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Ciência & Educação

versão impressa ISSN 1516-7313versão On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.27  Bauru  2021  Epub 10-Set-2021

https://doi.org/10.1590/1516-731320210043 

Artigo Original

Ensino de ciências na educação infantil: uma proposta lúdica na abordagem ciência, tecnologia e sociedade (CTS)

Science teaching in early childhood education: a ludic proposal in the approach to science, technology and society (STS)

Edith Gonçalves Costa1 
http://orcid.org/0000-0003-0724-3243

Ana Cristina Pimentel Carneiro de Almeida1 
http://orcid.org/0000-0002-9432-2646

1Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil.


Resumo

Este estudo objetivou analisar as contribuições da associação entre ludicidade e abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade - CTS - para o ensino de ciências na Educação Infantil. Com abordagem qualitativa, do tipo intervenção pedagógica, desenvolveram-se atividades lúdicas sobre o tema ambiente escolar com uma turma de Jardim II, no município de Belém, estado do Pará. Observou-se que emergiram princípios CTS, fomentando a problematização de questões sociais pelas crianças, suas participações em decisões sobre assuntos ligados ao seu cotidiano, bem como a construção de atitudes e valores relacionados aos cuidados com o ambiente, possibilitando um ensino interdisciplinar, contextualizado e dialógico, em que a ludicidade se constitui como elemento basilar para a implementação de interações CTS. Conclui-se que essa abordagem contribui com a formação científica das crianças, estimulando a criticidade e o desenvolvimento para o exercício da cidadania, considerando-se as especificidades dessa fase do desenvolvimento humano.

Palavras-chave: Ensino de ciências; Educação infantil; Abordagem CTS; Ludicidade; Ambiente escolar

Abstract

This study aimed to analyze the contributions of the relationship between ludicity and STS Approach to science teaching in Early Childhood Education. Following a qualitative approach to pedagogical intervention, ludic activities were developed concerning the topic of school environment with a kindergarten II class in the city of Belém, Pará state, Brazil. It was found that STS principles emerged, fostering a problematization of social issues by children, their participation in decisions on matters related to their daily lives, as well as the construction of attitudes and values related to the care for the environment, thus enabling interdisciplinary, contextualized, and dialogical teaching of sciences, in which ludicity is seen as a foundation element for the implementation of STS interactions. We can conclude that an STS approach contributes to children’s scientific education by stimulating criticism and their development for the exercise of citizenship, considering the specificities of this stage of human development.

Keywords: Science teaching; Child education; STS approach; Ludicity; School environment

Introdução

O ensino de ciências na Educação Infantil tem mostrado novas possibilidades de um trabalho que valoriza e respeita as crianças e suas singularidades. O olhar atento a elas e ao contexto em que convivem diariamente na escola nos leva a perceber quão ricas são as oportunidades e possibilidades de ensinar ciências, atendendo suas necessidades de desenvolvimento e aprendizagem.

Uma das características dessa etapa da educação é o cuidar e educar de modo indissociável no processo educativo (BRASIL, 2009, 2017). A hora do banho, da troca de roupas e da alimentação são exemplos de momentos em que o cuidar acontece, ao mesmo tempo em que as crianças identificam partes de seus corpos, as cores de suas vestimentas, escovam os dentes, aprendem a esperar, relacionam-se e desenvolvem autonomia. Nesse sentido, pensar o ensino de ciências na Educação Infantil é embarcar nas vivências dessas crianças, mantendo um olhar atento às suas interações com o meio, curiosidades e brincadeiras. Essas vivências não se dão apenas no âmbito escolar e, menos ainda, em um mundo diferente do dos adultos. As crianças vivem o agora. Muitas delas vivenciam os problemas causados pela fome ou ausência de saneamento básico; sofrem com os alagamentos de ruas e desigualdade social. Assim, devemos considerar que elas precisam vivenciar experiências formativas voltadas para a formação cidadã.

Foi nessa perspectiva, que começamos a perceber, em uma Unidade de Educação Infantil (UEI) do município de Belém, no estado do Pará, na qual atua a primeira autora, que alguns ambientes físicos da escola estavam sendo pouco utilizados pelas crianças e se constituíam em ricos locais para novas possibilidades de exploração. Começamos então a refletir sobre maneiras de envolvê-las na revitalização desses espaços. No período inicial da investigação, de um modo geral, a escola encontrava-se com o parque de areia com lixo pelo chão, a área externa lateral imprópria para uso, a horta escolar com pouca produção devido à ausência de cuidados direcionados, dentre outras questões que indicavam a necessidade de maior atenção por parte da escola nesses ambientes. Nesse cenário, a partir de uma perspectiva Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), que tem o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão em seus propósitos, perante a sociedade científica e tecnológica e o desenvolvimento de valores (SANTOS, 2007, 2012; SANTOS; SCHNETZLER, 2015), começamos a indagar sobre como tal abordagem poderia contribuir com o ensino de ciências nesse contexto, de modo a fomentar práticas condizentes com as características das crianças, estimulando a criticidade entre as mesmas e o cuidado com o ambiente escolar.

Os estudos nesse campo ainda são incipientes, mas, mesmo em um número reduzido, já evidenciam possibilidades e potencialidades de propor um ensino de ciências em uma abordagem CTS às crianças da Educação Infantil, dando indicativos de que promover tal ensino contribui com a alfabetização científica e a formação cidadã das crianças, podendo ser fomentadas em práticas pedagógicas diversificadas (CASTRO; NASCIMENTO, 2016; KLIPAN, 2019; MESSENDER; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018; RODRIGUES; VIEIRA, 2012; UJIIE; PINHEIRO, 2017). Assim, esses estudos apontam sugestões para práticas nesse campo, bem como para a formação de professores; mas há a necessidade de que pesquisas continuem a se constituir no campo da prática da Educação Infantil, ou seja, que mais experiências envolvendo tal associação sejam vivenciadas em sala de aula e é neste ponto que pretendemos avançar.

Desse modo, surgiu uma necessidade de trazer a abordagem CTS para as aulas de ciências na Educação Infantil e a melhor forma que vimos para tal foi por meio de atividades lúdicas. De acordo com Rau (2013), o lúdico na Educação Infantil, além de proporcionar prazer às crianças, contribui para a aprendizagem, colaborando com a formação social, cognitiva e afetiva. Assim, compreendemos que, associando ludicidade e abordagem CTS, poderíamos ter mais possibilidades de um trabalho que respeitasse e valorizasse o protagonismo infantil diante de seu processo de aprendizagem. Nesse sentido, a indagação principal foi de que forma a associação entre ludicidade e abordagem CTS poderia contribuir para o ensino de ciências na Educação Infantil. Dentro desse quadro, outras questões surgiram: como as situações de aprendizagem associando ludicidade e abordagem CTS contribuem para a percepção do ambiente escolar pelas crianças? Em quais aspectos as atividades lúdicas em uma abordagem CTS favorecem o ensino de ciências em uma turma da Educação Infantil? Que princípios dessa abordagem podem ser relacionados com o ensino de ciências na Educação Infantil?

Assim, a busca por essas respostas visou contribuir com os estudos sobre a abordagem CTS, bem como com as pesquisas sobre ensino de ciências na Educação Infantil, para que cada vez mais ele esteja presente nas práticas dessa etapa da educação. Outrossim, almejou alcançar mudanças no próprio espaço escolar referentes às práticas e ações tomadas em relação aos cuidados com o ambiente, contribuindo na sensibilização dos alunos e comunidade escolar quanto a essas relações. Nesse cenário, pretendendo responder ao questionamento levantado, tivemos o seguinte objetivo geral: analisar as contribuições da associação entre ludicidade e abordagem CTS para o ensino de ciências em uma turma da Educação Infantil. E, também, de um modo específico, identificar princípios da abordagem CTS com o ensino de ciências na Educação Infantil, além de propor, implementar e avaliar uma sequência de atividades lúdicas em associação aos princípios dessa abordagem para o ensino de ciências.

Abordagem CTS no ensino de ciências na educação infantil em uma perspectiva lúdica

A Educação Infantil apresenta-se como um campo fértil para a iniciação de uma abordagem CTS no ensino de ciências, evidenciando possibilidades para ricas vivências nessa modalidade, em que as crianças estão em um importante processo de formação, construção de valores, descoberta e exploração do mundo em que vivem, mediante ações como o brincar. Assim, pensar sobre a abordagem CTS na Educação Infantil é também pensar na recontextualização de ambos os campos, a qual, para além de buscar associações entre eles, deve evidenciar as contribuições dessa junção para a formação das crianças de 0 a 5 anos. Nesse ponto de vista, o ensino de ciências, nessa fase da educação, deve oportunizar um espaço em que as ações estejam centradas no processo de desenvolvimento da criança, priorizando habilidades como observação, questionamento, negociação de ideias e experimentação; fazendo com que as crianças busquem informações úteis dentro de um contexto que lhes seja significativo (MIRANDA; PIERSON; RUFFINO, 2005); oferecendo-lhes, assim, os primeiros significados sobre o mundo e buscando o desenvolvimento de capacidades ligadas à responsabilidade, educação em valores e aspectos éticos de grande importância para a formação (VIECHENESKI; LORENZETTI; CARLETTO, 2012).

Para Pozo (2012, p. 7), o professor deve proporcionar "[...] o andaime para essa exploração, selecionando materiais, tarefas, fazendo perguntas", estimulando o aluno a aprofundar-se em seus conhecimentos intuitivos e, gradativamente, construir novos conhecimentos científicos de modo significativo. Além disso, é importante destacar que a ludicidade corrobora com as características dessa fase da educação. Nesse sentido, de acordo com Dohme (2011), o lúdico permite o desenvolvimento pessoal em diversos aspectos, como a autodescoberta, o senso crítico, a autoconfiança, a habilidade de expressão, atitude cooperativa e vida em equipe. Sua presença em sala de aula pode estimular a participação e expressão de opiniões, o desenvolvimento da liderança, bem como a partilha de novas experiências e habilidades. Assim, mesmo estando presentes na Educação Infantil e no ensino de ciências, as atividades lúdicas precisam ser planejadas para, além de atender especificidades da criança e sua natureza lúdica, promover um ensino em que os conteúdos conceituais não sejam o mais importante no processo educativo, dando espaço também à conteúdos procedimentais e atitudinais. Nesse sentido, na Educação Infantil, as atividades lúdicas devem, necessariamente, envolver a função lúdica e educativa (KISHIMOTO, 2008) para que, ao brincar, as crianças também aprendam ciências.

Neste estudo, para melhor compreensão de como trazer a abordagem CTS para o campo da Educação Infantil em uma perspectiva lúdica, foi relevante conhecer quais os princípios que norteiam a abordagem CTS, para então buscar uma aproximação com o campo da Educação Infantil. Utilizamos a palavra princípios como algo que deve ser desenvolvido no ensino de ciências em uma abordagem CTS, em "[...] que se busca assumir o compromisso tanto do desenvolvimento de tomada de decisão como de educação ambiental em uma perspectiva crítica e não apenas a mera ilustração de relações CTS" (SANTOS, 2007, p. 2). Dessa forma, destacamos a abordagem de temas de relevância social, a contextualização, a problematização, a interdisciplinaridade, as interações CTS, a dialogicidade, a construção de valores, a tomada de decisão e a formação cidadã como princípios desta educação. Tais princípios inter-relacionam-se e são essenciais em uma abordagem CTS, pois compreendemos que é necessária, em qualquer fase da educação, uma organização da ação docente consolidada com esses princípios, para que se fomente nos alunos a formação para a cidadania almejada. Nesse sentido, uma aula com Abordagem CTS deve problematizar um tema de relevância social, envolvendo as interações CTS, além de ser interdisciplinar, contextualizada e dialógica, para, assim sendo, fomentar nos alunos uma formação cidadã que lhes permita a participação na tomada de decisão.

Na Educação Infantil, a abordagem CTS deve ser vivenciada de um modo adaptado às crianças. As possibilidades de articular atividades diversificadas, envolvendo a ludicidade, para trazer aspectos da ciência, tecnologia e sociedade para as práticas de ensino de ciências no nível de ensino em questão, reafirmam a importância de práticas que sejam concernentes às especificidades das crianças e que estejam também de acordo com o que referem documentos curriculares importantes da Educação Infantil, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009). Esses documentos apresentam recomendações que devem ser levadas em consideração no que se refere às práticas pedagógicas, não como currículos a serem seguidos, mas sim base para a organização das propostas das escolas.

Nas DCNEI é proposto que as práticas pedagógicas na Educação Infantil atendam a princípios éticos, políticos e estéticos. Assim, abordar temas CTS no ensino de ciências por meio de atividades lúdicas, pode conduzir práticas que abarquem tais princípios. Desse modo, a propositura de um ensino de ciências às crianças, relacionado a questões sociais, contextualizadas, envolvendo as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, permite-lhes ampliar as possibilidades de compreensão sobre o mundo e envolve princípios éticos que estão presentes nas discussões das relações CTS, tendo em vista que

Desde muito pequenas, as crianças devem ser mediadas na construção de uma visão de mundo e de conhecimento como elementos plurais, formar atitudes de solidariedade e aprender a identificar e combater preconceitos que incidem sobre as diferentes formas dos seres humanos se constituírem enquanto pessoas [...] (BRASIL, 2009, p. 8).

Ademais, considerando que o ensino de ciências em uma abordagem CTS tem como objetivo central preparar o aluno para o exercício da cidadania (SANTOS; MORTIMER, 2001), os princípios políticos recomendados para as práticas da Educação Infantil também são nele vislumbrados. Assim, práticas curriculares para o ensino de ciências com uma abordagem CTS se propõem a trilhar esse caminho, uma vez que

[...] promovem a formação participativa e crítica das crianças e criam contextos que lhes permitem a expressão de sentimentos, ideias, questionamentos, comprometidos com a busca do bem-estar coletivo e individual, com a preocupação com o outro e com a coletividade (BRASIL, 2009, p. 8).

Do mesmo modo, os princípios estéticos voltados para a valorização do ato criador da infância - garantindo sua participação em diferentes experiências, vivências em situações agradáveis, lúdicas e desafiadoras (BRASIL, 2009) - podem ser vislumbrados em atividades com abordagem CTS que contemplem práticas lúdicas como músicas, contação de histórias, brincadeiras, jogos e rodas de conversas.

Sobre a importância de atividades lúdicas para o ensino de ciências em uma abordagem CTS, Magno e Almeida (2015, p. 1) nos mostram que tais atividades constituem-se como ferramentas promissoras para atingir seus objetivos, podendo favorecer "[...] a criatividade, o raciocínio, a argumentação e a interação entre os envolvidos, para a compreensão dos problemas sociopolíticos e ambientais da contemporaneidade". Tal contribuição da ludicidade é reforçada pela BNCC, que traz as interações e brincadeiras como eixos estruturantes das práticas pedagógicas, conforme proposto pelas próprias DCNEI. A proposta de que seis direitos de aprendizagem - conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se - devam ser fomentados na educação das crianças, lhes permite desempenhar um papel ativo, convidando-as a vivenciar desafios e, na tentativa de resolvê-los, buscar novos significados sobre o mundo (BRASIL, 2017). A busca por esses direitos propostos pode ser também vinculada a princípios de uma abordagem CTS, para que o olhar para o mundo se construa também em uma perspectiva crítica, que envolva as interações CTS.

Ao conviver com outras pessoas, as crianças vão desenvolvendo valores importantes, como o respeito, aprender a ouvir opiniões diferentes, e envolver-se em discussões com outras crianças ou com adultos sobre temas de relevância social. Ao brincar, vivenciam diferentes experiências como a criatividade, a imaginação e diversas emoções, favorecendo a aprendizagem, pois impulsionam a motivação e o interesse, fomentando sua participação. Quanto à participação, concebemos que vai além de decisões da rotina escolar, expandindo-se para muitas outras escolhas e modos de participar, em que a criança pode se posicionar, seja em relação a uma atitude que não considere correta ou, até mesmo, diante de um problema social, como o desperdício de água e os maus tratos aos animais.

A BNCC propõe que a criança, ao explorar o mundo, amplie outros saberes, dentre eles os que envolvem a ciência e a tecnologia, importantes para as práticas dos professores sob a égide da abordagem CTS acerca de temas diversos. E conhecer-se, como mais um de seus direitos, é, para a criança, também ir se assumindo como cidadã, que também pode participar, decidir, sugerir, questionar e aprender. Como a própria BNCC recomenda, é preciso que as práticas pedagógicas na Educação Infantil tenham intencionalidade educativa. Tal intencionalidade no ensino de ciências deve estar alinhada com as especificidades das crianças, a ludicidade e a um ensino de ciências que leve as crianças a explorarem suas potencialidades e olhares sobre o mundo. É com essa perspectiva que apresentamos na próxima seção, os caminhos metodológicos deste estudo, que nos levaram a pesquisar tais relações.

Caminhos da pesquisa

Esta pesquisa teve uma abordagem metodológica qualitativa, do tipo intervenção pedagógica, pois

[...] envolve o planejamento e a implementação de interferências (mudanças, inovações pedagógicas) - destinadas a produzir avanços, melhorias, nos processos de aprendizagem dos sujeitos que delas participam - e a posterior avaliação dos efeitos dessas interferências. (DAMIANI et al., 2013, p. 57).

Nesse sentido, utilizamos como método de intervenção as atividades lúdicas com abordagem CTS, por possuírem grandes possibilidades pedagógicas e atenderem a diferentes estilos de ensino e de aprendizagem (DOHME, 2011; RAU, 2013).

O lócus de pesquisa foi a própria escola em que a questão de investigação emergiu, a qual faz parte da rede municipal de ensino do município de Belém, PA. Nela, os sujeitos foram 21 alunos da turma Jardim II, com faixa etária entre 4 e 5 anos, os quais tiveram sua identidade resguardadas, sendo identificados com nomes de personagens de histórias e desenhos infantis, como Aladin, Emília, Cinderela, Moana, Narizinho, Olaf e Peter Pan. Vale acrescentar ainda que, para a apresentação das análises neste artigo, trazemos as falas de apenas seis crianças, por conta da limitação de espaço, mas ressaltamos que as análises foram feitas com base nas vivências da turma toda.

A escola organiza suas situações de aprendizagem por meio de projetos. Por esse motivo, foi relevante que as atividades propostas por este estudo também fossem assim organizadas. Nesse sentido, partindo da questão de pesquisa levantada, propusemos um projeto voltado para a observação do espaço escolar pelas crianças, a fim de ultrapassar o mero olhar, mas que, em consonância com os pressupostos da abordagem CTS, instigassem uma visão crítica sobre o meio em que vivem. Assim, compreendendo que o ensino de ciências deve levar as crianças a observarem e explorarem o mundo ao seu redor, buscamos problematizar questões, para que pudessem olhar para o espaço da escola, e também dar sugestões, opinar e participar de decisões referentes a esse ambiente. Desse modo, trabalhamos o tema: Ambiente escolar: a escola que temos e a escola que queremos para pensarmos sobre a escola que tínhamos e a escola que gostaríamos de ter.

Todas as aulas envolviam basicamente três momentos: roda de conversas, em que os temas a serem discutidos eram problematizados com as crianças; outra atividade lúdica para abordar o tema; e nova roda de conversas para que fosse feita a socialização e manifestação de opiniões sobre os assuntos abordados. Desse modo, os resultados que serão aqui apresentados fazem parte das vivências de uma sequência de atividades desenvolvidas em quatro aulas, cada uma com aproximadamente duas horas de duração.

A primeira atividade lúdica foi denominada Como vejo minha escola? e tinha como objetivo perceber a visão prévia das crianças sobre a escola, a partir de suas falas e desenhos. A segunda atividade lúdica envolveu a brincadeira do detetive escolar e aconteceu em espaço externo à sala de aula. Objetivou, dentre outras questões, levar as crianças a perceberem as implicações das ações humanas no ambiente, discutir sobre o descarte incorreto de lixo e sobre nossa responsabilidade quanto ao ambiente escolar. A terceira atividade, por sua vez, visou fazer com que as crianças apresentassem propostas de melhorias para os espaços, com sugestões para solucionar os problemas encontrados, incentivando a participação e valorizando o protagonismo infantil diante de decisões referentes ao ambiente escolar. Na quarta atividade lúdica, buscamos fomentar a participação das crianças, incentivando-as à apresentação de seus projetos (desenhos) para algum membro da escola. Como o espaço escolar entrou em um período de reforma, aproveitamos para convidar o engenheiro responsável pelas obras para uma 'entrevista na roda', momento muito oportuno para valorizar as falas e opiniões das crianças quanto às suas sugestões para o espaço escolar.

Foram feitos registros por meio de fotografias, diários de campo e gravações em áudio que, junto aos desenhos produzidos durante as atividades, constituíram-se como método da avaliação desta intervenção pedagógica (DAMIANI et al., 2013), e os textos produzidos a partir das transcrições desses materiais constituíram-se como corpus para a análise. Em continuidade, para análise das vivências, utilizamos a Análise Textual Discursiva (ATD), que, de acordo com Moraes e Galiazzi (2016), permite a compreensão das questões investigadas, a partir de um processo organizado que envolve a desconstrução dos textos (unitarização), a categorização e o captar o emergente em que a nova compreensão é comunicada e validada (MORAES; GALIAZZI, 2016). Nesse sentido, fizemos as análises das atividades lúdicas a partir de uma triangulação entre as visões dos autores que nortearam este estudo, da visão da primeira autora, enquanto professora-pesquisadora, e do que emergiu do corpus da pesquisa. Os principais resultados dessa triangulação fizeram emergir duas categorias: contribuições das atividades lúdicas em uma abordagem CTS para o ensino de ciências na Educação Infantil, e princípios CTS emergentes nas atividades e vivências lúdicas, que apresentaremos agora.

Contribuições das atividades lúdicas em uma abordagem CTS para o ensino de ciências na educação infantil

As unidades de análise nesta categoria foram construídas entremeadas por sorrisos e lembranças dos momentos prazerosos e divertidos vivenciados com as crianças, que, em seus olhares curiosos de detetives, exploraram o ambiente escolar e encontraram - nas pistas da imaginação, criatividade e descoberta - maneiras de planejar uma nova escola, um novo mundo. Isso tudo não se deu só na sala de aula, a exploração foi pela escola toda, ambiente que deve dar oportunidade para que as crianças explorem seus diferentes espaços (BRASIL, 2009). Mas que olhares elas têm sobre esses espaços?

A primeira atividade realizada nos mostrou inicialmente uma limitação quanto à visão que tinham da escola. Na roda de conversas inicial, feita em sala, ninguém soube identificar o nome da instituição: é escola, é creche, é Unidade de Educação Integral (UEI), foram as respostas.

Quando os diálogos se deram no sentido de saber a visão que tinham da escola, as crianças começaram a falar sobre o que havia dentro da sala de aula, mas, quando essa fala se expandiu e a imaginação aflorou, por meio dos desenhos, a escola começou a ser mais do que uma sala de aula, ganhando um espaço muito maior, como podemos observar em alguns desenhos que seguem.

Fonte: elaborada pelas autoras a partir do acervo da pesquisa.

Ilustração 1 Desenhos da escola feitos pelas crianças 

A percepção sobre o ambiente escolar foi aos poucos se expandindo e com os olhos de 'detetive', jogo vivenciado em que foram investigar o que estava acontecendo no espaço, as crianças entraram num mundo de faz de conta que as levou à exploração e à ampliação de seu olhar sobre o mesmo. De acordo com Magno e Almeida (2015), e Rau (2013), as brincadeiras de faz de conta, aqui fomentadas com as brincadeiras do detetive escolar e do arquiteto, levam as crianças a enfrentar desafios, organizar o pensamento, elaborar suas regras e compreender os problemas do seu cotidiano.

Na fala abaixo, Emília deixa o aspecto lúdico evidenciado. Ela explora o espaço escolar como 'detetive Emília', que, com o olhar direcionado, encontra uma pista. Nesse ambiente de investigação, a criança remete-se a seus conhecimentos, identificando que tem lixo no chão da escola e, ainda, que ele pode ter destinos diferenciados.

Emília: Eu achei uma pista, professora: Um cocô no chão... Que nojento! Eca! Eskilhos jogados no chão. [...] Não é no chão que se joga, é no lixeiro, e também naquelas caixas que tem cor, azul, a vermelha que a gente joga o lixo.

Percebemos que, vivenciando situações lúdicas, as crianças trouxeram elementos do cotidiano e ampliaram as discussões sobre o ambiente escolar. Por intermédio da brincadeira, elas foram observando o espaço da escola e construindo um olhar crítico sobre as questões que envolvem a ciência e a tecnologia, como o lixo jogado pelo chão e o recipiente adequado ao seu descarte. É como Eshach (2006) ressalta: as crianças naturalmente gostam e se interessam pelas coisas que envolvem a ciência, cabendo a nós, professores, ajudar a conduzi-las na direção certa, para que ampliem os seus conhecimentos sobre o mundo. E, como frisa Pozo (2012), as crianças precisam compreender melhor o mundo, percebendo como as coisas acontecem, por meio da ciência intuitiva e explorando os limites daquilo que conhece; ver-se-ão obrigadas a comparar ideias, hipóteses e ir em busca de novos conhecimentos, como na fala de Emília:

Emília: Eu sei... tem que plantar plantação ambiental, porque, claramente, agora as nossas plantas estão morrendo sobre essa árvore grande que 'tá' muito não deixando o Sol entrar nessas plantas, então a gente vai desenhar alguma coisa pra essa árvore tirar um pouco as plantas e o Sol entrar. Entendeu?

Por meio da brincadeira, da observação do ambiente, do diálogo com os colegas e professora, Emília chegou à conclusão de que a árvore próxima à horta estava impedindo que a luz solar chegasse às verduras, dificultando seu desenvolvimento. Assim, mobiliza seus conhecimentos, dialogando com seus pares, buscando soluções e construindo novos conhecimentos ao explorar os espaços. São ações que caminham ao encontro da "[...] elaboração dos primeiros significados sobre o mundo, ampliando os conhecimentos dos alunos, sua cultura, e sua possibilidade de entender e participar ativamente na sociedade em que se encontra inserido" (VIECHENESKY; LORENZETTI; CARLETTO, 2012, p. 860).

Como argumenta Chassot (2003, p. 91), a ciência é uma linguagem e "[...] ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem em que está escrita a natureza"; assim, pelo que propõe, far-se-á uma alfabetização científica quando o ensino da ciência contribuir na compreensão de conhecimentos, procedimentos e valores que "[...] permitam aos estudantes tomar decisões e perceber tanto as muitas utilidades da ciência e suas aplicações na melhora da qualidade de vida, quanto as limitações e consequências negativas de seu desenvolvimento" (CHASSOT, 2003, p. 99). Vejamos os seguintes diálogos que complementam essa ideia:

Professora: Vocês sabem por que a nossa horta não está produzindo?

Emília: Porque a gente não está jogando água, nem regando e o sol não está ao redor dela.

Professora: Por que os raios do Sol não estão chegando na nossa horta?

Narizinho: Porque tá na sombra.

Emília: Porque tem a árvore grande, porque a árvore protege as plantas, mas não é pra proteger, o Sol deixa entrar um pouco nas plantas.

Nesse diálogo, vemos que as crianças, compreendendo que as plantas precisam da luz do Sol, percebem que a horta não está crescendo devido à sombra produzida pela árvore. Seus conhecimentos científicos já vão se construindo com a observação e exploração do meio, sendo constituídos de significados, sentido e aplicabilidade, como propõem Lorenzetti e Delizoicov (2001).

Viecheneski (2019), por sua vez, destaca que, no que se refere à compreensão das inter-relações CTS e à aprendizagem da participação social responsável, as ações educativas têm o papel de estimular posturas críticas das crianças em relação às questões e problemas do cotidiano, instigando seu desenvolvimento em pesquisas e no comprometimento na busca de soluções de problemas que sejam reais.

Com as atividades lúdicas conseguimos evidenciar esses aspectos, uma vez que as crianças, como detetives, investigaram o seu espaço escolar, relacionaram as questões do seu cotidiano e se preocuparam, principalmente, com o lixo; depois, como arquitetos , que apresentariam soluções para melhorar os ambientes, discutiram ideias e, para além de propor melhorias, interessaram-se em descobrir quem estava tendo essas atitudes feias na escola, o que as levou a propor o uso de câmeras. Desse modo, essa atividade criativa externada nas vivências, durante as brincadeiras, permitiu que as crianças pudessem opinar sobre questões importantes para elas e o meio em que convivem. Percebemos que as crianças associavam as atitudes boas a si - cuidar do ambiente e das plantas, limpar a escola, plantar - mas, as atitudes que reprovavam, como jogar lixo no chão, na feira, riscar as paredes e arrancar as plantas, foram, por vezes, dadas a outros sujeitos. Foi preciso, então, problematizar essa questão na roda de conversas, fomentando uma postura crítica, importante para a formação (VIECHENESKI, 2019).

Professora: E quem deixa nossa escola assim? Quem faz essas coisas?

Peter Pan: Os humanos.

Aladim: E o gato também. É ele que faz o cocô, eu vi.

Pedrinho: Eles jogam lixo para poluir as naturezas.

Professora: E quem são eles?

Emília: Os sujeiros. Eles sujam toda a cidade, ficam jogando o lixo por aí.

Professora: E quem joga esse lixo aqui na nossa escola?

Emília: São os humanos, que não cuidam.

Professora: E vocês são humanos? Você é humana, Emília?

Emília: [após refletir] É, mas eu não jogo lixo.

A imaginação é uma ação livre e espontânea da criança, que propicia a vivência e troca de papéis, possibilitando criar e recriar a vida à sua maneira (RAU, 2013). Ela está presente nas ações das crianças, elas se permitem criar um personagem que seria o responsável pelas ações que reprovam: "os humanos", "os sujeiros" e buscam excluir, desse processo, sua responsabilidade; eles que estariam sujando a cidade, "jogando o lixo por aí", "mas eu não jogo lixo". Assim, vimos, desde o momento em que questionamos o porquê de não estarmos usando o ambiente externo às salas de aula, as crianças envolverem-se num mundo de imaginação. E, ao mesmo tempo em que buscavam pistas pela escola para encontrar respostas sobre o que estava acontecendo, observavam a presença de lixo, a falta de cuidados com a horta, e relacionavam às situações do dia a dia, porque elas sempre têm uma história para contar. De modo prazeroso, portanto, elas foram, como sujeitos de sua aprendizagem, conquistando novos valores que, certamente, contribuíram para sua formação cidadã.

Princípios CTS emergentes nas atividades e vivências lúdicas

Trabalhar o ensino de ciências por meio de um tema foi relevante no contexto da Educação Infantil, pois se inseriu muito bem na proposta pedagógica da escola e esteve em consonância com o que propõem os currículos para a Educação Infantil. Isso se deu porque, assim como na abordagem CTS, em que os conteúdos são apresentados de modo integrado ao tema e não limitam a organização curricular à construção de conceitos (AULER, 2007), nas atividades desenvolvidas com as crianças também primamos por práticas em que os conteúdos conceituais não fossem o mais importante, mas estivessem presentes em suas rotinas de um modo significativo. Nessa perspectiva, o novo olhar para o ambiente escolar suscitou reflexão sobre os cuidados com a escola e as demais questões, fazendo com que as crianças se posicionassem diante de diferentes situações e fomentando o princípio da contextualização. Durante a brincadeira do detetive, em que observaram o espaço escolar e identificaram lixo no chão da escola, foi perceptível a relação que fizeram com questões cotidianas, como se percebe na fala de Elza, ao dizer: "Lá na minha casa, quando eu venho pra escola, lá tá tudo jogado, lá na feira fede muito".

Abordando um tema em contexto real (VIEIRA; TENREIRO-VIEIRA; MARTINS, 2011), a exemplo o lixo jogado no chão da escola, o aluno tem a oportunidade de fazer a contextualização desse conhecimento, para uma aplicabilidade que lhe será útil para a vida: o descarte correto do lixo na escola, na sua casa e na feira.

Começamos, assim, a destacar outro princípio, a interdisciplinaridade. De acordo com Lorenzetti (2000, p. 12), a prática docente da Educação Infantil apresenta um "[...] caráter interdisciplinar, centrando suas atenções no interesse e na curiosidade dos alunos", o que foi observado durante as vivências lúdicas com as crianças. Ao propormos a utilização de atividades como desenhos e brincadeiras, as crianças puderam manifestar suas opiniões sobre o ambiente escolar, utilizando sua linguagem plástico-visual para a construção do desenho, da pintura; além de sua linguagem matemática para a identificação de cores, de noções de espaços, mobilização de estratégias e, ainda, conhecimentos em ciência e tecnologia para propor soluções para os problemas na escola.

Outrossim, o princípio da dialogicidade foi norteador das ações e fundamental para que a participação fosse ainda mais promissora. A relação horizontal, importante para que haja dialogicidade (FREIRE, 1996), foi conquistada com a organização das rodas de conversas, que permitiam papel de destaque a todos, deixando-os à vontade para opinar sobre as mudanças desejadas para o espaço escolar, sempre mantendo o caráter democrático de falas vivenciado na dialogicidade (DOMICIANO, 2019, p. 78). Essa relação dialógica também foi percebida durante as brincadeiras. Nelas, as crianças estavam à vontade para a troca de experiências no próprio brincar, como observado durante a brincadeira do detetive escolar, enquanto observávamos a horta da escola:

Cinderela: Professora, professora, eu descobri, está faltando plantas, botar as plantas aqui e molhar.

Professora: E o que precisa então para termos os nossos legumes e verduras aqui na horta?

Cinderela: [gritando] Eu sei, eu sei! É que tem aquele negócio bem pequenininho que a gente bota. Como é o nome daquele negócio, professora?

Professora: Como é, crianças? Quem sabe? [Nesse momento as crianças ficaram pensando, mas não responderam] É semente.

Cinderela: Isso, isso, isso! A gente põe essa semente e a planta nasce.

Vemos nesse diálogo o que Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) ressaltam sobre a educação dialógica do ato educativo, o entendimento de que ela não é apenas o simples conversar entre alunos e professores, mas um processo em que há apreensão de distintos conhecimentos sobre situações significantes, tanto por alunos como pelos professores. Percebemos, com isso, que o prazer, a confiança e a espontaneidade presentes nas atividades lúdicas, sejam as rodas de conversas ou as brincadeiras, estimularam a dialogicidade, que nos permitiu maiores diálogos e aprendizados referentes às questões que se voltavam aos cuidados com o ambiente escolar.

Quanto à cultura da participação, foi fomentada com as crianças em processos que lhes deram voz, permitindo a expressão de suas opiniões diante de situações problemáticas vivenciadas dentro da própria escola. Emília, em seu desenho, sugere que retirem as folhas e os galhos secos do parquinho e coloquem uma placa com a frase: não jogue lixo. A aluna propõe, ainda, que o parquinho tenha mais flores e mais brinquedos e preocupa-se com a presença de lixo descartado nele, sugerindo, assim, que lá tenha uma lixeira. Quando apresentou, na roda de conversas, o seu projeto, a criança acrescentou outras questões:

Emília: A gente tem que reformar o parquinho porque ele estava sujo de cocô e agora os brinquedos do outro está muito quebrado. [...] porque a gente não tem que quebrar e depois esse brinquedo esquenta muito a perna porque ele é de ferro, e a coisa dele fazia muito ferro, que ele esquenta do Sol. Então que tal a gente fazer igual o outro? Ele não tem, ele é de metal quando a gente escorrega, e é muito legal esse daqui...

Percebemos, na fala da criança, uma mobilização de conhecimentos de ciência e tecnologia. Para justificar seu posicionamento, a partir de sua interação com o meio, por intermédio da brincadeira no escorregador, observa que, dependendo do material com que o brinquedo é feito (plástico ou ferro), quando exposto à luz solar, é aquecido de maneira que lhe incomoda, ou seja, ela mobiliza seus conhecimentos intuitivos nessa relação com o meio e assim vai construindo novos conhecimentos científicos (POZO, 2012). Essas questões permitem, ainda, que os conhecimentos que envolvem a tecnologia sejam abordados, pois, com essa experiência, a criança se posiciona sobre que material é mais adequado para a construção do brinquedo, ou mesmo, em que lugar ele deveria ficar no ambiente escolar para que melhor fosse utilizado. Ela tem, assim, a possibilidade de fazer o uso social desses conhecimentos em situações da sua vida, permitindo-lhe aprender participando (AULER, 2007).

Outro ponto que destacamos é a construção de valores importantes para a formação cidadã. Em muitos momentos, durante as atividades lúdicas, as crianças envolviam-se em discussões a respeito dos cuidados com a natureza e também de compromisso com a sociedade, como evidenciado na fala de Narizinho ao chamar os amigos para a atividade, após a observação do parquinho da escola: "Vamos lá, gente! Ver o que a gente faz aqui, vai ficar lindo!" Essas atitudes vão ao encontro do que Santos e Schnetzler (2015) propõem quanto ao desenvolvimento de valores éticos e de compromisso com a sociedade, como questão essencial para a formação da cidadania.

O compromisso com a formação cidadã das crianças esteve presente ao longo de todo o processo de ensino e de aprendizagem, fomentado com as atividades lúdicas, ao buscarmos formas de levá-las a olhar seu ambiente escolar, e inserirem-se neles como sujeitos participantes, transformadores e responsáveis. Buscamos, assim, a participação para uma cidadania que não é apenas para o futuro, mas que já faz parte de suas ações, no presente, como ilustra o diálogo abaixo entre Moana e Emília, quando perceberam que a horta não estava produzindo verduras, porque havia uma árvore muito grande impedindo que a luz do Sol entrasse:

Professora: Entendi. Qual é a ideia então? A gente pode tirar a árvore de lá?

Moana: Nãaaoo, não pode! [Falou assustada]

Emília: Mas só se tirar a horta então, mudar pra lá.

Moana: Mas pra mudar a horta de lugar, a gente tem que pegar areia, porque tem que cobrir ela, porque tá sujo lá, tem lama.

Derrubar uma árvore, mudar a horta para outro lugar, mas que está sujo... o que fazer? Observamos que as crianças vão dialogando e buscando estratégias para resolver um problema identificado por elas. Seria certo derrubar a árvore? "Nãoooo", responde a criança preocupada em manter a árvore no lugar. Que decisão tomar?

Cachapuz et al. (2011) ressaltam que a tomada de decisão não pode basear-se exclusivamente em argumentos científicos específicos e que os cidadãos devem ter a oportunidade de participar dos debates. E, nesses debates, importante para as crianças e para a escola, as crianças chegam à seguinte decisão:

Moana: Eu desenhei aqui que a gente não vai tirar a nossa árvore, tem que tirar todas essas folhas dela aqui do chão.

Emília: É, nessa folha os animais se escondem.

Percebemos que, dentro do contexto em que estávamos inseridos, essa tomada de decisão é adequada ao nível de educação aqui tratada. Em outro momento, as crianças também sugeriram que mudássemos a horta de lugar para que os legumes pudessem receber a luz do Sol. Expor as crianças ao conhecimento científico e fazê-las perceber que podem tomar decisões perante um problema contribui para uma formação crítica, em que vemos que tomar decisões relaciona-se à construção de consciência, de responsabilidade social, à mudança de atitudes e de valores primordiais ao exercício da cidadania. Isso nos leva a observar, nessa mesma situação lúdica, a emergência de princípios CTS, como a participação, a tomada de decisão, a interdisciplinaridade e, com eles, as interações CTS. Destacamos algumas falas das crianças:

Emília: Professora, vem cá, que eu tive uma ideia! Então, a gente não vai deixar o gato entrar aqui na horta, porque eles estão mijando muito aqui.

Professora: Tá bom, então o que a gente pode fazer?

Emília: A gente vai limpar a nossa horta, limpar ao redor dela, aí o gato não vai lá. [...]

Nas falas das crianças podemos observar que elas entendem que limpando a horta, o gato não irá lá, pois compreendem que o ambiente sujo e com areia atrai aos animais, cujas presenças não são boas para a manutenção da horta. Ou seja, em todas as experiências, as crianças mobilizaram a criatividade e imaginação para que pudessem propor melhorias na horta. Isso evidencia a importância da iniciação à alfabetização científica, desde a entrada da criança no espaço escolar (VIECHENSKI; LORENZETTI; CARLETTO, 2012), aqui entendida como sua entrada na Educação Infantil, pois, com esse olhar, é possível instigar as crianças a observarem e intervirem no mundo em que vivem.

Devemos compreender, por exemplo, que as questões referentes à tecnologia não se referem exclusivamente a uma tecnologia puramente técnica, mas como Strieder (2012), Santos e Schnetzler (2015) ressaltam, envolvem também processos criativos, de organização, aspectos culturais, dentre outras questões, que nos fazem ver a tecnologia em simples processos.

Logo, com essa experiência, reafirmamos as potencialidades das atividades lúdicas para o ensino de ciências na Educação Infantil. De um modo geral, vimos que, por meio delas, as crianças puderam explorar de maneira prazerosa o ambiente escolar com um olhar crítico sobre ele, que lhes permitiu embarcar num mundo de imaginação, criatividade, prazer, mas também observação, criticidade e participação.

Considerações

Os resultados deste estudo mostraram que proporcionar um ensino de ciências na Educação Infantil com uma abordagem CTS, associado à ludicidade, possibilita uma adequação dessa abordagem à linguagem infantil e ao contexto de aprendizagem das crianças, contribuindo para a promoção de um ensino contextualizado, que potencializa e valoriza as características das crianças, como sua imaginação, criatividade e curiosidade, fomentando a construção de novas aprendizagens e valores importantes como a criticidade, solidariedade e respeito, colaborando assim com sua formação cidadã.

Percebemos que as situações de aprendizagem - associando abordagem CTS e ludicidade - contribuíram com um olhar crítico para o ambiente em que vivem. Na brincadeira de arquitetos, por exemplo, as crianças dialogaram entre si na busca de soluções para os problemas encontrados, trazendo em seus diálogos conhecimentos de ciência e tecnologia para pensar melhorias para o espaço escolar, demonstrando participação nas decisões dentro do ambiente escolar e, ao mesmo tempo, preocupação e percepção sobre problemas ambientais.

Nesse sentido, as atividades lúdicas em uma abordagem CTS favoreceram o ensino de ciências às crianças em vários aspectos, tais como: compreensão ampla sobre o ambiente escolar para além da sala de aula; atendimento das especificidades da Educação Infantil, que têm como norte as interações e brincadeiras; a oportunidade de uma aprendizagem voltada para a formação cidadã; permissão para que os direitos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças - conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se - fossem garantidos e potencializados com as vivências.

Logo, os princípios da abordagem CTS ficaram evidentes nessas ações, como: a dialogicidade, que valorizou a fala e a manifestação de opiniões das crianças; a problematização de questões sociais envolvendo a escola e seus arredores; a contextualização dos assuntos abordados; a construção de valores como a solidariedade, a preocupação com o ambiente escolar e a cooperação; a tomada de decisão referente às ações a serem realizadas para melhorias nos espaços; a abordagem de temas de relevância social presentes nas discussões sobre as ações humanas no meio ambiente e a cultura da participação, compreendendo as crianças como sujeitos partícipes da sociedade, valorizando suas falas e opiniões.

Esta pesquisa traz avanços para a área de educação em ciências, pois são raros os estudos que se voltam a pesquisar a abordagem CTS na Educação Infantil. Ela reafirma a necessidade de uma iniciação científica desde a pequena infância, em que as crianças sejam valorizadas e percebidas como sujeitos de sua própria aprendizagem, instigadas a buscar as respostas aos seus 'porquês', de observarem e problematizarem o mundo em que vivem, manifestando opiniões e participando da construção da ciência, feita por todos, que lhes permite compreender o mundo natural, social e tecnológico e suas interações, colaborando com o sentimento de pertencimento a ele.

Limitações também foram percebidas, pois a expansão do projeto desenvolvido para toda a escola foi de encontro à carência de conhecimentos dos professores acerca da abordagem CTS, que limitou o desenvolvimento de ações com todas as crianças, o que aponta a necessidade de formação continuada dos professores. Nesse sentido, são trazidas possibilidades para outros estudos nesse campo tão importante e promissor que é a Educação Infantil. Por exemplo: como promover uma formação de professores voltada para uma Educação CTS? Como fomentar uma alfabetização científica desde a Educação Infantil? De que modo a educação não formal contribui com a abordagem de temas CTS na Educação Infantil? Essas são algumas das questões, dentre muitas outras, que, certamente, inquietam quando falamos em ensino de ciências para as crianças.

É preciso lembrar que trazer a educação CTS para o campo da Educação Infantil não significa transformar essa fase da educação em um espaço aos moldes do ensino fundamental, antecipando processos de escolarização das crianças, mas sim incentivar e alimentar a sua curiosidade, contribuindo para o seu processo de alfabetização científica de forma natural e lúdica. Consideramos, assim, que mais pesquisas precisam voltar seus olhares para esse campo e explorar as possibilidades de formação cidadã, envolvendo essas interações no ensino de ciências na Educação Infantil. É preciso, então, que continuemos com o debate e que valorizemos a Educação Infantil como uma fase primordial para a educação.

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Recebido: 06 de Outubro de 2020; Aceito: 21 de Abril de 2021

Autora correspondente: edith.costa@iemci.ufpa.br

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