SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28Negacionismo científico e crítica à Ciência: interrogações decoloniaisÁrea como grandeza geométrica: direcionamentos dos PCN e da BNCC com ênfase nas representações semióticas índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Ciência & Educação

versão impressa ISSN 1516-7313versão On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.28  Bauru  2022  Epub 09-Mar-2022

https://doi.org/10.1590/1516-731320220002 

Artigo Original

O ensino de ciências a partir da temática Mineração: uma proposta com enfoque CTS e três momentos pedagógicos

Science teaching based on the topic of Mining: a proposal with an STS focus and three pedagogical moments

Bruna Costa de Souza1 
http://orcid.org/0000-0001-7276-1675

Juarez Melgaço Valadares2 
http://orcid.org/0000-0001-8950-1490

1Secretaria Municipal de Educação, Betim, MG, Brasil.

2Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Faculdade de Educação, Belo Horizonte, MG, Brasil


Resumo:

A mineração representa um desafio do ponto de vista sustentável, por ser uma atividade que provoca impactos diretos para o meio ambiente, conforme observado nos crimes socioambientais ocorridos no estado de Minas Gerais. Este trabalho teve como principal objetivo avaliar quais foram as mudanças de concepção apresentadas pelos estudantes do Ensino Médio sobre esse impacto, após a aplicação de uma sequência didática com enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade associado com a dinâmica dos três momentos pedagógicos (3MP), baseada nos princípios de Paulo Freire. A sequência didática foi composta por seis aulas, com as atividades: análise de imagens, reportagens e documentários, jogo de tabuleiro, visita orientada, debates e estudo de caso. Os resultados revelam que a dialogicidade presente nas atividades em todos os três MPs potencializou o processo de ensino e de aprendizagem, pois os alunos conseguiram incorporar, aplicar, posicionar e tomar decisões em assuntos relacionados à temática trabalhada, incluindo aspectos políticos, sociais, ambientais, econômicos e científicos.

Palavras-chave: Sequência didática; Ensino médio; Ensino de biologia; Ciência; tecnologia e sociedade

Abstract:

Mining represents a challenge from the viewpoint of sustainability, as it is an activity with direct impacts on the environment, as it can be seen in the socio-environmental crimes that occurred in the state of Minas Gerais, Brazil. The main objective in this study was to evaluate what were the conception changes presented by high school students regarding this issue, after the application of a didactic sequence following an STS approach associated with the dynamics of the three pedagogical moments (3MP) based on Paulo Freire's principles. The didactic sequence consisted of 6 classes, using the following activities: image analysis, reports and documentaries, board games, guided visit, debates and case studies. The results show that the dialogic features of the activities in all three MPs enhanced the teaching / learning process, as the students were able to incorporate, apply, take a stand and make decisions on issues related to the theme, including the political, social, environmental, economic and scientific aspects.

Keywords: Didactic sequence; High school; Biology teaching; Science; technology and society

Introdução

A mineração é uma atividade que traz desafios do ponto de vista da conservação ambiental, pois altera intensamente tanto a área minerada quanto as áreas vizinhas. Durante o processo de extração do minério, é necessário retirar a vegetação do local para a realização de profundas escavações no solo, produzindo grandes volumes de rejeito com altos teores de metais que impossibilitam a regeneração vegetal natural da área. Outros impactos estão associados aos efeitos danosos para o equilíbrio do ecossistema, considerando que a mineração destrói habitats e desconfigura a paisagem, resultando em perdas da diversidade da fauna e da flora. A mineração provoca, ainda, danos à saúde humana, uma vez que polui o ar por partículas suspensas ou por gases emitidos da queima de combustível. A atividade gera também poluição sonora, mediante emissão de ruídos e vibrações no solo, associados à operação de equipamentos e explosões, além da poluição das águas e dos solos (MECHI, 2010).

Além dos impactos citados, ocorreram recentemente no estado de Minas Gerais dois devastadores crimes socioambientais envolvendo rompimentos de barragens de mineração, provocando grande repercussão nacional e internacional acerca das consequências humanas, sociais, ambientais e econômicas relacionadas a esses desastres. A primeira delas ocorreu em novembro de 2015, na cidade de Mariana, em Minas Gerais e a segunda ocorreu em janeiro de 2019, em Brumadinho, também localizada no estado de Minas Gerais.

O desastre/crime socioambiental que ocorreu em Mariana foi causado pelo rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, uma empresa da Vale S. A. e da anglo-australiana BHP-Billiton (HELLER; MODENA, 2016). Esse desastre/crime ocasionou diversos impactos para o solo, para a vegetação, para os recursos hídricos e para a população. Além disso, intensificou os processos erosivos, provocando o assoreamento dos rios, principalmente do rio Doce, atingindo os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. As alterações físico-químicas no rio Doce resultaram em consequências diretas para a cadeia trófica, que inclui desde a comunidade planctônica até os mamíferos. Houve também impactos diretos para a vida e saúde da população do entorno de barragens, resultando em 19 óbitos, entre crianças e idosos (FREITAS; SILVA, MENEZES, 2016).

A tragédia/crime em Brumadinho ocorreu devido ao rompimento de uma barragem de rejeito proveniente da mina Córrego do Feijão, pertencente à mineradora Vale S. A. O mar de lama destruiu a sede administrativa da empresa e arrastou tudo que estava em seu caminho, provocando a morte de centenas de funcionários, além de arruinar com casas, vegetação e animais. Em função da presença da lama, o Rio Paraopeba foi decretado como morto, em decorrência da matança de peixes e de plantas aquáticas.

Apesar da relevância e urgência deste tema no cotidiano, dificilmente a mineração é um assunto abordado em sala de aula para os alunos de nível fundamental e médio. As diretrizes educacionais estabelecidas pela Secretaria de Estado de Educação (SEE) do Estado de Minas Gerais (MG), que regem a educação em âmbito regional sugerem trabalhar em sala de aula de forma interdisciplinar e contextualizada, assuntos como meio ambiente, biodiversidade, desenvolvimento sustentável, mencionando os principais impactos ambientais locais, no Brasil e no mundo (MINAS GERAIS, 2007). No entanto, não explicitam na proposta curricular o tema mineração.

Referencial teórico

Currículo numa abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)

Acredita-se que a temática mineração está diretamente relacionada com a abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), que interliga os avanços dos conhecimentos científicos e tecnológicos com suas consequências para a sociedade, o que a torna uma questão controversa. Além de ser um assunto considerado interdisciplinar, que envolve várias áreas do conhecimento. O principal objetivo dos currículos com ênfase em CTS é desenvolver nos alunos a capacidade de tomar decisão por meio de argumentos advindos da dimensão teórico-conceitual, sociocultural, jurídica e política. Além disso, tem como objetivo o desenvolvimento de valores como solidariedade, compromisso social, respeito ao próximo e generosidade.

A proposta de uma das abordagens CTS consiste em propor problemas contemporâneos para instigar os alunos a buscar o conhecimento necessário para interpretar e a se posicionarem em relação a essas situações, normalmente controversas. Além disso, espera-se incorporar o interesse e o conhecimento dos alunos nas situações de sala de aula, o que resultaria, na leitura dos autores deste artigo, em um aprender mais satisfatório (SANTOS, 2007).

O movimento CTS traz a discussão do exercício de uma cidadania plena e sua promoção na educação escolar. Tal concepção reflete, de certa forma, as interações entre os temas transversais do ensino (direitos humanos, meio-ambiente, orientação sexual, educação para a paz, direitos do consumidor, educação para um desenvolvimento sustentável etc.) e os conteúdos escolares (CARVALHO, 2013). Segundo a autora, à medida que o movimento CTS se afirma na educação e nas práticas escolares, as pessoas vão incorporando a ideia de que as preocupações ambientais são importantes. Observa-se a formação de um espírito de solidariedade e responsabilidade com o ambiente, uma dimensão ecológica. Trata-se, sobretudo, de um modo de ser e estar no mundo, em contraposição ao modo bélico de ser e produzir. Ao se promover o debate na escola sobre a realidade e a complexidade das comunidades humanas e não humanas do bairro e da cidade, do local e do global, haveria um processo de produção de atitudes relacionadas à educação ambiental em uma abordagem CTS, uma vez que:

Ao levar a cabo uma interrogação significativa da realidade, a escola estará promovendo experiências e provocando o pensamento crítico sobre os muitos modos possíveis – os existentes, os ecologicamente desejáveis e os não ecológicos – de habitar, viver e conviver no mundo desde uma perspectiva social e ambientalmente responsável. (CARVALHO, 2013, p. 121).

O movimento CTS implica na produção de juízos de valores, enquadrados por uma educação de cunho humanista e cidadã, preocupada com as questões e os desastres ambientais, fome e miséria do mundo, biodiversidade, processos de industrialização, desemprego, uso e produção de alimentos geneticamente modificados, crise de energia, enfim, com problemas sociais de complexidades diversas. É com essa orientação que se articula com a perspectiva freireana.

O ensino CTS na perspectiva freireana

A proposta de Paulo Freire é essencialmente uma pedagogia humanística, pois considera que a educação é um processo humanizador que está ancorada na geração e com transmissão de valores voltados para a promoção de homens e mulheres livres. A proposta é uma educação embasada em práticas dialógicas, isto é, inserir os alunos em contextos argumentativos sobre a temática em desenvolvimento. Esse processo dialógico consiste em valorizar o outro, criar uma pedagogia da pergunta, pois um não aprende sem o outro, aprendem juntas, e assim se fortalecem para agir no e sobre o mundo (FREIRE, 1970).

Freire (1970) afirma que problematizar é analisar criticamente os problemas que estão diretamente relacionados à realidade. Muitas vezes, é tornar visível aquilo que foi naturalizado fora da lente das pessoas. Esse processo acontece por meio da problematização das condições iniciais, pela colaboração e compartilhamento de ideias diversas vindas de várias áreas do saber, ou seja, é preciso que os sujeitos envolvidos descubram e dialoguem entre si sobre esta realidade com a finalidade de transformá-la. Isso implica em ações que envolvem confiança, credibilidade, amor, fraternidade, humildade e solidariedade (FREIRE, 1970).

Os três momentos pedagógicos (3MP)

Para desenvolver os momentos pedagógicos, buscou-se, inicialmente, uma sequência organizada por elementos vindos de uma abordagem CTS, associados às produções teóricas relacionadas aos 3 Momentos Pedagógicos propostos por Delizoicov e Angotti (1990), preceito apoiado em conceitos da teoria de Paulo Freire.

Identifica-se, nesses três momentos pedagógicos, conforme proposto pelos autores, um direcionamento para a elaboração e análise de uma proposta didática diferente, contendo etapas que buscam ampliar os conhecimentos científicos e tornar o aluno mais crítico e participativo ao longo de todo o processo. Pensar na Problematização, na Organização do Conhecimento e na sua Aplicação, em conjunto com os ditames CTS, traz outro olhar para a sequência didática produzida. Explorar tais momentos pedagógicos durante a construção e avaliação da sequência permitiu refletir sobre como tornar o ensino de ciências mais atrativo e interessante.

Essa dinâmica dos 3 MPs é resultante da transposição de conceitos retirados da teoria de Paulo Freire para o contexto da educação escolar. Portanto, possui como princípios fundamentais a dialogicidade, a problematização e o trabalho coletivo e interdisciplinar (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1990; DELIZOICOV; MUENCHEN, 2014). Essa postura dialógica dos 3 MPs se aplica tanto para a organização das atividades em sala de aula, quanto para a seleção dos temas e dos conteúdos, ou seja, à produção e ao replanejamento de uma configuração curricular (PERNAMBUCO, 2013).

Segundo Delizoicov e Muenchen (2014), a proposta dos três momentos pedagógicos (3MPs) – problematização inicial, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento – permite aproximar o docente do aprendiz, ampliar a participação e o diálogo entre eles, tornando-os autores desse processo.

A problematização inicial é o momento em que o professor apresenta aos alunos questões ou situações reais, relacionadas ao tema que será trabalhado. Os alunos são instigados a expor o que pensam sobre essas situações, possibilitando ao professor identificar os conhecimentos que os alunos mobilizam.

Paulo Freire (FREIRE, 1967) afirma que esses questionamentos que desafiam os estudantes são característicos dessa etapa e possibilitam a fuga de uma pedagogia da certeza, da resposta única, tão comum na concepção bancária da educação. Espera-se, a partir da problematização, avançar na direção da produção de uma curiosidade epistemológica, em que os alunos ampliam a capacidade de atuarem sobre o problema abordado, desnaturalizando o olhar sobre o contexto local.

A organização do conhecimento é o momento destinado ao estudo dos conhecimentos necessários, tanto dos componentes transversais quanto dos conteúdos disciplinares, para que os alunos compreendam, melhor e de forma mais abrangente, o tema e as situações trabalhadas na problematização inicial. Delizoicov e Angotti (1990) afirmam que o docente deve utilizar de diversos recursos para desenvolver esse momento: textos, experimentos, exposição, trabalho extraclasse, dentre outros.

O professor, nesta etapa, mantém a dialogicidade nas atividades propostas, ao aprofundar os conteúdos surgidos no momento da Problematização, mostrando aos estudantes os caminhos para a obtenção das possíveis soluções para as questões levantadas (DELIZOICOV; MUENCHEN, 2014).

Por fim, a aplicação do conhecimento se destina a sistematizar o conhecimento que foi incorporado pelo estudante, possibilitando avaliar a aplicação de tal conhecimento nas situações relacionadas ou não com as propostas iniciais. Delizoicov e Angotti (1990) reforçam que, nesse momento, o aluno deve compreender que o conhecimento é historicamente construído e que está acessível para todos. É importante que ele perceba também que, uma vez aprendido, o conhecimento deve ser aplicado e utilizado nas mais diversificadas situações.

Esta pesquisa promoveu entre os alunos uma discussão e reflexão sobre os aspectos controversos que permeiam a temática mineração, ou seja, fez uma análise dos benefícios e dos riscos que estão envolvidos com essa atividade. Essa proposta tinha como meta fazer o aluno refletir sobre as seguintes questões: no atual modelo de sociedade capitalista e globalizada em que estamos inseridos, a mineração pode ser considerada um mal necessário? Os riscos envolvidos no processo de mineração compensam os benefícios que a atividade gera economicamente? Quais são as alternativas para tornar o processo mais sustentável? Como se posicionar com relação a essa controvérsia? Além disso, buscou-se compreender e investigar como os alunos se envolveram em cada uma destas questões, quais conhecimentos mobilizaram e quais mudanças de concepção foram acontecendo ao longo de cada etapa da sequência produzida, e como a professora/pesquisadora sustentou cada uma delas.

Portanto, este estudo é orientado pela seguinte pergunta: Quais são as mudanças de concepção dos alunos sobre o tema mineração, numa abordagem CTS, após a realização de uma sequência didática construída a partir dos três momentos pedagógicos (3MPs)?

Metodologia

A pesquisa foi desenvolvida em uma escola da Rede Estadual de ensino na cidade de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, com uma turma do 3° ano do Ensino Médio matutino, composta por 34 alunos na faixa etária de 16 a 18 anos. A série escolhida para a aplicação da sequência se deu em função das recomendações do Currículo Básico Comum (CBC) de Biologia para o ano escolar. A pesquisa teve um caráter predominantemente qualitativo. Cada momento pedagógico da sequência teve duração aproximada de uma hora e quarenta minutos, o equivalente a duas horas/aula. Durante todo o desenvolvimento da pesquisa, os alunos permaneceram organizados em quatro grupos. A sequência foi composta por seis momentos, distribuídos da seguinte maneira:

Quadro 1 Sequência didática 

Momentos Descrição Atividades
1 Problematização inicial voltada para a controvérsia: importância da mineração para a sociedade versus seus danos ambientes. Montagem de um quadro comparativo a partir da seleção de imagens relacionadas aos produtos oriundos do processo de mineração e as consequências ambientais.
2 Compreensão dos conceitos metal, mineral e minério. Análise da tabela periódica e de diferentes rochas/minerais. Leitura de textos e apresentação das principais informações.
3 Discussão sobre a tragédia da Samarco em Mariana, estado de Minas Gerais. Visualização de documentários com relatos de moradores da região. Leitura de reportagens de jornal. Jogo de tabuleiro contendo como percurso o trajeto da lama gerada pelo crime ambiental.
4 Visita monitorada a mineradora Vale S.A. Montagem de álbuns de figurinhas (um por grupo), com as fotos feitas pelos próprios alunos e confecção de um relatório de saída de campo.
5 Estudo de caso com os trabalhadores ou ex-trabalhadores do setor mineral. Elaboração, realização e discussão, pelos alunos, das entrevistas.
6 Pesquisa e Debate. Discussão entre os grupos: júri simulado.

Fonte: elaborado pelos autores.

As descrições detalhadas de todas as atividades utilizadas durante esta sequência, incluindo as referências bibliográficas, regras do jogo de tabuleiro, detalhes sobre o álbum de figurinhas e as informações sobre as reportagens, podem ser visualizadas em Souza (2019).

Para detalhes, é possível consultar o produto educacional de Souza e Valadares (2020), disponível no repositório da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Análises e discussão

Os resultados revelam que o primeiro momento apresentava características de uma problematização inicial; os momentos 2, 3 e 4 se enquadram na categoria organização do conhecimento, sendo que o momento 2 possui aspecto característico de formação do conhecimento científico; e, nas atividades 3 e 4, notam-se aspectos científicos, tecnológicos, sociais e ambientais. Por fim, os momentos 5 e 6 possuem características do terceiro momento pedagógico, denominado aplicação do conhecimento. As atividades 5 e 6 possuem atividades tecnológicas e ambientais. Muitas questões que foram levantadas ao longo da sequência didática tinham mais do que uma resposta, e geravam debates e argumentações. Observou-se o surgimento da dimensão ecológica, de respeito e solidariedade pelo outro, mesmo que temporária. Foram escolhidos, para o acompanhamento, coleta e análise dos dados, três alunos da sala, denominados alunos 1, 3 e 6, com o propósito de observar de forma detalhada as mudanças de posicionamento/concepções que ocorreram durante a aplicação da sequência. Esses alunos foram escolhidos com base nos critérios assiduidade às aulas e participação durante as atividades.

Considerando-se que um dos objetivos desta pesquisa foi avaliar as respostas dos estudantes e as mudanças na visão dos alunos sobre as dimensões envolvidas na discussão do problema trabalhado, foram construídas algumas categorias para tal análise, baseadas no referencial – 3 MPs – e no comportamento e respostas dos próprios alunos ao longo de toda a sequência. O olhar dos pesquisadores se voltou, sobretudo, para as relações entre diálogo e práxis, presentes em cada um dos momentos pedagógicos da sequência e na produção de uma proposta curricular flexível que foi se moldando à participação dos alunos. A seguir estão descritas essas categorias.

1º Momento: aula 1 – problematização inicial

A atividade proposta nesta aula visou promover uma reflexão sobre a influência da mineração para a sociedade moderna, abordando os benefícios e os riscos dessa atividade, ou seja, analisar os pontos relacionados com a importância do processo e os impactos ambientais que estão a ela associados. A problematização tinha como meta perceber o posicionamento dos alunos: estabeleciam-se relações entre o problema levantado e os conhecimentos para a abordagem de tais problemas; se as dúvidas levantadas eram indicadoras de estímulo para a busca de novos conhecimentos; e se as respostas eram muito superficiais e abrangentes.

Após categorizar individualmente os alunos da pesquisa, de acordo com as categorias (quadro 2), foi possível diagnosticar um perfil das respostas apresentadas. As falas mais recorrentes estão associadas à apresentação de algum ponto de vista em relação ao tema da atividade, o que corresponde à categoria 4 (quadro 2). No entanto, é possível observar certa superficialidade das opiniões expressas, sempre firmadas no "eu acho que", demonstrando incerteza com relação ao tema. No excerto a seguir, mostramos parte da transcrição em que esses alunos tentavam relacionar a poluição sonora e do solo com a mineração, reveladora de tal observação:

Quadro 2 Categorias para análise 

Momentos Pedagógicos Categorias de Análise
Problematização inicial 1 O estudante apresenta dúvidas relacionadas ao problema abordado e percebe a necessidade de adquirir novos conhecimentos científicos.
2 Descreve as relações entre o problema abordado e as questões presenciadas no seu cotidiano.
3 Mobiliza e expõe outros conhecimentos na tentativa de explicar o contexto da problematização, mostrando compreensão da realidade social.
4 Apresenta um determinado ponto de vista, sem se basear em conteúdos específicos.
Organização do Conhecimento (reconfiguração curricular) 5 Os conteúdos a serem abordados são selecionados a partir das limitações de conhecimentos das ciências explicitadas pelos estudantes durante a problematização.
6 A problematização e o estudo da realidade local e dos problemas contemporâneos são a base para a escolha dos conteúdos, funcionando como um tema gerador. A demanda dos alunos e da comunidade, e a síntese feita pelos educadores são os critérios para a escolha dos conteúdos.
7 Os conteúdos científicos necessários para a compreensão do tema problematizado são previamente selecionados pelo professor, que não altera o planejamento da sequência didática.
8 Enquadra o tema abordado aos conteúdos previstos pela configuração curricular tradicional. O tema apenas contextualiza, de maneira superficial, o conteúdo desenvolvido.
Aplicação do Conhecimento 9 O estudante consegue articular a conceituação científica aprendida ao longo da sequência com situações reais que envolvem seu cotidiano, porém, demonstra dificuldade de compreender as ideias de contextualização típica da abordagem CTS e da transformação social.
10 Participa e argumenta, de forma mais crítica, das questões que envolvem os temas/problemas contemporâneos, tendo noção de que a ciência pode ser socialmente contextualizada.
11 Consegue se posicionar e tomar decisões com relação a questões que envolvem diversas dimensões, entre elas, científicas, sociais, ambientais, econômicas, políticas e culturais.
12 Sente-se desafiado e estimulado a participar dos processos sociais que envolvem sua realidade.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Aluno 6: Poluição do solo?

Aluno 1: Poluição sonora? Eu acho que não! Eles acham que sim.

Aluno 2: Sonora eu acho que não.

Aluno 3: Eu acho que sim!

Também é expressiva a quantidade de falas em que os alunos demonstraram dúvidas sobre o que é minério ou não. Pela forma que o diálogo foi travado no grupo, inferiu-se que os alunos expressaram a necessidade de adquirir novos conhecimentos, revelando que é preciso aprofundar os conteúdos que se relacionam ao problema apresentado, principalmente os relacionados com a distinção entre os conceitos de metal, mineral e minério. O trecho de a discussão a seguir demonstra essa dúvida, apresentada pelo aluno 1:

Aluno 1: A gente tá achando que tudo tem minério sabe? O ar tem minério... tô zoando!

Aluno 1: E no termômetro?

Aluno 5: Mercúrio!

Aluno 1: Ah, mercúrio!

Aluno 5: Que tem no termômetro?

Aluno 1: Professora, mercúrio é minério?

Tais observações permitem afirmar que esse primeiro momento pedagógico – Problematização inicial – se revela como uma etapa fundamental para a configuração curricular, o que equivale a dizer que, a partir dessas principais dúvidas e incertezas apresentadas pelos alunos, foi possível selecionar os conteúdos e as atividades que foram desenvolvidas ao longo das aulas seguintes da sequência, ou seja, permitiu mapear e replanejar as propostas que foram adotadas para direcionar os processos de ensino e de aprendizagem. Segundo Delizoicov (2013), o ponto culminante da problematização é fazer com que o aluno perceba a necessidade de adquirir novos conhecimentos, pois reconhece a fragilidade dos seus argumentos, percebida durante a problematização. Por isso, torna-se importante configurar o problema abordado nessa etapa, para que se possa proporcionar o aprendizado de novos conhecimentos. É importante que tais problemas vinculem o conhecimento científico com outros saberes na interpretação das situações, de forma a reconhecer que a ciência é importante para a compreensão das situações que estão sendo problematizadas.

2º Momento: aula 2 – organização do conhecimento

Após as observações realizadas ao longo da problematização, a professora conseguiu identificar certo direcionamento nas respostas apresentadas pelos alunos, as principais opiniões que foram expressas, quais conhecimentos mobilizaram e as principais dúvidas apresentadas. Portanto, a problematização permitiu selecionar os conteúdos e alterar o planejamento inicial a partir do desvelamento provocado pela situação controversa proposta. Foi importante distinguir os termos minério, mineral e metal, uma demanda apresentada pelos próprios alunos, e não uma escolha definida previamente pela professora.

Diante de tal resultado, a professora obteve alguns caminhos a seguir, descritos no tópico Organização do conhecimento (quadro 2). Portanto, esse segundo momento pedagógico, do referencial dos 3 MPs, também está associado aos aspectos que se relacionam com a configuração curricular. Trata-se de organizar a prática docente, de modo a provocar no aluno as rupturas que precisam ocorrer, para que ele se aproprie dos conhecimentos necessários, possibilitando a reinterpretação das situações contidas no tema trabalhado (DELIZOICOV, 2013).

Neste estudo, a professora/pesquisadora optou por aprofundar aqueles conteúdos em que os alunos demonstraram mais dificuldade. Essa configuração curricular escolhida se enquadra na categoria 5 da análise, assim descrita no quadro 2: "Os conteúdos a serem abordados são selecionados a partir das limitações de conhecimentos das ciências explicitadas pelos estudantes durante a problematização". Nesse momento, a professora trata o currículo com a flexibilidade necessária para adequá-lo às dúvidas e falas dos alunos no momento anterior.

Ao comparar as respostas dos alunos 1, 3 e 6, escolhidos para análise individual, já é possível observar algumas mudanças com relação à aula anterior. Em relação ao aluno 1, é possível notar que a necessidade de adquirir novos conhecimentos diminui e a mobilização de outros conhecimentos aumenta, principalmente vinculados à relação do ferro com o corpo humano e com os alimentos. Como revela o trecho a seguir:

Professora: A hemoglobina é composta de ferro. Esse ferro tem qual função no nosso organismo?

Aluno 1: Saúde!

Professora: Tá... sem ele a gente vai desenvolver o quê?

Aluno 1: Anemia...uhuhuhuu!

Professora: Esse ferro que a gente tá falando é o mesmo ferro lá da mineração?

Aluno 2: Claro que não!

Professora: É o mesmo elemento químico!

Aluno 1: Uaaaaaaaau!

O aluno 3 apresenta respostas semelhantes ao aluno 1, considerando que ambos mobilizaram novos conteúdos, ao estabelecerem outras relações para os elementos químicos. A seguir, apresentamos parte do trecho da transcrição que revela tal observação:

Aluno 3: Ô gente, o mercúrio é aquele Hg ali o, 2b, linha 6, Hg!

Aluno 6: Eu não tô achando!

Aluno 3: Tá perto do 12 ali, ó!

Aluno 6: Achei!

Aluno 1: Ele é metal!

Aluno 3: Uma das principais características do mercúrio é que ele é o único metal que se encontra no estado físico líquido na temperatura ambiente!”

Nesta aula, o aluno 6 permanece com a maior parte das falas relacionadas à mobilização de conhecimentos adquiridos anteriormente. Aumenta a quantidade de falas envolvendo a necessidade de outros conhecimentos, quando comparado com a aula. Permanece fazendo pouca relação da discussão com o seu dia a dia.

3º Momento: aula 3 – organização do conhecimento

Após a aplicação dos recursos didáticos escolhidos para serem utilizados nesta aula, tais como documentário, leitura de reportagem de jornal e jogo de tabuleiro – cujo eixo temático central foi o crime socioambiental da Samarco que ocorreu em Mariana, MG – foi realizada a análise das respostas e da participação dos alunos 1, 3 e 6 para comparar com as respostas prévias das duas aulas anteriores. Foi possível perceber que todos esses alunos ampliaram as falas relacionadas à apresentação de seus pontos de vista, sendo a maior parte delas embasada em informações disponibilizadas pela professora ao longo da aula. Inferiu-se que as falas e pontos de vista já não estavam tão superficiais quanto no início dos trabalhos, pois a maioria já incorporava os conhecimentos aprendidos, ampliava a participação e os argumentos já eram mais consistentes. A seguir um trecho da transcrição, referente à leitura da reportagem de jornal, que demonstra criticidade e ironia nas observações realizadas:

Aluno 1: [...] Enxurrada de lama destruiu o município de Mariana, na região central de Minas Gerais. A barragem pertencia à mineradora que será multada em 250 milhões. Só isso? 250 milhões, eu acho muito pouco!

Aluno 3: Eu também acho!

Aluno 6: É pouco porque são muitas cidades, não só Mariana!

Aluno 3: Porque se eles ganham 2,8 bilhões por ano!

Aluno 1: 2,5 bilhões.

Nesta aula, a professora participou mais das discussões iniciais, contribuindo com relatos e experiências pessoais. Ao longo da atividade sua participação foi diminuindo e a dos alunos aumentando, principalmente durante o jogo. Com relação ao aluno 1, ao analisar suas participações ao longo da transcrição, é possível perceber que praticamente todas as suas falas foram relacionadas à apresentação de algum ponto de vista, o que não era predominante nas aulas anteriores. Resultado semelhante aos alunos 3 e 6, que também direcionaram suas falas para a apresentação de sua opinião a partir de seu ponto de vista. É interessante perceber como o envolvimento desses alunos com a atividade e a necessidade de aprender novos conteúdos ocorreram em tempos diversos para cada um deles, e em aulas diferentes. Além disso, não foi apresentada uma linearidade, isto é, a participação foi repleta de idas e vindas.

4º Momento: aula 4 – organização do conhecimento

O objetivo principal da visita monitorada à Vale S. A. foi promover a reflexão sobre o papel da mineração no mundo atual, seus impactos no ambiente e na sociedade, visando ampliar a percepção dos estudantes sobre a importância dessa atividade para o atual modelo de vida adotado, desde que alinhado com o desenvolvimento sustentável.

Durante a visita, um dos questionamentos que chamou a atenção durante a palestra foi a dúvida do aluno 3 sobre a relação da Vale com a Samarco e, consequentemente, com o desastre em Mariana. Nitidamente, os alunos perceberam, pelo tom da resposta, que esse é um assunto que o pessoal da empresa não gosta de comentar. Para evitar um ambiente constrangedor, os alunos encerraram o assunto naquele momento. Os alunos estavam diante de uma situação na qual uma fala ‘não podia ser dita’, um pacto forçado.

Ao visitar o centro de controle, onde são feitos todos os monitoramentos, o mesmo aluno retomou o assunto de Mariana e perguntou: "Com todos esses dados que são sempre monitorados, não era possível prever o acidente em Mariana?" A outra funcionária, responsável pelo espaço, também se descontrolou e, nitidamente, quis desviar a responsabilidade da empresa, afirmando: "Nós aqui somos Vale, lá foi responsabilidade da Samarco, são empresas diferentes!" Nesse momento, foi possível notar que os alunos ficaram indignados com a fala, mas perceberam que tratar deste assunto é como "tocar na ferida" da empresa e que, por isso, estender a conversa não seria produtivo.

Aponta-se, a partir daqui, que as categorias construídas já permitiam perceber que as falas que agora emergiam dos sujeitos da pesquisa expressavam as potencialidades dos processos de reflexão e ação sobre os conteúdos e temas trabalhados neste 2º MP. Assim, o contexto 'contraditório', que fez parte do processo formativo dos alunos no 2º MP – Organização do conhecimento –, foi mostrado na implementação das atividades propostas, em sala e na visita. Inferiu-se que o diálogo com vários sujeitos e várias concepções vai se tornando o articulador do ensino e aprendizagem dos alunos. Por meio dos comentários é possível relacionar as falas com a 10a categoria (quadro 2), pois os sujeitos da pesquisa começam a dar indícios de uma participação e argumentação mais crítica, relacionadas com questões que envolvem os temas e problemas contemporâneos.

Giacomini (2014) afirma que os três momentos pedagógicos, se conduzidos a partir da concepção dialógica de Paulo Freire e da realidade do educando, podem potencializar o processo de ensino e de aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento do senso crítico e ampliando os níveis de consciência do estudante.

5º Momento: aula 5 – aplicação do conhecimento

Esta aula foi dividida em dois momentos: o primeiro deles foi destinado para discussão da visita orientada à mineração, promovendo um espaço para os alunos relatarem seus pontos de vista sobre as informações apresentadas. No segundo momento, os alunos elaboraram uma entrevista para ser feita com familiares, amigos e vizinhos, que possuíam algum vínculo com a mineração, visando obter informações complementares sobre o assunto.

Considerando as características desta aula e as propostas didáticas utilizadas, ela foi categorizada no terceiro e último momento pedagógico, definido como aplicação do conhecimento – 3º Momento Pedagógico. Esse momento pode ser caracterizado pela retomada da questão problematizadora inicial e pela observação de como os alunos passam a fazer outra leitura da mesma, agora com novos conteúdos.

No momento inicial da aula ocorreu uma discussão sobre a visita orientada. Os alunos revelaram, em suas falas, a percepção da preocupação da empresa com o meio ambiente e a sustentabilidade, ao mesmo tempo em que essa mesma empresa foi omissa quando o assunto era o crime ambiental que ocorreu em Mariana/MG.

Na segunda parte da aula ocorreu a elaboração de um questionário para a realização de entrevistas sobre o tema. Ao analisar os assuntos abordados nas perguntas criadas para a entrevista, é possível perceber que todos eles estão concentrados nos seguintes temas: crime ambiental da Samarco, preservação ambiental, relação entre empresa e funcionário, importância do minério (vantagens e desvantagens) e riscos de acidentes. Fazendo um paralelo das questões da entrevista com as discussões feitas em sala, durante as aulas anteriores, fica claro que os alunos fizeram uma relação direta dos conteúdos que estavam sendo abordados ao longo da sequência didática.

Segundo Delizoicov (2013), a meta pretendida para este MP é capacitar os estudantes para que eles possam utilizar os conhecimentos aprendidos para articular os conceitos científicos com as situações reais, o que também é um dos objetivos dos processos de ensino e aprendizagem das ciências. Nesta etapa de aplicação do conhecimento, de acordo com Muenchen (2010), o professor já consegue perceber se o aluno ampliou a capacidade de argumentar criticamente em situações e temas contemporâneos que envolvem a tomada de decisões relacionadas a contextos sociais, ambientais, econômicos, políticos e culturais.

Os sujeitos da pesquisa mobilizaram conhecimentos aprendidos e discutidos ao longo das aulas anteriores. As falas mais recorrentes estão relacionadas ao posicionamento e à defesa de algum ponto de vista, envolvendo contextos políticos, sociais e ambientais, demonstrando redução da superficialidade e aumento da criticidade. Parte do trecho revela esse posicionamento:

Aluno 3: É porque na hora lá eu perguntei à moça sobre as plantas, não sei se vocês lembram, o replantio lá, [...] eu sei que ela falou como se todas as plantas que foram retiradas fossem plantadas novamente, entendeu? E isso, como a professora tinha falado, não é verdade!

Professora: Ela tá dizendo que eles têm uma fala como se tudo que eles falam acontece...que é perfeito, né?

Aluno 1: A gente falou isso no relatório!

Aluno 1: Eu acho que eles têm consciência do que eles fazem, por isso eles falam que fazem de tudo para minimizar os danos!

Aluno 6: Eles falam que fazem de tudo, mas não fazem tudo!

6º Momento: aula 6 – aplicação do conhecimento

Nesta sexta e última aula da sequência, os principais objetivos foram apresentar os resultados obtidos com as entrevistas e promover um momento de debate entre os alunos, como forma de fechamento e avaliação final da proposta de sequência desenvolvida e aplicada. Além disso, verificar quais mudanças ocorreram com os alunos escolhidos para análise, desde a primeira aula até a última.

Considera-se, na nossa concepção, que o objetivo central das entrevistas foi alcançado, em função da diversidade de informações obtidas nos relatos dos entrevistados. Foi interessante perceber como o posicionamento das pessoas que trabalham no setor mineral diverge, dependendo da função que exercem. É possível afirmar que os resultados obtidos com as entrevistas reforçaram a discussão feita em sala durante as aulas anteriores.

Com relação ao debate, foi montado um júri simulado com a seguinte questão: "Vocês tomaram conhecimento, por meio do jornal do bairro, que uma empresa de mineração, com destaque no mercado nacional e internacional, descobriu que este bairro é uma região com alto teor de minério de ferro no solo e está querendo investir recursos para a exploração da região. Vocês decidem organizar uma associação de moradores para resolver se liberam ou não a exploração da região".

Alguns dos argumentos utilizados estão esquematizados a seguir:

Quadro 3 Argumentos apresentados pelos alunos durante o debate 

Argumentos favoráveis à implantação da mineradora no bairro
1 A mineração traz riquezas para a região.
2 A destruição do bairro não é imediata e a empresa trará conforto e segurança.
3 Esse empreendimento tem uma importância econômica para o país.
Argumentos contrários à implantação da mineradora no bairro
1 Muitas nascentes no bairro seriam prejudicadas.
2 A contaminação provocada pela atividade não é apenas local, pois atinge uma maior amplitude, além de poder acontecer desastres.
3 Aumento dos riscos para a população, considerando que podem acontecer novos rompimentos de barragem de rejeito.

Fonte: elaborado pelos autores.

De modo geral, percebeu-se, explicitamente, uma diferenciação interessante entre os argumentos apresentados pelos dois grupos. O primeiro faz a sua aposta nas dimensões política, econômica e desenvolvimentista. No segundo grupo, encontraram-se argumentos ancorados na dimensão sociocultural. De um lado, um discurso que se mostra importante pela objetividade, neutralidade e apoiada no rigor científico e no desenvolvimento que poderia vir. Por outro, um discurso também relevante, mas que se sustenta numa dimensão aparentemente mais subjetiva, relacionada à degradação ambiental e aos problemas sociais. Assim, os argumentos se encontram em dimensões diferentes.

No geral, os alunos da pesquisa compreenderam os impactos provocados pelas mineradoras, e ampliaram a visão da necessidade de participação da comunidade, na perspectiva de estabelecer critérios relativos ao direcionamento dado ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e de suas aplicações. Começaram a ver que ciência e tecnologia não são neutras.

Os resultados revelam que a grande maioria dos argumentos utilizados pelos grupos, tanto contra como a favor da implementação de uma mineradora no bairro, foram fortemente embasados na discussão relacionada ao desastre ambiental que ocorreu na cidade de Mariana, nas informações que foram coletadas nas entrevistas e na visita orientada. Considerando-se que um dos objetivos da pesquisa foi avaliar as mudanças de concepção que os alunos tiveram em cada um dos momentos pedagógicos que compuseram a sequência didática, é possível afirmar que os alunos conseguiram incorporar, aplicar, se posicionar e tomar decisões em assuntos que envolvem a temática mineração, incluindo os aspectos políticos, sociais, ambientais e econômicos. Essa observação pode ser aplicada para os alunos cujas respostas foram avaliadas individualmente (1, 3 e 6).

Considerações finais

Foi possível observar como a abordagem CTS, em conjunto com os três momentos pedagógicos, propiciou tanto uma configuração curricular mais flexível e abrangente quanto uma metodologia mais reflexiva e participativa. Construída a partir de um problema contemporâneo – um desastre ambiental – proporcionou a gestação de subjetividades ecológicas. O debate que ocorreu como atividade final refletiu bem a tensão entre uma política centrada apenas na tecnociência, com ares desenvolvimentistas, e outra, voltada para as dimensões socioculturais e técnico-assistenciais. Em conjunto com os debates ocorridos em sala e a visita à Vale nota-se a construção de uma dimensão ecológica ambiental, tão cara a uma educação para a cidadania. Porém, da mesma forma que a situação vivida não garante a consecução de objetivos definitivos e amplos, as diversas dimensões da cidadania não se esgotam nas discussões e atividades aqui propostas. As experiências educativas que envolvem as questões sociocientíficas e que trazem a controvérsia para dentro dos muros escolares têm revelado potencialidades na construção de uma imagem mais próxima e humana do empreendimento científico e tecnológico, bem como auxiliado na promoção de uma alfabetização científica indispensável a uma cidadania responsável.

Acredita-se que a sequência didática desenvolvida com os alunos contribuiu para ampliar as reflexões e os conhecimentos relacionados à mineração e sua relação com a ciência, tecnologia e sociedade, por meio da utilização de atividades dialógicas presentes em cada um dos três momentos pedagógicos. O primeiro momento pedagógico – problematização inicial – mostrou ser um espaço singular na proposição de uma configuração curricular para a sequência didática proposta. Esse é o momento de trazer uma situação-problema ou a proposição de um estudo da realidade local como um possível caminho para se pensar as continuidades e rupturas ao longo do desenvolvimento da sequência didática. É durante a problematização que percebemos os desejos, as lacunas e a vontade de aprender os conteúdos, além de estabelecer relações entre ciência, tecnologia e sociedade.

A análise realizada por meio das categorias construídas a partir dos pressupostos teóricos que sustentam a proposição dos três momentos pedagógicos possibilitou, por um lado, pensar nas configurações curriculares que podem emergir em contextos educativos mais rígidos ou flexíveis e, por outro, acompanhar a trajetória dos alunos. Neste caso, permitiu mapear o perfil do grupo analisado e também perceber as mudanças que ocorreram nestes alunos ao longo da aplicação da sequência. Na interpretação dos autores deste artigo, tal categorização nos permite afirmar que os estudantes demonstraram ampliar o seu poder explicativo sobre a temática trabalhada, chegando a mudar de concepção após as discussões proporcionadas em sala de aula. Essa leitura é feita levando-se em consideração que os níveis de superficialidade das falas nos diálogos foram reduzindo com o avançar da sequência. Eles passaram a tomar decisões, e ampliaram o nível de argumentação durante as discussões, estabelecendo relações entre os diversos aspectos interligados à mineração: o político, o social, o ambiental, o científico e o aspecto econômico. Conseguiram, também, em muitos momentos, tornar visível o enquadramento ideológico que essas questões carregam em seu entorno.

Ao longo da sequência didática proposta também se percebeu a articulação entre os componentes transversais do ensino e os conteúdos das disciplinas tradicionais, porém em função do sujeito que aprende. Assim, à aprendizagem conceitual se acrescentaram os valores que perpassaram cada uma das atividades, surgindo as dimensões ecológicas presentes no movimento CTS: importância da sensibilidade pelo meio ambiente; o respeito pela opinião do outro; a valorização do diálogo; o estar informado sobre os grandes problemas ambientais; a oposição aos preconceitos sociais; enfim, a descoberta não só das questões sociais, mas também de que o outro não é apenas um prolongamento de si mesmo.

Referências

CARVALHO, I. C. M. O sujeito ecológico: a formação de novas identidades culturais e a escola. In: PERNAMBUCO, M. M. C. A.; PAIVA, I. A (org.). Práticas coletivas na escola. Campinas: Mercado das Letras; Natal, RN: UFRN, 2013. p. 114-123. [ Links ]

DELIZOICOV, D. A educação em ciências e a perspectiva de Paulo Freire. In: PERNAMBUCO, M. M. C. A.; PAIVA, I. A (org.). Práticas coletivas na escola. Campinas: Mercado das Letras; Natal, RN: UFRN, 2013. p. 15-53. [ Links ]

DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. Física. São Paulo: Cortez, 1990. [ Links ]

DELIZOICOV, D.; MUENCHEN, C. Os três momentos pedagógicos e o contexto de produção do livro "Física". Ciência & Educação, Bauru, v. 20, n. 3, p. 617-638, 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/1516-73132014000300007. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970. [ Links ]

FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. [ Links ]

FREITAS, C. M.; SILVA, M. A.; MENEZES, F. C. O desastre na barragem de mineração da Samarco: fratura exposta dos limites do Brasil na redução de riscos de desastres. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 68, n. 3, p. 25-30, 2016. DOI: https://doi.org/10.21800/2317-66602016000300010. [ Links ]

GIACOMINI, A. Intervenções curriculares na perspectiva da abordagem temática: avanços alcançados por professores de uma escola pública estadual do RS. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2014. [ Links ]

HELLER, L.; MODENA, C. M. Desastre da Samarco: aproximações iniciais. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 68, n. 3, p. 22-24, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300009. [ Links ]

MECHI, A. D. L. S. Impactos ambientais da mineração no estado de São Paulo. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p. 209-220, 2010. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000100016. [ Links ]

MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação. Conteúdo básico comum (CBC): ensino médio: biologia. Belo Horizonte: SEE, 2007. [ Links ]

MUENCHEN, C. A disseminação dos três momentos pedagógicos: um estudo sobre práticas docentes na região de Santa Maria/RS. 2010. 213 f. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. [ Links ]

PERNAMBUCO, M. M. C. A. A construção do programa escolar via tema gerador. In: PERNAMBUCO, M. M. C. A.; PAIVA, I. A. (org.). Práticas coletivas na escola. Campinas: Mercado das Letras; Natal, RN: UFRN, 2013. [ Links ]

SANTOS, W. L. P. Contextualização no ensino de ciências por meio de temas CTS em uma perspectiva crítica. Ciência & Ensino, Piracicaba, v. 1, p. 1-12, 2007. (Número especial). [ Links ]

SOUZA, B. C. A temática mineração em sala de aula: apropriação dos três momentos pedagógicos para uma abordagem CTS no ensino de ciências. 2019. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação e Docência) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. [ Links ]

SOUZA, B. C.; VALADARES, J. M. Sequência didática: abordagem da temática mineração em sala de aula. [Belo Horizonte]: UFMG, [2020?]. Disponível em: https://promestre.fae.ufmg.br/wp-content/uploads/2018/11/Produto-Educacional-BRUNA-COSTA.pdf. Acesso em: 20 dez. 2021. [ Links ]

Recebido: 11 de Abril de 2020; Aceito: 27 de Setembro de 2021

Autor correspondente: juarezm@ufmg.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.