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Ciência & Educação

versão impressa ISSN 1516-7313versão On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.27  Bauru  2021  Epub 05-Maio-2021

https://doi.org/10.1590/1516-731320210024 

Artigo Original

Transferências de Saberes Matemáticos: uma experiência entre brasileiros e alemães de 1971-2002

Mathematical Knowledge Transfers: an experience between Brazilians and Germans from 1971-2002

Circe Mary Silva da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-4828-8029

1Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Pelotas, RS, Brasil.


Resumo:

Este trabalho examina e discute a cooperação internacional entre Brasil e Alemanha no período 1971 a 2002, o que favoreceu transferências de saberes na área de matemática. Escolhemos como referencial teórico as transferências culturais e utilizamos como corpus documental os arquivos do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) referentes ao convênio estabelecido entre os dois países, bem como depoimentos de participantes do convênio. A conclusão foi de que houve um grande engajamento das instituições alemãs no desenvolvimento de projetos de pesquisa realizados em cooperação com brasileiros, decorrentes de transferências de saberes matemáticos entre os envolvidos. Constatamos também que tanto a matemática brasileira quanto a matemática alemã alimentaram-se de transferências culturais, conforme mostrou o estudo de caso investigado por meio do convênio CNPq e da Gesellschaft für Mathematik und Datenverarbeitung (GMD).

Palavras-chave: Matemática; Brasil; Alemanha; Cooperação internacional; Transferência do conhecimento

Abstract:

This paper examines and discusses international cooperation involving Brazil and Germany, which favored the transfer of knowledge in the area of mathematics from 1971 to 2002. As the theoretical framework, we chose cultural transfers and used the Institute of Pure and Applied Mathematics (IMPA) and the National Research Council (CNPq) archives as a documentary corpus referring to the agreement established between the two countries, as well as statements by participants in the agreement. The conclusion was that there was a great commitment from German institutions in the development of research projects carried out in cooperation with Brazilians, as a result of transfers of mathematical knowledge among those involved. We also found that both Brazilian and German mathematics fed on cultural transfers, as it has been shown by the case study investigated through the agreement CNPq and the Society for Mathematics and Data Processing (GMD).

Keywords: Mathematics; Brazil; Germany; International cooperation; Knowledge transfer

Introdução

As transferências e apropriações de conhecimentos fazem parte, cada vez mais, da dinâmica das disciplinas

. Para Espagne (1999, p. 1, tradução nossa), "[...] o termo transferência cultural marca a preocupação de falar simultaneamente de vários espaços nacionais, seus elementos comuns, sem justapor considerações sobre um e o outro, a fim de confrontá-los, compará-los ou simplesmente acumulá-los". No Brasil, transpondo para o caso da disciplina matemática, percebe-se que tais transferências iniciaram nas décadas de trinta e quarenta, com a vinda de matemáticos italianos, franceses e americanos, entre os de outras nacionalidades, os quais contribuíram na formação de professores e pesquisadores nas faculdades de filosofia criadas a partir dos anos 30 do século XX, no país (SILVA, 2002). Estiveram no Brasil, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, matemáticos experientes como Luigi Fantappiè, Giacomo Albanese, Jean Dieudonné, Andre Weil, Oscar Zariski, Alexander Grothendick, Marshall Stone, Adrien Albert, Antonio Monteiro entre outros (LIMA, 2012). Todavia, as mesmas relações não se estabeleceram com matemáticos alemães. Somente após a II Guerra Mundial, quando foram criados o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 1951 e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), em 1952, que relações de cooperação foram estabelecidas entre os dois países (SILVA, 2009).

Um dos primeiros matemáticos alemães a visitar o IMPA foi o matemático Lottar Kollatz da Universidade de Hamburg. Ele chegou nesse Instituto em 1954 e sua permanência no Brasil foi curta (SILVA, 2004, 2005). Na década de 1950, o país estabeleceu, ainda que de forma incipiente, laços de cooperação com países de língua germânica. Entretanto, as visitas esporádicas de alemães a universidades e a institutos de pesquisa brasileiros à época não faziam parte de um programa de cooperação internacional. Este só veio a acontecer na década de 1970, quando oficialmente Brasil e Alemanha assinaram um convênio de cooperação na área de Matemática e Processamento de Dados.

O presente trabalho está centrado nesse convênio e tem o objetivo de entender as motivações para a sua criação e identificar transferências de saberes dele decorrentes. Ele busca responder à seguinte questão investigativa: quais as motivações para o estabelecimento do convênio de cooperação entre brasileiros e alemães e quais transferências de saberes matemáticos resultaram dessa parceria? O período investigativo inicia-se em 1971, quando o convênio foi assinado, e se prolonga até 2002, quando foi encerrado.

O método da pesquisa utilizado foi a análise de conteúdo. Partiu-se de um corpus documental que compreendeu atas, relatórios técnicos, anais, convênios, manuscritos, cronogramas, projetos individuais, relatórios científicos e cartas; documentos estes coletados nos arquivos do IMPA, bem como no arquivo do CNPq (no MAST). Foram também coletados depoimentos de alguns participantes, a maioria na forma digital, com o intuito de entendermos como agentes culturais envolvidos no projeto participaram desse intercâmbio. Para responder à questão investigativa, identificamos a rede de ligações que se estabeleceu entre os pesquisadores dos dois países, relacionando os envolvidos; a frequência das visitas a cada país; as áreas em que as pesquisas dos matemáticos se desenvolveram, bem como a política dessas relações.

O governo brasileiro e o governo da República Federal da Alemanha assinaram, em julho de 1969, um Acordo Geral de Cooperação sobre Ciência e Tecnologia, que teve por base as relações amistosas entre os dois países. O que fundamentava o acordo eram os interesses comuns visando ao fomento da pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico com fins pacíficos e, ainda o já existente Acordo do Brasil com a Comunidade Européia de Energia Nuclear (EURATOM), no campo das utilizações pacíficas da energia atômica, firmado em 1961 (CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA, 1969). Inicialmente, os campos previstos para essa parceria seriam os seguintes: a energia nuclear e o desenvolvimento da tecnologia nuclear; a pesquisa espacial; a pesquisa aeronáutica; a oceonografia; a documentação científica e o processamento eletrônico de dados. Cada um dos campos acima referidos seria objeto de convênios especiais, que seriam negociados com as partes contratantes.

Estreitando os Laços: o convênio

A ciência é uma instituição social regida por um conjunto de normas e que tem autoridade moral, na visão de Merton (1985). Além disso, ela é pública e seu avanço exige não apenas novas criações, mas que essas inovações sejam comunicadas para a sociedade, pois, em última instância, "[…] a ciência é um corpo de conhecimento socialmente compartilhado e validado" (MERTON, 1985, p. 567, tradução nossa).

A comunicação e o intercâmbio entre pesquisadores favorecem a circulação do conhecimento e, assim, faz com que tais pesquisadores tornem-se agentes culturais.

Seguimos a orientação de Fontaine (2014), que considera fundamental, no estudo das transferências culturais, a identificação das motivações e interesses que levam um contexto cultural a importar um conhecimento modelado em outro contexto; iremos, no item a seguir, iniciar com a identificação das motivações e interesses de tal convênio.

Para Schwartzmann (1989), existe uma tradição no Brasil, de não valorizar a ciência acadêmica, de atribuir maior importância à ciência aplicada. Nesse sentido, a pesquisa em matemática é um bom exemplo, pois até a década de 1930, ela tinha um papel marginal no cenário nacional. O matemático Manuel Amoroso Costa (1885-1928) protestava contra essa situação, em um interessante artigo intitulado Pela ciência pura, defendendo o trabalho dos homens da ciência (SILVA, 1997), segundo ele, o mundo moderno desconhecia a importância do trabalho dos homens da ciência básica:

[...] a opinião quase unanimemente admitida entre nós: a ciência é útil, porque dela precisam os engenheiros, os médicos, os industriais, os militares; mas não vale a pena fazê-la no Brasil, porque é mais cômodo e mais barato importá-la da Europa, na quantidade que for estritamente suficiente para o nosso consumo. (SILVA, 1997, p. 164).

Mesmo após a instituição da Universidade no Brasil, a matemática ainda demorou para se constituir como campo científico. Essa situação começaria a mudar no início da década de 1950 com a criação do IMPA, do Conselho Nacional de Pesquisa1 e da CAPES. O convênio do qual iremos tratar a seguir nasce no seguinte contexto. Os governos militares a partir de 1967, segundo Andrade (2006), aspiravam ao status de grande potência e com isso, procuravam reduzir a dependência dos Estados Unidos, voltando-se para o estabelecimento de relações com a Europa Ocidental. França e Alemanha Ocidental ofereceram condições favoráveis para a efetivação de convênios visando à formação técnica e científica de especialistas em energia nuclear. De maneira muito clara, Andrade (2006, p. 13) explica como ocorreram as parcerias no Brasil:

A aliança entre cientistas e militares foi decisiva para que o então denominado Conselho Nacional de Pesquisa pudesse dar os primeiros passos em direção à organização dos campos científico e tecnológico, capacitação profissional e apoio às investigações.

A fim de fomentar e implementar os convênios especiais, foi constituída uma Comissão Teuto-Brasileira de Cooperação Científica e Tecnológica (CTBCCT). O Ministério das Relações Exteriores do Brasil foi o órgão que articulou as ações, sendo que a Secretaria Geral Adjunta para o Planejamento Político desse ministério ficou responsável pela tramitação dos processos. Já em 1969, Gerhard Jakob2 foi solicitado a cooperar e integrar, pelo lado brasileiro, a CTBCCT, para viabilizar o convênio especial na área de Matemática e Processamento de Dados, envolvendo duas instituições: o CNPq, pelo lado brasileiro, e a GMD3, pelo lado alemão.

Nos registros das discussões preliminares sobre os termos do acordo teuto-brasileiro, à época rotulados de confidenciais, encontramos correspondência entre o Ministério das Relações Exteriores e o Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisa (JAKOB, 1971). Nela, lê-se que o acordo de cooperação previa as seguintes ações: intercâmbio de informações sobre a pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico; intercâmbio de cientistas, de peritos e pessoal técnico; execução simultânea, conjunta e articulada de tarefas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e utilização de equipamento e instalações científicas e técnicas.

Em novembro de 1971, Jakob participou de uma reunião em Brasília, que teve a finalidade de preparar a missão para a Alemanha. Dela participaram Jorge de Carvalho e Silva, embaixador brasileiro em Bonn, o secretário geral do Ministério das Relações Exteriores, e representantes dos demais órgãos envolvidos. Ficou definido que Jakob, representando o CNPq, e o embaixador Silva, seriam os negociadores em Bonn. A grande preocupação manifesta na reunião preparatória foram os problemas relativos às patentes em software de computadores que estariam envolvidos no acordo entre o CNPq e a GMD. Confidencialmente, Jakob escreveu

[…] há uma preocupação muito grande, no momento, no Governo brasileiro, em seus mais altos escalões, sobre o problema de computadores, tanto hardware como software, devido a pressões que estão sendo exercidas pelas companhias fabricantes de tais equipamentos; penso que o CNPq deverá examinar com muito cuidado os termos que será posto, no convênio com Birlinghoven, o assunto relativo a patentes (JAKOB, 1971).

Ernst Peschl, presidente científico da GMD e diretor do Instituto de Matemática da Universidade de Bonn, e o professor Otto Endler4, entre outros alemães, reuniram-se com a delegação brasileira, em Bonn, para acertar os detalhes do convênio especial na área de Matemática e Processamento de Dados.

Importante notar que já era consenso, nessa ocasião, que as missões de intercâmbio deveriam privilegiar pessoal já qualificado, ou seja, com doutorado, e, excepcionalmente, poderia fomentar a formação de doutores. Visitas de longa duração seriam preferidas às de curta duração com dois ou três meses. Na área de informática, os computadores IBM eram sugeridos pela equipe alemã como os mais apropriados para uso em processamento de dados.

Jakob concluiu seu relatório sobre a reunião da Comissão Teuto-Brasileira reconhecendo haver notado, no grupo de Matemática, uma preocupação em realizar com esse convênio, uma colaboração efetiva, eficiente, de igual para igual e desinteressada. Avaliou esse convênio como uma verdadeira possibilidade para o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil (JAKOB, 1971). Os objetivos do convênio assim estavam expressos:

1. O CNPq e a GMD cooperarão na pesquisa e no desenvolvimento técnico no campo da Informática bem como no campo da Matemática Pura e Aplicada. 2. A cooperação compreenderá o intercâmbio de cientistas e técnicos, a realização comum de projetos científicos adequados, bem como o apoio mútuo na obtenção de equipamentos científicos (CONVÊNIO CNPq-GMD, 1971, p. 2).

Os participantes, que poderiam beneficiar-se do projeto, limitavam-se a cientistas brasileiros ou estrangeiros com visto permanente, os quais deveriam estar vinculados a uma Universidade ou Instituto de Pesquisas. As regras previstas para o financiamento do intercâmbio de cientistas eram as seguintes: ao país de origem caberia o pagamento da passagem internacional, na qual deveriam estar incluídos todos os lugares nos quais o cientista exerceria as atividades científicas. Ao país hospedeiro, caberia o pagamento das despesas de manutenção e as despesas adicionais necessárias ao desenvolvimento do projeto, que não poderiam ser salários.

Dessa forma, foi instituído que a vinda de um pesquisador alemão ao Brasil deveria ocorrer mediante convite formal de, pelo menos, um pesquisador brasileiro interessado na cooperação e vice-versa. Claramente, aqueles pesquisadores reconhecidos pelos pares teriam mais chance de serem convidados. Para Merton (1985), quando a ciência funciona de maneira eficiente, existe o reconhecimento daqueles que desempenham melhor os seus papéis, especialmente aqueles que fizeram contribuições originais para ampliar o acervo de conhecimento. Para os matemáticos, reconhecimento e fama são símbolos reveladores de tarefas bem feitas em ciência.

O convênio, bastante detalhado, previa que as visitas de intercâmbio tanto de alemães quanto de brasileiros estivessem relacionadas a um projeto de pesquisa, e, para cada país, foi nomeado um coordenador científico: do lado alemão, Klaus Floret da Universidade de Oldenburg e, do lado brasileiro, Elon Lages Lima do IMPA.

A renovação do convênio dependeria do interesse das partes e da avaliação dos resultados. Após 15 anos de existência, foi realizado no IMPA um encontro para discutir o andamento do convênio: foi o Workshop on Brazilian-German Cooperation in Mathematics, em 1984, com participantes de ambos países5. Matemáticos de várias instituições foram previamente consultados sobre o interesse de manterem o convênio. Otto Endler (ENDLER, 1984) relatava que, tanto matemáticos brasileiros manifestaram interesse em manter uma cooperação entre Brasil e Alemanha, quanto os alemães presentes no Workshop. A principal conclusão, que foi consensual entre os participantes, foi de que deveriam ser apoiados principalmente projetos de alto nível científico nas áreas onde existisse uma possibilidade substancial de contribuições relevantes da matemática de ambos os países. Além disso, consideraram que as iniciativas individuais e os contatos pessoais eram o meio mais adequado para o início de projetos de cooperação. Segundo eles, as atividades de pesquisas em matemática, em geral, não poderiam ser organizadas com sucesso em larga escala, ao contrário, dever-se-ia dar preferência às pesquisas independentes de indivíduos ou grupos, baseados na sua qualidade (REPORT..., 1984). As decisões geradas por esse Workshop nortearam os procedimentos das ações desenvolvidas a partir de então no âmbito do acordo. O convênio durou até 2002, e não encontramos, nos documentos do IMPA ou DO CNPq, as razões de seu encerramento.

Nos itens que seguem abordaremos outro aspecto considerado por Fontaine (2014) como indispensável na análise das transferências culturais: identificar como os agentes de mediação conduzem esse processo e permitem a transferência do saber cobiçado.

Alemães em Universidades Brasileiras

No período de 1969 a 2000 identificamos a visita de 89 matemáticos alemães6 ao Brasil, oriundos de 37 universidades alemãs, o que cobre geograficamente todas as regiões da Alemanha. O quadro 1 mostra as instituições de origem dos matemáticos que estiveram no Brasil, com o respectivo número de pesquisadores visitantes e número de visitas. Incluímos apenas as universidades que tiveram três ou mais pesquisadores envolvidos ou três ou mais visitas ao País7.

Quadro 1 Instituições de origem dos visitantes alemães 

Instituição (universidade) Número de pesquisadores Número de visitas
Bonn 23 36
Konstanz 6 21
Berlin 4 4
Heidelberg 4 8
Essen 3 8
Erlangen 3 8
Oldenburg 3 5
Köln 3 4
Bielefeld 3 4
Augsburg 3 3
Dortmund 2 5
Siegen 1 5

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

As universidades com o maior número de pesquisadores envolvidos no projeto foram as de Bonn e Konstanz. Além disso, foram os pesquisadores dessas universidades que fizeram o maior número de visitas às instituições brasileiras. Uma provável explicação para tal, no caso da Universidade de Bonn, reside no fato de que foram os professores dessa Instituição que iniciaram o intercâmbio com o Brasil. No segundo caso, na Universidade de Konstanz, houve um pesquisador que envolveu-se de forma especial com o Brasil e os brasileiros - o professor Alexander Prestel. Por sua influência positiva, outros pesquisadores da mesma universidade envolveram-se na colaboração com pesquisadores brasileiros.

No quadro 2 apresentamos a relação do número de pesquisadores alemães vindos ao Brasil, com a respectiva área de conhecimento e número de visitas realizadas. Essa identificação foi realizada a partir da leitura de todos os projetos individuais e cronogramas que constam do Arquivo do IMPA.

Quadro 2 Número de pesquisadores por área de conhecimento e número de visitas 

Área Número de pesquisadores Número de visitas
Álgebra 35 78
Análise 15 20
Geometria Diferencial 8 13
Topologia 7 11
Sistemas Dinâmicos 6 7
Otimização 7 7
Programação/Computação 5 5
Economia Matemática 2 4
Pesquisa operacional 2 4
Cálculo Numérico 3 3
Estatística 3 3
Mecânica 1 1
Outras 10 10

Fonte: elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

Indiscutivelmente, a área de Álgebra foi aquela que envolveu o maior número de pesquisadores e que proporcionou o maior número de visitas. Uma hipótese para esse maior engajamento nas pesquisas em álgebra, pode ser o fato de que o primeiro representante, pelo lado alemão, ser um algebrista: Otto Endler, ex-aluno de Wolfgang Krull, um dos algebristas mais conhecidos e reconhecidos na Alemanha no século XX (SILVA, 2005). Endler dividia suas atividades como professor do IMPA e da Universidade de Bonn, e seus contatos pessoais na Alemanha incluíam um número significativo de pesquisadores ativos (GOMES; SANTOS, 1988). Ele procurava, quando possível, evitar a burocracia excessiva e facilitava a realização e viabilização dos projetos.

Outras áreas que também envolveram muitos pesquisadores foram: Análise, Topologia, Geometria Diferencial, Sistemas Dinâmicos e Otimização. Para explicar como se dava o processo de intercâmbio, tomamos como exemplo a visita de Thomas Bartsch à Unicamp, em 1995. Ao coordenador científico no Brasil, Elon Lages Lima, cabia a análise da proposta, no caso, o convite do matemático Djairo Figueiredo, da Unicamp, a Bartsch, da Universidade de Heidelberg, e a emissão de um parecer sobre o mérito da solicitação. Na situação em causa, o parecer foi o seguinte: "[...] o plano de trabalho se concentra em casos bastante interessantes de equações do tipo elíptico, relacionadas a questões de Física e Física Matemática concernentes à existência das chamadas ondas solitárias" (LIMA, 1995). Após essa aprovação, as medidas para viabilizar a viagem eram encaminhadas à Assessoria de Cooperação Internacional do CNPq e da GMD. Como resultado desta parceria foram produzidos relatórios8 e artigos publicados em importantes periódicos internacionais, bem como em livros, como, por exemplo, Infinitely many solutions of nonlinear elliptic systems (BARTSCH; FIGUEIREDO, 1999). No quadro 3 apresentamos as universidades e institutos brasileiros que foram visitadas pelos matemáticos alemães.

Quadro 3 Instituições brasileiras visitadas por alemães e número de visitas 

Instituição (Estado) Número de visitas
IMPA (Rio de Janeiro) 94
UNICAMP (São Paulo) 24
PUC-RJ (Rio de Janeiro) 18
USP (São Paulo) 13
UFRJ (Rio de Janeiro) 11
LNCC (Rio de Janeiro) 6
UFF (Rio de Janeiro) 5
UNB (Brasília, DF) 4
UFRGS (Rio Grande do Sul), UFC (Ceará) 3
UFPe (Pernambuco) , UFBA (Bahia), UFMG (Minas Gerais) 2
USP-São Carlos (São Paulo), UFSM (Rio Grande do Sul), UNESP-Rio Claro (São Paulo), UFSC (Santa Catarina) 1

Fonte: elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

O quadro 3 indica as instituições localizadas na região sudeste do país que foram mais visitadas pelos alemães, aquelas de maior porte, públicas ou com pesquisas já consolidadas. As universidades localizadas em regiões afastadas dos grandes centros, ou no interior de estados, receberam visitas esporádicas.

Merton (2013, p. 204) usou a expressão efeito Mateus, derivado de um provérbio bíblico do Novo Testamento (13:12 e 25:29): "[...] para todo aquele que tem, mais será dado e ele terá em abundância; mas daquele que não tem, será tirado inclusive o que tem", para uma crítica ao reconhecimento do trabalho científico. Avaliando a distribuição de recursos com o que diz esse provérbio, considerou que os centros de excelência científica comprovados recebem mais recursos para a investigação do que aqueles centros que ainda não se destacaram. Outro resultado disso é que os jovens promissores são atraídos para esses centros. Apresentou também um outro resultado do efeito Mateus, qual seja, ele serve para aumentar a visibilidade das contribuições à ciência daqueles indivíduos de reconhecida reputação e reduzir a visibilidade das contribuições daqueles menos destacados. O efeito Mateus pode ser claramente visto nos números expressos no quadro 3. No quadro 4, relacionamos os nomes dos matemáticos por área que realizaram o maior número de projetos com os brasileiros.

Quadro 4 Pesquisadores por área com maior frequência de visitas ao Brasil 

Nome do pesquisador Área Número de visitas
Alexander Prestel Álgebra 21
Wulf Dieter Geyer Álgebra 6
Ulrich Koschorke Topologia 5
Bernard Korte Pesquisa operacional 4
Jürgen Herzog Álgebra 3
Eberhard Becker Álgebra 3
Herbert Pahling Álgebra 3
G. Thorbergsson Geometria Diferencial 3
Peter Roquete Álgebra 3
Reinhard Racke Análise 3
Dieter Sondermann Economia Matemática 3

Fonte: elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

Se considerarmos que um pesquisador realizava, normalmente, uma viagem ao ano ao Brasil, vê-se no quadro 4 um caso excepcional de participação no convênio do algebrista Alexander Prestel, que veio, pelo menos, durante 21 anos ao Brasil. Ele iniciou sua colaboração em 1974, poucos anos após o início do convênio, e manteve-se por mais de duas décadas ligado a pesquisadores brasileiros de diversas instituições, tendo inclusive orientado a brasileira Cydara Cavedon Ripoll no doutorado. As instituições que Prestel mais visitou foram o IMPA e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Conforme seu depoimento, a sua área de pesquisa era a Álgebra, a teoria de modelos, sendo que se interessava também pela teoria das valorizações (PRESTEL, 2003, informação pessoal).

Em 1974, Prestel veio pela primeira vez ao Brasil para permanecer seis meses no IMPA. Sua cooperação mais próxima foi com Otto Endler e Karl-Otto Stöhr, no IMPA; na Unicamp, em Campinas, com Antonio Jose Engler; na UFRGS, em Porto Alegre, com Cydara Cavedon Ripoll; e na Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza, com Gervasio Bastos (PRESTEL, 2003, informação pessoal). A apropriação do saber pelos pesquisadores resultou em publicações conjuntas divulgadas em periódicos de ampla circulação. Prestel afirmou que o projeto GMD-CNPq era uma oportunidade única de se estabelecer uma cooperação entre professores e estudantes brasileiros sem grandes complicações. Como resultados desse projeto, Prestel acreditava ainda que no futuro a Alemanha continuaria a atrair estudantes para realizarem seus doutorados.

Alguns dos pesquisadores que vieram com mais frequência ao Brasil aprenderam, inclusive, a língua portuguesa e orientaram vários alunos em programas de doutorado, como o caso de Bruno Brosowski, da Universidade Johan Wolfgang Goethe, de Frankfurt, na área de Análise Funcional (LIMA, 1994).

No rol dos pesquisadores alemães que estiveram envolvidos com o projeto, encontramos a participação de apenas duas mulheres: Luise Unger e Lidia Angeleri-Hügel. Cabe mencionar que Lidia Angeleri-Hügel era algebrista da Universidade de München e Luise Unger, algebrista da Universidade de Paderdorn.

Embora o projeto previsse a colaboração na área de Ciências da Computação, essa área não foi foco de nossa investigação. Entretanto, é possível ter uma ideia de como essa área iniciou, e as instituições que envolveu. O relatório de cooperação internacional do CNPq de 1976 indica que havia o projeto Fidas do Brasil, envolvendo a pesquisa conjunta para o estabelecimento de um banco de dados no CNPq com ajuda da GMD; o projeto de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de controle de processos por meio de computadores envolvendo a Unicamp e Universidade de Darmstad; a conclusão de projeto para o estabelecimento de um sistema de informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); um projeto de instrução programada, iniciado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e outro com a UFRGS e o andamento de programas de intercâmbio em software com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB) e a Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). O problema mais sério apontado na área da computação era a limitação de cientistas brasileiros qualificados à época. Participaram do convênio, em 1976, cinco cientistas alemães, e somente dois brasileiros estiveram na Alemanha (O CNPq..., 1976).

Brasileiros na Alemanha

Envolveram-se diretamente com o convênio 40 matemáticos brasileiros, oriundos de 16 instituições de ensino, no período de 1987 a 20009. O quadro 5 mostra as instituições brasileiras onde os brasileiros exerciam suas atividades e que estiveram na Alemanha pelo menos uma vez. Fica claro que os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro foram aqueles mais beneficiados pelo convênio, muito provavelmente por serem os estados que reúnem o maior número de universidades de grande porte do país. Mas, é significativo que nove estados brasileiros tenham estado envolvidos no convênio e apenas um da região norte do país, o Amazonas. Pela Universidade do Amazonas, participou ativamente o matemático Renato Tribuzy, com doutorado no IMPA na área de Geometria Diferencial. Quando da apreciação de um dos pedidos de viagem do referido pesquisador, Elon Lages Lima afirmou:

Quadro 5 Instituição de origem dos brasileiros e número de pesquisadores 

Instituição de origem (Estado) Número de pesquisadores
Unicamp (São Paulo) 10
PUC-RJ (Rio de Janeiro) 5
Universidade de São Paulo (São Paulo) 5
IMPA (Rio de Janeiro) 4
UFRGS (Rio Grande do Sul) 3
UFRJ (Rio de Janeiro) 2
Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) (Rio de Janeiro) 2

Fonte: elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

O professor Renato Tribuzy, da Universidade do Amazonas, tem realizado importantes trabalhos na área de Geometria Diferencial, com contribuições internacionalmente reconhecidas. Isto é possível graças ao esforço que tem feito para quebrar seu isolamento geográfico por meio de visitas que recebe e que faz a seus colaboradores, que pertencem a grandes centros científicos (LIMA, 1991).

No quadro 5 constam apenas as instituições com dois ou mais pesquisadores participantes, embora outras estivessem envolvidas10.

No quadro 6 estão apenas as universidades mais visitadas por pesquisadores brasileiros, embora, pelo menos, 28 universidades tenham sido visitadas.

Quadro 6 Universidades mais visitadas por brasileiros na Alemanha 

Universidades Número de visitas
Konstanz 12
Frankfurt 6
Köln 5
Bonn 4
Essen 4
Freiburg 4
Aachen; Bielefeld; Augsburg; Heidelberg; München; Oldenburg; Duisburg 3

Fonte: elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

Além das universidades relacionadas no quadro 6, outras universidades alemãs foram visitadas11. A relação do número de pesquisadores por área e número de visitas pode ser visto no quadro 7.

Quadro 7 Pesquisadores por área e número de visitas 

Área Número de pesquisadores Número de visitas
Análise 14 20
Álgebra 10 19
Geometria Diferencial 5 10
Topologia 5 6
Equações Diferenciais parciais 4 13
Pesquisa Operacional 2 3
Sistemas Dinâmicos 1 1
Lógica Matemática 1 1

Fonte: elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

Constata-se, no quadro 7, que Análise e Álgebra foram as áreas que congregaram o maior número de pesquisadores. É interessante observar que, mesmo com um número reduzido de participantes na área de Equações Diferenciais, o número de visitas, ou seja, o envolvimento dos pesquisadores foi intenso. No quadro 8 apresentamos a relação dos matemáticos brasileiros mais ativos no convênio.

Quadro 8 Pesquisadores brasileiros mais ativos 

Nome do pesquisador Área Universidade de Origem Número de viagens
Jaime Rivera Equações Diferenciais Parciais LNCC 7
Renato Tribuzy Geometria Diferencial UFAM 5
Gustavo Menzala Perla Equações Diferenciais Parciais LNCC 4
Antonio Roberto Silva Análise UFRJ 4
Arnaldo Garcia Álgebra IMPA 3
Flávio Coelho Álgebra USP 3
Miguel Ferrero Álgebra UFRGS 3
João Prolla Análise Unicamp 3

Fonte: elaborado pela autora a partir dos projetos individuais (Arquivo IMPA).

Notamos um significativo envolvimento dos pesquisadores do LNCC, do Rio de Janeiro e de Renato Tribuzy, do Amazonas, e as grandes universidades - USP, Unicamp e UFRJ - aparecem como aquelas mais envolvidas no convênio.

Encontramos entre os 40 participantes brasileiros, a presença de apenas três mulheres no projeto: Maria Hermínia de Mello, da UFF (RJ), na área de Topologia, Sonia Maria Gomes, da Unicamp (SP), na área de Análise, e Cydara Ripoll, da UFRGS (RS), na área de Álgebra.

Os projetos de pesquisa em parceria geraram artigos publicados em periódicos reconhecidos nas áreas respectivas. O depoimento de Jaime Rivera é interessante porque reforça o seu envolvimento no convênio. Ele afirma ter cooperado com os seguintes matemáticos: Jiang Song da Universidade de Bonn, Reinhard Racke da Universidade de Bonn (até 1994) e, após, da Universidade de Konstanz. Desse trabalho resultaram 12 artigos escritos em parceria com esses pesquisadores, concentrados nas áreas de Análise, Equações Diferenciais e Matemática Aplicada. Afirma ainda, que a metodologia que utilizaram em parceria com alemães foi significativa na área de Análise, pois "eles têm desenvolvido uma série de teorias através de semigrupos que aproveitamos em nossos estudos", além disso, salienta que foi "muito importante o formalismo depurado que eles gostam de aplicar em seus estudos" (RIVERA, 2003, informação pessoal). A parceria não se limitou às publicações, mas incluiu workshops internacionais organizados conjuntamente que se realizaram no Brasil e na Alemanha.

O algebrista Flavio Ulhoa Coelho, da USP, nos diz, em depoimento, que o intercâmbio com os matemáticos alemães começou por ocasião de seu doutoramento na Alemanha (COELHO, 2003). Posteriormente, visitou, pelo convênio, a Alemanha nos anos de 1988, 1995, 1996, por duas vezes em 1998 e em 2000. Trabalhou com D. Happel na Universidade de Bielefeld e com as algebristas Luise Unger de Padernborn e Lidia Angeleri-Hügel. Dessa cooperação resultaram 8 publicações em periódicos como Journal of Algebra, Archiv der Mathematik, Journal of Pure and Applied Algebra, entre outros. Flavio Coelho (COELHO, 2003) atribuiu o sucesso do projeto à ausência de burocracia para concretizar as visitas.

Nem todos os pedidos de apoio eram aprovados. Em correspondência trocada entre dirigentes, aparece uma outra matemática brasileira12 que teve o seu projeto negado13. O coordenador do projeto na ocasião assim se manifestou:

[…] as cartas de apoio a favor da professora […] são feitas dentro do espírito que considera ser uma ação digna lutar por novas oportunidades para um candidato fraco, principalmente se ele vem de um país subdesenvolvido. Até mesmo uma pequena mentira ou uma meia verdade se justifica, se tudo for por uma boa causa […] Nós, brasileiros, devemos repudiar esse falso tipo de ajuda, que serviria para perpetuar a mediocridade e puxar para baixo o esforço que estamos fazendo para conquistar um lugar de destaque na matemática internacional. (CARTA..., 1985).

Uma das cartas de apoio oriunda da Universidade de Paderborn, dizia que embora a pesquisadora não se enquadrasse entre os melhores matemáticos brasileiros, ela deveria ser encaixada entre aqueles matemáticos cujo trabalho era digno de ser apoiado pelo convênio. As divirgências entre os dois lados permaneceram e a professora não recebeu permissão de participar do convênio. O caso relatado ilustra como o campo matemático brasileiro foi sempre predominantemente um espaço dominado pelos homens. Podemos dizer que:

O cenário acadêmico até a metade do século XX em relação à mulher matemática nada mais é do que uma herança de vários séculos de exclusão feminina, de preconceitos, injustiças e punições àquelas que ousaram transgredir os limites impostos pelos homens e dedicar-se à Matemática (SILVA, 2019, p. 152).

Em 1989, as áreas definidas como prioritárias com o apoio à realização de intercâmbios foram as seguintes: Álgebra; Topologia Algébrica e Diferencial; Análise; Geometria Diferencial; Sistemas Dinâmicos e Pesquisa Operacional e Otimização. Apesar de não terem sidos priorizadas, as áreas de Economia Matemática, Estatística e Lógica Matemática, geraram colaborações entre alemães e brasileiros.

Se analisarmos os contatos estabelecidos entre os matemáticos de ambos países, poderemos traçar verdadeiras redes que se formaram. Integraram as redes aqueles matemáticos que tinham alguma relação entre si: por razões como ter sido orientador de tese, publicado em parceria, recebido convite para integrar o projeto. Para exemplificar tomaremos o caso de um pesquisador alemão, na área da Álgebra, e de um brasileiro, na área de Análise. A rede formada em torno do alemão Alexander Prestel mostra que ele envolveu-se diretamente com 8 pesquisadores: 5 brasileiros - Miguel Spira da Universidade Federal de Minas Gerais, Miguel Angel Ferrero e Cydara Rippol, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Antonio Engler, da Unicamp e Karl-Otto Sthor, do IMPA -, e 3 alemães - Eberhand Becker, da Universidade de Dortmund, G. Törner, da Universidade de Duisburg e Robert Wisbauer, da Universidade de Düsseldorf. Por outro lado, estabeleceram-se cooperações entre os citados. Como exemplo, no projeto Ring and Module Theory, em 1995, M. Ferrero e G. Törner publicaram em parceria o artigo On waists of right distributive rings (FERRERO; TÖRNER, 1995), e, em 1996, M. Ferrero e R. Wisbauer, o artigo Closure operations in module categories (FERRERO; WISBAUER, 1996).

O segundo exemplo é a rede formada em torno do brasileiro Raymundo Alencar, da Unicamp. A quantidade significativa de publicações feitas em parceria por brasileiros e alemães pode ser verificada no currículo desses matemáticos. O matemático Raymundo Alencar, à época na Unicamp, conheceu Klaus Floret no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, em 1987. Iniciaram a parceria e publicaram juntos dois trabalhos: um em 1997, publicado em importante periódico internacional e outro, em 1998, no periódico Quaestiones Mathematicae (ALENCAR; FLORET, 1997, 1998). A parceria encerrou-se pois Klaus Floret faleceu em 2002 (ALENCAR, 2020, informação pessoal). Segundo Bierstedt (2006), Floret manteve uma parceria prolongada com matemáticos brasileiros. Amava o Brasil, visitou várias instituições de ensino no país e era considerado por Leopoldo Nachbin um brasileiro honorário. Sua relação afetiva com o país, que se prolongou por vários anos, culminou com o casamento com a brasileira Andreia Neves, em 1992, com quem teve uma filha em 1998 (BIERSTEDT, 2006).

Nem todas as visitas, porém, resultaram em parceria prolongada ou geraram artigos produzidos em parceria (por exemplo Heinz König não publicou trabalho com Raymundo Alencar, que foi seu anfitrião), e alguns trabalhos foram iniciados, mas não tiveram prosseguimento. No entanto, muitos projetos tiveram sucesso e os pesquisadores trabalharam em conjunto por vários anos. No relatório da visita de Hagen Meltzer feita no período de 21 de agosto a 16 de setembro de 1995, lê-se: "Suas atividades consistiram em diversos seminários para alunos e docentes do grupo [abertos também a outros algebristas do departamento] e sessões de pesquisa. As exposições foram organizadas de acordo com os seguintes tópicos: Introduction, Classification of the concealed canonical algebras, Auslander-Reiten components structures, Automorphismus of derived categories of modules over canonical algebras, Braid group action on exceptional sequences" (MELTZER, 1995, p. 3). Poucas mulheres estiveram envolvidas no convênio: do lado alemão pelo menos duas algebristas foram bem ativas e do lado brasileiro, pelo menos três pesquisadoras.

Arrematando os Laços Teuto-Brasileiros

A estratégia de apoio somente a projetos de alto nível científico, em áreas onde já existia uma possibilidade substancial de contribuições relevantes da matemática de ambos os países, foi decisiva para o crescimento de núcleos de pesquisa matemática, especiamente nas seguintes instituições: Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); Universidade de São Paulo (USP); Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ).

Inicialmente, o convênio foi muito mais utilizado pelos alemães do que pelos brasileiros. A duração das visitas também foi diferenciada: enquanto os brasileiros preferiam períodos mais curtos (1 ou 2 meses), os alemães ficavam por períodos mais prolongados (seis meses ou um ano). O convênio possibilitou o desenvolvimento de pesquisas matemáticas nas áreas definidas como prioritárias pelos coordenadores como Análise, Álgebra, Topologia, Geometria Diferencial, Sistemas Dinâmicos e Otimização, e também em áreas não prioritárias, como Pesquisa Operacional e Economia Matemática. A maioria dos pesquisadores visitantes, além de atividades de pesquisa, atuou em atividades de ensino.

Não é possível estimar com precisão o número de pesquisadores, professores de matemática e alunos de pós-graduação que foram atingidos pelo convênio, uma vez que, como essas visitas eram acadêmicas, os pesquisadores visitantes proferiam palestras, ministravam cursos, integravam grupos de pesquisas, participavam de eventos científicos, orientavam alunos de pós-graduação e trocavam idéias, também, com aqueles que não eram parceiros nas pesquisas, mas que se interessavam pelos temas investigados. Envolveu diretamente 89 pesquisadores matemáticos alemães, de todas as regiões da Alemanha, e pelo menos 40 pesquisadores de diferentes regiões do País, principalmente da região sudeste. As áreas mais beneficiadas foram Álgebra e Análise, que foram as que envolveram o maior número de pesquisadores e aquelas em que ocorreram mais visitas. As universidades públicas da região sudeste, com destaque ao Rio de Janeiro e São Paulo, foram aquelas mais engajadas no acordo de cooperação. Nos anos de 1970, quando o acordo de cooperação teve início, a Alemanha, tendo tradição em pesquisas matemáticas possuía melhores condições de transferir conhecimentos, e o Brasil, ainda num estágio inicial de desenvolvimento de pesquisas matemáticas, apropriava-se desses conhecimentos e, ao mesmo tempo, gerava novos conhecimentos, uma vez que os resultados das pesquisas em parceria eram divulgadas em periódicos científicos nacionais e internacionais.

O impacto que o projeto trouxe para o desenvolvimento da matemática no Brasil foi apenas esboçado nesse artigo, mas seus desbobramentos em termos de geração de novas pesquisas e o seu alcance no ensino da graduação e pós-graduação em matemática ainda está aberto a investigações. Como as cooperações internacionais não se limitaram a Alemanha, mas envolveram outros países como França, Estados Unidos, Itália, Japão e Bélgica (SILVA, 2004) não é possível afirmar que o crescimento das pesquisas matemáticas foi devida, essencialmente, a esse convênio. Entretanto, é um fato que o Brasil, pouco a pouco, foi ascendendo na classificação dos grupos de países que integram a União Matemática Internacional (IMU). Concordemos ou não com as posições políticas e decisões do IMU, a partir de 2018, o Brasil passou a integrar o Grupo V14, que reúne as nações mais desenvolvidas em pesquisas matemáticas. É certo, porém, que não só a matemática brasileira, mas também a matemática alemã alimentaram-se de transferências culturais, conforme mostrou o estudo de caso investigado por meio do convênio CNPq-GMD.

1O Conselho Nacional de Pesquisa é o atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

2Gerhard Jakob (1930-2018) nasceu em Hannover e radicou-se no Brasil. Foi físico, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), membro da Academia Brasileira de Ciências, e presidente do CNPq.

3A Gesellschaft für Mathematik und Datenverarbeitung (GMD), ou Sociedade Matemática e Tratamento de Dados foi fundada em 23 de abril de 1968, em Bonn. A partir de 1973 ela incorporou os Institutos de Darmstadt, de Berlin, bem como alguns institutos da antiga Alemanha Oriental (DDR). Em março de 1995, recebeu uma nova denominação: Forschungszentrum Informationstechnik GmbH.

4Nessa ocasião, já era sugerido o nome de Otto Endler, professor da Universidade de Bonn e pesquisador do IMPA, para exercer as funções de coordenador pelo lado alemão.

5Albrecht Dold (Universidade de Heidelberg), Bernhard Korte (Universidade de Bonn), Peter Roquete (Universidade de Heidelberg), U. Trottenberg (Universidade de Köln) e Eduard Zehnder (Universidade de Bochum), pelo lado alemão; enquanto que pelo lado brasileiro foram os seguintes matemáticos: Manfredo Perdigão do Carmo (IMPA), Djairo G. Figueiredo (Unicamp), Elon Lages Lima (IMPA), Jacob Pallis (IMPA), J. Dchechtman (instituição não identificada), Paul Schweitzer (PUC-RJ), Aron Simis (UFPE).

6É possível que esse número seja maior uma vez que não estamos certos de termos encontrado todos os projetos no Arquivo do IMPA.

7As Universidades que tiveram 2 pesquisadores envolvidos e que não estão no quadro 1 são: Bremen, Bochum, Dusseldorf, Frankfurt, Hannover, Münster, München, Mainz e Paderborn. Por outro lado, as universidades que tiveram apenas 1 pesquisador envolvido foram as seguintes: Aachen, Giessen, Hamburg, Jena, Kiel, Kaiserslautern, Osnabruck, Potsdam, Rostock, Regensburg, Saarbrücken, Stuttgart e Tübingen.

8Relatório disponível em: https://www.ime.unicamp.br/bimecc/relatorios-pesquisa?page=74. Acesso em: 11 jun. 2020.

9No caso de viagens de brasileiros a Alemanha, os documentos disponibilizados a que a autora teve acesso no IMPA foram a partir de 1987. Portanto, os dados apresentados podem não significar a totalidade dos projetos desenvolvidos.

10As universidades UFMG (MG); Universidade Federal de Amazonas (AM); UFF (RJ); UNB (DF); UFCE (CE); UFPE (PE); Universidade Estadual de Maringá (PR); Universidade Estadual de Londrina (PR); Universidade de Uberlandia (MG) contaram com apenas um pesquisador participante.

11Aachen, Darmstadt, Technische Universität Berlin, Erlangen, Bochum, Chemnitz, Giessen, Düsseldorf, Kiel, Paderborn, Potsdam, Siegen, Saarbrucken, Saarland, Rostock, Würzburg.

12Omitiremos o nome da pesquisadora uma vez que não obtive sua permissão para divulgá-lo.

13Os documentos analisados não revelam os critérios utilizados para seleção dos projetos, entretanto infere-se que estavam baseados na avaliação dos currículos e do conhecimento pessoal do candidato pelo coordenador.

14Nesse grupo estão Alemanha, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia.

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Recebido: 19 de Setembro de 2020; Aceito: 29 de Dezembro de 2020

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