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Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.27  Bauru  2021  Epub Oct 02, 2021

https://doi.org/10.1590/1516-731320210051 

Artigo Original

Ondas gravitacionais em desenvolvimento: reflexões sobre ciência na educação em ciências

Gravitational waves in development: reflections about science in science education

1Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro de Ciências Físicas e Matemáticas, Florianópolis, SC, Brasil.


Resumo:

A relevância de se promover reflexões sobre ciência na educação básica e superior vem sendo destacada nas pesquisas das últimas décadas, seguidas por diversas propostas de didatização e inserção destas reflexões, especialmente por meio da História e Filosofia da Ciência e da Natureza da Ciência. Desta forma, temos como objetivo trazer reflexões sobre ciência, por meio do desenvolvimento das ondas gravitacionais, buscando contribuir com a educação em ciências a respeito à discussão sobre produção / consumo de conhecimento científico. Tendo como pano de fundo superar as separações entre discussões filosóficas e educacionais, nos apoiaremos na perspectiva da Teoria da Atividade Cultural-Histórica para discutir alguns aspectos do desenvolvimento das ondas gravitacionais como objeto educacional. Destacamos a contribuição dessa perspectiva para a problematização da reificação dos objetos da atividade científica e educacional, e apresentaremos uma possibilidade de compreensão (e propagação) das ondas gravitacionais não como coisas isoladas, mas como processos.

Palavras-chave: Educação básica; Educação em ciências; Ondas gravitacionais; Natureza da ciência; Conhecimento científico

Abstract:

The relevance of promoting reflections about science in basic and higher education has been highlighted in research in the last decades, followed by proposals for teaching and incorporating them especially through History and Philosophy of Science, and Nature of Science. Thus, we aim to bring about reflections about science by exploring gravitational waves, thus seeking to contribute to science education regarding the debate on production/consumption of scientific knowledge. Driven by the motivation to overcome differences between philosophical and educational discussions, we will rely on the perspective of the Cultural-Historical Activity Theory to discuss aspects of the development of gravitational waves as an educational object. We highlight the contribution of this perspective to the problematization of the reification of objects in scientific and educational activity, and we will address a possibility for understanding gravitational waves (and their propagation) not as isolated events, but as related processes.

Keywords: Basic education; Science education; Gravitational waves; Nature of science; Science knowledge

Introdução

O campo da pesquisa em educação em ciências vem desenvolvendo nas últimas décadas diversos trabalhos que pautam a importância de se realizar reflexões sobre ciência, tanto na formação básica quanto superior. Por meio de diferentes concepções e referenciais questiona-se, por exemplo, quais seriam os objetivos da educação em ciências, sobretudo quando se almeja uma educação que permita a conscientização, a tomada de decisões em problemas sócio-científicos (CACHAPUZ et al., 2005; SADLER, 2011), a alfabetização científica (SASSERON; CARVALHO, 2008), o desenvolvimento humano (CAMILLO, 2015), ou seja, quando se discute a relevância social da educação em ciências para além de um ensino pragmático ou propedêutico.

Cresce, então, a necessidade de se consolidar estratégias para alcançar tais objetivos, formas de didatizar diferentes abordagens e materiais que tratem dos processos sociais, culturais e históricos de construção do conhecimento científico. Uma destas formas se dá por meio do estudo da Natureza da Ciência (MOURA, 2014; TABER, 2017), especialmente quando se trabalham aspectos da História, Filosofia e Sociologia da Ciência (GARCIA, 2019; HODSON, 2014; HÖTTECKE; SILVA, 2011; MOURA; JAGER; GUERRA, 2020).

No entanto, algumas pesquisas sobre Natureza da Ciência apontam também para diferentes abordagens e vieses teóricos, como, por exemplo, de se trabalhar Natureza da Ciência por meio de semelhanças familiares (IRZIK; NOLA, 2011), dos aspectos consensuais (MATTHEWS, 2012) ou mais recentemente, por meio da abordagem denominada Whole Science (ALLCHIN, 2017).

De maneira geral, a proposta envolvendo semelhanças familiares visa discutir a Natureza da Ciência a partir das relações de semelhança entre as diferentes áreas das ciências da natureza, enquanto a proposta dos aspectos consensuais fomenta a construção de princípios, valores e objetivos que seriam consenso entre todas (ou a maioria) destas áreas. Em contrapartida, a perspectiva da Whole Science envolve trabalhar a ciência como um campo científico mais amplo, considerando as relações sociais estabelecidas por meio de/para a sua consolidação, se questionando não "o que é ciência?", mas "como a ciência justifica seus resultados?" (ALLCHIN, 2017) no seu desenvolvimento na educação.

Independentemente das particularidades de cada uma destas propostas, há um amplo entendimento, na literatura, de que a compreensão sobre natureza da ciência (apesar de não se saber efetivamente como professores e estudantes aprendem sobre ela) é um aspecto fundamental, e tratar-se-ia de objetivo central para a educação em ciências, para que os estudantes (cidadãos) não somente adquiram conhecimento científico, mas que possam compreender a relação entre ciência e sociedade, por exemplo (COFRÉ et al., 2019).

Considerando as potencialidades de se trabalhar Natureza da Ciência por meio de questões relacionadas à História e Filosofia da Ciência (FORATO, 2009; MOURA, 2014; OLIVEIRA; MARTINS; SILVA, 2020) e a necessidade de um referencial consistente, que permita capturar a produção e o consumo da ciência, bem como a educação em ciências como processos humanos, históricos e profundamente conectados (CAMILLO; MATTOS, 2014), temos como objetivo no presente trabalho realizar reflexões sobre a ciência das ondas gravitacionais, trazendo para o debate processos sociais, culturais, históricos e educacionais de produção e consumo de conhecimento científico. Para isso, nos apoiaremos na Teoria da Atividade Cultural Histórica.

Ainda que retomaremos a discussão produção/consumo de conhecimento mais adiante, cabe aqui destacar a justificativa do emprego do termo sem dicotomizar produção e consumo, uma vez que, na perspectiva da Teoria da Atividade Cultural-Histórica:

[...] buscamos explicitar que indivíduo e coletivo não são processos distintos, nem tampouco que há um dualismo entre produzir e consumir conhecimento. O desenvolvimento humano é sempre um processo no qual estas duas faces (produção/consumo) se fazem presentes. A cada nova transformação da realidade, os indivíduos o fazem lançando mão de objetivações humanas historicamente formadas (linguagem, modos de ser etc.) que, na transformação que operam produzem novos conhecimentos, que podem se generalizar para outras situações ou desaparecer por não mais serem apropriadas. (CAMILLO, 2015, p. 212).

Esperamos, então, contribuir para esse campo de debate e trazer subsídios para a educação em ciências, que é precisamente, o lugar de onde partimos para realizar nossas reflexões.

Pressupostos teórico-metodológicos para capturar o desenvolvimento das ondas gravitacionais como possíveis objetos educacionais

Nesta seção apontamos brevemente alguns elementos da Teoria da Atividade Cultural-Histórica a fim de ilustrar os caminhos que nos permitirão realizar as análises. Nesse sentido, buscaremos capturar o desenvolvimento destas ondas gravitacionais na atividade humana como processos, de modo a superar a sua concepção como objetos isolados em si mesmos.

É por meio da atividade que todas as potencialidades humanas passam a existir. As ciências, as artes, e as formas de produzir/consumir conhecimento têm a possibilidade de serem acumuladas e transformadas ao longo da história. Dentro desta perspectiva, não existem potencialidades humanas - tampouco existe vida humana - fora das atividades, nem existe atividade que não tenha intencionalidade e que não esteja comprometida com alguma transformação da realidade. As atividades humanas e suas intencionalidades "[...] estão no próprio fundamento e são formadoras de tudo o que é humano nos humanos" (STETSENKO, 2005, p. 72, tradução nossa). Nesse sentido:

O lugar que a Ciência, ou qualquer forma relativamente autônoma de atividade humana, ocupa na totalidade da sociedade assume formas bastante diferenciadas em diferentes momentos, postas pelos problemas histórico-sociais concretos de cada época. Neste sentido, uma forma específica de objetivação não contém em-si a capacidade de desempenhar um papel humanizador ou desumanizador, isso somente se dá pelas relações que estabelece com a cadeia de relações estabelecidas historicamente, sua função social. (CAMILLO, 2015, p. 192).

Também a educação em ciências assume formas diferenciadas em diferentes momentos históricos, estabelecendo diferentes relações que transformam e são transformadas historicamente. Os processos educacionais (tomados no sentido lato) participam da (re)produção da vida humana.

As ondas gravitacionais, nessa perspectiva, são objetivações. Sintetizam atividades e podem ser apropriadas por novas atividades (o capitalismo, no entanto, faz com que só uma parcela de pessoas possa produzir e apropriar-se delas no seu desenvolvimento). Sendo objetivações humanas, são localizadas no tempo e no espaço (são históricas), no sentido que se desenvolvem e estão em constante transformação, na medida em que também produzem transformações na realidade. Ou seja, as ondas gravitacionais são a síntese de um complexo de atividades que é capaz de operar transformações na realidade ao passo que produzem novas formas de ser humano. Assim, quanto mais se produzem ondas gravitacionais, mais os cientistas engajados nessa produção vêm-a-ser cientistas de ondas gravitacionais.

De uma maneira ou de outra, a literatura específica tem apontado a necessidade de que exista maior consistência nos referenciais teórico-metodológicos para subsidiar reflexões sobre ciência - que podem se efetivar, por exemplo, por meio da Natureza da Ciência - na formação de estudantes e professores (COFRÉ et al., 2019). Entendemos que a Teoria da Atividade Cultural-Histórica possui tal consistência, na medida em que nos permite analisar as objetivações e apropriações humanas, o que inclui a ciência, sem dicotomizar indivíduos e sociedade, e tomando o conhecimento como imanente das práticas humanas concretas e não como um reflexo passivo de uma realidade imutável. Os indivíduos são, então, agentes da transformação social, produtores e reprodutores da vida humana e da sua própria história. Produção de ciência e educação (em ciência) não são ontologicamente distintas, mas faces de um mesmo processo de conhecer, transformar a realidade e tornar-se humano (STETSENKO, 2017). As possíveis rupturas entre aqueles que supostamente produzem conhecimento e aqueles que são simplesmente consumidores deve-se unicamente a uma estrutura social opressiva (que opera para não permitir que os indivíduos tomem a história como projeto e possam emancipar-se) e não pela natureza própria dos seres humanos e do conhecimento produzido (CAMILLO, 2015).

Diante disso, para que possamos desenvolver possibilidades concretas que permitam aos indivíduos tomar o processo educacional como projeto, deve haver uma coerência entre a análise histórica do desenvolvimento da ciência e os pressupostos educacionais. A educação em ciências, então, na perspectiva de tornar-se uma destas possibilidades concretas de emancipação humana, não pode tratar a ciência como apenas um produto da atividade humana, transportando as discussões e reflexões sobre ciência como acabadas e imutáveis para a sala de aula, pois isso implicaria em um vazio entre os problemas históricos que permitiram a emergência de determinados conhecimentos científicos e os problemas educacionais.

De maneira geral, tal vazio desconsidera as contradições sempre presentes no desenvolvimento das atividades humanas, como por exemplo, concepções sobre ciência que a entendem como processos desenvolvidos unicamente por gênios que isoladamente realizam descobertas, ignoram que o desenvolvimento de um indivíduo não está desvinculado do desenvolvimento da sociedade na qual este está inserido. Qualquer tentativa então de colocar o indivíduo como unidade de análise e o início e o fim de qualquer processo é, no mínimo, limitada/parcial, pois desconsidera as atividades humanas enquanto práticas coletivas de transformação da realidade (CAMILLO; MATTOS, 2019).

A Teoria da Atividade Cultural-Histórica permite iluminar a natureza contraditória do conhecimento/desenvolvimento, considerando as contradições como motoras das atividades. Não há sentido em se falar de produção da ciência apartada do seu contexto histórico e tampouco de produção sem consumo. Portanto, o apagamento ou a tentativa de esconder tais contradições, não fazem com que estas sejam superadas. Nesse sentido, por exemplo, na educação em ciências, podemos destacar que as "[...] contestações, contradições e dissensos são as próprias práticas que formam a ciência e o conhecimento" (STETSENKO, 2017, p. 44, tradução nossa), de modo que esse é um dos fundamentos da Teoria da Atividade Cultural-Histórica e das perspectivas dialéticas sobre o desenvolvimento humano de maneira geral.

Adotaremos nas nossas análises, à luz da Teoria da Atividade Cultural-Histórica, a perspectiva de considerar as ondas gravitacionais como nosso objeto de análise. Assim, por meio delas, é possível compreender as maneiras pelas quais atividades produzem ondas gravitacionais, de modo a considerar que "[...] as atividades são o tecido da realidade humana e que a ciência tem sua origem nos complexos processos de transformação da realidade operados pelos seres humanos" (CAMILLO; MATTOS, 2019, p. 98). Ou seja, nossa análise será no sentido de que as ondas gravitacionais não podem ser reduzidas somente a representações isoladas, reificadas (ou idealizadas) como coisas, mas serem entendidas como processos que historicamente transformam a realidade.

Ondas gravitacionais: consequência natural da relatividade geral?

Apesar da concepção amplamente difundida de que as primeiras pesquisas envolvendo ondas gravitacionais remetem aos trabalhos de Albert Einstein (1879-1955) em 1915 com a formulação da Relatividade Geral (ABBOTT et al., 2016; LEVIN, 2016), estas começaram um pouco antes e constituem-se a partir da contribuição de vários cientistas, não somente de Einstein.

Um dos pioneiros foi o inglês Oliver Heaviside (1850-1925), que devido à sua pesquisa envolvendo eletricidade, nas possíveis relações desta com a gravitação universal, fez incursões teóricas a respeito das formas pelas quais a gravidade se propagaria e, em 1893, produziu um ensaio sobre o tema, intitulado A gravitational and electromagnetic analogy. Heaviside (1893) não discute neste ensaio que a gravidade se propagaria à velocidade da luz, conforme é sabido hoje, provavelmente porque neste momento histórico a hipótese do éter luminífero estava em voga. Entretanto, Heaviside, por se opor à concepção de que a gravidade se propagaria de maneira instantânea, discute que esta se "propaga no tempo, embora imensamente rápido" (HEAVISIDE, 1893, p. 459, tradução nossa).

Heaviside (1893) discute tal propagação gravitacional como uma analogia ao trabalho de James Clerk Maxwell (1831-1879), tratando-as como uma consequência natural, de modo que considera, a partir da energia elétrica, que "a sugestão muito natural é que devemos tentar localizar a energia gravitacional de maneira semelhante" (HEAVISIDE, 1893, p. 455, tradução nossa). As ondas gravitacionais são, na perspectiva de Heaviside, a propagação da gravidade a uma velocidade finita, entendidas neste caso como um aparato teórico; uma analogia realizada a partir de outra teoria muito consolidada, como o eletromagnetismo, e que deveria ser pesquisada e que seria consequentemente (ou naturalmente) detectada.

Nessa perspectiva, Henri Poincaré (1854-1912), a partir dos trabalhos que desenvolvia a respeito da Relatividade Especial considera, em 1906, que a velocidade de propagação das ondas gravitacionais trata-se da velocidade da luz. Poincaré realiza suas contribuições inspirado pelo trabalho de Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928), que também estava envolvido com Relatividade Especial nesta época.

Poincaré discute em seu ensaio Sur la dynamique de l’eléctron [On the dynamics of the electron] algo que serviu de base para impulsionar pesquisas subsequentes: a possibilidade das ondas gravitacionais transportarem energia (POINCARÉ, 1906). Nesse momento, para Poincaré (1906), as ondas gravitacionais são consequências naturais de analogias eletromagnéticas, tendo em vista que o trabalho de Lorentz no qual Poincaré se baseou dizia respeito à mecânica relativística de partículas elétricas. No entanto, a partir das ondas gravitacionais desenvolvidas por Poincaré, torna-se possível realizar hipóteses acerca da existência física de tais ondas.

Em 1936, Einstein e Nathan Rosen (1909-1995), publicam um artigo discutindo a inexistência das ondas gravitacionais, considerando que a solução das equações de campo de Einstein resultaria em uma singularidade espaço-temporal. Este artigo foi submetido ao Physical Review e muito criticado, por conter erros, o que faria com que Einstein retirasse o artigo de circulação para que esse não fosse mais publicado, pois não concordava com as críticas negativas a respeito das soluções para as equações de campo resultar em singularidades. Nessa época, destaca-se ser “[...] notável que nesta fase de sua carreira Einstein estava preparado para acreditar que as ondas gravitacionais não existiam” (INFELD, 1980 apud KENNEFICK, 2005, p. 43, tradução nossa). Somente com o término da parceria com Rosen e a chegada de um novo assistente, Leopold Infeld (1898-1968), Einstein “[...] se convenceu da existência de ondas gravitacionais, enquanto Nathan Rosen sempre pensou que elas eram apenas uma construção matemática formal sem significado físico real" (CERVANTES-COTA; GALINDO; SMOOT, 2016, p. 5, tradução e grifo nosso).

Alguns anos depois, em 1957, em uma conferência sobre gravitação realizada em Chapel Hill, alguns físicos, como Richard Feynman (1918-1988) e Joseph Weber (1919-2000), discutiam sobre as possibilidades experimentais de detectar ondas gravitacionais; estas discussões fomentaram pesquisas que contribuíram para a construção do Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (LIGO), experimento por meio do qual, ondas gravitacionais foram detectadas em 2015 e 2016.

Nesta conferência, Feynman propôs um experimento mental para detectar ondas gravitacionais. Esse experimento ficou conhecido como sticky bead argument e consistia em uma barra onde dois pequenos anéis estivessem dispostos de modo que, ao serem perturbados por ondas gravitacionais, movimentar-se-iam, realizando trabalho e produzindo calor por meio de atrito com a barra. O experimento mental de Feynman influenciou Weber, sendo que este "[...] ficou fascinado por discussões sobre ondas gravitacionais e decidiu projetar um dispositivo que pudesse detectá-las" (CERVANTES-COTA; GALINDO; SMOOT, 2016, p. 10, tradução nossa).

Apesar dos esforços de Weber, esse não conseguiu detectar nenhuma onda gravitacional, porém nunca desistiu de seu empreendimento (LEVIN, 2016). No entanto, a dificuldade em realizar tal detecção, inspirou alguns físicos do final da década de setenta a iniciarem pesquisas que se constituiriam futuramente no LIGO, e permitiram, como discutiremos na próxima seção, compreender ondas gravitacionais como aparato experimental.

Ondas gravitacionais: aparato experimental

Um dos físicos que, a partir do final da década de setenta, estivera envolvido com projetos que culminariam no LIGO, é o estadunidense Kip Thorne (1940-), que juntamente a Rainer Weiss (1932-) e Barry Barish (1936-) recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2017 pela detecção das ondas gravitacionais. A pesquisa de Thorne sempre esteve voltada para a Relatividade Geral, sendo este entusiasta de que a detecção das ondas gravitacionais causaria uma revolução na Física, especialmente na Astrofísica, pois poderíamos nos comunicar com o universo por meio de gravidade. Em uma de suas manifestações a respeito da possibilidade de detecção, Thorne tratou de especulações/predições a respeito da pesquisa envolvendo ondas gravitacionais, de modo que destacou que estas estariam relacionadas à predição de Einstein das ondas gravitacionais em 1915 e que seriam "[...] provadas ou refutadas muito antes da minha próxima festa de aniversário" (THORNE, 2002, p. 32, tradução nossa).

Já destacamos aqui que trabalhos sobre as ondas gravitacionais começaram antes de 1915 e que Einstein só considerou sua existência a partir de 1936, de modo que não é este ponto que trataremos, mas queremos problematizar, nesta seção, por meio da ideia das ondas gravitacionais como aparato experimental, as possíveis relações existentes nas detecções destas ondas, realizadas pelo LIGO em 2015 e 2016.

Apesar de Thorne estar desde a década de 1970 trabalhando com Relatividade Geral, somente em meados dos anos 2002 ele, Weiss e Barish começam a construção de protótipos experimentais que inspiraram a construção do LIGO para, a partir de 2010, começarem a desenvolver experimentos e tentativas de detecção. Nesse ponto, tratamos que as ondas gravitacionais são aparato experimental não porque não são realizadas reformulações ou questionados os pressupostos teóricos, mas porque no foco das pesquisas sobre ondas gravitacionais orbitava a noção de ‘experimento’ e 'inovação tecnológica', como se as ondas tivessem se tornado os experimentos desenvolvidos para detectá-las. Nesse momento, o LIGO é entendido como "[...] ponto culminante de carreiras inteiras e de décadas de inovação tecnológica" (LEVIN, 2016, p. 9).

Ou seja, a partir de 2002, as ondas gravitacionais foram ‘coladas’ à concepção de 'empreendimento experimental', 'inovação tecnológica', dentre outras concepções que remetessem a aparatos experimentais, como se a única forma destas ondas existirem fosse por meio do LIGO. A noção das ondas gravitacionais como sendo o LIGO simboliza tanto a possibilidade de detectá-las como de afirmar a existência de buracos negros e outras formas de singularidades gravitacionais. Nesse aspecto, o LIGO e os projetos a ele atrelados, "[...] completarão a transformação de buracos negros de entidades puramente teóricas em objetos para a exploração observacional" (THORNE, 2002, p. 5, tradução nossa). Em suma, nesse contexto, as ondas gravitacionais eram o LIGO e todo tipo de aparato experimental ou teste prático atrelado a ele.

Nessa perspectiva, a detecção de ondas gravitacionais relacionava-se à ideia de ‘prova’ ou ‘reforço’ da Relatividade Geral, focando estritamente nas contribuições de Einstein, destacando que a detecção "[...] confirma a última previsão não comprovada da Relatividade Geral [...] e valida suas previsões de distorção espaço-temporal"

(CERVANTES-COTA; GALINDO; SMOOTH, 2016, p. 27, tradução e grifo nosso). Nesse sentido, a detecção supostamente funcionaria como uma ‘prova das predições de Einstein’ e não com outra atividade, de outra natureza e objetivos, por exemplo. Ainda, se novamente, de maneira descontextualizada, considerarmos que Einstein estava trabalhando nas ondas gravitacionais já desde 1915, a detecção pode ser compreendida, equivocadamente, como uma 'prova centenária', de modo que com "[...] essa detecção única, o LIGO marcou o centenário da Teoria Geral. Einstein apresentou a descrição geométrica da gravitação em 25 de novembro de 1915" (LEVIN, 2016, p. 157).

Apesar de destacarmos que a detecção das ondas gravitacionais deva ser compreendida para além de unicamente ‘prova centenária’ do trabalho de Einstein, não significa que a detecção não simbolize um tremendo avanço na Física e na pesquisa envolvendo gravitação de maneira específica. No entanto, aparentemente, mesmo a partir das discussões que apontam para Einstein ter considerado a existência das ondas gravitacionais, duas décadas depois da formulação da Relatividade Geral, e esta ter sido um projeto que envolveu diversos cientistas, ainda representações da detecção pelo LIGO de maneira reificada (ou coisificada), isolada em si, como ‘prova da Relatividade Geral’ são encontradas.

Ondas gravitacionais como atividade

Seja como ‘consequência natural da teoria da relatividade’ ou como 'aparato experimental', estas se constituem como formas reificadas/coisificadas das ondas gravitacionais e, portanto, apaga os processos contraditórios que são/foram superados pela atividade a partir da qual a ondas gravitacionais são produzidas. Tratamos então, na presente seção, de nos debruçar sobre esta natureza contraditória, ou seja, de tratar ondas gravitacionais como atividade. Por meio da atividade, as ondas gravitacionais são produzidas (se objetivam) - ganham existência na realidade humana - e podem ser apropriadas em outras atividades que continuamente transformam a realidade, uma vez que "[...] aparecem co-evoluindo e existindo através de constantes reconstituições e pelos processos ativos de transformação do mundo" (STETSENKO, 2005, p. 83, tradução nossa).

Não significa que as duas formas reificadas sejam simplesmente falseadoras daquilo que as ondas são. Aqui, ser significa ser em atividade, não como uma existência absoluta. Tais formas reificadas são produzidas por uma determinada forma de conceber o conhecimento como um simples reflexo fiel a uma realidade externa, de modo que na perspectiva da atividade, essa forma de concebê-lo precisa ser problematizada.

Cada uma destas reificações é também uma objetivação das ondas gravitacionais, realizadas pela apropriação destas por parte dos sujeitos, nas atividades humanas. Neste conjunto de atividades, apropriação e objetivação não se dicotomizam, uma vez que a realidade é transformada e "[...] o estabelecimento de novas atividades (e práticas sociais) se dão por meio da apropriação de objetivações de atividades anteriores, ao mesmo tempo em que se objetivam como a nova realidade humana" (CAMILLO, 2015, p. 85). É nessa perspectiva que as ondas gravitacionais são apropriadas/objetivadas pelos sujeitos de maneira a permitir a construção coletiva da história, buscando superar contradições.

No entanto, faz-se necessário diferenciar reificação de cristalização, por exemplo. No desenvolvimento das atividades humanas, ocorrem estabilizações das ferramentas e meios pelos quais a realidade é transformada, permitindo que novas sínteses sejam produzidas, de modo que podemos considerar estas estabilizações como cristalizações. As reificações, no entanto, são processos pelos quais a natureza contraditória da realidade é escondida e representada em uma coisa isolada, como se entender essa coisa significasse entender toda a malha de relações que se estabelecem na totalidade das atividades humanas. O processo de reificação é, portanto, um fetiche, enquanto a cristalização é a expressão da estabilidade dos próprios meios de produção e transformação da realidade em dado momento histórico (CAMILLO; MATTOS, 2019).

Assim, as ondas gravitacionais são processos por meio dos quais as atividades de transformação da realidade humana permitem a emergência de uma nova natureza da gravidade, de modo que a realidade natural é transformada pela atividade humana ao mesmo tempo em que a transforma. Para exemplificar esta perspectiva de transformação, podemos tratar da maneira como os objetos apropriados pelos sujeitos nas atividades humanas tornam-se extensões dos próprios seres humanos, no desenvolvimento do trabalho, das atividades de produção e reprodução da vida humana:

Mesmo os céus estrelados, nos quais o trabalho humano ainda não podia realmente alterar nada, tornaram-se objeto de alteração e contemplação do homem quando foram transformados pela sociedade em um meio de orientação no tempo e no espaço, em uma "ferramenta" da atividade da vida do organismo do homem social, em um “órgão” de seu corpo, em seu relógio natural, bússolas e calendários. (ILYENKOV, 2009, p. 149, tradução nossa).

Ou seja, as ondas gravitacionais tornam-se os processos por meio dos quais os seres humanos desenvolvem coletivamente atividades de transformação da realidade, de onde tanto uma nova natureza da gravidade quanto novas formas de reprodução da vida - novas ferramentas e órgãos do ser humano social - emergem. Quando na seção sobre as ondas como aparatos experimentais apresentamos o entusiasmo de Thorne (2002) em relação à possibilidade da detecção das ondas gravitacionais como uma nova forma de nos comunicarmos por meio da gravidade, poderíamos tratar as ondas gravitacionais como ferramentas, órgãos de extensão das nossas atividades de produção e reprodução da vida. Nesse sentido, poderíamos, por meio da apropriação das ondas gravitacionais (como síntese de múltiplas atividades), complexificar as formas de nos comunicarmos, estendendo as capacidades humanas, de maneira similar ao modo como a bússola, o telescópio e outros objetos nos permitem complexificar e estender nossas capacidades de localização no mundo/universo.

A não separação entre apropriação e objetivação, relaciona-se, portanto, à não separação entre sujeito e objeto nas atividades humanas. Desta forma, revisitando os exemplos de Heaviside e Poincaré, é pouco útil olhar para as atividades desenvolvidas de maneira linearizada, considerando que estes pesquisadores ainda não sabiam determinadas propriedades das ondas gravitacionais porque lhes faltavam a percepção da ‘realidade objetiva’ que 'já estava lá à sua espera'. Assim, o que deve ser considerado é que dado o contexto histórico, naquele momento não foi possível realizar as apropriações/objetivações necessárias para sintetizar o objeto onda gravitacional tal qual conhecemos hoje:

Neste processo [de transformação da realidade] as potencialidades humanas, o que inclui a consciência, a individualidade, as artes, a ciência etc., podem objetivar-se de forma cada vez mais ricas e mais complexas. É neste sentido que uma transformação objetiva da realidade opera também uma transformação no plano subjetivo: a individualidade humana poderia desenvolver-se de maneira ilimitada (o que valeria para a totalidade dos indivíduos humanos) se impedimentos concretos e desumanizadores, oriundos de determinados modos de reprodução da vida social, fossem superados. (CAMILLO, 2015, p. 85).

Ou seja, as condições sociais/materiais que dispomos atualmente não eram as mesmas naquele contexto histórico, de modo que a realidade - e concomitantemente a transformação desta - não são também alheias à tais condições, às forças produtivas.

Da mesma forma, olhar para as representações das ondas gravitacionais isoladamente como consequência natural (objeto puramente teórico) ou como aparato experimental (objeto puramente prático) é dicotomizar teórico e experimental - uma concepção equivocada da capacidade humana de transformar a realidade - como se as transformações concretas fossem realizadas somente quando testamos de forma prática algum conceito ou corpo teórico, isoladamente, descolado dos contextos concretos de sua produção:

Se queremos descrever a natureza de uma certa maneira (por exemplo, como 'elétrons'), então temos que mostrar que a natureza pode ser descrita dessa maneira (por exemplo, que o elétron tem uma certa razão de carga para massa, ou que seu pacote de ondas tem uma certa amplitude) - assim como o átomo é, por um lado, um modelo mental, por outro lado, uma coisa que Rutherford conseguiu dividir. (ROWLANDS, 2000, p. 544, tradução nossa).

É necessário compreendermos que o desenvolvimento teórico dos objetos de estudo está relacionado às atividades de forçar / tensionar / curvar a natureza à lei / conceito / idealização / modelo em desenvolvimento. No caso das ondas gravitacionais, quando descrevemos a gravidade por meio delas é necessário forçar / tensionar /curvar a natureza na forma de apropriar-se dela, de modo que essa não seja apenas descrição, mas sim uma forma de operar - e transformar - a realidade concretamente.

No mesmo sentido que os constructos teóricos não são reducionismos puramente abstratos da realidade, de maneira dialética, as atividades experimentais não são apenas formas práticas de explorar tais constructos. Desta forma, toda vez que estabelecemos atividades relacionadas a esses constructos estamos transformando a realidade, constantemente testando nossas leis e conceitos, modelos e idealizações (CAMILLO; MATTOS, 2019). Utilizamos o termo constantemente para explicitar a constante operação com a realidade por meio do teste das ondas gravitacionais, de modo que toda atividade estruturada se apropria/objetiva estas ondas gravitacionais, operando com a malha de relações que por meio dela/nela se estabelecem. Ou seja, no caso das ondas gravitacionais, o LIGO, como sistema de atividades, é capaz de objetivar meios para transformar a realidade.

Teoria e prática relacionam-se em constante tensionamento da realidade pois não se dicotomizam na perspectiva de transformação. Tensionamentos teóricos ou experimentais constituem-se como formas de operar na realidade, ao passo que podemos compreender os objetos de estudos como emergentes destas atividades de constantes tensionamentos e transformações e não como coisas isoladas que ‘surgem’ na atividade científica. Tais tensionamentos permitem a cristalização dos instrumentos de transformação da realidade, no sentido que por meio destas transformações tais ferramentas se estabilizam historicamente (CAMILLO, 2015; CAMILLO; MATTOS, 2019). As ondas gravitacionais são, portanto, cristalizadas por meio das atividades estruturadas e se estabilizam enquanto apropriação/objetivação no tempo e espaço, ou seja, historicamente localizadas, superando as contradições inerentes a tal realidade nesse tempo e espaço.

Por meio do LIGO, objetivam-se os meios pelos quais os sujeitos agem para/na transformação da realidade. As ondas gravitacionais são transformadas a partir dos trabalhos de Heaviside, Poincaré, Einstein dentre outros, nas ondas detectadas pelo LIGO em 2015 e 2016 por um processo histórico, de modo que as atividades que se organizam para tal detecção avançam, cristalizam suas ferramentas de transformação e se estabilizam necessariamente, pois tais atividades estão constantemente operando com a realidade, por meio da transformação desta e não somente no momento em que as detecções ocorrem. Nesse sentido, as ondas não existem a partir da detecção ou adquirem diferentes manifestações ao longo dos anos; elas se complexificam1 ao longo do tempo devido às atividades realizadas por meio delas, pois estas não existem descoladas destas atividades, do mundo, da vida humana de forma geral.

Nessa perspectiva, a cada novo trabalho / pesquisa / teste, a atividade científica e os sujeitos que a constitui convocam-nos a ‘pôr à prova’ - ou testar/adicionar contextos - nas ondas gravitacionais, de modo que entramos na malha de relações pelas quais tais ondas são cristalizadas. Olhando para estas atividades podemos considerar as ondas gravitacionais como processos, de modo a compreender a "[...] totalidade de relações que são estabelecidas em torno deles (e sintetizadas por meio deles)". (CAMILLO; MATTOS, 2019, p. 113).

Desta forma, através das transformações operadas no mundo por meio de ondas gravitacionais - como no caso do LIGO ou de outras atividades que entrem nesta malha de relações da Física e/ou da Relatividade Geral especificamente, por exemplo - estamos testando, pondo à prova, a totalidade das ondas gravitacionais; de modo que estas se transformam e evoluem como os sujeitos que nessas atividades se envolvem. Nesse sentido, as ondas gravitacionais são compreendidas como processos e não como coisas isoladas em si mesmas. São históricas, de modo que, por meio destas objetivamos/produzimos história ao mesmo tempo em que nos apropriamos e nos objetivamos enquanto sujeitos históricos.

Iniciamos o trabalho destacando que as ondas gravitacionais ‘aparentemente pertenceriam’ somente à ciência, justamente para indicar que, tratando tais ondas gravitacionais como processos em um ponto de vista complexo, não consideramos interpretar tais ondas como objetos ‘pertencentes’ de forma idealizada a somente um conjunto de atividades. Isto não significa que não consideramos, de maneira concreta, a existência de ondas gravitacionais como deformações do espaço-tempo que se propagam à velocidade da luz. Não significa também que consideramos que não existam atividades específicas - por exemplo, as pesquisas envolvendo Relatividade Geral - compromissadas com tais ondas gravitacionais como objetos de estudo e capazes de realizar profundas explicações/transformações por meio destas.

A fim de explorar um pouco mais essa compreensão, discutiremos um exemplo dado por (citação suprimida) a respeito da transformação da realidade na atividade de um marceneiro que busca transformar a madeira para a confecção de um objeto:

Para que a madeira seja transformada, o marceneiro lança mão de uma série de instrumentos que já estão prontos e disponíveis para ele (formão para esculpir a madeira, por exemplo) - instrumentos que se formaram/estabilizaram ao longo da história da marcenaria e dos trabalhos artesanais, ou seja, no interior de práticas sociais nas quais desempenham uma função. Cada situação, porém, na qual tais instrumentos são utilizados é singular, único na sua totalidade: um pedaço de madeira nunca é idêntico ao outro, aquilo que um cliente encomenda não é exatamente igual ao que fez anteriormente e assim por diante. Em face desta singularidade sempre presente e não suprimível da prática concreta (e podemos extrapolar esta característica para todas as práticas humanas), toma lugar um processo (unitário) por meio do qual, primeiramente (não em ordem cronológica, ou numa sequência causal), objetiva-se os meios de ação do marceneiro: o marceneiro, apropriando-se dos instrumentos disponíveis, inicia a transformação da madeira e, portanto, testa os limites de tais instrumentos no que diz respeito a sua capacidade de responder às necessidades de transformação deste objeto singular. (CAMILLO; MATTOS, 2019, p. 110).

Considerar as ondas gravitacionais como objeto exclusivo da Física é apenas uma das formas de se operar com elas. No entanto, no que diz respeito à totalidade da produção humana histórica, e das ondas como processos historicamente situados, as ondas são também objetos de produção e reprodução das potencialidades humanas e, portanto, educacionais.

Tais ondas gravitacionais, assim como outros objetos de estudo, adquirem novos tratamentos e, por meio destes, novas atividades com diferentes motivos se estabelecem quando estes objetos estão presentes em atividades educacionais. Ondas gravitacionais não representam um único objeto com características fixas e imutáveis que só dizem respeito à Relatividade Geral, ou mesmo ao LIGO. Em atividades educacionais elas são apropriadas e transformadas - e, portanto, constantemente tensionadas/testadas - constantemente no desenvolvimento destas atividades.

Conclusão

Considerando as discussões que realizamos aqui, ressaltando a importância das reflexões sobre ciência, traçaremos uma conclusão que envolve problematizar a noção de relevância social da ciência. Isto se deve à constatação de que essa relevância é importantíssima e deve ser tratada na educação em ciências, mas não é garantida em si mesma, como se todos os sujeitos considerassem tal relevância como um princípio, um valor fixo (CAMILLO; MATTOS, 2019).

Notamos que tal relevância, portanto, não está 'dada', principalmente se considerarmos os atuais movimentos negacionistas da ciência, como o terraplanismo, movimentos antivacinas, negação do aquecimento global, negação da história do período de ditadura militar no Brasil, a mais recente relativização da gravidade da pandemia da COVID-19, dentre outras. Nesse sentido, justificamos a importância destas reflexões sobre ciência serem realizadas, na educação em ciências, por meio da Natureza da Ciência numa perspectiva dialética do desenvolvimento humano. No nosso caso, tal perspectiva é desenvolvida por meio da Teoria da Atividade Cultural-Histórica.

A importância de demarcar tal perspectiva por meio da Teoria da Atividade Cultural-Histórica se estabelece para nós à luz da necessidade, destacada por Cofré et al. (2019) como um problema ainda em aberto, da carência de um referencial que nos auxilie a compreender como realmente estudantes e professores aprendem Natureza da Ciência. Destacamos ainda, que é a partir da consideração deste problema em aberto que a complexidade de se realizar reflexões sobre ciência na educação em ciências torna-se explícita, pois envolve compreender questões relativas ao desenvolvimento humano, problematizando a concepção de que encontrando a abordagem/proposta mais adequada tal problema seria resolvido, como se este fosse apenas uma questão de viés instrumental/subsidiário. Tal complexidade se apresenta e é esvaziada se a tratarmos somente por esse viés, pois este operaria por meio de incoerências, como a de dicotomizar ensino e aprendizagem, como se estes fossem fenômenos claramente independentes ou, ainda, de crer na possibilidade de separar tais reflexões sobre ciência em discussões epistemológicas, axiológicas e ontológicas, também como se estas não fossem dependentes e estruturantes uma da outra (CAMILLO, 2015).

As ondas gravitacionais, assim como outros objetos, não devem ser concebidas como pertencentes exclusivamente à Física ou aos cientistas, uma vez que são frutos da própria humanidade em seu desenvolvimento. É preciso, então, que tais objetos efetivamente adentrem o campo educacional, que sejam democratizados por meio das atividades educacionais que permitam realizar reflexões sobre ciência na educação em ciências, e para tais reflexões constituam-se de apropriações concretas por parte dos sujeitos (estudantes e professores) com possibilidade efetiva de promover transformações no sentido da emancipação humana.

1

Seremos cuidadosos ao utilizar o termo complexificação. Neste trabalho não é nosso objetivo aprofundá-lo teoricamente.

No entanto, dentre diversas interpretações, buscaremos tratá-lo como oposição às dicotomizações e reducionismos que consideram cada nova explicação como uma redução de contextos, e não como processos de transformação. Tais reducionismos, usualmente presentes em tratamentos unitários na perspectiva da lógica formal, operam com redução de contextos como se a cada novo olhar sobre determinado objeto, as determinações realizadas por meio destes seriam pasteurizadas, revelando sua essência objetiva e supostamente neutra. Como operamos em uma perspectiva dialética, tais reducionismos não fazem sentido, pois compreendemos que a cada novo olhar, nova explicação, estamos transformando tais objetos, adicionando contextos e determinações concretas e não reduzindo. Assim, a essência destes objetos se manifesta por meio de tais determinações concretas e não como entidades descoladas das atividades de transformação da realidade.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro por meio da concessão de bolsa de estudos para Pós-Graduação, bem como à sociedade brasileira representada nestes órgãos de fomento à pesquisa.

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Recebido: 25 de Fevereiro de 2021; Aceito: 11 de Junho de 2021

Autor correspondente: joao.otavio.garcia@posgrad.ufsc.br

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