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Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

Print version ISSN 1414-4077On-line version ISSN 1982-5765

Avaliação (Campinas) vol.28  Sorocaba  2023  Epub June 26, 2023

https://doi.org/10.1590/s1414-40772023000100005 

Artigo

As intersecções entre gênero e educação em direitos humanos na produção do conhecimento (2015-2020)

Las intersecciones entre el género y la educación em derechos humanos em la producción de conocimientos (2015-2020)

Natália Melo1  , Estrutura metodológica, interpretação dos dados e escrita do texto
http://orcid.org/0000-0002-6610-4799

Roberta Mendonça2  , Coleta de dados, análise dos dados e escrita do texto
http://orcid.org/0000-0002-9435-172X

Fernando da Silva Cardoso3  , Coleta de dados, análise dos dados e escrita do texto
http://orcid.org/0000-0001-8460-0406

1Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro | Rio de Janeiro | RJ | Brasil. E-mail: oliveiramelonatalia@hotmail.com | Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6610-4799

2Universidade Estadual do Rio de Janeiro | Rio de Janeiro | RJ | Brasil. E-mail: robertas.mendonca@hotmail.com | Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9435-172X

3Universidade Estadual do Pernambuco | Recife | PE | Brasil. E-mail: fernando.cardoso@upe.br | Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8460-0406


Resumo

A educação é ferramenta que transforma as relações sociais. Assim, compreender como se dá a construção do conhecimento na intersecção que se perfaz com as discussões sobre Educação em Direitos Humanos e gênero faz com que tenhamos uma sociedade mais cidadã e que respeite as diferenças entre os sujeitos. Acerca disso, o objetivo geral deste estudo parte da análise da produção do conhecimento que intersecciona a Educação em Direitos Humanos e gênero nos Programas de Pós-Graduação brasileiros. Como objetivos específicos, visamos mapear as produções sobre as questões de gênero interseccionadas com a Educação em Direitos Humanos nos Programas de Pós-Graduação no Brasil; e refletir sobre a categoria gênero na produção de conhecimento na área da Educação em Direitos Humanos. Para isso, nos utilizaremos do acervo da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, compreendendo o lapso temporal relacionado aos períodos de 2015 a 2020, momento em que houve a ascensão do discurso conservador acerca dessas temáticas. Além disso, a pesquisa busca perceber em quais Programas e linhas de pesquisa tal intersecção se apresenta de maneira mais contundente. A metodologia utilizada parte do método dialético, com abordagem qualitativa, sendo o tipo de pesquisa de cunho bibliográfico, exploratório e descritivo, com coleta de dados documentais e análise de conteúdo.

Palavras-chave: educação em direitos humanos; gênero; pós-graduação

Resumen

La educación es una herramienta que transforma las relaciones sociales. Así, entender cómo se construye el conocimiento en la intersección que se hace con las discusiones sobre Educación en Derechos Humanos y género nos permite tener una sociedad más cívica y respetuosa de las diferencias entre los sujetos. Sobre esto, el objetivo general de este estudio parte del análisis de la producción de conocimiento que cruza la Educación en Derechos Humanos y el género en los Programas de Postgrado brasileños. Como objetivo específico, mapeamos las producciones sobre cuestiones de género cruzadas con la educación en derechos humanos en los programas de postgrado en Brasil y reflexionamos sobre la categoría de género en la producción de conocimiento en el área de la educación en derechos humanos. Para ello utilizaremos la colección de la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones, comprender el lapso de tiempo que comprende los años 2015 a 2020, período en el que hubo un discurso más conservador sobre estos temas. Además, la investigación busca percibir en qué Programas y líneas de investigación se presenta esta intersección de manera más contundente. La metodología utilizada parte del método dialéctico, con un enfoque cualitativo, siendo el tipo de investigación exploratoria bibliográfica y descriptiva con recogida de datos documentales, y el análisis de datos, el de contenido

Palavras clave: educación en derechos humanos; género; postgrado

Abstract

Education is a tool that transforms social relations. Thus, understanding how knowledge is constructed in the intersection that is made with discussions on Human Rights Education and gender allows us to have a more civil society that respects the differences between individuals. About this, the general objective of this study comes from the analysis the production of knowledge that intersects Human Rights Education and gender in Brazilian Graduate Programs. As a specific objective we map the productions about gender issues intersected with Human Rights education in Postgraduate Programs in Brazil and reflect on the gender category in the production of knowledge in the area of Human Rights education. For this we will use the collection of the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations, understanding the time lapse that comprises the years 2015 to 2020, a period where there was a more conservative discourse about these issues. Furthermore, the research seeks to understand in which Programs and lines of research this intersection is more evident. The methodology used is based on the dialectical method, with a qualitative approach, being the type of bibliographic exploratory and descriptive research with documental data collection, and data analysis, that of content.

Keywords: human rights education; gender; graduate studies

1 Introdução

A Educação em Direitos Humanos (EDH) é relevante na medida em que se coloca enquanto processo que orienta a formação de sujeitos de direitos, através da afirmação de uma consciência cidadã por meio do fortalecimento de práticas sociais em favor da defesa e promoção dos Direitos Humanos.

Necessário recordar que a Educação em Direitos Humanos pode ser considerada recente no Brasil. Surgiu durante o processo de redemocratização iniciado no final dos anos de 1980, marcada pela necessidade de educar os sujeitos, e coincide com o projeto crítico e de mundo em prol da consciência do real sentido dos recentes processos de violação de direitos humanos e, igualmente, sobre as lutas sociais diante de tais processos. Informar/educar os diferentes sujeitos, dar base para suas ideologias de liberdade/igualdade significa, pois, garantir a democracia, mostrando assim a importância da EDH durante o processo de redemocratização do país e na consolidação da democracia.

Assim, o debate sobre a diversidade humana e as discussões de gênero opera, em diálogo com a EDH, no enfrentamento de binarismos, entre eles certo e errado, normal e patológico, que acabam por fundamentar novas violências e contribuem para a marginalização sistemática de grupos vulneráveis. No referido quadro histórico, a linguagem dos direitos humanos e da diversidade representa a busca por uma sociedade cada vez menos intolerante quanto às diferenças.

Nesse sentido, a questão norteadora das reflexões aqui traçadas é sintetizada a partir do seguinte questionamento: em que medida a produção do conhecimento intersecciona a Educação em Direitos Humanos e gênero nos Programas de Pós-Graduação brasileiros? Para alcançar o problema de pesquisa, o objetivo geral consiste em: analisar em que medida a produção do conhecimento intersecciona a Educação em Direitos Humanos e gênero nos Programas de Pós-Graduação brasileiros. Foram ainda estabelecidos os seguintes objetivos específicos: mapear as produções científicas sobre as questões de gênero interseccionadas com a Educação em Direitos Humanos nos Programas de Pós-Graduação no Brasil; e refletir sobre a categoria gênero na produção de conhecimento na área da Educação em Direitos Humanos.

É na perspectiva de contribuir com discussões que interseccionem a Educação em Direitos Humanos e gênero que esta pesquisa se constrói, com vistas a dimensionar que a simbiose entre estes dois campos pode contribuir e construir uma agenda destacada sobre o respeito à diversidade humana.

O percurso metodológico adotado por nós parte do que se conhece como estado da arte ou estado de conhecimento, que se coloca como técnica direcionada a realizar o mapeamento acerca de determinados assuntos em específicos campos do saber. Essa técnica também apresenta o desafio de perceber as modulações que determinado campo do saber constrói (FERREIRA, 2002). Aqui, a presente proposta é mapear as pesquisas sobre Educação em Direitos Humanos e gênero para que seja possível perceber quais os Programas de Pós-graduação que têm se dedicado às discussões e desde que linhas de pesquisa se colocam, ou seja, de que maneira específica e quais movimentos têm construído.

É utilizada a abordagem qualitativa para que possamos compreender os sentidos e significados das pesquisas. O tipo de pesquisa adotado é a de cunho bibliográfico-exploratório e descritivo, na intenção de relacionar o estágio do estado de conhecimento sobre Educação em Direitos Humanos e gênero. A coleta de dados é de cunho documental (GIL, 2009) e se deu a partir do acervo da Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Elencamos os anos de 2015 a 2020, utilizando os descritores de “educação”, “gênero” e “direitos humanos”, buscando delinear as pesquisas veiculadas a nível de mestrado e doutorado nas universidades brasileiras. Para o encaminhamento do estudo, analisamos os materiais a partir de algumas áreas do conhecimento, sendo elas: Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Interdisciplinar.

2 A produção do conhecimento na área de ciências humanas

A produção do conhecimento sobre EDH e gênero, na área de Ciências Humanas, no Brasil é fortemente marcada pelas contribuições das pesquisas educacionais. O trabalho de Silva (2015), realizado junto ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal da Paraíba, intitulado “Análise da produção científica brasileira sobre relações de gênero na educação infantil”, é um exemplo e traça um desenho acerca das discussões sobre gênero na educação infantil, percebendo que o gênero é a primeira divisão que se apresenta para os corpos e que esse debate, na educação infantil, é orientado em perceber como se dão as relações de gênero no referido contexto escolar.

No mesmo sentido, Santos (2015b), apresenta uma perspectiva racializada e ligada aos povos tradicionais – quilombolas –. Ressalta como jovens do ensino médio entendem o gênero, a partir de entrevistas com pessoas que se identificavam como sendo do sexo feminino e masculino. A autora traça a percepção acerca da luta pelo reconhecimento das terras quilombolas, identificando que os jovens, participantes da pesquisa, não apresentavam tal traço de envolvimento com a comunidade e que, acerca do gênero, ligavam-se sobretudo a papéis historicamente atribuídos ao feminino e ao masculino. O trabalho, realizado junto à Universidade Federal de Mato Grosso - UFMG, no Mestrado em Educação, tem como título “Labirinto de gênero e ambiente: diálogos com alguns jovens quilombolas da comunidade de Mata Cavalo”.

Memórias de infância, relações de gênero e sexualidade nos significados e narrativas de professores/as”, elaborado por Cespedes (2015), também na UFMG e no Mestrado em Educação, relaciona compreensões acerca da dificuldade de profissionais da educação trabalharem sobre os temas gênero e sexualidade na educação infantil, inclusive por não estarem previstos nos Projetos Políticos Pedagógicos. A autora realiza entrevistas com quatro professores e atesta a importância de se discutir tais temáticas na educação formal como forma de superar o discurso binário e tradicional que se coloca nesse campo.

No Mestrado em Ensino de Ciências, na Universidade de Brasília, Pena (2015) apresenta um estudo acerca das narrativas de professores para pensar sobre a educação sexual e como a sexualidade constitui o próprio sujeito. Os resultados obtidos em sua pesquisa, “Narrativas autobiográficas e formação de educadores sexuais”, identificam que as noções de proibição e pecado são constantes e que os pais dos alunos são resistentes às discussões dessa natureza, além de problemas institucionais com as respectivas escolas.

Na Universidade de São Paulo, no Doutorado em Educação, a pesquisa “Igualdade e diferenças nas políticas educacionais: a agenda das diversidades nos governos Lula e Dilma”, construída por Carreira (2015), aborda as políticas de diversidade da educação que foram idealizadas nos governos Lula e Dilma e quais inquietudes tais políticas suscitam. Além de análise documental, a pesquisa realça entrevistas com gestores públicos e ativistas da sociedade civil, percebendo as várias desigualdades vivenciadas por sujeitos e como as agendas propostas pelos governos promovem uma melhor perspectiva na Educação e, também, para os direitos humanos. O grupo de dissertações analisado anteriormente demarca a tônica dos estudos sobre EDH e gênero na pós-graduação: são estudos vinculados à formação para a diversidade, relacionados, sobretudo, com as esferas institucionais.

Por sua vez, Santos (2015a), em sua tese, discute sobre a homossexualidade quando vivenciada no ambiente escolar e os preconceitos, discriminações e resistências que circundam tal cenário. O autor denomina os participantes de “homoafetivos velhos” e realiza entrevistas para alcançar os objetos do estudo. A pesquisa é intitulada “Vias e trajetos de escolarização de sujeitos homoafetivos velhos na cidade de Belém”, realizada na Universidade Federal do Pará, no âmbito do PPG em Educação, e é marcada pelas sensibilidades que a escrita do estudo suscita.

A produção de Rizza (2015), tese apresentada no âmbito do PPG em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande, reflete acerca da necessidade de disciplinas obrigatórias e/ou optativas no ensino superior sobre sexualidade, pensando as discussões sobre a preocupação com o planeta, a Educação em Direitos Humanos e sexualidade nesta etapa formativa. Compreende que políticas educacionais têm conduzido dado diálogo sobre diversidade e diferença e que seus efeitos lançam a sexualidade num campo significativo da educação superior.

As referidas teses são acompanhadas pela discussão proposta por Gomes (2016) em sua dissertação, defendida no Programa de Educação da UFPB e com o título “Direitos humanos, educação e cidadania LGBT: uma análise das ações do Programa Brasil sem homofobia em João Pessoa/PB”. A pesquisa apresenta o cenário de direitos de pessoas LGBT e o reconhecimento promovido pelo Programa Brasil sem Homofobia. O universo de pesquisa é a cidade de João Pessoa-PB, onde são realizadas entrevistas com pessoas LGBT, entre elas militantes e coordenadoras de projetos, percebendo-se que as políticas públicas que foram executadas obtiveram êxito no reconhecimento de direitos desses sujeitos e promoção da diversidade.

Os temas que envolvem a comunidade LGBT são um importante marcador das produções sobre EDH e gênero no campo das Ciências Humanas. Em “Janelas Fechadas: a questão LGBT no PNE 2014”, Moreira (2016), no Mestrado em Educação da Universidade Federal do Paraná, relaciona que as políticas educacionais do país são pensadas a partir de uma perspectiva heterossexista, fazendo com que pessoas LGBT estejam à margem das discussões, dentre elas às do Plano Nacional de Educação de 2014. Evidencia outras questões sobre o tema a partir do PNEDH de 2006 e o texto da Conferência Nacional de Educação de 2010, identificando que o texto dos documentos é incipiente quanto a políticas de combate à desigualdade e evasão escolar de pessoas LGBT.

Também vinculada a uma dissertação advinda do campo da Educação, na Universidade Tuiuti do Paraná, a pesquisa empreendida por Souza (2016), intitulada “A política educacional brasileira em interface com a diversidade sexual no período de 2003 a 2014”, se preocupa em, a partir de entrevistas e análise de planos e programas que pautam o direito à educação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, no lapso temporal de 2003 a 2014, perceber as nuances das políticas voltadas para os temas gênero e educação. Os resultados que o autor obteve apontam para as relações de poder contraditórias, da construção das identidades e para a respectiva hierarquia entre elas, observando como a homofobia é presente, mesmo com os avanços educacionais alcançados.

Teixeira (2016), a partir da pesquisa “Políticas públicas de assistência estudantil no Instituto Federal Goiano - Câmpus Urutaí: um olhar de gênero”, no Doutorado em Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, dimensiona na tese a compreensão de como as Políticas Públicas de Assistência Estudantil (PPAE) tomam forma no referido Instituto Federal. Através de entrevistas e questionários, traça a relação com as mulheres do campus, identificando que as PPAE são significativas para o empoderamento de mulheres, embora as desigualdades entre os gêneros também sejam percebidas, em razão dos estereótipos sociais dos papéis atribuídos desde o gênero.

O ano de 2016 também conta com o estudo de Silva (2016), realizado no Doutorado de Educação da UFMG. A pesquisa problematiza como se deu a aprendizagem de escrita e leitura de mulheres privadas de liberdade. A autora percebe que o cenário apresenta tensões, em razão da disciplina no ambiente carcerário, e que para as mulheres que cumprem pena o saber é ligado à mera remição da pena. Ainda, que a falta de formação de professores para atuarem nesse contexto e a falta de apoio dos órgãos educacionais demarcam o referido campo e relações tecidas com as mulheres.

Podemos observar que, quando se trata da produção sobre EDH e questões de gênero, os estudos perpassam, sobretudo, questões inerentes à garantia de direitos. Nesse sentido, discutindo acerca do acesso de pessoas transexuais ao ensino superior, Scote (2017) desenvolve uma dissertação, “Será que temos mesmo direitos a universidade? O desafio do acesso e a permanência de pessoas transexuais no ensino superior”, no PPG de Educação da Universidade Federal de São Carlos. O autor percebe a dificuldade para que pessoas trans ingressem no ensino superior e que, quando conseguem, a sua permanência também é marcada por exclusões. Como resultados, atesta que a inserção do nome social, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a política de quotas e demais ações de educação são fundamentais para esses sujeitos. Outro dado importante é que a participação em movimentos sociais de pessoas trans faz com que consigam ressignificar o espaço acadêmico que ocupam.

Candeloni (2017) discute acerca dos limites e possibilidades do debate sobre sexualidade e gênero na educação básica a partir das legislações e políticas educacionais diferenças e superação dos preconceitos que são fortemente presentes nesse contexto. A autora identifica o silenciamento e a frágil receptividade de professores e gestores escolares para tais temáticas. A dissertação, defendida no âmbito do PPG em Educação da Universidade Federal de Santa Maria, soma-se ao conjunto de textos que relaciona a EDH e as questões de gênero desde os desafios institucionais do referido campo.

Vasconcelos (2018), por sua vez, desenvolve uma das poucas pesquisas ligadas a PPGs Profissionais. Também relacionada à Educação, no PPG em Educação: Formação de Formadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o estudo analisa a formação docente de profissionais de duas escolas municipais de Ensino Fundamental de São Paulo por meio de uma pesquisa crítica e colaboração com questionários. Ressalta que se trata de uma realidade em disputa e que é possível uma formação direcionada para as questões de gênero e interseccionalidades que suscite mudanças, mas que, para isso, entende ser a formação docente o caminho indicado.

A controvérsia sobre a inclusão de gênero e sexualidade nos planos de educação do Paraná” é uma dissertação defendida no PPG em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina por Rocha (2018). O estudo busca entender as relações de poder e a influência da bancada religiosa nos Planos Estaduais de Educação, na cidade de Ponta Grossa, Paraná, por meio de uma análise documental. Conclui que o debate se tornou expressivo naquele ano, no que diz respeito à intersecção entre moralidades religiosas e a vida pública brasileira, sob o argumento vazio dos riscos que os debates de gênero, em tese, trariam para a sociedade.

Também afim à discussão sobre política públicas, a dissertação de Marola (2018), intitulada “Gênero e Plano Nacional de Educação no Brasil: educação para todos?”, investiga a disputa em torno da categoria gênero e suas implicações em alterações do PNE 2014, por meio de uma pesquisa de análise documental. Como outros estudos já mencionados, enfatiza que a discussão da retirada de gênero no PNE aduz a disputas mais amplas nas quais grupos dominantes se articulam para afirmar discursos de poder, também a partir da reflexão moral sobre o gênero como uma ameaça. O trabalho de dissertação, defendido no PPG em Desenvolvimento Humano e Tecnologias da Universidade Estadual Paulista, é uma das poucas pesquisas ligadas à área Interdisciplinar.

Alves (2018), autora da dissertação defendida no PPG em Educação Sexual da Universidade Estadual Paulista, por meio de uma pesquisa com gestoras do Ensino Fundamental de escolas públicas do interior paulista, evidencia como as profissionais, em seus discursos, agregam as temáticas de direitos humanos, gênero e sexualidade. A pesquisa conclui sobre o frágil aprofundamento das intervenções realizadas pela gestão quanto aos temas relacionados, principalmente devido à falta de conhecimento.

Os aspectos formativos para a diversidade, como mencionado, são a tônica dos estudos mapeados. E, igualmente, é recorrente a relação das pesquisas com mulheres, refletindo as questões de gênero. Galvão (2018), na tese defendida no Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo, da PUC-SP, apresenta uma pesquisa de campo com dez mulheres de diferentes áreas profissionais, tendo realizado a análise de como o currículo do ensino superior sugere (ou não) a formação para o empoderamento feminino. A conclusão é a de que o currículo em questão deve ser elaborado como prática social de justiça curricular para o empoderamento das mulheres, sobretudo na luta por seus direitos.

Dois outros trabalhos enfocam, nesta interface, a condição das mulheres. São eles “Trajetória de mulheres com deficiência na educação superior: barreiras e possibilidades”, dissertação apresentada por Torres (2018) e defendida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria, em que a autora dialoga com estudantes mulheres com deficiências na universidade a fim de investigar como a educação superior possibilita processos de autonomia feminina nos aspectos sociais, culturais e políticos; e“A maternidade na casa de estudantes da UFSM: desafios e conquistas das acadêmicas mães moradoras da CEU”, de Pletiskaitz (2018), dissertação apresentada ao PPG de Educação da UFSM, em que jovens acadêmica e mães são ouvidas a fim de compreender como mulheres conciliam os seus papéis sociais e de que modo tal processo impacta o acesso ao direito à educação superior e pública. No segundo trabalho, a autora lida com narrativas autobiográficas a partir das quais cogita a desigualdade de oportunidades e os diferentes níveis de dificuldades de acesso a políticas públicas educacionais às mães acadêmicas.

Por outro lado, o estudo de Almeida (2018), “Contribuições do pensamento feminista latino-americano de Marcela Lagarde para a educação não sexista”, apresentado no âmbito do PPG em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, relaciona como o pensamento feminista de Marcela Lagarde pode contribuir para o aprofundamento da discussão sobre a educação não sexista, numa metodologia feminista de investigação. Os resultados da pesquisa apontam o paradigma feminista como suporte teórico para a educação não sexista e a contribuição do pensamento de Marcela Lagarde para a educação e a luta em torno de questões gênero.

O estudo desenvolvido por Silva (2019) no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Federal de Goiás foi realizado nos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de Anápolis por meio de entrevistas semiestruturadas com profissionais que atuam no referido espaço. Analisa a compreensão dos(as) profissionais sobre os problemas elegidos e afins a questões de gênero. Atesta que os profissionais ainda encontram dificuldade de lidar com questões de gênero na infância e que o que é visto como “masculino” é julgado em posição superior em relação à representatividade do gênero feminino.

Diversidade sexual e gênero: um olhar para os discursos que envolvem a prática educativa dos professores na EE Ary Leite Pereira”, dissertação apresentada por Scherrer (2019) no Mestrado em Educação da Universidade Federal de São Carlos, tem o intuito analisar os discursos presentes no ambiente de uma escola sobre as questões de gênero e diversidade sexual. Através do materialismo histórico-dialético e de um roteiro de pesquisa, percebe a necessidade de formação continuada para os profissionais da educação sobre as questões de gênero e diversidade sexual.

Característica dos estudos afins à área das Ciências Humanas, a dissertação apresentada ao PPG em Educação da Universidade Estadual Paulista por Ramos (2019), nomeada “Educação para as relações de gênero no ensino fundamental I (1996-2017)”, de natureza bibliográfica e documental, investiga as orientações curriculares sobre educação para as relações de gênero no Ensino Fundamental I entre 1996 e 2017. A pesquisa compreende que o currículo é um espaço de disputa ideológica e que, a partir de 1990, houve um avanço do incremento dos direitos humanos e gênero no currículo. Porém, a partir de 2011, houve a diminuição das inserções e, em 2017, a educação para a igualdade de gênero foi extinta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Neves (2019), na tese “Imagens e discursos sobre violência de gênero à mulher: os corredores de uma Faculdade de Direito como lugar de produção/transformação do currículo”, defendida no âmbito do PPG em Educação na Universidade Federal de Pelotas, investiga os sentidos em torno do fato de estudantes da Faculdade de Direito da referida universidade terem produzido imagens de combate à violência de gênero e as expor nos corredores da instituição. A pesquisa analisa as imagens e seus elementos por meio da análise crítica do discurso e da Teoria Social do Discurso e conclui que os estudantes adotaram os corredores da instituição como espaço de transformação do currículo no combate à violência de gênero, considerando que tal espaço se configura como único ambiente possível para o posicionamento.

Em “Educação e gênero no sistema penitenciário paulista”, tese defendida por Batista (2019) no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Paulista, investiga-se uma unidade penitenciária feminina no interior paulista e em diálogo com 10 mulheres em situação de privação de liberdade. A pesquisa reflete a educação dirigida às mulheres a partir de quatro elementos que se interrelacionam: direito, educação, gênero e punição. Ressalta as contradições à garantia do direito humano e o acesso à educação por parte das mulheres que estão no sistema penitenciário.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no PPG em Educação em Ciências, Noro (2019) apresenta uma pesquisa com docentes de Escolas Municipais de Ensino Fundamental de Farroupilha e busca qualificar os conceitos que envolvem conteúdos de gênero através de expressões estigmatizadas e com o aporte de níveis de análise das neurociências. Os resultados indicam que as contribuições das neurociências para a desmitificação das questões de gênero e diversidade sexual favorecem o conhecimento sobre sexo biológico, orientação sexual, identidade e expressão de gênero.

Callé (2020), por sua vez, a partir da dissertação apresentada no âmbito do PPG em Educação da Universidade Estadual Paulista, por um viés documental, adentrou em uma escola municipal em tempo integral do primeiro ciclo do Ensino Fundamental da cidade de Marília, São Paulo, a fim de compreender a formação continuada dos professores sobre direitos humanos e gênero. Os resultados da pesquisa mostram que os professores da referida escola têm apenas noções simplórias sobre tais direitos e questões de gênero, que se utilizam de palavras e expressões distantes das produções científicas e documentos oficiais que abordam os temas.

Também relacionada à formação para a diversidade, a dissertação construída por Nunes (2020), intitulada “Gênero e sexualidade nas aulas de História: composições para um currículo antinormativo”, no contexto do PPG Profissional em Ensino de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, articula questionários e observações de integrantes do coletivo TransENEM de Porto Alegre a fim de pensar modos e possibilidades de um currículo de História antinormativo. O estudo direciona instrumentos conceituais para subsidiar as propostas de um currículo antirnomativo a ser usado nas aulas de História da educação básica, com atenção às temáticas de Educação em e para os Direitos Humanos.

No universo do PPG em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a dissertação “‘Da zelosa mãe e esposa à recatada professora, trabalhadora e cidadã de direitos’: representações das mulheres e da sua educação no Diário dos Campos nas décadas de 1920/1930”, de autoria de Campagnoli (2020), analisa as representações das mulheres e de sua educação no jornal “Diário dos Campos”, periódico centenário da cidade de Ponta Grossa, Paraná, nas décadas de 1920 e 1930. Trata-se de uma análise documental que indica, por um lado, o movimento de mulheres em busca de novos direitos e, por outro, as representações das mulheres e sua educação vinculadas aos cuidados da família e à profissão docente.

Fachini (2020) desenvolveu a tese “Sexualidade, gênero e educação nas políticas públicas do município de Campinas-SP: movimentos sociais, projetos educacionais e matrizes jurídicas em disputa (1988-2015)” desde o PPG em Educação na Universidade Estadual de Campinas, enquanto um estudo bibliográfico-histórico que interpreta e critica a abordagem de sexualidade, gênero e educação nas políticas educacionais de Campinas-SP, entre 1990 e 2015. A pesquisa percebe o histórico conservador e propõe a superação pela pedagogia da diversidade sexual humanizadora e sugere condições para uma dialética e debate crítico, a fim de ampliar o entendimento acerca das questões conceituais ligadas às questões de gênero.

Por fim, a análise da produção relacionada à área das Ciências Humanas remete à dissertação de Guimarães (2020), defendida no PPG em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. A pesquisa pondera o conceito de direito à educação escolar sob a perspectiva do direito à diferença e das questões de gênero e sexualidade. É uma pesquisa qualitativa, bibliográfico-exploratória que conclui que o direito à educação escolar suscita caminhos para afirmar o status de igual liberdade no espaço estatal, a fim de fortalecer o convívio democrático e diante das questões de gênero e sexualidade.

As pesquisas desenvolvidas na área de Ciências Humanas destacam as reflexões sobre gênero(s) em interface, sobretudo, com a subárea da Educação. Ainda, o cerne dos objetos de estudo problematiza os sucessivos retrocessos e ataques durante as últimas décadas, a ascensão de discursos morais-conservadores e a centralidade das dissertações e teses em pensar a condição de mulheres e da população LGBT nas escolas e universidades.. Tais pesquisas suscitam reflexões sobre gênero(s), identidades e papéis sociais de gênero em intersecção com a busca pelo respeito aos direitos humanos.

3 A produção do conhecimento na área de ciências sociais aplicadas

No que concerne às pesquisas mapeadas e referentes às Ciências Sociais Aplicadas, a pesquisa realizada por Araújo (2015) no PPG em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás, com o título “Gênero e educação: um estudo sobre os saberes produzidos na formação inicial de professoras/es”, percebe como se apresenta o debate sobre gênero na formação de professores dos cursos de Ciências Biológicas, Educação Física, Matemática e Pedagogia. Utilizando-se de entrevistas semiestruturadas, enfatiza a discrepância acerca do que os participantes da pesquisa entendem por gênero, geralmente relacionado a fatores biológicos, bem como a resistência a ser inserido o debate durante a formação de professoras(es), uma vez que também não há sistematização da temática nos Projetos Pedagógicos dos Cursos.

Por outro lado, a partir da análise de uma produção audiovisual, Barros (2015) organiza a dissertação intitulada “As estratégias de redescrição na análise do tripé gênero, educação e cultura no contexto do filme Escritores da Liberdade” junto ao PPG em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com vistas a identificar a necessidade de se pensar como as relações sociais podem construir novos significados para uma sociedade mais justa. Entende que o filme aponta para discussões sobre gênero, educação e cultura, possibilitando outros sentidos políticos dos temas, especialmente sobre a educação de mulheres, à ideia de democracia e cidadania.

A discussão realizada por Moreno (2016) no PPG em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina, que teve por título “Feminismos e antifeminismos na política brasileira: ‘ideologia de gênero’ no Plano Nacional de Educação 2014”, reflete sobre o Plano Nacional de Educação de 2014, especificamente em referência aos termos gênero e sexualidade/orientação sexual. A autora parte da hipótese das reticências ao feminismo, em se tratando de seus discursos. Compreende que há avanços das políticas de educação e a participação da sociedade na construção do Plano, importante para o debate sobre gênero, mesmo diante de grupos contrários à discussão.

Macedo (2017), no âmbito do PPG em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília, desenvolve a pesquisa que tem por título “Ser e tornar-se: meninas e meninos nas socializações de gêneros da infância”, na qual discute sobre como o gênero classifica os sujeitos e busca compreender como a criança interioriza debates sobre gênero na escola e na família. Através de entrevistas e observação de campo, a autora identifica que as crianças absorvem os discursos heteronormativos sobre diferença entre homens e mulheres, os quais acabam por refletir em seus primeiros hábitos e relações sociais, como na escola.

É no âmbito do PPG em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da Universidade Federal da Paraíba que Torres (2017), com base na dissertação “Educação em direitos humanos e o debate de gênero no sistema público de ensino básico de Cajazeiras - PB: um estudo sobre a (in)efetividade das políticas públicas municipais em educação”, problematiza como a escola é um espaço que reforça discursos opressores e excludentes, em especial para com mulheres e pessoas LGBTs. A partir de entrevistas realizadas com representantes do Poder Legislativo e Executivo, bem como com professores, identifica a fragilidade de debates sobre gênero e o não fortalecimento de políticas nesse campo.

Na Universidade Federal de Goiás, também em um PPG em Direitos Humanos, Pereira (2017) elabora a pesquisa “As identidades de gênero e sexualidade na visão dos parlamentares da Câmara Federal: uma análise do discurso a partir dos projetos ‘escola sem partido’”. A pesquisadora se utiliza da análise do discurso para compreender os discursos de parlamentares sobre os direitos humanos de pessoas que fogem ao padrão heteronormativo, especialmente no interior do movimento denominado “escola sem partido”. Os resultados apontam para uma perspectiva relativa sobre direitos humanos, preconceituosa, sexista, patriarcal e conservadora, que limita os espaços considerados democráticos, como a escola.

Com a proposta de perceber as práticas pedagógicas desenvolvidas em uma escola pública estadual, pelo Núcleo de Estudos de Gênero e Enfrentamento da Violência contra a Mulher, Jacob (2017) apresenta junto ao PPG em Direitos Humanos da UFPE dada investigação sobre a busca por igualdade de gênero. A autora identifica que, embora haja a ausência de formação de professores, existe dada ressignificação do ambiente escolar a partir das estratégias utilizadas pelo Núcleo, visto como um local de atendimento às denúncias sobre violações de direitos e para a defesa das diferenças no ambiente escolar.

A dissertação “Direito à literatura como direito humano: a literatura de ficção científica de autoria de mulheres em uma perspectiva de educação em direitos humanos”, de Miranda (2019), defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília, compreende a relação entre o direito, a literatura, a Educação em Direitos Humanos e as questões de gênero a partir da representativa de autoras de ficção científica. O estudo evidencia que a representativa feminina, na literatura, é fundamental para visibilizar e questionar a estrutura de opressão e marginalização imposta às mulheres.

Rocha Júnior (2019), a partir da dissertação “Liberdade de expressão e liberdade acadêmica para a educação sobre gênero e diversidade sexual”, apresentada no âmbito do Mestrado em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, identifica estratégias repressivas contra a educação de gênero e sexual nas escolas como uma forma de censura. O recorte proposto, a análise do veto federal ao Projeto Escola sem Homofobia, remete a conclusões que apontam que tal fobia às questões sexuais e de gênero constitui processos de marginalização e cria um outro sujeito, sem condições de usufruir de direitos e garantias, que se configura como um sujeito subalterno.

Assim, as pesquisas apresentadas nesta área de conhecimento são oriundas, sobretudo, de PPGs da subárea do Direito e dos Direitos Humanos. Apontam para a importância de Programas de Pós-graduação específicos em direitos humanos e que possuem discussões sobre gênero e diversidade. A multiplicidade de espaços de socialização e a ênfase para possibilidade de estratégias que sugiram outras formas de pensar sobre a formação de sujeitos é um importante aspecto presente nos estudos mapeados.

4 A produção do conhecimento na área interdisciplinar

A categoria que envolve as pesquisas ligadas à área Interdisciplinar, desde o estudo de Sousa (2018) na dissertação “Gênero e sexualidade sob a perspectiva de docentes de Biologia da rede estadual do município de Aparecida de Goiânia”, indica a presença dos recém-criados Programas de Pós-graduação Interdisciplinares em Direitos Humanos no Brasil, tal como o situado na Universidade Federal de Goiás. Os resultados da pesquisa em questão mostram um cenário de conservadorismo e retrocesso quanto à discussão de questões de gênero, onde os docentes não possuem formação para o debate e ou têm ciência de políticas públicas que os auxiliem na referida jornada.

Por outro lado, Sousa (2019), no PPG em Metafísica da Universidade de Brasília, a partir da dissertação nomeada “Metafísica da substância e identidade de gênero: uma leitura dos livros didáticos de filosofia”, evidencia a análise de livros didáticos de Filosofia aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático para as escolas públicas quanto à construção e promoção de novos olhares para os temas “filosofia e mulheres”, numa interface entre Filosofia e Educação. Conclui sobre a diferença de tratamento da presença feminina, a partir de uma reprodução da metafísica da substância não afirmada, nos textos didáticos dos livros da disciplina Filosofia para o Ensino Médio.

O estudo intitulado “Gênero e ensino de história: a experiência das aulas para pensar a construção do currículo”, de Schneider (2019) e defendido no âmbito do PPG em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é relacionado com uma turma do 9º ano do Ensino Médio e atrela a discussão de documentos a fim de analisar o processo de organização curricular sobre o trabalho dos conceitos de gênero e currículo como categorias históricas. Na pesquisa, a autora ressalta que trabalhar com uma perspectiva de currículo em construção para as questões de gênero, nas aulas de História, contribui para que alunos(as) desnaturalizem algumas características atribuídas ao gênero e reflitam sobre a temática em questão.

Do mesmo modo, em “Diversidade sexual e de gênero nas aulas de inglês: a formação de cidadãos críticos em contexto de vulnerabilidade social”, Ferreira (2020) apresenta, no contexto do PPG em Estudos e Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, investigação que reflete as relações entre o ensino de língua estrangeira e questões de diversidade sexual e gênero numa ONG que atende jovens em situações de vulnerabilidade social em Londrina, no Paraná. A abordagem qualitativa e de cunho interpretativista sugere que existem novas possibilidades de enunciados para tratar temas relacionados às questões de gênero e sexualidade em sala de aula.

As premissas construídas sobre a produção de conhecimento acerca da intersecção entre Educação em/para os Direitos Humanos e gênero nos PPG’s brasileiros aludem que, no que concerne à área interdisciplinar, as produções dialogam com os aspectos temáticos oriundos das Ciências Humanas e Aplicadas. Ainda, que estão direcionadas à reflexão em torno de espaços de formação não-formais, às dinâmicas políticas e curriculares dos temas, assim como quanto ao olhar de docentes e aos materiais didáticos que circulam nesses espaços. Existe, assim, a preocupação sobre como os estudos de gênero se desenvolvem e como devem ser articulados com o fazer e a prática formativa.

5 Considerações Finais

A análise da produção do conhecimento que intersecciona Educação em Direitos Humanos e gênero nos Programas de Pós-Graduação brasileiros sugere que o mapeamento das produções sobre os temas é marcado pela centralidade de investigações ligadas à Educação e aos espaços formativos interdisciplinares sobre direitos humanos.

É possível destacar que a análise do período que compreende os anos de 2015 a 2020 aponta para o fato de que as pesquisas são majoritariamente desenvolvidas por mulheres, a nível de mestrados. Ademais, que Programas de Pós-graduação em Educação, ao nível de mestrado, concentram as discussões a partir da análise de processos formativos formais, do olhar sobre a condição de mulheres e pessoas LGBTs na educação e quanto aos recursos didático-pedagógicos mobilizados para a discussão sobre educação, gênero e direitos humanos.

Constatamos, também, que a produção de conhecimento é disposta majoritária e geograficamente na região Sul do país. Tal elemento remete e alerta para a busca de uma produção acadêmica sobre gênero e Educação em/para os Direitos Humanos descentralizada nas universidades e PPGs de outras regiões do Brasil, fora do contexto sudestino, tendo em vista que temas brasileiros devem ser capilarizados e difundidos a partir de experiências de outros territórios.

Relacionamos a queda abruta das produções em 2020 ao fato da pandemia mundial do Covid-19. Muitos(as) estudantes e pesquisadores(as) conviveram com situações complexas e que, certamente, interferiram diretamente na dinâmica de produção, sobretudo para mulheres. Além do fato de que, por outro lado, as pesquisas empíricas tiveram que ser suspensas em todo território nacional.

A produção de conhecimento, nos anos de 2015 a 2020, também aponta para a preocupação com o cenário moral-conservador no que diz respeito às questões de gênero. E, quando interseccionado com a Educação em/para os Direitos Humanos, percebemos um contexto marcado por discurso de retrocesso acerca dessas temáticas, que sinaliza o conteúdo de disputa política que se desenha e ganha relevância no cenário educacional e da pós-graduação nacional. Identificamos a referida ameaça quando se trata tanto de estudos com e das políticas públicas, como nas pesquisas realizadas em instituições e outros espaços formativos.

Os achados do presente estudo enfatizam o impacto que acontecimentos do campo político (deste a transição do golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff até a eleição de Jair Bolsonaro) trouxeram para a produção do conhecimento na área de Educação em Direitos Humanos e das questões de gênero. A presente pesquisa concluiu que a produção de conhecimento sobre as questões de gênero tem encontrado importantes subsídios na Educação em Direitos Humanos, e vice-versa, para ampliar as resistências epistêmicas e teóricas ao conservadorismo nos espaços educativos, políticos e científicos brasileiros.

Revisão gramatical do texto: Maria Rita Barbosa Piancó Pavão

Endereço eletrônico: mrbpianco@gmail.com

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Recebido: 09 de Outubro de 2022; Aceito: 13 de Junho de 2023; Revisado: 19 de Junho de 2023

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