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Ciência & Educação

versión impresa ISSN 1516-7313versión On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.26  Bauru  2020  Epub 10-Nov-2020

https://doi.org/10.1590/1516-731320200067 

Artigo Original

A Tomada de Consciência sobre o uso de Analogias Espontâneas: Contribuições de uma Formação Continuada Desenvolvida com Professoras de Ciências

Becoming Aware of the use of Spontaneous Analogies: the Contributions of Continuing Education developed with Science Teachers

Hederson Aparecido de Almeida1 
http://orcid.org/0000-0003-2189-8094

Renato Eugênio da Silva Diniz2 
http://orcid.org/0000-0002-0192-3988

1Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Bauru, SP, Brasil.

2Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Departamento de Educação, Botucatu, SP, Brasil.


Resumo:

As analogias são comparações entre um conceito conhecido e um conceito desconhecido. No ensino de Ciências são usadas pelos professores para facilitar a aprendizagem de conceitos científicos, mas ao usá-las é necessário um planejamento sistematizado. O objetivo do estudo foi analisar a contribuição de uma formação continuada colaborativa e reflexiva para a tomada de consciência de professoras de Ciências sobre o uso espontâneo de analogias. A abordagem da pesquisa foi qualitativa e envolveu a participação de três professoras. Os dados utilizados para a análise foram as reflexões das participantes geradas no curso e em uma sessão de discussão em grupo. A Análise Textual Discursiva foi usada como referencial analítico. Os resultados indicam que o curso propiciou às professoras refletirem sobre a sua prática e questionarem acerca da formação inicial que tiveram. Os princípios de reflexão e colaboração são essenciais para a formação de professores de Ciências que usam as analogias no ensino.

Palavras-chave: Ensino com analogias; Formação de professores; Prática reflexiva; Formação colaborativa

Abstract:

Analogies are comparisons between a known concept and an unknown concept. Teachers use them to facilitate the learning of scientific concepts in science teaching, but when using analogies, systematic planning is necessary. The goal of this study was to analyze the contribution of a collaborative and reflective continuing education initiative to the awareness of science teachers about the spontaneous use of analogies. The research approach was qualitative and involved the participation of three teachers. Reflections of the participants generated in the course and in a group-discussion session were the data used in the analysis. Discursive Textual Analysis was used as an analytical framework. Results indicate that the course permitted teachers to reflect on their practice and to question the initial teaching education they had had. The principles of reflection and collaboration are essential for the education of science teachers who use analogies in teaching.

Keywords: Teaching with analogies; Teacher education; Reflexive practice; Collaborative education

Introdução

O interesse referente à temática das analogias não é recente. Desde meados da década de 1980, pesquisadores de diversas nacionalidades têm se dedicado a compreender o papel delas na promoção da aprendizagem em Ciências. Entre eles, Duarte (2005) tornou-se uma referência pelo amplo trabalho de revisão bibliográfica realizado, definindo as principais tendências acerca das analogias para a área de Educação em Ciências. A autora apresenta um panorama da pesquisa sobre a temática, reunindo os trabalhos em quatro grandes linhas de investigação: (A) o uso e a exploração didática das analogias; (B) as analogias presentes nos manuais escolares; (C) a prática docente de professores de Ciências; (D) crenças dos professores sobre o seu papel no ensino.

Ao analisar as linhas, apenas a C e a D trazem discussões que permeiam a formação de professores. Contudo, a linha C não está ligada diretamente à formação docente, pois os estudos visaram a observação da prática ou a coleta das concepções dos professores. Apenas a linha D versa efetivamente sobre a formação, uma vez que os trabalhos avaliaram como o pensar e o refletir sobre o papel do professor contribuiu para mudanças em sua prática. Como conclusões do levantamento realizado, Duarte (2005) menciona a necessidade de se investir no envolvimento de professores para usarem o recurso adequadamente. Além disso, os estudos pouco impactaram na prática docente. Para tanto, uma formação adequada necessita envolver a discussão de estratégias que favoreçam a apropriação de referenciais teóricos sobre o tema para o uso sistematizado das analogias. Mas não é qualquer modelo formativo de professores que se mostra apropriado. Aqueles baseados nos princípios de reflexão e colaboração coadunam com essa proposta.

Segundo Candau (1996), a formação continuada de professores no contexto brasileiro esteve sempre relacionada aos esforços de renovação pedagógica dos sistemas de ensino. Contudo, na maior parte dos projetos prevalecia o modelo de formação clássica, no qual os professores se atualizavam dos conhecimentos didáticos-científicos ao participar de cursos padronizados, rápidos e descontextualizados. Corroborando com a autora, Imbernón (2010) relata que essas práticas formativas se ancoram em uma cultura profissional individualista, geradora de barreiras comunicativas entre os indivíduos que compartilham o mesmo ambiente de trabalho. Assim, os profissionais acabam se isolando da própria profissão, indo na contramão de uma cultura colaborativa na formação de professores.

De acordo com Imbernón (2010), os professores devem ser tratados como sujeitos e não objetos do processo formativo. Este deve direcionar e privilegiar o trabalho ‘sobre’ e principalmente ‘com’ os professores. Ao participar ativamente da própria formação, os professores conseguem refletir sobre a sua prática mais conscientemente. Quando o individualismo se faz presente na profissão docente, os professores não se sentem pertencentes a uma categoria. Ademais, formando-se isoladamente dificilmente os professores repensarão a sua prática, muito menos acerca das condições externas que interferem diretamente o seu modo de agir. O diálogo colaborativo com os pares torna-se um meio para a superação do isolamento docente.

Associada a essa perspectiva, a reflexão emerge como um elemento indispensável para a formação docente. O modelo de formação de professores como práticos reflexivos conquistou adeptos no cenário educacional em substituição ao modelo técnico e instrumental de instrução. Autores como John Dewey, Donald Schön, Kenneth Zeicnher e Isabel Alarcão são exemplos de adeptos da teoria, apesar dos diferentes olhares. Refletir é uma capacidade do pensamento essencialmente humana. Caracteriza o sujeito como um ser criativo, que não apenas reproduz ideias e práticas exteriores a ele (ALARCÃO, 2011). A reflexão é um momento pessoal de cada indivíduo, podendo ocorrer antes da ação, durante a execução da ação, ou retrospectivamente, após terminada a ação.

A perspectiva de formação reflexiva vai ao encontro dos referenciais teóricos que versam sobre as analogias por entender que a reflexão deve ocorrer em todas as etapas do planejamento docente. Refletir é uma habilidade singular humana, porém contextos formativos precisam ser formulados para desenvolvê-la. Essa reflexão é induzida quando processos colaborativos são inseridos na formação docente. Tal proposição coaduna com qualquer tema trabalhado, como as analogias.

Assim, o presente artigo constitui-se um recorte de uma pesquisa de doutorado mais ampla desenvolvida entre os anos de 2016 e 2019. O objetivo do estudo foi analisar a contribuição de um curso de formação continuada colaborativa e reflexiva para a tomada de consciência de professores de Ciências sobre o uso espontâneo de analogias.

Fundamentação Teórica

Segundo Duit (1991), uma analogia caracteriza-se por ser uma comparação que estabelece uma relação de similaridade entre dois domínios1 heterogêneos. Uma analogia sempre possui um domínio familiar e outro não familiar. Logo, a relação ocorre entre 'algo' conhecido e 'algo' desconhecido pelo sujeito. Diversos pesquisadores (DAGHER, 1994; DUIT, 1991; TREAGUST, 1993) que tomam as analogias como objeto de estudo nomeiam distintamente os termos comparados. Neste artigo nominou-se 'conceito alvo' o domínio familiar e ‘conceito análogo’ o domínio não familiar (GLYNN et al., 1994).

Estudos recentes (MOZZER; JUSTI, 2018; OLIVEIRA; MOZZER, 2017; SANTOS; SANTANA, 2018) utilizam as nomenclaturas descritas no parágrafo precedente para definir o conceito de analogia. Esse fato evidencia que apesar dos anos novas definições não foram propostas.

As analogias são importantes recursos da linguagem, usadas, principalmente, para comunicar e dar explicações (GLYNN et al., 1994; MOZZER; JUSTI, 2018). Fazem parte do pensamento humano e do modo como enxergamos o mundo. No campo da Língua Portuguesa são consideradas figuras de linguagem, estratégias usadas pelo orador para imprimir determinado efeito de interpretação no ouvinte, seja por meio da linguagem escrita (texto), ou pela linguagem falada. No caso das analogias, exploram o sentido não literal e conotativo das palavras. Contudo, no ensino de Ciências, essas definições e funções foram se modificando e ampliando.

Vários autores (ALMEIDA; LORENCINI-JÚNIOR, 2018; BOZELLI; NARDI, 2012; DUIT, 1991; TREAGUST, 1993) relatam que as analogias têm o potencial de auxiliar os estudantes na aprendizagem de conceitos considerados abstratos, facilitando a sua compreensão. Tais relações são necessárias para que os alunos possam encontrar semelhanças entre os fenômenos naturais e o seu mundo singular. Almeida (2016) também enfatiza a relação entre a aprendizagem de conceitos abstratos das Ciências com o uso desse recurso.

Para além da aprendizagem conceitual, as analogias desenvolvem a criatividade e a imaginação, capacidades cognitivas de ordem superior dos indivíduos (GARDNER, 2016). Permitem a construção de um pensamento mais integral e interconectado (DAGHER, 1994). O raciocínio analógico também se constitui um importante meio para a assimilação da própria Ciência. Elas levam a descobertas, sendo usadas para a explicação de teorias científicas transmitidas de geração a geração. Por tal característica também estimulam a interpretação da realidade (DUIT, 1991; FABIÃO; DUARTE, 2006; MARCELOS; NAGEM, 2009).

Almeida (2020) aponta que a temática em Educação em Ciências possui demandas quando se olha para a formação de professores e o trabalho com as questões de linguagem. Para o autor, a pesquisa sobre analogias e formação de professores possui alguns impasses: (1) restrição ao levantamento de concepções de professores; (2) impossibilidade de o professor refletir sobre a sua prática; (3) pouca intervenção formativa para auxiliar o professor no uso das analogias como recurso didático e de estratégias de ensino. Essas lacunas atingem igualmente a formação inicial e continuada.

Assim, discutir sobre os modelos de formação de professores, encontrando um modelo que contemple as analogias em sua totalidade se faz necessário. As perspectivas que priorizam o processo de colaboração e reflexão, como parte integrante da formação docente, são relevantes para se ensinar com analogias, uma vez que podem ampliar a aprendizagem e o desenvolvimento profissional docente.

As formações continuadas consideradas clássicas não permitem aos professores pensarem coletiva e colaborativamente. Conforme expõe Nóvoa (1997, p. 27), essas práticas:

[...] organizadas em torno dos professores individuais podem ser úteis para a aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorecem o isolamento e reforçam uma imagem dos professores como transmissores de um saber produzido no exterior da profissão. Práticas de formação que tomem como referência as dimensões colectivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autónoma na produção dos seus saberes e dos seus valores.

De acordo com Imbernón (2010), o celularismo no qual os partícipes da comunidade escolar se encontram os fazem assumir determinados hábitos e conduta de trabalho, que contribuem para a manutenção do individualismo. Essas ações contribuem para a permanência de uma cultura do isolamento que, na profissão docente, beneficia aqueles que pouco se comprometem, favorecendo as lutas internas caracterizadas pelo espírito competitivo dos padrões trabalhistas. O isolamento conduz o indivíduo a reter para si as experiências educativas, gerando a incomunicabilidade e reforçando uma formação de professores individualista.

Como meio de romper com essa cultura do isolamento, Imbernón (2010) propõe uma formação fundamentada na colaboração. Essa fundamenta-se no diálogo constante, no debate, no consenso democrático, no enfrentamento de conflitos, na organização dos indivíduos e da comunidade que os cercam. A metodologia desta formação se baseia no trabalho coletivo, no qual o compromisso e a responsabilidade são compartilhados por todos os participantes. As atividades devem colocar os professores diante de situações identitárias, que facilitem a participação, a aceitação de críticas ao mesmo tempo que suscita a criatividade. Uma formação continuada que visa romper com a passividade do professor é possibilitada por meio de um modelo colaborativo e reflexivo.

Segundo Contreras (2002), a inadequação do paradigma que ficou conhecido como racionalidade técnica fez emergir na década de 1980, nos Estados Unidos, o conceito de ‘reflexão’ em Educação. Naquela época foi percebido o aumento do número de artigos acerca da formação de professores que faziam referência a Donald Schön. As obras desse autor foram elencadas por muitos formadores como leitura obrigatória. Contudo, as origens da ideia de reflexão remontam ao filósofo John Dewey.

De acordo com Laranda e Arantes (1996), o pensamento reflexivo deweyano é definido como a melhor forma de se pensar, devido ao exame mental do assunto sobre o qual serão retiradas as conclusões. Não é o mesmo pensamento automático e desordenado que temos enquanto dormimos ou estamos acordados. A sequência deste pensamento é consciente e objetiva. Entretanto, refletir sobre uma situação imprevisível é uma tarefa complexa. Quando surge uma situação dessa o anseio é resolvê-la rapidamente. Contudo, uma ação precipitada é inibida devida às diferentes sugestões que surgem na mente. As sugestões confundem os indivíduos, deixando-os temporariamente sem reação. Esse momento é importante para a clarificação do problema, fazer as observações necessárias, interiorizando-as devidamente para, então, distinguir todas as suas dimensões.

Baseado nas ideias de Dewey, o conceito de professor como prático reflexivo ganhou inúmeros adeptos, sendo aceito e difundido amplamente (ALARCÃO, 2011; PIMENTA, 2006; ZEICHNER, 2008). Os estudos de Donald Schön promoveram a divulgação desse conceito. De acordo com Contreras (2002), o pensamento reflexivo schöniano surgiu como alternativa para os profissionais, como os professores, enfrentarem situações que não são solucionadas com base em um repertório de conhecimentos técnicos. O ensino, por exemplo, é uma atividade que se apresenta imprevisível e instável.

Neste sentido, o ensino com analogias pode ser associado à formação de professores enquanto práticos reflexivos. Isto porque, diversas estratégias de ensino com analogias, como o guia FAR (Focus-Action-Reflection), apresentam o conceito de reflexão como um dos componentes essenciais para o uso adequado do recurso. A reflexão e a colaboração são elementos indispensáveis para o planejamento de aulas com o uso de analogias. A tomada de consciência dos professores deve ser estimulada concomitantemente a uma formação para atuar com o recurso.

Metodologia

Nesta seção foram apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa, as participantes, os instrumentos de coleta de dados e o referencial analítico. A pesquisa é de abordagem qualitativa, pois parte do princípio de que o comportamento das pessoas tem sempre um sentido e um significado que precisa ser desvelado (MINAYO, 2009). Pesquisadores qualitativos estudam o conhecimento, os hábitos dos participantes, reconhecem a diversidade dos pontos de vista e das práticas do campo. Diversidade que preza pelos contextos sociais dos participantes.

Na investigação qualitativa o processo é mais importante que o produto final. Todas as mudanças evidenciadas ao longo da pesquisa indicam como as relações sociais, humanas e educativas são dinâmicas. Novas hipóteses podem surgir, assim como novos objetivos. Por vezes é necessário ampliar os instrumentos de coleta de dados (MINAYO, 2009). Neste sentido, foi possível perceber, por meio da formação continuada oferecida, a tomada de consciência das participantes acerca da sua prática espontânea com analogia.

As participantes da pesquisa foram três professoras que na época do estudo lecionavam a disciplina de Ciências no Ensino Fundamental II ou de Biologia no Ensino Médio. Os critérios para a escolha delas foram: ser professor da rede de ensino do município de Apucarana, PR; ser formado em Ciências Biológicas ou Ciências com habilitação em Biologia e estar exercendo a docência no ano de 2018.

Os dados foram gerados em um curso formativo realizado em cinco encontros entre os anos de 2018 e 2019, e em uma sessão de discussão em grupo realizada posteriormente. O curso teve duração média de 2 h e 30 min. Os quatro primeiros encontros foram dedicados à apresentação das bases teóricas do tema (o saber sobre as analogias) e o último encontro para preparação de uma aula (o saber fazer com as analogias). Um dos principais referenciais utilizados para a elaboração do curso foi o trabalho de Oliva (2008). O autor elenca os aspectos teóricos, as destrezas e os conhecimentos práticos que o professor de Ciências deveria considerar para usar as analogias em sala de aula.

Entre as atividades desenvolvidas no curso, realizou-se a leitura e estudo de um texto sobre o contexto histórico do surgimento da analogia 'coração-bomba'. Vídeos foram reproduzidos para que as participantes percebessem a presença das analogias no cotidiano. Imagens e frases de livros didáticos de Ciências e Biologia foram apresentadas às professoras que identificaram as analogias presentes nos materiais. Por fim, como principal ação desenvolvida, destaca-se a produção de planos de aula e aulas ministradas pelas professoras.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi a gravação em áudio dos cinco encontros, além da gravação da discussão em grupo, realizada posteriormente à aplicação das aulas planejadas. As reflexões das professoras nesses momentos formaram o conjunto de dados analisados neste artigo. A Análise Textual Discursiva (ATD) foi utilizada como referencial analítico (MORAES; GALIAZZI, 2011). Para Moraes (2003), a ATD:

[...] pode ser compreendida como um processo auto-organizado de construção de compreensão em que novos entendimentos emergem de uma seqüência recursiva de três componentes: desconstrução dos textos do corpus, a unitarização; estabelecimento de relações entre os elementos unitários, a categorização; o captar do novo emergente em que a nova compreensão é comunicada e validada. (MORAES, 2003, p. 192, grifo do autor).

Esse referencial caracteriza-se como uma metodologia de interpretação de dados, constituindo-se um modelo estrutural para as ações realizadas na pesquisa, como a organização do processo analítico (MORAES; GALIAZZI, 2011). A ATD é composta por três partes: a unitarização, a categorização e a comunicação. A unitarização compreende a desmontagem dos textos e o destaque dos seus elementos constituintes. Por meio da fragmentação busca-se perceber os sentidos em diferentes limites dos seus detalhes. É neste momento que surgirão as unidades de análise (UA).

A segunda parte é a categorização, que consiste no estabelecimento de relações entre as UA produzidas na unitarização. Por meio de uma comparação constante as UA são reunidas de acordo com o grau de semelhanças de sentido, podendo ser definidas categorias a priori ou emergentes. A categorização é o movimento inverso da unitarização, determinando a produção de uma nova ordem e compreensão. Cada categoria possui um argumento aglutinador (AA) que justifica as UA nela presente.

Um novo texto é produzido uma vez que não se retorna ao texto original. Assim, um conjunto de argumentos descritivos e interpretativos é construído, o qual é capaz de expressar a compreensão máxima atingida pelo pesquisador sobre o fenômeno investigado. Moraes e Galiazzi (2011) nominam como metatexto a nova produção textual, que corresponde à terceira parte da ATD, a comunicação.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), estando registrado sob o número 85373618.8.0000.5398 do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE). Para preservar a identidade das participantes foram adotados os seguintes nomes fictícios: Alice, Miriam e Selena.

Resultados e Discussões

Nesta seção são apresentadas as análises oriundas das falas das participantes. Através do diálogo promovido no curso oito categorias foram elaboradas. A sessão de discussão em grupo resultou na elaboração de três categorias. Porém, para atender os objetivos do artigo, uma categoria de cada momento será discutida.

Categoria I: tomada de consciência acerca do uso de analogias de modo espontâneo

AA: Durante o curso as participantes vão se conscientizando sobre as desvantagens do uso espontâneo das analogias e começam a refletir sobre como usá-las a favor do ensino.

No 2º encontro do curso, as participantes mencionaram se já haviam pensado acerca de como usavam as analogias em suas aulas.

Alice: Já fazemos, mas só que não temos tempo para parar para pensar que fazemos, não é? Na verdade, é isso. Porque a gente sempre faz esta questão da reflexão. [...] é bom porque a gente vê que muita coisa a gente faz e pouco a gente reconhece que faz.

Alice menciona que tem o hábito de refletir sobre a própria prática, mas que o tempo é um fator limitante. A professora reflete conscientemente acerca das atividades que desenvolve, reconhecendo o trabalho que realiza em suas aulas. Segundo Ghedin (2006), a reflexão não é um processo que surge por acaso. Pelo contrário, é resultado de uma longa trajetória formativa que se estende por toda a vida do professor. Para o autor, é essencial que todos sejam estimulados a adotar uma postura reflexiva.

Ainda no segundo encontro, imagens de uma amora (fruta) e uma mórula (fase do desenvolvimento embrionário animal) foram apresentadas às professoras. A discussão permeou a transferência errônea de significados entre os conceitos comparados dessa analogia. Neste momento Alice cita uma comparação que normalmente usa.

Alice: É o mesmo caso quando eu falei da célula naquela hora? Da célula se eu falo, por exemplo, da mitocôndria que é um formato [que] parece um amendoim, mas na verdade ela reproduz o sistema respiratório, né? Que faz respiração celular, que não tem nada a ver um amendoinzinho daquele [...] senão eles irão pensar que têm pulmão. Mas eu quero fazer nesse sentido, de falar do familiar com o familiar para ele saber a questão da função, não que a estrutura seja igual [...].

A professora relaciona o sistema respiratório à mitocôndria, pois essa organela celular é a responsável pelo processo de respiração celular. Compara a mitocôndria a um amendoim, refletindo sobre as limitações da analogia ao dizer que a respiração celular "[...] não tem nada a ver um amendoinzinho", caso fosse os alunos pensariam que o amendoim teria pulmões. Ao propor a relação comparativa, Alice tinha um propósito em mente: comparar os sistemas do corpo humano com as organelas celulares. Entretanto, reconheceu que outras compreensões podem emergir.

Conforme Oliva (2008), reconhecer as limitações do uso de uma analogia é necessário para se ensinar com esse recurso. Trata-se de uma etapa prévia de análise e de reflexão que se configura como uma tarefa complexa. Quando são estabelecidos os limites e as validades os alunos podem desenvolver o senso e o julgamento crítico. Ademais, serão mais autônomos para interpretar o significado de cada relação analógica.

Depois de classificar algumas orações como metáforas, modelos, analogia e exemplos foi discutido as definições e diferenças entre elas. Ao ouvir o relato da professora Miriam, Selena ficou surpresa com as responsabilidades que deveria assumir ao trabalhar com esses recursos.

Pesquisador: Sempre vai vir esses conectores numa analogia. Na metáfora não. Então, aqui se eu dissesse para vocês: 'a célula é uma fábrica'. A Miriam poderia compreender que as estruturas das duas são iguais, a Alice poderia compreender que a função que é parecida, que é igual.

Alice: E outro pode falar a cor.

Miriam: Porque daí, como você falou, a resposta que o aluno pensasse não estaria errada.

Selena: NOSSA. Daí a gente tem que pensar nisso? Quando você coloca isso para o aluno?

Miriam: Que não estaria errado, como você falou outro [aluno] pensaria na cor, outro pensaria no formato. Na estrutura. No tamanho, então, ai que complicado.

Assim como a professora Selena, Miriam se surpreende por ter que pensar em todas as associações que os alunos poderiam fazer. As professoras não tinham pensado na necessidade de refletir sobre os diferentes sentidos que uma analogia pode induzir. A aprendizagem com analogias não pode ser entendida como um fim em si mesma. O professor induz os alunos a pensarem nas características, relações e atributos de uma comparação do tipo analógica.

As discussões do segundo encontro resultaram em mudanças na postura da professora Alice. Essa evidência foi extraída da UA do terceiro encontro.

Alice: Mas eu perguntei para os meus alunos do primeiro ano [do Ensino Médio], que [...] semana passada nós entramos no desenvolvimento embrionário. Metade da sala conhece amora, metade não conhece.

Após discutir sobre a analogia da amora/mórula, Alice questionou os seus alunos se conheciam o fruto. A participação no curso foi importante para a professora colocar em prática o que aprendeu. Essa postura é resultado de um movimento de reflexão sobre a reflexão na ação, visto que Alice pensa, reflete, reestrutura e mobiliza os conhecimentos partilhados pelo pesquisador e pares durante o processo formativo.

Depois de discutir acerca das potencialidades para o uso das analogias no ensino de Ciências, Selena questiona sobre as simplificações que as comparações podem ocasionar:

Selena: Você sabe que eu fico meio me questionando assim, fazendo uma indagação comigo mesma. Se a gente não está tornando a Ciência muito simplista? Às vezes eu penso isso, será que eu não estou minimizando muito? Às vezes a gente apela demais, sei lá. Vai que eu estou deixando muito banal.

A linguagem científica difere da linguagem escolar em diversos aspectos. Chevallard (2005) é um dos principais autores que discorre sobre as simplificações decorrentes da transposição dos saberes quando passam, do meio acadêmico-científico, para o espaço escolar. Segundo o autor, tais simplificações são essenciais, pois não seria possível ensinar alunos da Educação Básica usando a mesma linguagem da comunidade científica. Para Almeida (2016), o uso das analogias faz parte do processo de simplificação da linguagem científica. São elementos da prática docente que facilitam a transposição didática. No entanto, as analogias aproximam o aluno do saber sábio (conhecimento), não podendo substituí-lo.

A reflexão de Selena permite uma discussão peculiar. A despeito das analogias terem um papel salutar para a aprendizagem em Ciências, inúmeras desvantagens são descritas na literatura quando usadas de modo acrítico. Segundo Francisco-Júnior (2010), as analogias carreiam inevitáveis simplificações, podendo favorecer ou consolidar ideias mais destoantes das científicas que pretendia formar. Por isso, devem ser usadas com cautela.

Além de corroborar com as ideias de Selena, Miriam inclui na discussão uma nova demanda: a adaptação para os alunos de inclusão.

Miriam: E a questão da adaptação para alunos de inclusão? Porque às vezes, por exemplo, até o nono ano é mais fácil [adaptar], eu penso. Aí quando você começa lá no Ensino Médio tem coisas que não tem como você adaptar.

Em outra oportunidade Selena disse que uma professora a alertou que para determinados grupos de alunos é impossível fazer essas associações para promover a aprendizagem.

Selena: Aí diz que dá problema com certos alunos fazer [analogia] [...] tem um caso ali que não é nem para fazer analogia, esse tipo de comparação, porque ao invés de você ajudar você atrapalha.

Miriam: É porque o autista se você falar uma coisa, uma metáfora, por exemplo, ele não entende.

Selena: Então, mas era uma comparação. Se fizer analogia, assim, comparando diretamente mesmo ele não consegue fazer a relação. Eu falei: 'NOSSA MÃE'. E a gente está com os nossos [alunos de inclusão] tudo espalhado ali no meio da sala e fazendo e desfazendo [Risos].

As reflexões de Miriam relacionam-se à sua atuação enquanto educadora dessa modalidade de ensino, especificamente professora da sala de recursos. Miriam se mostra desamparada quando expõe essa necessidade formativa. Não ter considerado o público alvo da Educação Especial na formulação do curso não foi proposital. A literatura especializada sobre as analogias no ensino de Ciências não fornece referenciais teóricos consolidados que permeiam tal discussão. Ademais, durante o planejamento do curso não foi previsto essa discussão e pela falta de tempo para aprofundamento, apenas foi possível identificar essa demanda.

No quarto encontro, as reflexões das participantes já se mostravam consistentes e referiam-se, principalmente, ao modo como o curso estava contribuindo para mudanças de postura.

Selena: Olha. Eu acho que, assim, a gente fica...

Alice: Pensa-se mais.

Selena: Com consciência do que você está fazendo. Não é verdade? Então, porque antes você era no automático, você fazia. Só que eu ainda estou com a interrogação porque você [pesquisador] deixou uma... pulguinha ali. Até que ponto que isso é favorável? Você deixou um dia, não deixou? Foi no último [encontro] que daí eu fiquei assim: 'nossa, até que ponto que nós vamos ter vantagem com isso'.

As professoras Selena e Alice relatam que começaram a pensar mais acerca da prática com analogias, estando mais conscientes sobre esse ato. O pensar é diferente do ato de refletir. O primeiro é uma condição inerente ao ser humano e o segundo precisa da emissão de juízo de valor. Quando Selena diz que antes enunciava as analogias automaticamente (espontaneamente) corrobora com as ideias de alguns autores (CURTIS; REIGELUTH 1984; LAKOFF; JOHNSON, 1980) que relatam acerca da indissociabilidade entre o pensamento humano e a emissão de analogias.

No início das discussões referente ao contexto histórico da analogia ‘coração-bomba’, uma pergunta mobilizou diversas reflexões das professoras.

Pesquisador: Vocês já utilizaram a expressão, a analogia: o coração funciona como uma bomba?

Miriam: Quem que não fala? Nossa! Eu falo, falei muito isso.

Pesquisador: Agora, outra pergunta e cada uma vai pensar individualmente: que bomba vocês estão pensando quando eu falo que o coração funciona como uma bomba?

Selena: Tem que pensar na bomba?

Miriam: Uma que destrói tudo [ ].

Selena: Bomba d’água [ ].

Pesquisador: Bomba d’água?

Selena: É. Puxa, não é? [ ].

Alice: É, porque leva a água. Ela leva e traz [ ].

Selena: Ah só falta os alunos pensar em bomba de explodir [ ].

Alice: Acho que eles pensam nessa bomba de explodir [ ].

Selena: Mas é o que eu estou falando. Nossa, tem que falar qual que é a bomba mesmo.

Miriam: De destruição. Que ela destrói [ ].

Selena: Ai que dó e é o contrário, porque ela impulsiona. Gente, o nosso aluno às vezes nem conhece uma bomba que puxa água, uma bomba hidráulica. MEU DEUS!

Alice: É mesmo Miriam, eu nunca tinha pensado por uma bomba que explode.

Selena: GENTE DO CÉU! Daqui a pouco acho que a gente não pode falar. Se a gente for olhar mesmo, a gente tem que ter muito cuidado no que fala.

A UA acima representa uma sequência de reflexões mobilizadas pelas participantes em relação à analogia histórica. Pela análise do diálogo as professoras percebem as diversas interpretações que os alunos podem atribuir ao conceito bomba da analogia. Inúmeros significados e sentidos uma analogia pode gerar, mas que dependem das experiências individuais. Neste sentido é que os estudos sobre a temática recomendam a avaliação minuciosa de toda relação analógica. Porém, os professores só irão romper com hábitos construídos por longos anos quando forem formados para pensar e questionar sobre eles. Esta ação é gradativa e ocorre lentamente.

Em outro momento as professoras opinam a respeito do curso e de sua importância para mobilizar reflexões acerca da prática espontânea com analogias.

Alice: Às vezes a gente fala uma palavra achando que o aluno sabe e na verdade ele não sabe. É até mesmo na questão da amora que nós tínhamos falado lá no início. [...] essa fruta já não está muito mais disseminada [...] como antes [...] tem que tomar cuidado nesse sentido, verificar se eles realmente conhecem ou fazer uma distorção igual da bomba [Risos].

Miriam : A gente tinha que ter preparo que nem essa analogia [coração-bomba] aí, eu mesma não sabia que isso era. Essas coisas que a gente faz que eram analogias. Eu acho que falta muita formação para gente.

Alice e Miriam demonstram preocupação e cautela diante de analogias não familiares para os alunos. As duas expressões seguintes evidenciam essa ansiedade: "às vezes a gente fala uma palavra achando que o aluno sabe e na verdade ele não sabe" e "tem que tomar cuidado nesse sentido, verificar se eles realmente conhecem [...]".

Sequencialmente Alice relata sobre uma pesquisa que fez sobre o tema do curso:

Alice: Eu estava pesquisando [e] joguei no Google e estava vendo alguns estudos sobre essa questão de pesquisas feitas. Eu achei interessante algumas. Até saiu essa daqui em Belo Horizonte, mas daí eu só tirei da página do pesquisador [...] sobre a questão que a gente sempre fala que o alimento é como se fosse [uma] espécie de combustível para os seres vivos, que a gente vive falando. Então, ele foi colocando que o alimento é uma espécie de combustível. Está lá no livro B, na página nove: 'a célula é a unidade que compõem os seres vivos'. E em outras palavras: 'é o bloco de construção de qualquer organismo'. Está lá na página setenta e oito [...].”

A fala de Alice diz respeito a um artigo de uma revista científica, publicado em uma revista do município de Belo Horizonte, Minas Gerais. Esta pesquisa, de acordo com o relato da professora, teve por objetivo classificar / identificar analogias presentes em livros didáticos. A busca pessoal da professora de conhecer mais sobre o tema reflete, em partes, o papel da formação continuada promovida. Conforme Imbernón (2010), as formações continuadas devem permitir a abertura de espaços de troca e de diálogos intensos entre os participantes. Alice se sentiu à vontade em compartilhar novos conhecimentos.

Como produção do último encontro, as professoras elaboraram um plano de aula usando uma analogia. Quando Miriam apresentou para as colegas a sua proposta, comparação entre os ingredientes de um bolo e os minerais que formam as rochas, Selena reflete sobre as limitações da analogia a ser trabalhada com a turma.

Selena: A gente não trabalha [Química], mas superficial a gente não vai pensar na questão química. Porque você não trabalha isso com o sexto ano. Você não vai ficar trabalhando a questão da pressão que com o mesmo mineral ela pode fazer coloração diferente, dureza diferente, aspecto diferente. Então você vai está trabalhando só o que é dentro do limite pra série, né? Porque se você for levar mesmo a fundo você vai ver muita limitação. Em todas. Quanto mais você pensar, mais você vai ver diferença.

Segundo Selena, nem todas as diferenças entre os conceitos comparados serão trabalhadas, pois a faixa etária dos alunos e o ano escolar são fatores a serem considerados. Para ela, quanto mais se aprofundar e pensar acerca do assunto, mais limitações e diferençasencontrará. Por isso é aconselhável explorar mais as semelhanças do que as diferenças de uma analogia.

Categoria II: o curso como espaço para o repensar da prática docente com analogias

AA: As professoras versam acerca dos aspectos positivos do curso, que as possibilitou refletir sobre a prática espontânea com analogias.

Durante a discussão em grupo, as participantes versaram sobre o processo formativo. Alice fala sobre a importância da reflexão no dia a dia escolar.

Alice: Penso comigo que foi positivo, porque isso fez com que a gente tivesse uma reflexão do nosso dia a dia, na escola e com isso... E a gente aprender a valorizar mais isso, né?

A iniciativa do curso desencadeou na Alice processos reflexivos que foram além do tema proposto, como a análise do cotidiano escolar. Algumas críticas apontadas pela literatura (GHEDIN, 2006; PIMENTA; 2006; ZEICHNER, 2008) à teoria reflexiva de Schön diz respeito à restrição da reflexão no tocante à prática docente em sala de aula. Ademais, a reflexão precisa incidir sobre as implicações éticas, sociais e políticas que permeiam todo o processo do trabalho docente.

No curso foram discutidas as características do pensamento humano regido pelo uso de analogias e metáforas, assim como acontece com o pensamento científico. A construção do raciocínio analógico não se dissocia da comunicação humana, por isso é comum os professores enunciar as analogias em sala de aula. Contudo, é preciso usá-las conscientemente, de modo planejado e com objetivos educacionais bem definidos.

Do mesmo modo como Alice, Miriam compartilha as suas impressões acerca da formação oferecida:

Miriam: O curso foi muito significativo na vivência e experiência de levar para a sala de aula algumas novas analogias que proporcionou um entendimento facilitador entre o científico e o cotidiano conhecido e presenciado pelo aluno.

Novas aprendizagens decorreram da apropriação de analogias desconhecidas pela participante. Para Miriam, os recursos analógicos facilitam a aproximação entre o conhecimento científico e o cotidiano do aluno. Miriam não se apropriou de qualquer analogia, mas de analogias pensadas, refletidas e planejadas que se distanciaram da espontaneidade do pensamento humano, alcançando o nível de reflexão.

Selena menciona mais uma contribuição percebida por ela:

Selena: Com o avanço científico é sempre válido participar de encontros como forma de participar e se inteirar desses avanços, podendo assim sair da 'comodidade' das aulas repetidas por diversos anos.

A professora relata que os encontros de formação a mantêm antenada quanto aos avanços científicos. Neste excerto, a professora refere-se à atualização dos conhecimentos da sua área de formação inicial (Ciências Biológicas). Isso confirma-se quando elas discutem acerca da especificidade da formação oferecida:

Selena: Então, eu acho que a questão é sempre o que os professores, de todas as áreas, sempre pedem: capacitação específica.

Alice: Digamos assim, diferenciada, né? Porque essa daqui foi uma diferenciada. Porque sempre é a mesma mesmice, eu estou pouco tempo, mas já estou vendo que é tudo igual.

Selena: Quando tem específica, nada de novo para ajudar nas metodologias, na prática da sala de aula.

A oferta de cursos pontuais é interessante quando se distancia do tecnicismo típico das formações continuadas clássicas. Mesmo pontuais, os cursos promovem a atualização dos professores quanto ao que há de mais recente sobre a pesquisa, o ensino e a aprendizagem. Contudo, as formações atuais exigem momentos de reflexão para além da prática rotineira do trabalho docente, incorporando novas aprendizagens, como o compartilhamento coletivo, participativo e colaborativo das experiências.

Sobre a falta de cursos que auxiliem na prática da sala de aula, Selena traz para a discussão uma preocupação recorrente entre os professores. Segundo Trivelato (2003), professores de Ciências procuram capacitações na tentativa de receberem sugestões de atividades inovadoras. A procura apesar de pertinente não é suficiente. As formações continuadas precisam auxiliar os professores a terem uma visão crítica sobre o ensino.

Em outro momento, as professoras relatam sobre como o curso contribuiu para elas perceberem que utilizavam as analogias espontaneamente. Essa tomada de consciência foi uma aprendizagem ímpar para a formação e o desenvolvimento profissional delas.

Alice: Na experiência da aula planejada, evidenciou como sempre realizamos analogias e que muitas vezes não temos a percepção desse fato. [...]. Fazia o recurso, mas vamos dizer assim, sem achar que era, sem consciência.

Selena: Porque a gente acaba fazendo. Eu coloquei aqui as analogias que a gente faz direto. Só não dá conta. Eu não dava conta. Nem sabia o que que era analogia. Eu não sabia que era esse termo que usava.

Miriam: Igual eu, eu não imaginava [que] isso é uma analogia dessa forma. É muito interessante, com algumas coisas que eu refleti, eu falei: 'Nossa, já fiz isso'. E não sabia que era isso e deu certo.

Alice menciona que usa com frequência as analogias, mas que não se percebia fazendo isso, porque não tinha consciência desse ato. Selena concorda com a fala de Alice ao dizer que não sabia o que era o recurso, também relatado por Miriam, que acreditava estar usando adequadamente uma analogia, mas não tinha compreensão das implicações didáticas dessa ação.

As UA das três participantes reafirmam a característica espontânea da ação docente. Em situações inesperadas elas recorriam ao uso das comparações. Refletindo na ação ou sobre a ação criavam diversas analogias, adquirindo a falsa impressão de que a situação problemática foi solucionada. Entretanto, na falta de um conjunto de conhecimentos teóricos e práticos sobre o tema, as reflexões das docentes atingiam um fim em si. Outra aprendizagem apontada por Selena foi a análise realizada das analogias exemplificadas ao longo da formação.

Selena: O mais interessante dos encontros foi poder fazer análises dessas analogias e até mesmo aprimorá-las.

Para a professora, o curso oportunizou o aprimoramento de algumas analogias usadas frequentemente. De acordo com Oliva (2008), a seleção de boas analogias é um saber necessário a ser adquirido pelos professores, se quiserem usá-las devidamente. Entretanto, só é possível efetivarem-se diante de um planejamento reflexivo e contínuo. Adotando-se, igualmente, uma reflexão colaborativa, os prejuízos são reduzidos significativamente.

Segundo Ibiapina (2008), a colaboração permite ampla aprendizagem se os membros do grupo compartilham as suas experiências. Em diferentes momentos dos encontros foram identificadas essas trocas entre as participantes. Ademais, incorporaram, na prática, algumas analogias usadas pelos seus pares. Neste ponto, credita-se à ação formativa reflexiva e colaborativa esse resultado.

Conclusão

O objetivo do estudo foi analisar a contribuição de um curso de formação continuada colaborativa e reflexiva para a tomada de consciência de professoras de Ciências sobre o uso espontâneo de analogias. Por meio das reflexões das participantes foi possível esboçar alguns resultados. Houve um aumento em quantidade e qualidade das reflexões. A qualidade diz respeito à tomada de consciência e ao julgamento mais crítico quanto à prática conduzida por analogias. Em diferentes momentos o curso foi importante para as professoras questionarem sobre a sua própria prática e sobre a formação inicial que tiveram. Isso foi percebido pelos apontamentos e pela percepção das professoras sobre o uso espontâneo das analogias.

A compreensão das participantes sobre as analogias influencia diretamente a forma como conduzem a aula com tal recurso. Como dificuldades para a inserção das analogias no planejamento de ensino, destaca-se o não reconhecimento delas como recurso de ensino e a falta de formação específica. Foi por meio da participação no processo formativo colaborativo que as professoras iniciaram as primeiras reflexões sistematizadas sobre o trabalho com diferentes recursos comparativos no ensino de Ciências. Por fim, as participantes compreenderam a sua responsabilidade nas ações de mediação. O estudo contribui com a área ao propor um modelo formativo que possibilita o ensino com analogias mais consciente, com base nos princípios de reflexão e colaboração.

1Um domínio corresponde à área de um saber e a todos os conceitos relacionados a ele. Por exemplo, na comparação de uma bola com um planeta do sistema solar, devido à semelhança do formato (esfera), dois domínios heterogêneos estão presentes: um relativo à astronomia e outro relativo aos esportes/brinquedos.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de doutorado concedida.

Agradecemos às professoras participantes da pesquisa e à Secretaria da Educação e do Esporte (SEED) do Estado do Paraná por viabilizarem a realização desta pesquisa.

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Recebido: 21 de Maio de 2020; Aceito: 19 de Setembro de 2020

Autor Correspondente: hederson.almeida@unesp.br

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