Introdução
Os paradigmas que se apresentam para o século XXI trazem possibilidades de transformações nos processos sociais, educacionais e na forma de produção, desencadeando um contexto de ampla transformação no inter-relacionamento das pessoas e da sociedade.
Ao se conceber o homem como um ser histórico-cultural, cujo desenvolvimento intelectual se dá, sobretudo, por meio de ações interativas, em um mecanismo de apropriação do conhecimento, entende-se que o processo de aquisição da linguagem tem um papel primordial entre os processos de ação e interação no ambiente social/produtivo. Entretanto, as formas de busca por esse conhecimento, que se configuram no processo educacional, calcado, sobretudo, nas premissas do sistema visual e oral, trazem, em seu contexto, preocupações em relação às pessoas cegas, especialmente no que se refere ao processo ensino e aprendizagem e, no caso dessa pesquisa, da Matemática.
O documento "Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola" (BRASIL, 2000) relaciona os principais fatos que marcaram a história da Educação Especial, entre eles: a elaboração de uma legislação com deliberações nacionais e internacionais que fortalecem os princípios da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), como a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975), a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (1996), entre outros. Embora as pessoas com deficiência tenham direito à educação inclusiva garantida pela legislação, muitas das práticas escolares resultam na exclusão por não considerarem as necessidades específicas exigidas pelos diferentes tipos de limitações, no caso deste estudo, a cegueira. Quando se fala em inclusão, refere-se não somente ao acesso e a permanência de tais alunos nas escolas regulares, mas refere-se à apropriação dos conteúdos escolares, que, conforme a experiência de uma das pesquisadoras tem mostrado, muitas vezes, não tem ocorrido nas escolas regulares.
Nesse sentido, pode-se questionar: existe um método que proporcione às pessoas cegas possibilidades de obterem o conhecimento sistematizado além do já institucionalizado? Ou ainda: de que forma um sistema/método pode contribuir para a elaboração de conhecimentos matemáticos para as pessoas cegas? Existem limites nesse recurso? Como as adaptações para alunos cegos podem ser realizadas, para atender às nuanças da disciplina de Matemática? Esses questionamentos centram-se no fato de que, entre as funções atribuídas ao sistema educacional, a principal refere-se à disseminação do conhecimento formal.
Apesar de o Ministério da Educação estabelecer que o ambiente escolar tem como função primordial a aquisição dos conhecimentos e, consequentemente, a sua ampliação, para uma interpretação crítica do mundo e da sociedade, a dificuldade para o acesso ao conhecimento tem se apresentado como um problema para os sujeitos cegos. Eles foram considerados, por muito tempo, como pessoas incapazes de aprender pelo sistema tradicional e, portanto, em situação de desvantagem, "ocupando no imaginário coletivo a posição de alvo de caridade e de assistência social, e não de cidadãos com direitos e deveres" (FRASSON; PIETROCHINSKI; SCHULMEISTER, 2008, p. 182).
O atendimento educacional prestado às pessoas cegas passou por transformações no decorrer da história, isto é, passou do descaso e da segregação ao atendimento assistencial por meio de instituições sociais ou religiosas, para a atual política de integração em escolas regulares, que acompanharam as mudanças ocorridas na Educação Especial, com vistas à inclusão dessas pessoas no ensino regular e na sociedade.
Para Vygotsky (1995), não se pode tratar a cegueira apenas como uma deficiência, mas, em certo ponto, como uma fonte de manifestação de suas capacidades. Segundo ele, outras habilidades sensoriais podem ser desenvolvidas suprindo a falta da visão. Os postulados de Vygotsky (1995) apontam que, para suprir a falta de visão, é preciso compensar e superar a deficiência, o que é possível a partir do momento em que a escola tomar ciência de que todos aprendem, e passe a oferecer condições necessárias para o ingresso, permanência e progresso, na formação acadêmica, a todos que ingressarem no sistema educacional, seja eles deficientes ou não.
O Ministério da Educação, ao propor as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), determina que as ações educacionais devem voltar suas atenções a uma educação para todos, respeitando a diversidade, estabelecendo os direitos ao exercício da cidadania, em busca do desenvolvimento de um Estado também para todos:
A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado democrático. Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve ser orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida. Como parte integrante desse processo e contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se a inclusão social. (BRASIL, 2001, p. 22)
Entende-se, portanto, como educação inclusiva aquela que abrange todas as pessoas, independente de suas origens, tanto sociais como culturais, bem como das condições físicas, criando iguais oportunidades de acesso ao conhecimento, ao desenvolvimento, à construção da identidade, enfim, ao exercício da cidadania.
Na educação inclusiva, a diferença, a heterogeneidade, a diversidade são reconhecidas e respeitadas. O acesso e a permanência, com êxito, da pessoa com deficiências no ensino regular é garantido, também, pela sua participação efetiva nas atividades escolares, sendo tal participação uma forma, um parâmetro de avaliação desse processo inclusivo (CAMARGO; NARDI, 2008).
Por atender aos princípios da educação inclusiva, as classes comuns do ensino regular se constituem como espaço privilegiado para a educação das pessoas com necessidades especiais, por ser um espaço onde as pessoas podem interagir com seus pares, aprender com as diferenças (ROCHA; ALMEIDA, 2008). Como afirmam Fernandes e Healy (2010), na formação de uma consciência inclusiva, é necessário conhecer a diversidade, para que se possa aprender com ela.
É importante observar também que, ao se deparar com um aluno cego na sala de aula, faz-se necessário saber que, com relação aos seus direitos e deveres, ele deve ser tratado igualmente como qualquer outro aluno, respeitando-se, no entanto, as características específicas da deficiência bem como seu direito de acesso ao conhecimento sistematizado.
Para se aproximar e se fazer uma incursão nesse universo vivenciado pela pessoa cega, objetiva-se referenciar o sistema Braille como um dos métodos de aprendizagem de Matemática para alunos com deficiência visual, especificamente a cegueira, inclusos no ensino regular.
A partir de experiências vivenciadas em um Centro de Atendimento Especializado a Pessoas com Deficiência Visual e de informações obtidas mediante levantamentos e revisões bibliográficas, são analisados aspectos relacionados ao código Braille e ao ensino da disciplina. Os limites encontrados foram as formas de realizar adaptações necessárias em situações em que apenas a utilização do sistema Braille se torna um recurso limitado, devido às várias formas de expressão dos conteúdos de Matemática.
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