Introdução
A visibilidade das questões que circundam a formação de professores no Brasil e a própria permanência e manutenção desse espaço, conquistado com muita luta, são influenciados tanto no âmbito político e econômico quanto científico, tecnológico e cultural. Neste contexto, a coletividade tem papel ativo na construção das concepções acerca do ser professor e na transformação ou desconstrução dos preconceitos vigentes.
O foco principal dos problemas enfrentados pela educação parte da desvalorização das profissões relacionadas a ela. Segundo Fernandez et al. (2013), o desprestígio da licenciatura ocorre por diversos fatores: o primeiro se refere ao desconhecimento do significado da licenciatura pelos discentes e as possibilidades de realização profissional; o segundo fator seria a baixa motivação ou interesse para a docência entre os acadêmicos, o que tem levado recém formados a escolher trilhar caminhos diferentes, seja por não se sentirem satisfeitos ou identificados com a docência, seja por encontrarem oportunidades melhores em outras áreas de trabalho; e, por último, o autor menciona a baixa participação dos licenciandos com pesquisas na área específica da educação.
Além dos aspectos externos ao exercício da profissão docente, esta tem sofrido um desprestígio em seu campo epistemológico devido às limitações para o desenvolvimento de autonomia desses profissionais. Muito dos conhecimentos de que os professores dispõem, como apontado por Loguercio e Del Pino (2003), foram produzidos em instâncias às quais os professores não têm acesso, sendo, geralmente, impostos pelos cientistas, pedagogos e/ou governos. Ainda hoje, muitos professores, em decorrência de sua formação, não escolhem os saberes e agem como técnicos, instrumentados a trabalhar com conhecimentos específicos, o que diminui o seu reconhecimento no meio acadêmico.
Somado aos fatores supracitados, encontramos uma desvalorização generalizada na sociedade, uma vez que pesquisas (ARAÚJO; VIANNA, 2008; IBAÑEZ RUIZ; RAMOS; HINGEL, 2007; LEITE; PACHANE, 2008) têm apontado uma baixa procura pelos cursos de licenciatura pelos jovens brasileiros. Gatti (2010) assinala que esse distanciamento é causado pela interação de diferentes razões que, em conjunto com a estrutura curricular e condições institucionais precárias encontradas nos cursos, indicam um péssimo cenário com relação à formação docente. A autora ainda menciona a necessidade de um desenvolvimento educacional focado na formação social da escolarização em detrimento da divisão da ciência em diversos campos disciplinares, como uma tentativa inicial de solucionar esses fatores.
A noção de identidade apresentada por Wenger (1998) tende a situá-la na prática, não sendo possível pensar no indivíduo dissociado do ambiente sociocultural a que pertence. Se almejamos investigar a formação de identidades docentes no ambiente social na qual ela se constrói, isso deve ser realizado na perspectiva da escola e dos professores, daí a ideia de se trabalhar com acadêmicos inseridos no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), pois eles inserem o aluno de graduação no contexto sociocultural, dentro de uma perspectiva educacional, ou seja, na sala de aula.
O Pibid é um Programa da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação (MEC) desenvolvido por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com escolas de Educação Básica da rede pública de ensino; e propõe a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas, desde o início de sua formação acadêmica, para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob a orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola (BRASIL, 2010). O programa existe há doze anos (desde 2007) e é administrado pela Diretoria de Educação Básica (DEB) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Sua criação se deu durante o Governo Lula, pelo Decreto nº 7.219, de 2010 9 (BRASIL, 2010), e houve uma atualização descrita pela Portaria 096, de 2013, na qual está disposto o regulamento atual para a realização de suas atividades (BRASIL, 2013).
Farias e Rocha (2012) destacam que o Pibid tende a funcionar como uma importante política de formação, apresentando potencial para promover práticas pedagógicas de caráter emancipador. A partir das discussões tecidas até o momento, surge a questão de pesquisa que direciona o presente ensaio: qual a relevância do Pibid-Biologia para a percepção/construção/validação de identidades docentes por parte dos participantes do projeto? Tal discussão implica na necessidade de investigar indícios da construção de Identidades Docentes em graduandos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas participantes do Pibid, além da relevância do programa e as vivências que ele possibilita na formação crítica com relação à situação da educação no Brasil e o futuro que ajudarão a construir.
Considerações teóricas
É sabido (ALVES et al., 2007; GARCIA; HYPOLITO; VIEIRA, 2005; NÓVOA, 2000; WENGER, 1998) que o processo identitário é uma construção social, que resulta de experiências relacionadas com o eu e, ao mesmo tempo, com os outros, as quais auxiliam na maneira como nos identificamos. Esse processo ocorre, também, sob influência dos discursos sociais e culturais no contexto histórico em que o indivíduo está inserido.
Stuart Hall, sociólogo, teórico cultural e ativista político jamaicano, que atuou no Reino Unido, propõe que as mudanças1 ocorridas na sociedade, a partir do final do século XX, acabaram fragmentando as concepções de sujeito há muito estabelecidas, deslocando-os pessoalmente/individualmente e no mundo/socialmente, provocando uma crise de identidades. Dessa fragmentação das culturas, surge a concepção de sujeito "pós-moderno" indefinido e inacabado, descrito como sendo composto por diferentes identidades, que se transformam no meio social, conforme suas vivências (HALL, 2006).
Os conceitos relacionados à identidade estão sempre pautados entre o individual e o social. Melucci (2004) justifica essa relação à medida que define que a nossa identidade é composta por nossa visão sobre nós mesmos, além da forma pela qual os outros nos percebem. Ao se aprofundar no tema, o autor elenca três características representativas de sua concepção de identidade: a continuidade de um sujeito, a delimitação desse sujeito em relação aos demais e a capacidade de reconhecer-se e de ser reconhecido.
Quando abordamos a construção de identidades em um contexto de profissão docente, do ser professor, podemos definir o início de sua constituição, desde bem antes da busca pela formação profissional. Marcelo (2010) propõe que os processos identitários começam durante o próprio período de estudante nas escolas, se consolidando na formação inicial e sendo transformada/readequada ao longo de toda a vida profissional. Essa transformação, como indicada pelo autor, é individual e coletiva e nela as identidades docentes vão se configurando mais de forma emocional do que racional, ao passo que os professores não possuem, geralmente, o hábito da reflexão pós-ação, ou seja, análise e avaliação da sua práxis de forma crítica, indicando a necessidade da percepção da importância dessa prática no exercício da profissão.
Faria e Souza (2011) dividem a temática dos estudos ligados à identidade de acordo com o espaço no qual a profissão docente é desempenhada (no Ensino Fundamental, Superior, na Formação inicial e Formação Continuada) e pela concepção de identidade focada em cada estudo (como processo contínuo, trajetórias, memórias, concepções), ou seja, uma variedade de fatores que podem dificultar o estabelecimento de uma metodologia de pesquisa única para analisar as concepções sobre identidades.
Ao enveredarmos por tais áreas, precisamos perder a ilusão de um conhecimento definitivo acerca desta questão, tomando uma precaução epistemológica frente à diversidade identitária da categoria docente e à própria instabilidade das identidades atualmente (GARCIA; HYPOLITO; VIEIRA, 2005). Segundo a reflexão dos autores, sair do conforto de buscar enquadrar a identidade profissional docente em alguns tipos ideais ou explicá-la por meio de algum elemento fundacional talvez seja o maior desafio que temos.
Diversos autores tratam dos processos identitários considerando o sujeito e o mundo social no qual ele se enquadra. Para Alves et al. (2007), esses processos podem ser divididos em duas categorias: os processos biográficos, ou identidade para si, que tratam do que o indivíduo diz sobre si mesmo, o que pensa ou gostaria de ser; e os processos relacionais, ou identidade para o outro, que são o conjunto de características que o outro atribui, quem o outro me diz ser.
Tais características podem ser confirmadas quando Galindo (2004) explica que os docentes, ao mesmo tempo em que buscam uma natureza positiva da profissão no polo do autorreconhecimento, atribuem características negativas a outros docentes. Além de negar a dinâmica das relações sociais, que necessariamente implica considerar os outros, esse fator fragiliza a organização dos profissionais como categoria unida, dificultando a vivência da identidade coletiva.
Com essa realidade observada, Oliveira (2013) afirma a necessidade de superação dos modelos de formação técnico-burocráticos levando em conta sua contribuição para o agravamento da crise de identidades docentes atualmente. Os modelos técno-burocráticos, muitas vezes, sugerem aos professores que eles são apenas executadores de currículos e não autônomos para construírem diferentes maneiras para tomar decisões quanto ao conteúdo e a organização do ensino em sala de aula.
Metodologia
As análises qualitativas são focadas em questões subjetivas, que não apresentam dados passíveis de investigação similar aos dados numéricos, como percepções, intenções e comportamentos. Os termos para tais pesquisas são descritos por vários autores, mas, aqui, lançaremos mão da perspectiva de Minayo (2012), na qual uma análise precisa conter os termos estruturantes da investigação qualitativa, que são compreender e interpretar, bem como as experiências, vivências, o senso comum e a ação social.
Vamos nos dedicar a construir um perfil do(a) aluno(a) de Ciências Biológicas de uma universidade pública do estado do Paraná, onde a investigação foi desenvolvida e de onde decorrem as respostas ao questionário aplicado. O motivo principal para apresentarmos esse perfil é o de que não conseguiremos abordar satisfatoriamente todas as diferenças sociais dos alunos, devido ao número elevado de respondentes e pelas perguntas do questionário terem sido elaboradas de forma aberta, gerando um volume enorme de corpus para análise.
Assim, o(a) estudante descrito pode apresentar dois perfis: o primeiro estuda em período integral, tem uma boa condição financeira, não trabalha, mora com os pais e encontra-se, na maior parte do tempo, dentro do campus, seja em sala de aula ou participando de outras atividades, como as do centro acadêmico, empresa júnior, atlética (esportes e música) e/ou estudando na biblioteca ou nos diversos espaços disponíveis; e o segundo tipo estuda no período noturno, não tem boa condição financeira, necessita trabalhar, por ser de outra cidade e pagar transporte ou para se manter na cidade sem o auxílio dos pais, vai para a universidade para as reuniões do Pibid e para ter aulas. Devemos ressaltar que os perfis apresentados são estereótipos e que, apesar de representarem a maioria dos alunos, não definem a totalidade deles.
Para a construção dos dados foram aplicados questionários - adaptados de Barbaceli (2013) e Oda (2012) - para 25 alunos (quinze mulheres e dez homens), com média de 21 anos de idade, matriculados no curso de Ciências Biológicas (Licenciatura), participantes do Pibid. As perguntas realizadas apresentam contextos que abrangem questões como formação pessoal, carreira escolar e vivência acadêmica, conforme a imagem 1.
Os dados construídos com base nas questões dispostas na imagem 1 foram trabalhados mediante a metodologia de análise textual discursiva (ATD). Moraes (2003) divide essa análise em três passos: a unitarização, que origina as unidades de significados; a categorização, que resulta em elementos pertinentes e homogêneos, porém plurivalorosos; e a captação do novo emergente, que consiste na criação de metatextos interpretativos.
Neste trabalho, a ATD foi realizada seguindo a unitarização e, à medida que lemos as respostas dadas pelos alunos, agrupamos ideias ou termos recorrentes em unidades de significados, organizadas em categorias a priori. Posteriormente, trabalhamos com as unidades de significados já em suas respectivas categorias, considerando os fatores que influenciam na transformação identitária dos alunos para professores e desenvolvendo linhas de pensamento que nos ajudariam a construir um caminho para discutir tais fatores. Na sequência, buscamos na literatura pesquisas que envolvessem argumentações nos diversos temas definidos e as utilizamos de base para extrair informações relevantes que os alunos forneceram ao elaborarmos a escrita na forma de metatexto.
Resultados e discussão
Dos dados pessoais registrados pelos alunos, 12 estudam no turno integral e 13 no noturno. Apenas cinco alunos trabalham e três já haviam feito outra graduação (Engenharia Ambiental, Medicina Veterinária e Bioquímica). Esses dados se relacionam com a baixa idade dos participantes, visto que a maioria entrou no Ensino Superior logo após o término do Ensino Médio. Os(as) alunos(as) foram nominados com a letra ‘A’ seguida de um número, de 1 até 25.
Durante o planejamento desta investigação, objetivamos discutir algumas questões relacionadas ao gênero dos participantes, e se elas influenciavam a forma como as identidades profissionais docentes são constituídas, porém, não observamos diferenças significativas que proporcionassem tal discussão. Uma possível justificativa pode ser a média de idade dos alunos, que é muito próxima. Devemos pontuar, também, que, como nossa pesquisa foi realizada com alunos de Ciências Biológicas, por mais que haja diferenças entre os indivíduos, suas concepções em relação ao curso são relativamente semelhantes, sendo que, caso tivéssemos participantes de diversos cursos de graduação vinculados ao Pibid, tais concepções poderiam ser drasticamente diferentes e influenciar de formas diversas nas questões de gênero.
Por meio da análise das perguntas do questionário, elencamos oito categorias influenciadoras diretas do processo de formação de identidades docentes dos estudantes. Cada uma das categorias possui concepções ou fatores primários e secundários (cujos alunos julgaram tanto positivos como negativos) que se configuraram como unidades de significado, as quais também as influenciam e foram discutidas durante a escrita do metatexto. Foi elaborado um quadro exemplificando, detalhadamente, a separação dessas categorias influenciadoras nas unidades com as quais trabalhamos, junto do número de citações de cada unidade, conforme segue.
Categorias | Exemplos Unidades de Significado (US) | Nº de US Mencionadas em Respostas |
---|---|---|
Escolha do curso | Identificação e curiosidade; Impacto social; Divulgação científica. | US1 (20); US2 (05); US3 (03); US4 (01) |
Vislumbre da profissão | Não identificação com a profissão; Escolher a pesquisa em detrimento do ensino; Características que facilitam interagir e ajudar os outros; Identificação com outros professores. | US5 (06); US6 (03); US7 (06); US8 (06) |
Características relacionadas à docência | Inovação; Coragem; Liberdade; Didática; Atenção; Dinamismo; Intelectualidade; Capacidade de inspirar; Espírito encorajador; Empatia; Dedicação; Firmeza; Descontração; Olhar visionário; Coragem. | US9 (01); US10 (01); US11 (01); US12 (02); US13 (02); US14 (03); US15 (01); US16 (04); US17 (03); US18 (01); US19 (03); US20 (01); US21 (01); US22 (01); US23 (01); US24 (01) |
Relações do Pibid com outras atividades da graduação | Priorização de atividades e gestão de tempo. | US25 (16); US26 (09) |
Interação com os pares (coletivização e pertencimento) | Novas visões e vivências; Notícias e experiências; Situações engraçadas; Exercício crítico da prática; Descaso com a profissão; Cortes orçamentários; Visão social distorcida; Falta de infraestrutura; Desencorajamento de outros professores. | US27 (07); US28 (01); US28 (01); US29 (01); US30 (06); US31 (01); US32 (03); US34 (01); US35 (01) |
O que é docência | Amor; Paciência; Dedicação; Responsabilidade; Conhecimento | US36 (07); US37 (05); US38 (05); US39 (05); US40 (06) |
Influências de camadas sociais | Capacidade de transformar a realidade das pessoas; Dedicação e desejo por melhoria nas condições de trabalho; Questões políticas; Status da profissão; Baixos salários; Família não apoia; Visão social distorcida. | US41 (04); US42 (04); US43 (04); US44 (02); US45 (01); US46 (12); US47 (05) |
Validação do Pibid como política pública | Desinteresse e desvalorização; Instabilidade salarial; Má gestão governamental. | US48 (14); US49 (03); US50 (04) |
Fonte: elaborado pelos autores.
Após a construção do quadro foi elaborado um texto com o intuito de abranger todas as categorias elencadas e discutir as unidades de significados que as compõem: o metatexto. Destacamos que, como forma de sinalizar melhor a localização das diferentes categorias elencadas, com base nas respostas dos participantes, elas aparecerão em negrito no metatexto. Segundo Moraes (2003), a validade e confiabilidade dos resultados de uma análise depende do rigor com que cada etapa da análise foi desenvolvida, construindo a lógica de que uma unitarização e uma categorização rigorosas dos dados devem resultar em metatextos válidos e representativos dos fenômenos investigados.
Metatexto: o que as respostas dos pibidianos nos revelam sobre a formação de identidades docentes?
Os fatores que influenciam, primariamente, na escolha dos alunos pelo curso de Licenciatura em Ciências Biológicas são a identificação e curiosidade relacionadas às matérias da área e o incentivo de professores ao longo de suas vidas. Ambos podem se configurar como mecanismos de projeção (WADE; TAVRIS, 2005) ou dos conteúdos, ou com a profissão docente, quando não com ambos.
Outros fatores se localizam no campo social, seja pela vontade dos alunos enfrentarem os desafios atuais da educação, seja por desejarem impactar as pessoas, mesmo que em âmbito local. O(a) aluno(a) A-13 destaca a existência de "oportunidades de interações sociais, o reconhecimento profissional perante as pessoas atingidas, o poder de transmissão de conhecimentos e a sensação de impacto social" como características do fazer docente. Do mesmo modo, a mudança de paradigma pautada na escola reflexiva e nova racionalidade (ALARCÃO, 2001) é uma iniciativa presente no sistema educacional brasileiro, necessitando maior representatividade junto aos governantes, apoiada pela sociedade, para ser potencializada.
Um fator importante que consideramos foi a citação de um canal do Youtube, focado em divulgação científica, o "Nerdologia", pelo(a) aluno(a) A-02. Podemos observar, atualmente, uma ascensão de perfis de divulgação científica focados em conteúdos específicos. Consideramos imprescindível a ocupação desses ambientes também por professores, pois, embora alguns alunos não se vejam, no futuro, em uma sala de aula, cercados de alunos, isso não os impede de criar um site, ou canal, que possibilite o exercício da docência, utilizando a internet como via primária. Segundo Carvalho (2016), em uma sociedade midiatizada e conectada em rede, não podemos cometer o erro de deixar de considerar sites e redes sociais como proposta de popularização da ciência e ferramenta de empoderamento social. Acreditamos que a concepção identitária de cientista se mescla com a de professor quando um indivíduo migra para plataformas digitais e ocupa esse nicho de divulgador de ciência.
No espectro do vislumbre da profissão de professor, observamos um grande conhecimento dos desafios impostos aos docentes nos mais diversos âmbitos, sendo as questões vinculadas ao mercado de trabalho mais evidentes, como falta de experiência, correspondência de propósito, ansiedade ou imediatismo e incerteza quanto ao seu desempenho. O(a) aluno(a) A-12 aponta que a "possibilidade de exercer a profissão de professora sempre foi algo claro", mas ressalta que "a incerteza quanto ao mercado de trabalho aconteceu diversas vezes". Aliado a isso, as oportunidades de carreira na pesquisa parecem, à primeira vista, mais recompensadoras no futuro, com um leque de oportunidades maior em comparação à docência, sendo que a segunda opção, por vezes, sequer é cogitada por alguns alunos, que já entram no curso focados em trabalhar nos laboratórios.
Nos aspectos identitários primários, é conspícua a participação dos alunos em brincadeiras da infância, pautadas no desempenho do papel de professor por uma ou mais crianças, enquanto outras encenam alunos. Também chamada de 'escolinha', essa atividade, muito mais de imitação, do que propriamente um exercício docente, tende a limitar a ação a conceitos estereotipados, porém, é importante que se faça, pois, como destaca Mariano (2006), a questão da imitação, apesar de manter a pessoa presa nos clichês do exercício da profissão, se apresenta como uma grande oportunidade no esforço para um ato de criação e recriação, colaborando, de forma única, no processo de formação identitária.
Ainda no campo da identificação com os professores - como já citado -, a predisposição para falar em público e interagir com as pessoas sinaliza traços de personalidade que podem ser vinculados ao papel docente, mas que, de certa forma, desvalidam a prática de alunos tímidos quando precisam de uma ‘máscara de professor’ para entrarem na sala de aula.
As características dos professores destacadas pelos estudantes serão discutidas adiante, porém, devemos estipular um ponto inicial: a separação da identidade acadêmica e da docente propriamente dita. Os estudantes estão mais acostumados com professores eloquentes que cativam com facilidade ou com os cansados e desinteressados? Seja qual for, a primeira escolha seria a ideal no imaginário deles ao desempenharem seu papel de docente. Portanto, os alunos se veem performando características que não apresentam na sua vivência dentro da universidade, como alunos de graduação, como as associadas à proatividade, por exemplo. Por mais que seja difícil separar ambas, assumimos como identidade acadêmica as concepções e ações dos alunos nas aulas quando não atuam como docentes. Assim, quando ocupados com o fazer docente próprio ou descrevendo situações envolvendo outros professores, assumimos como concepções identitárias essencialmente docentes.
Para os alunos, os professores que os inspiraram apresentam características diversas, porém, eles mesmos acabam sobrecarregando a imagem do professor ideal com inúmeros adjetivos, chegando ao ponto de não sabermos se é possível um indivíduo apresentar, de forma satisfatória, todas as características indicadas no ideário dos respondentes. Podemos tomar, por exemplo, o que foi descrito pelo(a) aluno(a) A15, que, ao mesmo tempo em que valoriza a descontração em sala de aula, registrando a importância de existirem "professores engraçados", também propõe que os assuntos desenvolvidos sejam abordados "com muita firmeza".
Essa forma de pensar pode nos levar a argumentar que seja ideal e que se espera, por parte dos alunos, que os professores consigam distinguir em quais momentos da aula é possível gerar momentos de descontração e em quais momentos é ideal trazer um clima mais focado ao aprendizado. Pois, quando não existe essa delimitação, ou quando as situações em sala são unilaterais (ou o professor é tido como muito sério ou muito liberal), os alunos acabam formando estereótipos negativos, ora de professores chatos, que só pensam em abordar o conteúdo, ora de professores muito liberais, que acabam facilitando demasiadamente o conteúdo, simplificando-o, por exemplo.
De acordo com Furnham, Zhang e Chamorro-Premuzic (2005), profissionais superestimados são prejudicados quando observamos duas causas mais evidentes, sendo a primeira, a falta de criticidade com relação às suas ações, resultando numa resposta mais demorada ao receber feedbacks, e a segunda se configurando na forma do estabelecimento de uma imagem negativa perante os colegas de trabalho, levando as pessoas à falta de empatia. Para os autores, um menor grau de confiança, se substituído, por exemplo, por um grau mais elevado de criatividade no exercício da profissão, tende a ter resultados muito mais positivos.
Penna (1992 apud GALINDO, 2004, p. 15) explica que a identidade é constituída por dois processos: inter-relacionais, pautado em como o sujeito se reconhece, e alter-relacionais, traçado pela forma como o sujeito é reconhecido pelos outros. Esses processos geram dois polos identitários que se complementam: o do autorreconhecimento e o do alter-reconhecimento. Acreditamos que, quando trabalhando com questões identitárias, tais resultados impactem tanto nos processos inter quanto alter relacionais.
Ao se comunicar, segundo os alunos, o professor deve ser acessível, ou seja, didático, deve ser dinâmico e interativo, para não perder os alunos, e carismático, para não os cansar. Além disso, deve ter a capacidade de estabelecer, em seus alunos, novas visões de mundo. Aqui estão falando, especificamente, da visão de mundo pautada no conhecimento científico, pois, diferentemente de outras formas de interpretar o mundo, a ciência é introduzida às vidas das pessoas na escola, quando o docente media o contato e interação do sujeito/indivíduo com o conhecimento científico produzido pela humanidade.
Essa visão deve vir acompanhada desses contextos, sejam eles históricos, sociais, culturais, entre outros, pois sem eles não se tem a compreensão/interpretação dos fenômenos de forma multidisciplinar. Um dos principais problemas contemporâneos da educação é a forma de organização do conhecimento como um todo. Behrens (2007) alerta para o perigo de isolar os professores em suas salas de aula e os alunos num ensino assentado no escute, leia, decore e repita. Um bom professor, na visão dos pibidianos, deve sempre mostrar em que parte da história tal conhecimento foi construído, o que estava acontecendo, qual era o contexto social, como foi a reação da sociedade em face de tais descobertas. Tudo isso acaba contribuindo com o aprendizado de forma que, por vezes, os professores sequer imaginam.
Outras características descritas envolvem a coragem para inovar em sala, desde atitudes como a realização de mais aulas práticas, tal qual a adoção de um ensino por investigação, que denota maior liberdade dos alunos e menos controle docente do momento da ação em sala; a dedicação e a empatia com os alunos, inspirando-os e encorajando-os de forma atenciosa e tratando-os com humanidade; deve demonstrar que tem prazer ao ensinar, conhecer o conteúdo, ser descontraído, porém, saber o momento de ser sério e firme.
O presente estudo também revelou que, na atualidade, há uma nova forma de o professor se relacionar com os alunos, cujas respostas apontaram para o uso de aplicativos e interações virtuais. Com o uso de aplicativos para celulares, tem sido cada vez mais recorrente a comunicação e interação entre professores e alunos, mesmo quando não estão em sala de aula. Para Fey (2011), quando explica sobre as sociedades midiatizadas, esse ambiente dinâmico e veloz, com respostas imediatas, linguagens completamente novas, diferentes, que se reinventam a todo o momento, é um grande desafio e requer preparação por parte dos professores, já que nesse campo, os alunos apresentam maior domínio. O mesmo autor salienta que cabe aos professores lidar com a tecnologia na era digital de forma semelhante aos alunos, para que as relações entre ambos tornem-se mais sinérgicas, proporcionando acesso crítico ao conhecimento digital. Relativizando esses apontamentos, constatamos que professores iniciantes - mais novos - têm maior sucesso ao lidar com meios digitais, pois, via de regra, também se localizam, de forma mais ou menos imbricada, nas redes sociais, já possuindo um conhecimento da dinamicidade e da linguagem próprias da internet.
Outro fator influenciador de identidades trata da relação já muito discutida de autoridade e liberdade. Ambas devem existir, segundo Araújo (1999), em qualquer interação, porém, sem se excluírem, ou seja, coexistindo. As relações acabam dispondo certo grau de autoridade para preservar a ordem já existente das coisas e liberdade para buscar por novidades, dando continuidade ao mundo através da renovação dele. O mesmo autor enfatiza que, mais uma vez, independentemente da relação, ambos os indivíduos devem, primariamente e essencialmente, respeitar a história, expectativas e trajetória um do outro e, com isso, se interessarem por elas, aspectos esses que, quando ligados à docência, acabam desenvolvendo novos significados relacionados à cidadania.
Se os professores recém-iniciados têm facilidade com as questões envolvendo a tecnologia na era digital, o mesmo não se pode dizer com relação à autoridade dentro de sala e a visão dos outros enquanto desempenham seu papel que, como já discutido, pode levar à falta de identificação com a profissão através da frustração consigo mesmo e da percepção dos outros.
Quando reunidos com os amigos no contexto da universidade tanto quanto em situações de lazer, os participantes da pesquisa afirmaram a existência de conversas sobre as atividades realizadas em sala e sobre a situação da educação enfrentada atualmente por alunos e professores e protagonizada, dentro da escola, pelos demais funcionários, e fora dela por toda a sociedade. Tal fato sinaliza a identificação desses alunos com a docência, já que, mesmo em situações externas ao ambiente escolar, acabam partilhando de suas experiências docentes.
Os aspectos positivos dão enfoque às novas vivências que resultam em novas visões sobre ensinar e aprender. Gomes e Souza (2016) atestam a importância das reuniões características do Pibid, ao passo que tais espaços possibilitam a partilha de experiências ocorridas entre os alunos, o compartilhamento de notícias, ou mesmo situações engraçadas, que contribuem no processo identitário, pois transformam concepções e desconstroem pré-conceitos da profissão. Assim, quando se veem na postura de professores, são influenciados pela própria forma de planejar as aulas, elaborar atividades ou avaliações e acabam desenvolvendo uma visão crítica da prática docente, possibilitando a reflexão do seu fazer, que deve estar alinhada com o próprio sistema de funcionamento da escola.
Antagonicamente, as conversas acabam incluindo alguns problemas ao se trabalhar com a educação, como o descaso atrelado à visão deturpada que a sociedade tem da docência, como um exercício de caráter vocacional; o desânimo dos professores já formados, como já discutido; a falta de infraestrutura física das escolas e da base do próprio sistema educacional, que impossibilita metodologias de ensino diversas; e a forma com a qual o governo trata os professores, ligado ao descaso e fatores monetários. Diante desse estado, apontamos a importância do Pibid como política pública capaz de, como citado pelos(as) alunos(as) A-01, A-10 e A-23, "proporcionar uma visão" nova, desestigmatizada, sobre a profissão docente e o quão relevante é o papel do professor para a sociedade, ensinando-os a valorizar tal profissão, mesmo não se identificando completamente com ela.
Ao adentrarmos nas diversas camadas sociais das quais fazemos parte, vemos que existem divisões de grupos de acordo com interesses em comum. A forma como tais grupos se posicionam com relação à profissão docente e outros fatores, como a graduação em universidades públicas, a escolha pela licenciatura e outras questões sociais, culturais e econômicas, influenciam mais alguns indivíduos do que outros, porém, consideramos uma análise válida de ser realizada.
A totalidade dos alunos que citam, diretamente, fatores políticos como influenciadores (A-01, A-05, A-08, A-12 e A-17) se vê influenciada negativamente por ela, pois, como apontado anteriormente, os governos arcam com boa parte da responsabilidade pela imagem sucateada da instituição escolar hoje em dia. A mudança, a priori, nesse quesito, vem da participação dos grupos em defender seus interesses dentro da política, interagindo com diversos outros interesses e articulando ações para a valorização da profissão.
Quanto ao status da profissão, há um sentimento de irrelevância que vem sendo concretizado dentro de um contexto formativo no processo educacional, no qual percebemos protagonismo majoritário de mulheres. A docência, ainda, tem sido constituída como um grupo ocupacional baseado na iniciativa e controle do Estado. Ferreira (2011) indica que esses fatores transformam as identidades docentes, ligando-as à visão feminina de docência, fixando no imaginário popular o docente como uma pessoa - geralmente do sexo feminino - honesta, casta e de comportamento exemplar, imagem que apresenta forte idealização, conferindo uma visão paradoxal que, em teoria, coloca o professor numa posição de prestígio social, mas, na prática, desvaloriza a profissão pelo caráter vocacional da mesma. Podemos visualizar o aspecto acima citado quando, dos 11 alunos que declararam gostar de ensinar quando crianças, nove se identificam como sendo do gênero feminino, explicando que, quando mais novos, brincavam de 'escolinha', ou que seus pais compravam quadros de giz para brincarem.
Uma característica facilmente observável e reafirmada pelos grupos sociais, em geral, é a baixa remuneração da profissão. Barbosa (2011) classifica esse aspecto como central para a precarização da profissão. Isso implica a baixa atratividade da docência e a dificuldade de reter os bons professores, bem como o sentimento de desânimo e insatisfação com o trabalho, complementados com intensas jornadas assumidas pelos professores para compensarem os baixos salários, aumentando a rotatividade desses profissionais. Além disso, a autora cita a influência dos salários no agravamento de problemas de saúde, desocupação de professores, falta de comprometimento com atividades fora de sala e desinteresse no investimento em aprimoramento profissional, como a Formação Continuada.
Alguns alunos afirmam que a família não apoia a escolha de seguirem a Licenciatura e se tornarem professores. Conforme Santos (2005) indica, a família é um dos principais fatores que influenciam, tanto positiva como negativamente, no momento da escolha profissional. A provável causa disso pode ser o próprio fato de a família ser uma instituição influenciada pela política, economia, religião, cultura etc. Como um grupo pequeno, contido dentro de instituições maiores, a família acaba sendo moldada de acordo com o pensamento desses grupos e, por consequência, acaba sendo permeada por pré-conceitos que eles têm sobre a profissão docente.
Um fator positivo citado nas respostas seria a visão do professor como capaz de mudar a realidade social das pessoas. Essa característica é vinculada à imagem do profissional docente como agente capaz de mudar a vida das pessoas por meio da educação, perspectiva citada em concepções recentes do professor como intelectual-reflexivo-transformador. Rodrigues (1998) propõe que as licenciaturas incorporem práticas docentes reflexivas, de crítica, de análise da realidade e de sua própria ação como intelectual comprometido com projetos educacionais de superação e de mudança.
Em contraponto, no Brasil, pesquisas envolvendo a docência apontam perspectivas de trabalho nas escolas numa visão de horizonte do possível (BIRGIN; DUSCHATZKY; DUSSEL, 1998), no qual a profissão se apresenta com um caráter de impacto mais local, já que os docentes elaboram projetos menos transcendentais e mais dirigidos às próprias comunidades onde atuam. Ferreira (2011) destaca que o docente pode se reconfigurar de forma criativa sobre as desigualdades sociais que vislumbra em sua vida e dentro de sala de aula, para além do sacrifício sacerdotal ou da execução técnico-burocrática de suas tarefas.
Ao trabalharmos a capacidade de interpretação dos alunos, durante a análise da charge apresentada na imagem 1, estes pontuam que ela deixa evidente o desinteresse do governo com relação à educação, a desvalorização do professor pela população em geral, a má gestão pública das escolas e a instabilidade salarial. Todos os fatores citados já foram mencionados anteriormente, mostrando que os alunos estão cientes dos problemas que enfrentarão ao se tornarem professores. Essa indubitabilidade com relação à tragédia educacional demonstra o interesse dos alunos pelos temas relevantes para a qualidade do ensino e uma preocupação com o futuro. Vendo que o Pibid tem como seu quarto objetivo (BRASIL, 2010, p. 1) "[...] inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação" para que "[...] busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem", podemos apontar a importância do projeto para formação dos alunos, visto que citaram o quão transformador foi participarem. Quanto à possibilidade de mudança, ou não, de curso, 72% dos alunos estão confortáveis realizando a graduação em Ciências Biológicas, habilitação Licenciatura.
Considerações finais
Após discutirmos os fatores influenciadores das identidades docentes, ponderamos que, embora os alunos descrevam quais características professores ‘devem’ ter ou ‘precisam’ adquirir para se tornarem bons docentes, a construção das identidades docentes deve se perpetuar para além da vida acadêmica, seguindo em constante transformação ao longo do seu exercício profissional, sendo que tal processo deve ser imbuído de uma reflexão crítica sobre suas ações e a situação da educação.
Constatamos que o Pibid, como programa, por si só, já facilita uma proposta coletiva de soluções e um debate aberto e sem julgamentos sobre concepções e práticas. Destacamos, também, de acordo com as respostas, um grau maior de importância da família - em detrimento de outras instâncias sociais - tanto na afirmação e apoio na escolha da profissão quanto na não aprovação (quando presente, citada em menor frequência) e descontentamento com relação à decisão.
Consideramos relevante elencar o Pibid como uma importante política de formação de professores à medida que, ao inserir acadêmicos de cursos de graduação em Licenciatura dentro das escolas no contexto de sua luta por melhoria de condições, possibilita adquirirem vivências novas e auxilia na formação de identidades vinculadas ao desempenho do papel de professor, imbuída de características positivas, passíveis de aprimoramento, e negativas com as quais terão que lidar.
Como os alunos que participam do programa se encontram em anos diferentes da graduação, não aprofundamos os questionamentos e discussões no âmbito das disciplinas cursadas e experiências que envolvessem especificamente as Ciências Biológicas. Portanto, indicamos a realização de trabalhos mais aplicados para a formação de identidades no ensino de biologia.
Quando incorporam ações apropriadas de outros professores com os quais tiveram contato, os alunos mesclam concepções no campo do autorreconhecimento, ressignificando constantemente, e de forma crítica, suas posturas como docentes, tanto dentro, quanto fora de sala, e construindo o que, futuramente, serão suas próprias identidades. Esses traços identitários continuam sendo fluídos, porém, mais representativos de suas formas próprias/ideais de trabalho, ou seja, mais lapidados, levando em conta contextos sociais e culturais de suas vidas e das comunidades nas quais estão introduzidos, juntamente com os indivíduos que as constituem, podendo sempre evoluir, na busca por um fazer docente emancipador.