do conteúdo. Notifica que o uso das técnicas ativas desenvolve novas habilidades, como iniciativa, criatividade, análise crítica, capacidade de autoavaliação e competências no trabalho colaborativo. Também ressalta as dificuldades, como a falta de comprometimento de alunos fora do ambiente de sala de aula, bem como o desafio de manter a atenção e envolvimento deles nas atividades presenciais.
Uma interessante avaliação da técnica de Sala de Aula Invertida pode ser encontrada no trabalho de Elazab e Alazab (2015). Das técnicas estudadas na seção anterior, esta aparentemente é a mais simples e imediata. Nela, o fundamento é a inversão dos momentos de apresentação de conceitos e exemplos com o de atividades de fixação. No trabalho, um estudo de caso de aplicação da metodologia para alunos de ensino superior na área de tecnologia evidenciou pontos interessantes, como a importância do cuidado não apenas no planejamento da correlação das aulas assíncronas com as presenciais, mas principalmente na elaboração dessa apresentação prévia. Um dos principais desafios conhecidos é alcançar a motivação dos alunos, e durante o experimento concluiu-se que o ideal são aulas curtas, objetivas e ilustradas, com exemplos de aplicação da teoria, e segmentadas por tópicos bem definidos. Ressalta o ganho perceptível na utilização do tempo do professor e do aluno dedicados à disciplina, e aprofunda o acesso dos alunos à expertise do professor. Foi registrado um aumento do desempenho dos alunos do grupo experimental da ordem de 23% nos testes realizados, mas também foram destacados desafios na construção de aulas assíncronas para conteúdos complexos, e dificuldades para os instrutores compreenderem seu novo papel com a aplicação da técnica e saírem de sua zona de conforto.
Em virtude das já mencionadas carências de recursos no ambiente de aplicação do experimento deste trabalho, foi selecionado o trabalho de Ferrarini, Saheb e Torres (2019), que avalia as aproximações e distinções entre o uso de tecnologias digitais e as Metodologias Ativas no ensino superior. Nele, foram analisadas as técnicas de aprendizagem por projetos, problemas, por pares, estudos de caso e sala de aula invertida. Seus resultados indicam que as metodologias ativas não prescindem do uso de tecnologias digitais, apesar do indiscutível poder potencializador delas. Após descrever detalhadamente os procedimentos, passos didáticos e recursos tecnológicos necessários, aponta que tecnologias são os vários recursos que transformam as relações de produção e de vida em sociedade ao longo da história. Desta forma, no contexto educacional, a lousa, lápis, canetas e cadernos possuem papel correlato aos tablets e computadores, não obstante suas óbvias diferenças em funcionalidades. Ressalta que, na educação, as tecnologias são todos os produtos, instrumentos e equipamentos que os professores e alunos utilizam para ensinar e aprender. Relata que a maioria das metodologias ativas foram idealizadas e inicialmente aplicadas antes do advento das tecnologias digitais estarem acessíveis para todos, sendo assim, não há razões para se estabelecer uma relação de dependência fundamental entre elas. Indica como pontos essenciais para o uso de qualquer Metodologia Ativa que a aprendizagem seja o centro do processo, com um planejamento que objetive o desenvolvimento de vários e complexos fluxos cognitivos, sempre mantendo o aluno como protagonista de seu aprendizado. Para isso, indica a adoção de problemáticas a serem resolvidas e temáticas a serem exploradas, de forma que o aluno produza conhecimento, no lugar de apenas reproduzi-lo, como na educação tradicional.
No trabalho de Arbelaitz, Martin e Muguerza (2015), uma experiência em um curso de Arquitetura de Computadores conduzida ao longo de três anos é descrita. Nela, são usadas as metodologias de aprendizado colaborativo e de aprendizado baseado em projetos. A escolha é justificada pela demanda de desenvolvimento de habilidades de solução de problemas em equipe. Ressalta a relevância de engajar os alunos em tarefas compatíveis com os desafios do mundo real, com várias soluções possíveis, uma vez que possuem grande potencial de gerar motivação. A mensuração dos resultados foi feita através de três questionamentos referentes à influência das metodologias adotadas: como as técnicas influenciam o comportamento do aluno no tempo de dedicação à disciplina, como impactam as notas nos exames e como afetam a satisfação dos alunos. Os indicadores foram comparados com o histórico dos anos anteriores. No primeiro quesito, observou-se um aumento do tempo dedicado, o que pode representar um maior nível de engajamento e motivação. No segundo, nos três anos de condução da disciplina com as metodologias ativas as médias obtidas foram superiores às do histórico, e a percepção dos estudantes foi significativamente positiva, chegando a níveis de mais de 80% de satisfação e desejo de que a abordagem se expanda, em comparação com índices de aproximadamente 60% em outros cursos. Mais de 70% dos alunos declararam que o uso das técnicas ativas os ajudou a compreender melhor os conceitos teóricos, e mais de 90% as consideram relevantes no estabelecimento de relacionamentos entre teoria e prática. É importante destacar que, apesar dos números animadores, uma grande parcela de alunos manifestou preocupações quanto a falta de condução dos desafios pelos professores, o que fez os autores recomendarem expressamente que se planeje formas de conduzir as atividades sem a necessidade de uma tutoria excessiva, de forma a garantir que o protagonismo permaneça com os alunos.
Alinhado com as principais preocupações no início do planejamento da realização deste trabalho, a pesquisa de Mota e Rosa (2018) faz reflexões e propostas sobre o uso de Metodologias Ativas. Usando conceitos da psicologia cognitiva e da metacognição, sugere práticas no sentido de alcançar o envolvimento do aluno ativamente em sala de aula, visando desenvolver competências como: a autonomia intelectual, o pensamento crítico e a capacidade de aprender a aprender. Aponta que os ambientes de ensino tradicionais são eminentemente passivos, baseados quase exclusivamente na exposição pelo docente. Isso torna o aprendizado ineficaz, em virtude da complexidade dos processos orgânicos (cognitivos), bem como pela dificuldade em se manter as mentes dos alunos ativas na sala de aula. Ressalta que uma aprendizagem significativa prescinde de que o aluno construa o seu próprio conhecimento, e se o estado de atenção durante a aula varia, os alunos estudam apenas nos momentos de avaliações, tendendo a provocar a memorização no lugar do entendimento. As Metodologias Ativas buscam exatamente mudar esse cenário, criando um ambiente onde o aluno representa um papel mais ativo, comunicativo e investigador. O professor muda seu papel para o de monitor durante as aulas, com o dever de criar atividades diversificadas dentro de seu ambiente de aprendizagem. Como boas práticas, sugere o uso de algumas estratégias, dentre as quais pode-se citar:
a) Preparar aulas curtas, com objetivos bem delimitados e compatíveis com esse tempo;
b) Procurar sempre contextualizar o conteúdo, associando-o a conhecimentos já adquiridos;
c) Usar o ensino colaborativo, pois, de acordo com a teoria social construtivista, favorece as atitudes de escuta, expressão, negociação, respeito e tolerância;
d) Avaliar constantemente e dar feedbacks rápidos, de forma a permitir ajustes por parte do aluno antes das avaliações formais;
e) Estar sempre concentrado em motivar os alunos. A motivação é um elemento essencial para conquistar a atenção, e consequentemente promover o aprendizado;
f) Nas avaliações, adotar uma complexidade gradual e em ordem crescente de complexidade, visando acompanhar o processo de amadurecimento dos conceitos.
Ao fim, lamenta que, apesar de décadas de discussão e inúmeros relatos de sucesso na satisfação dos alunos e melhoria notável nos resultados das avaliações, o processo de adoção pelas instituições é lento. Atribui esse fenômeno à resistência dos professores pelos ambientes experimentais, por conta da demanda de investimento pessoal na preparação das atividades e pela dificuldade em perceber, em tempo útil, o ganho no aprendizado com esse tipo de aulas.
Por último, mas não menos importante, o artigo de Brandl et al. (2021) faz uma importante reflexão sobre a flexibilização curricular, de forma a promover a inclusão. Conforme já descrito anteriormente, o universo do desenvolvimento da pesquisa e da aplicação do experimento deste trabalho é uma instituição de ensino pública honestamente preocupada com a inclusão. Políticas de cotas e vestibulares isolados, além da localização em uma área carente e circundada por várias comunidades, permite o alcance de números animadores quanto à inclusão de alunos. No artigo, os autores ressaltam que o planejamento de uma educação inclusiva precisa olhar para diferentes sujeitos, que possuem tempos e modos de aprendizagem diferentes. É necessário adotar metodologias que alcancem as expectativas e necessidades, de forma a garantir a aprendizagem de todos os alunos. Incluir é mais do que colocar alunos com deficiências em sala de aula, porque é preciso inserir todos os alunos de forma total e completa. Pontuam que o processo de inclusão traz à tona possibilidades e oportunidades de mudanças na lógica social atual, demandando modificações de caráter prático no status quo da educação, cuja concepção se destina a pessoas “normais”. Indica que as maiores dificuldades na inclusão não estão relacionadas com as eventuais deficiências de cada um, e sim às oportunidades e possibilidades oferecidas a todos. Conclui esse raciocínio indicando que é mister que a escola ofereça novos recursos de ensino e aprendizagem, mas também é fundamental que os professores se engajem nesse processo. Como orientação básica, sugere que as práticas pedagógicas superem o uso de atividades que incitem a memorização de um conteúdo descontextualizado e sem conexão com a vivência dos alunos. As Metodologias Ativas se propõem justamente a criar contextos, engajar, trabalhar colaborativamente, enfim, aprender praticando, e em um contexto em que se deseja firmemente a inclusão, é um excelente recurso a ser avaliado.
4 Metodologia Adotada
A escolha das técnicas a serem experimentadas seguiu os seguintes requisitos:
a) Não é possível escolher atividades em que o acesso à internet no momento das atividades seja essencial em todas as aulas. Sempre que houvesse laboratório disponível, ele seria utilizado preferencialmente;
b) Não é viável, por indisponibilidade de recursos financeiros, usar aplicativos com limitações para o uso gratuito; e
c) É possível submeter o aluno a leituras prévias, vídeos e outros instrumentos online, uma vez que a instituição possui laboratórios coletivos com acesso à internet.
As disciplinas escolhidas foram: Redes de Computadores, Eletiva Cisco CCNA, Segurança da Informação e Gestão da TI. Em função dos fatores limitadores elencados, as técnicas escolhidas foram as listadas a seguir, além da sala de aula invertida, usada em todas:
a) Redes de Computadores - PbL e Gamificação;
b) Eletiva Cisco CCNA e Segurança da Informação - PbL;
c) Gestão da TI - Aprendizagem Baseada em Projetos.
Para todas as disciplinas foram gravadas aulas teóricas bem ilustradas com exemplos e exercícios de fixação ao final de cada aula, técnica usada na sala de aula invertida. Foi instalado um ambiente AVA - Ambiente Virtual de Aprendizagem - baseado em Moodle, onde, além das aulas gravadas, um exercício abrangendo todos os tópicos foi disponibilizado para cada aula, com a programação para ficar disponível apenas durante a semana de aula, valendo 20% da nota em cada ciclo - AV1, AV2 e AV3. A intenção foi criar o hábito de dedicar um tempo regular semanal a cada disciplina, evitando o procedimento comum de estudar apenas para as provas. Nas disciplinas de Redes de Computadores e Segurança da Informação, a cada aula eram distribuídos questionários impressos com problemas, e os alunos eram agrupados em pares para a elaboração de soluções. Ao final de um tempo variável conforme a complexidade do desafio, os alunos eram convidados a apresentar suas soluções e o professor enriquecia as proposições com fundamentos teóricos e ilustrações práticas. A Gamificação adotada em Redes foi possível pela alocação em laboratório, onde um aplicativo livre e gratuito de análise de tráfego era usado pelos alunos para capturar amostras de quadros com as características do assunto em discussão, com pontuação de participação para os que obtivessem sucesso e explicassem o processo para os demais colegas. A disciplina Eletiva Cisco CCNA também foi ministrada em laboratório, porém foi adotado um modelo diferente do tradicional. O ambiente disponibilizado pela empresa Cisco para educação é completo, com todo o material didático já organizado para as aulas. No entanto, foram adotados problemas diferentes dos disponíveis, conduzindo o aluno a usar os conhecimentos adquiridos na resolução de problemas propostos. A disciplina de Gestão de TI foi desafiadora, porque o modelo escolhido foi o de, durante o período, desenvolver um projeto completo de TI para uma empresa conhecida do mercado. Nas aulas, tópicos específicos da metodologia de projeto eram discutidos por todos os alunos, que após a discussão precisavam esboçar a adaptação desses conceitos em seus respectivos projetos.
No início do período um questionário sobre as expectativas dos alunos foi coletado, bem como ao final das disciplinas, outro sobre a percepção do aluno quanto a sua própria participação no experimento. Os resultados obtidos estão descritos na próxima seção.
5 Resultados
No início do experimento, com o objetivo de mensurar o nível de motivação dos alunos para uma mudança na forma de aprender, foi coletado um questionário anônimo, após três semanas de aula. Dentre as respostas, destacam-se as seguintes:
A figura 1 revela que mais da metade dos alunos assumem dificuldades de concentração, um problema para alcançar a motivação.
A figura 2 ilustra que quase metade dos alunos admite não estar assistindo as aulas com antecedência, corroborando a percepção inicial, de que a motivação é o problema central.
Ao final do período foram novamente coletadas percepções anônimas, de onde se destacam as seguintes respostas:
A figura 3 sugere que a escolha de razões gerenciáveis pelo aluno, como “falta de tempo” ou “preocupação com outras disciplinas” é um possível indicador de desmotivação.
No final da pesquisa, o aluno era convidado a dar sugestões, e dentre elas podem ser destacadas:
Os resultados obtidos permitem concluir que o potencial agregador das Metodologias Ativas é inegável. No entanto, atenção especial precisa ser dedicada à motivação dos alunos. O feedback dado pelos alunos anonimamente também foi essencial, por indicar melhorias na estratégia adotada, por exemplo:
6 Conclusões
As Metodologias Ativas representam um indiscutível avanço na relação entre professor e aluno, invertendo o protagonismo da aula. Mesmo em um cenário com carência de recursos, as técnicas podem ser aplicadas e aumentar o engajamento do aluno.
Este trabalho descreveu uma experiência em uma universidade pública inclusiva, com alta taxa de evasão, onde, com boa vontade e recursos mínimos, as aulas se tornaram viagens ao interior de assuntos complexos, tornados simples através da prática e da troca de experiências entre os próprios alunos. Os registros feitos em pesquisas no início e ao final das aulas, sempre de forma anônima, permitiram aferir que a satisfação dos alunos foi massiva, e as poucas críticas foram justas e já se tornaram requisitos para a estratégia dos próximos períodos.
Uma preocupação já existente desde a intenção de se adotar esse modelo disruptivo de ensinar ainda permanece: como motivar os alunos a se engajarem, assistirem as aulas gravadas previamente e, com isso, aumentar o seu nível de compreensão dos conceitos de cada disciplina.