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Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.28  Bauru  2022  Epub Apr 06, 2022

https://doi.org/10.1590/1516-731320220006 

Artigo Original

O ensino da Astronomia nos anos finais do ensino fundamental: uma abordagem fenomenológica

Astronomy teaching in the final years of elementary school: a phenomenological approach

Alessandra Daniela Buffon1 
http://orcid.org/0000-0002-6775-7644

Marcos César Danhoni Neves2 
http://orcid.org/0000-0002-3724-5373

Ricardo Francisco Pereira3 
http://orcid.org/0000-0001-7540-6601

1Fundação Bradesco, Escola de Educação Básica, Paranavaí, PR, Brasil.

2Universidade Estadual de Maringá (UEM), Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática, Maringá, PR, Brasil.

3Universidade Estadual de Maringá (UEM), Departamento de Física, Maringá, PR, Brasil.


Resumo:

Entende-se a necessidade de dar voz aos professores para conhecer melhor o contexto em que estão inseridos. Desse modo, estabelece-se como problema a seguinte inquietude: na percepção dos professores da Educação Básica, como ocorre o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental? Este artigo tem como objetivo discutir o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental, na percepção dos professores. Para responder esse questionamento, o estudo teve como sujeitos de pesquisa docentes da disciplina de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental. A metodologia utilizada para constituição e análise de dados regem os princípios da pesquisa fenomenológica. Os resultados apontam para um ensino simplista com diferentes falhas nas distintas esferas educacionais, formando um grande aglomerado de problemas. Assim sendo, o Ensino de Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental ainda tem muitos obstáculos a serem superados a fim de oportunizar um ensino de qualidade para os educandos.

Palavras-chave: Ensino de astronomia; Formação de professores; Ensino fundamental

Abstract:

The need is widely acknowledged to give voice to teachers in order to understand better the context in which they are inserted. Thus, the following question has been put forward: in the perception of Basic Education teachers, how is Astronomy Teaching carried out in the final years of Elementary School? This article aims to discuss the phenomenon of Astronomy Teaching in the final years of Elementary School, in the perception of teachers. To address this issue, the study involved Science teachers from the final years of Elementary School as participants. The methodology employed for collecting and analyzing the data follows the principles of phenomenological research. The results point to a simplistic teaching, with various flaws through different educational spheres, forming a wide cluster of problems. Therefore, Astronomy Teaching in the final years of Elementary School still needs to overcome a number of hurdles to afford quality teaching to their students.

Keywords: Astronomy teaching; Teachers training; Elementary school

Introdução

Os conteúdos relacionados à Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental estão presentes na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) na disciplina de Ciências no eixo estruturante Terra e Universo. Ao ter em vista a obrigatoriedade deste documento em todo território nacional, desde o início de 2020, é válido atentar-se para a formação de professores no Ensino de Astronomia, uma vez que os conteúdos dos anos finais do Ensino Fundamental podem ser lecionados por professores com licenciatura plena em Ciências Biológicas, História Natural ou licenciatura em Ciências com habilitação em Física, Química, Biologia ou Matemática (MAGALHÃES JUNIOR; PIETROCOLA, 2005).

Ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Ciências Biológicas (BRASIL, 2001), percebe-se que a Astronomia não aparece de maneira clara dentro dos conteúdos básicos estabelecidos por lei. O documento apenas ressalva que é necessário abordar os fundamentos das Ciências Exatas e da Terra, que são entendidos como conhecimentos matemáticos, físicos, químicos, estatísticos, geológicos e outros fundamentais para o entendimento dos processos e padrões biológicos.

Neste prisma, Oliveira, Fusinato e Batista (2018) tiveram como objetivo verificar de que forma os cursos de formação inicial em Ciências Biológicas do estado do Paraná discutem em seus componentes curriculares a temática Astronomia e o seu ensino. A pesquisa foi realizada em dois momentos: no primeiro, foram identificadas as disciplinas que poderiam ter alguma abordagem da Astronomia e, no segundo momento, foi realizada a análise das ementas destas disciplinas. A seleção das instituições de ensino procurou abranger todas as regiões do Estado, resultando em quatro universidades estaduais, uma universidade federal e duas faculdades da rede privada, totalizando sete instituições de Ensino Superior.

Os resultados da análise das disciplinas dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas apontam apenas para três instituições de ensino, que envolvem conteúdos de Astronomia na matriz curricular (OLIVEIRA; FUSINATO; BATISTA, 2018). Na concepção dos autores, os resultados são considerados um avanço para a área ao ter cursos que oferecem disciplinas com conteúdo de Astronomia na formação inicial em Ciências Biológicas, mas ainda é insuficiente para atender a demanda local, uma vez que apenas 10% dos cursos ofertados possibilitam a formação em noções básicas de Astronomia (OLIVEIRA; FUSINATO; BATISTA, 2018).

Tais resultados vão ao encontro de Carvalho e Gil-Pérez (1993), ao ressalvarem que os professores de Ciências, além de carecerem de uma formação adequada, também não têm consciência de suas insuficiências. Langhi e Nardi (2012) acrescentam que há uma falta de atualizações dos professores frente às novas descobertas e informações sobre fenômenos astronômicos que poderiam ser inseridos dentro da sala aula, resultando, muitas vezes, em duas decisões a tomar ao se depararem com a necessidade de ensinar esse assunto. Uma é simplesmente o não lecionar, e a outra, é se embasar apenas nos apontamentos dos livros didáticos (LANGHI, 2009).

Mediante o cenário limitado da formação inicial, é importante destacar outra vertente, que é a formação continuada de professores. De acordo com Moreira e Nardi (2009), iniciativas no fim da década de 1990 proporcionaram a criação da área de Ensino de Ciências e Matemática e a ampliação de mestrados profissionais, voltados, principalmente, aos professores em exercício. Em relação à temática de Astronomia, pode ser observado um pequeno crescimento em cursos ofertados, mas ainda com acesso restrito.

Na concepção de Leite et al. (2014), existem diversas instâncias preocupadas com o Ensino de Astronomia desenvolvendo atividades individuais em prol da qualidade da Educação Básica nas escolas, contudo, ainda é de maneira isolada, devido à extensão territorial do Brasil. Portanto, percebe-se que a formação de professores para o Ensino da Astronomia tem importantes preocupações, tanto na formação inicial como na formação continuada. As pesquisas na área precisam centrar-se em compreender o contexto em que o professor da Educação Básica está inserido, dando-lhe voz e conhecendo suas práticas e o seu fazer docente. Ao levar em consideração essas pesquisas para propostas de ensino, é possível desenvolver tanto cursos de formação inicial, como de formação continuada, voltados para as necessidades reais dos docentes, articulando entre as suas concepções e os processos de ensino e aprendizagem, e suas práticas.

Mediante isso, tem-se como questão de pesquisa a seguinte inquietação: na percepção dos professores da Educação Básica, como ocorre o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental? A fim de responder tal questionamento, este artigo tem como objetivo discutir o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental no Núcleo Regional de Educação de Maringá, estado do Paraná, na percepção dos professores.

Ao ter em vista que essa pesquisa tem como sujeitos professores em exercício, faz-se necessária a compreensão teórica dos saberes docentes e da trajetória formativa na carreira, uma vez que esse estudo procura analisar falas de professores carregadas de saberes experienciais e influenciadas pela trajetória de carreira que está vivenciando.

Os saberes docentes

A função de professor é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego como uma ocupação, podendo reforçar a ideia do senso comum que qualquer profissional da área está capacitado a ensinar, mesmo sem ter o preparo didático-pedagógico necessário, principalmente no Ensino de Ciências, que tem essas tradições docentes e sociais enraizadas (LANGHI; NARDI, 2012).

De acordo com Gauthier et al. (2013), o status profissional do professor pode ser construído por meio da identificação e da validação de um repertório de conhecimentos específicos ao ensino. Entre os vários elementos faltantes para que os docentes sejam reconhecidos como profissionais, um deles é a ausência de um corpus de saberes específicos para fomentar um argumento de valor. Ao pensarmos sobre saberes específicos para caracterizar a profissão docente, é necessário diferenciá-los de saberes de concepções de senso comum, que reafirmam uma visão simplista do trabalho docente (GAUTHIER et al., 2013).

Gauthier et al. (2013) enfatizam, para a determinação de saberes específicos, a existência de três categorias na profissão docente, uma vez que toda profissão necessita dos saberes essenciais para execução de atividades que lhe são próprias. A primeira é um ofício sem saberes que remete à própria atividade docente; a segunda é dos saberes sem ofício, que se refere à produção de saberes pelas ciências da educação. E a terceira é um oficio feito de saberes. As duas primeiras categorias são os principais obstáculos da Pedagogia para a compreensão da terceira categoria, os saberes profissionais.

Nesta perspectiva, no decorrer do texto será explorada a base de conhecimento (knowledge base) proposta por Gauthier et al. (2013). Essa base pode ser entendida como uma espécie de reservatório de saberes, descrito por meio de quatro pilares principais: o da vida pessoal e experiência familiar, o da experiência discente, o da formação inicial e continuada, e o da experiência profissional (LANGHI; NARDI, 2012).

Os saberes disciplinares, ou seja, a matéria, são originados por meio dos docentes universitários nas diferentes disciplinas do curso, seja de formação inicial ou de formação continuada, uma vez que "[...] ensinar exige um conhecimento do conteúdo a ser transmitido, visto que, evidentemente, não se pode ensinar algo cujo conteúdo não se domina" (GAUTHIER et al., 2013, p. 29).

Os saberes curriculares são produzidos por funcionários do Estado, especialistas das diversas disciplinas, editoras de manuais didáticos, entre outros. As escolas selecionam e organizam os conteúdos com auxílio das sugestões curriculares oriundas de programas curriculares e, posteriormente, são utilizados pelos professores. Ao ter em vista que o programa curricular auxilia o planejamento da aula, espera-se que o professor tenha conhecimento desse programa (GAUTHIER et al., 2013).

Os saberes das ciências da educação, na concepção de Gauthier et al. (2013), são oriundos da formação e, às vezes, do próprio trabalho. Esses saberes, muitas vezes, não auxiliam diretamente a ensinar, mas oferecem importantes ferramentas para o ofício do ensino, como um todo. Não estão relacionados com a ação pedagógica, mas servem como base para a maneira do professor existir profissionalmente.

Os saberes da tradição pedagógica são desenvolvidos ainda antes dos professores cursarem os cursos de formação inicial na universidade, uma vez que cada um tem sua própria representação de escola, conforme as experiências que viveu nela enquanto era aluno. Esses saberes servem como base para guiar os comportamentos dos professores, até ser adaptado e modificado pelo saber experiencial (GAUTHIER et al., 2013).

No que diz respeito aos saberes experienciais da profissão docente, Gauthier et al. (2013) enfatizam a jurisprudência individual, atribuindo que a experiência e o hábito estão relacionados, ou seja, é possível aprender com suas próprias experiências, contudo, "[...] embora o professor viva muitas experiências das quais tira grande proveito, tais experiências, infelizmente, permanecem confinadas ao ambiente da sala de aula" (GAUTHIER et al., 2013, p. 33). Por conta da jurisprudência individual, muitas vezes o julgamento de determinadas atitudes e as diferentes maneiras de fazer certas atividades permanecem em segredo ou até mesmo sem a devida reflexão.

Já os saberes da ação pedagógica são construídos por meio do repertório de conhecimentos do ensino, mediante a jurisprudência pública, ou seja,

O saber da ação pedagógica é o saber experiencial dos professores a partir do momento em que se torna público e que é testado pelas pesquisas realizadas em sala de aula. Os julgamentos dos professores e os motivos que lhes servem de apoio podem ser comparados, avaliados, pesados, a fim de estabelecer regras de ação que serão conhecidas e aprendidas por outros professores (GAUTHIER et al., 2013, p. 33).

Percebe-se a necessidade e a importância de os professores socializarem suas experiências entre os pares, bem como a significância de pesquisas acadêmicas que objetivem compreender a realidade em que os docentes estão inseridos. A profissionalização do ensino depende diretamente dos resultados das pesquisas acadêmicas sobre o saber da ação pedagógica, uma vez que esse tipo de pesquisa pode contribuir para o aperfeiçoamento da prática docente, refletindo diretamente na formação inicial, em um trabalho conjunto entre centros de formação e escolas (GAUTHIER et al., 2013).

A trajetória formativa docente na carreira

Langhi e Nardi (2012) apontam para a existência de quatro principais trajetórias formativas docentes na vida profissional do ensino. A primeira é a trajetória formativa inicial, período que ocorre antes da escolha da carreira docente, influenciado pelas experiências de vida pessoal, familiar, social e escolar. A segunda é a trajetória formativa intermediária, que ocorre durante o curso acadêmico de formação de professores, em que são construídas as concepções de ensino, por meio de conteúdos e práticas. A terceira é a trajetória formativa na carreira, que acontece por meio das experiências formativas profissionais e cotidianas ao longo do magistério; a última é a trajetória formativa docente pós-carreira, que se refere aos professores que encerraram a carreira, mas continuam com suas atividades extracurriculares, prestando um trabalho à comunidade escolar, e que continuam aprendendo (LANGHI; NARDI, 2012).

A trajetória formativa na carreira é composta por diversas fases, como: principiante, estável, experiente inovador, experiente questionador, experiente conformado, experiente estratégico e experiente lamentador. Nesse processo, muitas delas acontecem simultaneamente, por conta das experiências vivenciadas anteriormente.

A fase principiante é conhecida como um período crítico, em que ocorre o impacto com a realidade. Huberman (1995) acredita que isso, normalmente, ocorra até os três primeiros anos de carreira, podendo variar de acordo com cada professor, uma vez que essa fase pode ser fácil ou difícil, entusiasmante ou decepcionante.

O autor caracteriza essa fase em dois componentes: o de "sobrevivência" e o da "descoberta", podendo ser identificado somente um deles, em alguns docentes. O primeiro componente é entendido como um choque com a realidade, pois ocorre o impacto inicial com a complexa situação profissional. O segundo é a "descoberta" e equivale à inspiração inicial, à experimentação e ao entusiasmo por estar em uma situação de responsabilidade (HUBERMAN, 1995).

Em vista disso, entende-se que a fase principiante é crucial para a escolha da permanência do docente em sala de aula. Nesse período, ele pode se deparar com diferentes experiências, desde trazer seus ideais pedagógicos para a sala de aula, até o convívio com seus pares. Geralmente é um período crítico, em que ele coloca em evidência seus anseios sobre aspectos que envolvam o ensino-aprendizagem, a convivência profissional e a relação professor-aluno.

Ainda no início da carreira, vem a fase estável, que varia de quatro a seis anos de carreira. Huberman (1995) enfatiza que, nesse período de estabilização, o docente incorpora uma identidade profissional, renunciando, por um determinado período, de outras identidades. De acordo com o autor, muitos professores entendem esse processo como uma libertação ou emancipação docente. À vista disso, a fase estável é um processo que surge progressivamente, conforme a trajetória profissional de cada docente, mas que normalmente ocorre ainda no início da carreira. Nesse período, o docente começa a ter autonomia sobre a sua aula e se sente mais aberto para explorar novas perspectivas.

A fase seguinte é intitulada como experiente inovador, que pode acontecer dos 7 aos 25 anos de carreira, simultaneamente com outras fases. Nesse período, a partir das experiências pessoais anteriores, os docentes começam a se lançar para inovações pedagógicas, como novos materiais didáticos, modos de avaliar, forma de agrupar os alunos, o cronograma das aulas, etc. (HUBERMAN, 1995).

Huberman (1995) acredita que é nessa fase de suas carreiras que os professores se encontram mais motivados, mais dinâmicos e mais empenhados em querer reformas pedagógicas nas escolas. A fase do experiente inovador reflete o profissional que se estabilizou e passou, ao mesmo tempo, a querer coisas novas, mas de uma forma amadurecida, baseado principalmente em suas experiências acadêmicas. Nesse período, é possível observar professores com o espírito experiente, mas com uma visão de uma necessária reforma pedagógica.

Entre os 15 e 25 anos de ensino (meio da carreira) acontece a fase do experiente questionador, conhecida como um longo período em que os professores se põem em questão, sem existir uma consciência do tipo de diversificação e nem do que está sendo posto em dúvida. Nesse período, o docente analisa sobre o que fez da sua vida em relação aos objetivos e ideais dos primeiros momentos (HUBERMAN, 1995).

As fases do experiente conformado e do estratégico ocorrem durante um período de serenidade e distanciamento afetivo, entre os 25 a 35 anos de carreira, de modo que Huberman (1995) defende que, quanto maior a postura serena do docente em sala de aula, menos sensível ou vulnerável estará para a avaliação dos outros, chegando ao ponto em que ele se aceita como é e não como os outros querem que ele seja.

O docente irá se confrontar com seus próprios questionamentos sobre seus ideais e valores, no entanto, quando supera essa fase, torna-se sereno e causando diretamente um distanciamento entre ele e os alunos, uma vez que o professor não se importa mais com a maneira que os outros pensam sobre suas aulas. É um processo que pode durar anos na vida da carreira docente.

A última fase dentro da trajetória formativa na carreira é conhecida como experiente lamentador, ocorrida nos últimos anos antes de sua aposentadoria. É um período em que os docentes estão mais resistentes para inovações, mas ao mesmo tempo sofrem momentos de nostalgia e anseiam uma mudança para o futuro (HUBERMAN, 1995).

Huberman (1995) enfatiza, em seu estudo, sobre a fase do desinvestimento que ocorre ente 35 a 40 anos de carreira. Essa fase é positiva, uma vez que os docentes se libertam progressivamente, sem lamentar, do tempo investido no trabalho, para cuidar mais de si próprios, dos interesses pessoais e passam a levar uma vida social mais reflexiva (HUBERMAN, 1995). Para Langhi e Nardi (2012), essa fase é associada ao afastamento, ou seja, à trajetória formativa pós-carreira, provavelmente por conta do contexto brasileiro, em que a maioria dos professores encontra-se aposentada nesse período.

A pesquisa fenomenológica husserliana

Na concepção de Martins e Bicudo (1983, p. 11), entender a fenomenologia como uma metodologia de pesquisa “é uma forma radical de pensar”, uma vez que se procura buscar a essência de cada sujeito participante da pesquisa, caracterizando o que permeia o seu pensamento e as suas atitudes, lembrando que “[...] nem todas as coisas são imediatamente compreensíveis” (ALES BELLO, 2006, p. 23).

Ao abordar o fenômeno, desprende-se de um referencial teórico prévio (conceitos, crenças e afirmações), passando a questioná-lo e descrevê-lo diretamente (MARTINS; BICUDO, 1983). Bicudo (1997, p. 21, grifo do autor) acrescenta que "[...] a trajetória fenomenológica consiste de três momentos, que não devem ser vistos como sequências: epoché, a redução e a compreensão (interpretação) fenomenológica". Válido salientar que, em virtude da constituição e análise dos dados ser extensa, no decorrer deste artigo é discutida apenas a terceira etapa fenomenológica, ou seja, a compreensão fenomenológica.

Os interlocutores

Na perspectiva de Bicudo (2000), os sujeitos de pesquisa são escolhidos por sua importância em relação ao investigado. Deste modo, os sujeitos de pesquisa deste estudo são professores da rede estadual de ensino do município de Maringá, estado do Paraná, já que "[...] na pesquisa fenomenológica educacional sempre haverá um sujeito, numa situação, vivenciando o fenômeno educacional" (FINI, 1997, p 25).

A seleção dos sujeitos de pesquisa está orientada com alguns aspectos préestabelecidos, visando a qualidade dos testemunhos ao invés da quantidade de professores, visto que, na perspectiva de Fischer (2004, p. 4), "[...] mais importante do que a quantidade de sujeitos é a validade, extensão e qualidade dos testemunhos que se pretende obter. Para isso, há que se prever critérios". Assim, os interlocutores foram definidos com base nos seguintes critérios:

  • – ser professor de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental;

  • – ser professor concursado pelo estado do Paraná;

  • – estar lecionando para o 6° ano do Ensino Fundamental no período da entrevista1;

  • – ter interesse em participar da pesquisa.

Com base nos critérios descritos anteriormente, definiu-se como sujeitos de pesquisa um total de nove professores de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental, divididos entre cinco escolas estaduais do município de Maringá. Ressalta-se que foram preservadas as identidades das escolas e dos sujeitos como anônimos, a fim de atender às exigências do Conselho de Ética da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e do Núcleo Regional de Educação de Maringá.

As estratégias e instrumentos de constituição de dados

A partir dos sujeitos de pesquisa definidos, deu-se continuidade ao estudo sob os pressupostos fenomenológicos da pesquisa de natureza qualitativa, tendo como instrumentos e procedimentos para a constituição de dados, entrevistas gravadas em vídeo. Optou-se por este recurso audiovisual para expor a realidade pesquisada, por meio de registros de maior fidelidade possível da realidade vista (DETONI; PAULO, 2011).

Ao considerar as trajetórias metodológicas descritas, a primeira enfatizada, que ocorre ainda durante a constituição de dados, é a epoché. A palavra é de origem grega e significa colocar o mundo entre parênteses. Nesta fase é imprescindível recusar concepções pré-estabelecidas do tema proposto, bem como evitar qualquer julgamento (MARTINS; BICUDO, 1983; NEVES, 2005).

De acordo com Martins e Bicudo (1989), na fase de constituição de dados, a principal tarefa metodológica é a interrogação, uma vez que é por meio dela que os sujeitos da pesquisa organizam suas vivências com o fenômeno estudado. Neves (2005) ressalta que é dever do pesquisador fazer a formulação da indagação significativa com o objetivo da pesquisa em questão.

Nesta perspectiva, ao ter como objetivo compreender o fenômeno do Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental do Núcleo Regional de Educação de Maringá, PR, tendo como questão de pesquisa responder o seguinte questionamento: como ocorre o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental? Os sujeitos de pesquisa foram indagados com a seguinte interrogação como você vê o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental?

No decorrer das entrevistas procuramos realizar poucas interrupções. No entanto, alguns professores tiveram dificuldades em se expressar livremente. Muitas vezes, falaram o mínimo possível. Isso impôs a realização de interrupções do pesquisador para conexão entre os assuntos. Essa dificuldade pode estar associada ao fato de estarem sendo gravados e/ou ao medo de serem julgados pela forma que pensam. Para evitar a influência destes aspectos com os do resultado, em alguns momentos, foi reforçada a pergunta de maneira diferente, podendo assim perceber a concordância ou discordância da fala.

As estratégias e instrumentos de análise de dados

Ao iniciar a análise de dados é preciso transcrever as entrevistas gravadas, dando ênfase na fala-foco do Sujeito de Pesquisa, por meio de uma tradução fidedigna do vivido, visto que isso só é possível porque o pesquisador estava presente na situação, para obter as descrições (DETONI; PAULO, 2011). Portanto, nas palavras de Detoni e Paulo (2011, p. 105), a transcrição é "[...] um texto escrito, cujas palavras competem reperspectivar o vivido em todas as suas nuanças: os sons, cores, os movimentos, componentes da estrutura multidimensional mundo-horizonte".

A maneira como é realizada a interrogação do sujeito é capaz de determinar a trajetória de pesquisa, ou seja, de como o fenômeno será explorado e analisado. Ao ter como interrogação frases iniciadas com "o que é isto?/como vê isto?", as descrições irão descrever a estrutura dos fenômenos. Esta modalidade de pesquisa é conhecida como fenômeno situado com enxertos hermenêuticos (BICUDO, 2011a; FINI, 1997).

Neste prisma, Bicudo (2011b) faz uma adaptação de Martins e Bicudo (1989) ao destacar quatro etapas necessárias para uma análise do fenômeno situado: a leitura atenta do descrito, colocar em evidência sentidos, estabelecer unidades de significado, efetuar síntese de Unidades de Significado.

Em seguida, ressalta-se a necessidade do pesquisador de integrar os insights das Unidades de Significado em uma descrição consistente da estrutura situada do fenômeno, por meio da análise ideográfica e da análise nomotética (BICUDO, 2011b; MARTINS; BICUDO, 1989).

Ambas as análises são obtidas pela redução fenomenológica, que consiste em levar o fenômeno psicológico à sua essência, procurando apenas o descrever (HUSSERL, 2006). O processo redutivo se orienta em duas direções: "[...] para a noesis, que é o ato dirigido para um objeto intencional e para o noema, que é o objeto de um ato noético" (MARTINS; BICUDO, 1983, p. 52, grifo dos autores).

Para finalizar as trajetórias fenomenológicas, são realizadas interpretações com auxílio dos recursos hermenêuticos, uma vez que as descrições foram obtidas por meio da linguagem (BICUDO, 2011a). Portanto, obtêm-se a "[...] compreensão nomotética imediata das situações relatadas" e a "compreensão nomotética geral" (NEVES, 2005). Com base na análise fenomenológica do fenômeno situado com enxertos hermenêuticos, é possível chegar à essência do interrogado, buscando discutir o fenômeno do Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental.

Análise e discussão dos resultados

Em virtude de as pesquisas fenomenológicas apresentarem uma extensa análise e discussão de resultados, conforme exposto na seção anterior, optou-se em evidenciar apenas a parte final da trajetória fenomenológica, por apresentar a essência do interrogado e seus desdobramentos. Nesta perspectiva, no decorrer do texto será abordada a compreensão nomotética imediata das situações relatadas pelos nove sujeitos, e a compreensão nomotética geral.

Ao longo da redução fenomenológica, objetivando compreender a fala dos professores de Ciências, surgem vários pontos de convergência diante da inquietude essencial: como ocorre o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental?

O Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental pode ser descrito por meio de nove aspectos: na manifestação de interesse dos alunos e do professor, na limitação de acesso a recursos, na abordagem do tema nos livros didáticos de Ciências, nos documentos oficiais da Educação Básica e em sala de aula, na construção da Ciência, nas falhas da formação inicial que resultam na necessidade da formação complementar e, por fim, nos relatos positivos das práticas docentes, ou seja, das experiências significativas para os professores envolvidos neste estudo.

A Astronomia é um assunto que desperta interesse em todas as faixas etárias, incluindo as dos alunos e as dos professores. A razão mais provável desta curiosidade pode estar atrelada à divulgação da Ciência em espaços não formais de ensino, como em centro de pesquisas, em observatórios astronômicos, jornais, mídias sociais etc. Os alunos da faixa etária dos 10 aos 14, em especial, têm curiosidades em aspectos astronômicos que vão além de conceitos básicos, motivados, principalmente, por características da fase de transição da pré-adolescência para a adolescência.

Para que a abordagem da Astronomia possa ocorrer em sala de aula, é essencial que o professor se identifique com o tema e tenha a percepção da importância de ensinar a Astronomia, e da influência dos conhecimentos em pesquisas e em avanços tecnológicos na área para fomentar ainda mais o interesse dos alunos pela Ciência. Essa abordagem precisa ser também relacionada diretamente com a construção da Ciência, ou seja, é necessário ensinar que a Astronomia é fruto de uma construção humana, social, política e tecnológica, a fim de construir a criticidade deles.

Os resultados mostram que a abordagem da Astronomia nos finais do Ensino Fundamental está ainda de acordo com o currículo tradicional, criticado desde o início dos anos 2000. No sexto ano é realizada uma explanação dos conceitos básicos, no sétimo e oitavo anos, a abordagem é bem restrita, e, quando existente, é junto com os conteúdos de Biologia e, no nono ano, é enfatizada um pouco ao longo dos conteúdos de Física. Percebe-se que, quando ela é trabalhada no contexto escolar, dificilmente acompanha os avanços tecnológicos divulgados pela mídia, bem como não é trabalhada como uma construção do conhecimento. A abordagem, na maioria das vezes, acontece de maneira isolada, mesmo a Astronomia tendo um grande potencial para a interdisciplinaridade.

A limitação do acesso a recursos pode também contribuir para a maneira de como o fenômeno do Ensino da Astronomia se faz presente nos anos finais do Ensino Fundamental. A falta de estrutura nas escolas, de instrumentos astronômicos, de material pedagógico, de pesquisas científicas com criação de material didático/ experimental, de uma equipe de trabalho e de locais para realizar viagem pedagógica representam obstáculos de infraestrutura e de fontes. Esse conjunto de dificuldades pode potencializar o professor a não abordar a Astronomia, ou quando abordada, por meio apenas de conceitos básicos. A literatura vem apresentando diferentes alternativas para o enfretamento destes obstáculos, contudo, o seu acesso ainda está limitado a plataformas de trabalhos acadêmicos, demandando tempo para pesquisar trabalhos com materiais para o ensino no contexto escolar.

A dificuldade de acesso a materiais pedagógicos devido à falta deles na escola, de tempo de pesquisa, de conhecimento e, às vezes, de interesse dos professores em estruturar os conteúdos que envolveriam uma abordagem significativa para as aulas, pode resultar no uso exclusivo do livro didático de Ciências. Ao analisar os livros, percebese que apresentam conceitos básicos no sexto e no nono anos, que são discutidos dentro dos conteúdos de Física, e no sétimo e oitavo anos é praticamente inexistente. Nota-se que a Astronomia que está presente nos livros segue um currículo tradicional, sendo o mesmo que é reproduzido pelos professores em suas aulas.

Contudo, contrariando a abordagem curricular tradicional, os documentos oficiais da Educação Básica apresentam currículos com novas tendências e perspectivas para a presença da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental. Os resultados das descrições mostram que poucos professores seguem as orientações da DCE, principalmente para o sétimo e para o oitavo anos, bem como sinalizam que para ocorrer a implementação efetiva da BNCC nas escolas é preciso fomentar a formação dos professores e o desenvolvimento de atividades práticas aos alunos para facilitar a compreensão de conteúdos abstratos.

No que diz respeito à formação de professores para a Astronomia, percebese forte influência de cursos de aperfeiçoamento com relação a como os professores abordam a Astronomia. Dos nove entrevistados, apenas três participaram de cursos neste segmento. Em suas falas nota-se que, por conta do conhecimento fomentado pelos cursos e do direcionamento destes cursos para a DCE e para as críticas com os livros didáticos, eles têm preocupações em inserir a Astronomia em todos os anos do Ensino Fundamental, noções de que os livros didáticos deveriam ser apenas um apoio pedagógico para os alunos, bem como têm a percepção da importância da Astronomia neste nível de ensino.

As falhas na formação inicial, em especial nos cursos de Ciências Biológicas, são identificadas como um grande precursor do uso exclusivo do livro didático nas aulas de Ciências. Existe forte ausência de disciplinas que abordam a Astronomia nas grades curriculares dos cursos, mesmo os documentos oficiais da Educação Básica orientando lecionar tópicos de Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental. Percebe-se que a Diretriz Curricular dos cursos de Ciências Biológicas não está de acordo com o que se espera que o professor tenha conhecimento, logo, os cursos de graduação, se seguirem o que é orientado na Diretriz do curso, irão fomentar a formação insuficiente do futuro docente por não implementarem disciplinas voltadas a essa temática. Ao relacionar a limitação do acesso a recursos, da divisão tradicional do livro didático e da não inserção da Astronomia nos cursos de formação inicial, resulta em como a Astronomia vem sendo trabalhada no contexto escolar, ou seja, quase inexistente, com uma visão simplista e reducionista de sua real importância na formação de cidadãos críticos e na aproximação do homem com a Ciência.

Com isso, entende-se que a formação complementar de tópicos de Astronomia se faz necessária para todos os professores formados em Ciências Biológicas que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental. Para que ocorra essa formação, é preciso partir do reconhecimento desta limitação e do interesse dos professores. Ela pode ser de maneira autônoma, ou seja, o professor estudar por conta própria a temática, e pode ser por meio de cursos de aperfeiçoamento oferecidos por especialistas na área de Astronomia com conhecimento pedagógico. Algumas dificuldades podem contribuir para que os professores não procurem o devido aperfeiçoamento, tais como: não conhecimento de sites de confiança para estudar, a falta de tempo devido à alta carga horária em sala de aula e a abordagem exclusivamente conteudista, sem a inserção de metodologias e práticas viáveis para o contexto escolar.

Válido destacar que, com o intuito de dar voz aos professores de Ciências, foi possível identificar os reais problemas existentes no contexto escolar no que se refere ao Ensino da Astronomia, contudo, também foi possível identificar relatos de experiências positivas que envolvem o planejamento, a abordagem e os recursos didáticos utilizados nas aulas, principalmente oriundos dos professores que têm conhecimento na temática.

Portanto, ao responder ao questionamento inicial de como ocorre o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental, tem-se como resposta um ensino simplista, raso, com diferentes falhas nas distintas esferas educacionais, formando um grande aglomerado de problemas. Contudo, ainda assim é notado haver relatos positivos que mostram que, apesar das dificuldades, é possível o professor ir além da abordagem do livro didático, motivado especialmente pelo interesse e pela curiosidade em querer saber mais a respeito do assunto que é ensinado aos alunos. Existe a necessidade emergencial em suprir cada uma das lacunas existentes, a fim de oportunizar um ensino de qualidade para os educandos.

Ao considerar a prática pedagógica como um fenômeno, busca-se "[...] contribuir para que essa prática seja repensada, melhor conhecida e compreendida enquanto realidade complexa, plural e cheia de possibilidades para a mudança da educação" (BUENO, 2003, p. 89). Com isso, a compreensão da trajetória formativa na carreira e da mobilização dos saberes docentes percebidas por meio das descrições podem auxiliar no entendimento da inquietude principal deste estudo.

Ao se basear em Huberman (1995) e nos relatos das práticas pedagógicas dos professores de Ciências envolvidos nessa pesquisa, é possível fazer alguns indicativos sobre a trajetória formativa na carreira que esses professores estão vivenciando. A compreensão das fases da trajetória formativa na carreira possibilita um melhor entendimento a respeito de suas atitudes em sala de aula, a fim de entender o Ensino da Astronomia neste espaço, uma vez que a postura adotada pelo docente reflete diretamente o momento que está vivenciando.

Nota-se que são perceptíveis as experiências positivas nos relatos das práticas pedagógicas, conforme a fase em que o professor encontra-se. O interesse do professor pelo tema e os cursos de aperfeiçoamento também podem influenciar nesse processo, uma vez que, ao entrar na fase de experiente inovador, busca por inovações pedagógicas e por novos materiais. Já professores que trilham suas trajetórias formativas pelas fases do questionamento e de lamentação dificilmente estarão abertos a mudanças de suas práticas pedagógicas, mesmo reconhecendo as limitações.

Com isso, ao propor um curso de formação continuada, é importante identificar a fase em que os professores se encontram, pois, isso pode influenciar diretamente em como será a disponibilidade de tempo para o curso e de aceitação/incorporação de novas metodologias de ensino.

Ao apreciar que "[...] é fundamental que o homem se perceba como ser-ao-mundo e no-mundo, capaz, conscientemente, de agir nesse mundo e ajudar a criar uma nova realidade" (BUENO, 2003, p. 89), torna-se possível entender os saberes docentes, à luz de Gauthier et al. (2013), mobilizados nas falas ao serem questionados sobre a maneira que percebem o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental.

Os saberes pré-profissionais – tradição pedagógica – são fortemente notados na abordagem da Astronomia em sala de aula. Já os saberes curriculares são evidenciados quando os sujeitos de pesquisa descrevem os conceitos presentes nos documentos oficias da Educação Básica e nos livros didáticos de Ciências. Nessa perspectiva, é notado que o saber das ciências da Educação é necessário quando especialistas da área constroem os currículos que devem ser seguidos nas escolas, mostrando que esses profissionais deveriam ter conhecimento pedagógico, além do conhecimento específico do conteúdo.

O saber disciplinar é evidenciado ao apontarem que os professores precisam, antes, aprender o conteúdo para depois ensinarem, sinalizando falhas na formação inicial dos professores de Ciências. A necessidade de formação continuada mostra a mobilização do saber experiencial, uma vez que, a partir da prática, reconhecem-se as lacunas existentes na formação. O saber da ação pedagógica é elucidado quando os professores de Ciências compartilham suas experiências em sala de aula, em especial, as positivas.

Para que os conteúdos relacionados à Astronomia se façam presentes de maneira satisfatória nos anos finais do Ensino Fundamental, é imprescindível a mobilizações de diferentes saberes docentes. O quadro 1 busca explanar aspectos relacionados a problemas e dificuldades ainda presentes no Ensino de Astronomia.

Quadro 1 Problemas e dificuldades no Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental 

Problemas Dificuldades
Conhecimento disciplinar Formação inicial Inexistência de disciplinas de Astronomia nos cursos de Ciências Biológicas
Formação continuada
  • – Estudar por conta → falta de motivação, de interesse e de tempo;

  • – Distanciamento entre os professores da Educação Básica e a Universidade;

  • – Cursos de aperfeiçoamento → falta de interesse, de tempo, de informação.

Conhecimento metodológico Abordagem Romper com o currículo tradicional.
Fontes de pesquisa Não conhecimento de sites de pesquisa confiável, não divulgação nas escolas das pesquisas acadêmicas.
Recursos didáticos Uso exclusivo do livro didático, falta de material pedagógico na escola, falta de recursos para atividades práticas.
Conhecimento curricular Documentos da Educação Básica Currículos construídos por especialistas sem conhecimento pedagógico.
Livros didáticos de Ciências Fomentar o currículo tradicional nas coleções.

Fonte: Buffon (2020).

Percebe-se que ainda há obstáculos a serem superados, principalmente no que diz respeito à influência do saber da tradição pedagógica no ensino e do saber disciplinar. Nesta perspectiva, ao identificar em como ocorre o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental, ocorrem problemas e dificuldades oriundas do conhecimento disciplinar, do conhecimento metodológico e do conhecimento curricular. Portanto, conclui-se que o Ensino de Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental ainda tem muitos obstáculos a serem superados a fim de oportunizar um ensino de qualidade para os educandos.

Considerações finais

Em referência à formação de professores para o Ensino da Astronomia, a literatura aponta para importantes inquietações, tanto na formação inicial como na formação continuada, principalmente em compreender o contexto em que os professores da Educação Básica estão inseridos. Neste prisma, a trajetória formativa de carreira e os saberes docentes auxiliaram no entendimento das falas dos professores, uma vez que essa fala esteve, em alguns momentos, relacionada com a possível fase que o professor está vivenciando em relação ao seu tempo de magistério, e também foi perceptível a influência dos saberes profissionais dos professores em suas práticas pedagógicas.

No que diz respeito à compreensão nomotética, foi possível elucidar as convergências das descrições. Foram identificados nove possíveis aspectos que respondem ao problema central desta pesquisa: como ocorre o Ensino da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental? São eles: a abordagem em sala de aula, o interesse do aluno e do professor, a construção da Ciência, a presença nos documentos oficias da Educação Básica, a presença nos livros didáticos, a limitação do acesso a recursos, as falhas na formação inicial, a necessidade da formação complementar e os relatos das práticas docentes.

Entende-se que as falhas na formação inicial e a limitação de acesso a recursos são os pontos de partida para fomentar a quase inexistência da Astronomia nos anos finais do Ensino Fundamental, ainda que os documentos oficiais da Educação Básica orientem para a inserção desta temática ao longo de todos os anos finais. Percebe-se a necessidade da reestruturação e da atualização da Diretriz Curricular dos Cursos de Ciências Biológicas, a fim de abordar todos os conteúdos propostos na BNCC, ainda na formação inicial. Outra possibilidade seria corrigir a permissão das habilitações para lecionar Ciências, atribuindo essa disciplina somente a quem é formado em História Natural ou com licenciatura em Ciências com habilitação em Física, Química, Biologia ou Matemática. Com isso, o professor de Ciências Biológicas poderia lecionar somente para o Ensino Médio, na disciplina específica da formação, como já acontece com quem é formado em Física e em Química.

Para superar a carência da formação inicial, é necessário que todos os professores de Ciências que não tiveram tópicos de Astronomia em sua formação realizem um curso de aperfeiçoamento com especialista na área de Astronomia e que tenha conhecimento pedagógico. Esses cursos precisam ser oferecidos por meio de políticas de incentivo aos professores a realizarem cursos de formação continuada por meio da Secretaria da Educação dos estados e municípios.

Por fim, entende-se que ao dar voz aos professores para conhecer melhor o contexto em que eles estão inseridos, tendo uma percepção mais ampla do fazer docente, da influência dos depoimentos e dos relatos de suas práticas pedagógicas no Ensino da Astronomia, necessidades emergenciais podem ser apontadas como perspectivas para trabalhos futuros relacionados a projetos de ensino, de pesquisa e de extensão.

1No período em que foi realizada a entrevista, as diretrizes curriculares do Paraná concentravam os conteúdos relacionados a Astronomia no 6º ano do Ensino Fundamental, mas, atualmente, com a inserção da BNCC, esses mesmos conteúdos estão diluídos ao longo dos anos finais do Ensino Fundamental.

Agradecimento

Agradecemos a Fundação Araucária pela concessão da bolsa de estudos a um dos autores deste artigo.

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Recebido: 29 de Dezembro de 2020; Aceito: 12 de Outubro de 2021

Autor correspondente: alessandradbuffon@gmail.com

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