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Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.28  Bauru  2022  Epub Apr 06, 2022

https://doi.org/10.1590/1516-731320220008 

Artigo Original

O quadrante geométrico na situação desencadeadora de aprendizagem sob uma interface entre história e ensino

The geometric quadrant as a trigger of learning in the interface between history and teaching

Marisa da Silva Dias1 
http://orcid.org/0000-0002-4501-2625

Ana Paula Minhano da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-6908-2986

1Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica, Bauru, SP, Brasil.


Resumo:

O objetivo da pesquisa a que se refere este artigo é investigar o movimento de conceitos na aprendizagem da matemática, durante uma atividade didática, elaborada com base no contexto histórico do instrumento de medida quadrante geométrico. Fundamentada em uma interface entre a história e ensino de matemática e a Atividade Orientadora de Ensino, o resultado constituiu-se de determinada situação desencadeadora de aprendizagem, como forma de organizar o ensino e a aprendizagem de uma turma de 9o ano do ensino fundamental, capaz de explicitar o processo de significação dos conceitos matemáticos contextualizados no ofício do praticante de matemática do século XVI e outros aspectos da época, como as grandes navegações, os modos de produção material e intelectual, a prática militar e os instrumentos de medida. As ações desenvolvidas permitiram um diálogo entre história e ensino, no movimento dos conceitos matemáticos, como razão, proporção, semelhança de figuras planas, reta oblíqua, figuras geométricas e medida.

Palavras-chave: Ensino de matemática; História da matemática; Instrumento de medida; Atividade orientadora de ensino

Abstract:

The aim of this article is to investigate the movement of concepts in the learning of mathematics during a didactic activity based on the historical context of the geometric quadrant as a measurement instrument. Based on an interface between history and teaching of mathematics and on the principles of a Teaching Guidance Activity, the results were obtained in a certain trigger situation for learning as a way of organizing the teaching and learning of a 9th grade class, which can explain the process of signification of mathematical concepts involved in the work of the 16th-century mathematician and other aspects of that time, such as the great sea voyages, the modes of material and intellectual production, military practices and measuring instruments. The developed actions allowed for integration between history and teaching, in the movement of mathematical concepts, such as reasoning proportion, similarity of figures, oblique line, geometric figures and measurements.

Keywords: Mathematics teaching; History of mathematics; Measuring instrument; Teaching guidance activity

Introdução

A interface entre história da matemática e ensino de matemática, como proposta por Saito e Dias (2010, 2011, 2013), e Dias e Saito (2014) começa a ser explorada nas pesquisas acadêmicas com instrumentos matemáticos nas dissertações de Monteiro (2012), com o quadrante dentro alla quarta parte di un cerchio (quadrante de um quarto de círculo); de Di Beo (2015), com o radio latino; de Moraes (2017), com o trigonall sector (setor trigonal), e, na tese de Castillo (2016), com o baculo (báculo).

Apoiadas em estudos historiográficos, as pesquisas têm avaliado documentos e instrumentos antigos como recursos didáticos em potencial. É nesse contexto que se insere a investigação retratada neste artigo, com o estudo do instrumento quadrante geometrico1 (BARTOLI, 1564) e seu tratado.

A pesquisa, de cunho qualitativo, buscou articular teórica e metodologicamente o movimento do pensamento na formação de conceitos, o contexto em que esses conceitos foram desenvolvidos (SAITO; DIAS, 2013) e a atividade orientadora de ensino (MOURA, 2010, 2017). Os procedimentos metodológicos demandaram estudos históricos para contextualizar a atividade humana na época da produção e da utilização do instrumento de medida e de seu tratado. Destaca-se, neste texto, a intervenção didática na constituição da sua organização e do seu desenvolvimento, articulada com os pressupostos teóricos da pesquisa.

A intervenção didática foi realizada com uma turma de 20 estudantes do 9o ano do ensino fundamental de uma escola situada na cidade de Bauru, no estado de São Paulo. O desenvolvimento do plano de ações didáticas possibilitou abordar o significado sociocultural do instrumento, na prática da atividade humana, mediante a mobilização dos conhecimentos por meio das ações de leitura e interpretação do tratado e de outros textos, construção do protótipo do quadrante geométrico, bem como seu uso para medição.

Os itens que seguem sintetizam partes do processo e dos resultados da investigação que entrelaçam uma abordagem didática com uma concepção de interface entre história e ensino de matemática, evidenciando o contexto histórico em que versam alguns significados da matemática.

Interface entre história e ensino de matemática

Saito e Dias (2013), com intuito de contribuir com uma interface entre história da matemática e o ensino, propuseram um diálogo entre historiadores e educadores matemáticos com o objetivo de refletir sobre uma elaboração que contemple a significação de objetos matemáticos historicamente constituídos. Tal interface centralizou-se em dois pilares que interagem entre si, o movimento do pensamento na formação do conceito e o contexto no qual os conceitos foram desenvolvidos.

O movimento do pensamento na formação do conceito, na proposta de interface, fundamenta-se na dialética entre o lógico e o histórico (DIAS, 2007; KOPNIN, 1978). O lógico do conceito tem a vertente da lógica materialista dialética, que relaciona sujeito e objeto consubstanciados no processo histórico. De acordo com Kopnin (1978), o sujeito e a realidade que o circunda integram-se dialeticamente, na medida que o pensamento constitui a própria realidade do ser. Nesse sentido, a lógica tradicional é somente uma parte que compõe a forma de pensar conceitualmente.

O lógico é o meio pelo qual o pensamento reflete o conteúdo, a essência do objeto; como é formado e reconstruído a partir do seu processo histórico. Na dialética com o histórico, o lógico aponta a essência do objeto no processo de pensamento, assim como a história de seu desenvolvimento (KOPNIN, 1978).

O histórico compreende o objeto de conhecimento, o saber, por meio de sua história, em relação às necessidades humanas que levaram à criação, à disseminação e à transformação dos saberes. Assim, entende-se que "[...] o estudo das leis do movimento do pensamento no sentido da verdade objetiva leva necessariamente à colocação do problema da correlação entre o histórico e o lógico" (KOPNIN, 1978, p. 183, grifo do autor).

Nos aspectos gerais do movimento do pensamento está a dinâmica de apropriação e objetivação, que fundamenta também a teoria da atividade desenvolvida por Leontiev (1983) na constituição da consciência e da personalidade do indivíduo. Como apontado anteriormente, a compreensão do movimento do pensamento nessa dinâmica cunha-se na base dialética materialista, a qual

[...] revela as leis gerais do movimento do pensamento no processo de obtenção da verdade objetiva, as leis de transição de uma imagem cognitiva e outra mais completa e mais profunda. As leis do movimento da imagem cognitiva do objeto, do pensamento, guardam afinidade com as leis do movimento do próprio objeto, pois o pensamento se movimenta no campo do seu conteúdo objetivo. […] O desenvolvimento do pensamento leva à substituição de uma imagem cognitiva por outra, à transição do desconhecimento ao conhecimento, do conhecimento superficial e unilateral do objeto ao conhecimento profundo e multilateral. (KOPNIN, 1978, p. 127).

Dias (2007), a partir da teoria da atividade, abordou o movimento do pensamento no desenvolvimento de conceitos matemáticos fundamentado no lógico-histórico, afirmando que, para seu estudo, é necessário analisar a atividade do sujeito. O movimento do pensamento, considerado na interface e na dinâmica de apropriação e objetivação, é analisado na pesquisa no meio pedagógico. Para isso, apoiou-se nas contribuições do estudo de Dias (2007) em relação à necessidade de desenvolvimento do pensamento teórico na formação de conceitos.

Para resolver muitas tarefas de caráter utilitário, é suficiente o conhecimento dos traços identificadores externos dos objetos, dos fenômenos, o conhecimento empírico. Entretanto, para compreender as relações entre os objetos no seu movimento, é indispensável apoiar-se no conhecimento de suas propriedades essenciais, possível somente com o pensamento teórico. A atividade mental que opera com conceitos é o pensamento teórico, é ele que se desenvolve ao reproduzir mentalmente o movimento do objeto (DIAS, 2007, p. 234).

O histórico na interface tem por base uma vertente historiográfica mais atualizada, cuja análise integra esferas epistêmicas e contextuais, além da histórica do próprio objeto matemático (SAITO; DIAS, 2013). Por sua vez, a dialética com o lógico encarna o modo de compreender o pensamento no próprio desenvolvimento histórico, nas suas epistemologias, no processo de significação. Com isso, busca-se explicitar não apenas o aspecto intrínseco do objeto matemático, mas também o extramatemático, que o integra à atividade social de uma época, de um lugar, no que se refere a modos de produção tanto materiais quanto intelectuais.

A interface tem considerado em seus estudos os instrumentos matemáticos como

[…] um potencial recurso para elaboração de propostas didáticas que contemplem a formação do conceito matemático. Isso, entretanto, não quer dizer que devamos ensinar matemática pela história, nem repetir o percurso histórico na formação do conceito matemático. Mas, buscar no processo histórico o movimento do pensamento no contexto de formação deste conceito. (SAITO; DIAS, 2013, p. 93).

A elaboração de uma intervenção didática com abordagem na interface entre história e ensino de matemática, como proposta pelos autores, busca propiciar ao estudante uma compreensão de matemática como uma atividade humana, estreitando a relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. Isso porque se propõe a colocar, no processo educativo, documentos originais antigos que encarnam não apenas o conhecimento matemático, mas também seus modos de produção, ou seja, a significação entendida como processo.

A atividade orientadora de ensino

A investigação considerou a atividade orientadora de ensino (MOURA, 2010) como recurso teórico-metodológico na organização da intervenção didática na interface entre história e ensino, principalmente por ter como princípio o desenvolvimento conceitual tanto pelo sujeito que aprende como pelo sujeito que ensina.

A atividade orientadora de ensino tem como objeto a organização do ensino que articula a atividade principal (LEONTIEV, 1983) do professor, de ensinar, e do estudante, de aprender. Sob bases epistêmicas do materialismo histórico dialético e da psicologia histórico-cultural, a parte teórica orienta-se para o desenvolvimento humano e a apropriação cultural, sobretudo na relação indivíduo-coletividade (LEONTIEV, 1983; VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 2017) e no desenvolvimento conceitual, compreendido como pensamento teórico (DAVIDOV, 1988; KOPNIN, 1978).

Estruturalmente, a atividade orientadora de ensino compreende os mesmos critérios da atividade concebida por Leontiev (1983) na dialética entre atividade externa e interna nos processos de objetivação-apropriação, em que necessidade, motivo, ações e operações estão interligadas na direção do objetivo. A atividade de ensino e a atividade de estudo (aprendizagem) interligam-se pela atividade orientadora de ensino, pois o objetivo do professor é que o estudante aproprie-se dos conhecimentos teóricos e desenvolva suas funções psíquicas superiores, que é sua necessidade. É a intencionalidade que há de moldar a organização do ensino, a qual requer do professor conhecimento acerca do potencial de aprendizagem dos estudantes e do conteúdo a ser ensinado, assim como elaboração de um plano de ação adequado aos pressupostos teóricos que se coadunam ao desenvolvimento de conceitos.

A atividade orientadora de ensino tem defendido, por meio da elaboração de situações desencadeadoras de aprendizagem intencionalmente organizadas, uma abordagem lógico-histórica dos conceitos fundamentais de um determinado conteúdo, isto é, a colocação, no ambiente didático, da gênese do conceito.

Ao considerar o conhecimento como produção humana, decorrente de um movimento lógico e histórico de formação de conceitos, o professor, como sujeito da atividade de ensino, pode criar situações desencadeadoras de aprendizagem com a clara intencionalidade de promover as condições pedagógicas para que a criança entre em atividade de estudo, objetivando a apropriação de conhecimentos teóricos, constituintes de um projeto político-pedagógico de formação das potencialidades humanas (MOURA; ARAUJO; SERRÃO, 2019, p. 422).

Desse modo, considerou-se que a atividade orientadora de ensino integra os pressupostos da interface entre história e ensino de matemática à pesquisa. Para pensar o conteúdo de ensino com a intencionalidade de promover no estudante um diálogo com o passado, na significação dos objetos de conhecimento encarnados no tratado e no instrumento, faz-se necessário, por uma questão teórico-metodológica (SAITO; DIAS, 2013), um estudo da obra e do contexto, na época da fabricação e do uso do quadrante na atividade humana.

A exploração do documento e do instrumento remete a um conhecimento histórico acerca de sua época, o que permite desvendar sua função social. Desse modo, buscou-se mobilizar no estudante o interesse por aprender não apenas a função de medir do instrumento, mas sim, também, a necessidade de medir na época em que foi criado e utilizado. Para contextualizar o leitor sobre a obra e o instrumento abordados na intervenção didática, que constituíram o ponto de partida do estudo histórico, segue uma breve apresentação.

A obra Del modo di misurare foi escrita por Cosimo Bartoli (1503-1572) e publicada em 1564, em toscano da época. Embora seja um único volume, ela se divide em livros, assim chamados pelo autor. São seis livros, cujos conteúdos distribuem-se como segue:

O primeiro livro trata, 'seguindo a sequência proposta por Orôncio', da medida da distância, isto é, comprimento, largura e profundidade. O segundo livro trata da medida da superfície e, o terceiro, dos corpos, isto é, do volume. O quarto livro, 'seguindo, agora, a ordem dada por Gemma Frisio e outros autores', Bartoli explica e ensina como mapear uma província sobre um plano.

A esses quatro livros seguem dois outros, um quinto, dedicado às demonstrações geométricas de Euclides e, um sexto, que ensina a obter raízes quadradas e cúbicas. (SAITO; DIAS, 2011, p. 13-14, grifo dos autores).

Saito e Dias (2010, 2011, 2013) apresentam uma síntese da obra publicada na Itália, contendo uma exploração histórica do documento, bem como menção do público a que se destinava, modos de divulgação e disseminação da obra, articulação com outras obras e a sociedade da época. A forma de expressar o conhecimento matemático e prático no documento está ligada à construção e ao uso dos instrumentos. Os autores também analisaram a ausência de indicações de partes da construção e do uso do instrumento, o que, segundo eles, sugere um conhecimento tácito dos leitores.

A pesquisa dispôs-se do livro I, capítulos 2 e 3 da obra, que tratam da construção e da utilização do quadrante geométrico. O estudo da obra e dos dados históricos foi essencial para uma compreensão do movimento lógico-histórico dos conceitos na atividade social dos sujeitos que utilizavam o instrumento (contexto). Assim, foi gerado conteúdo para organização do ensino. Para inserção do documento no ambiente didático, o original recebeu um tratamento didático.

[…] após a escolha criteriosa do documento, historiador e educador, juntos, submetem o documento a um tratamento, que denominamos tratamento didático. [...] A experiência do historiador permitirá contextualizar os documentos, aspecto esse que o tratamento didático deverá contemplar para que a atividade didática possa oferecer uma aprendizagem interdisciplinar (SAITO; DIAS, 2013, p. 101, grifo dos autores).

Assim, historiador e educador, juntos, analisam o documento com o propósito de evitar entraves na leitura do tratado, porém sem descaracterizá-lo. O primeiro tratamento didático realizado por Saito e Dias (2010) refere-se aos instrumentos que constam na obra: quadrante geométrico, báculo e quadrante de um quarto de círculo. As ações principais do tratamento referem-se à tradução livre para a Língua Portuguesa e ao acréscimo de notas de rodapé contendo descrição de objetos que provavelmente seriam desconhecidos pelos estudantes. O uso das notas de rodapé em detrimento de acréscimos no próprio texto é intencional na interface, pois tem caráter educativo não só do conteúdo do documento, mas da própria história que ele reflete. Desse modo, evitase gerar anacronismo e potencializa-se o pensar sobre a história em que o documento foi produzido e sobre as pessoas que o leram.

É importante notar que o tratamento didático não se confunde com a transposição didática (CHEVALLARD, 1991), conhecida no meio acadêmico, principalmente por educadores matemáticos, dado que seu enfoque é a transformação dos saberes, em especial do científico para o saber a ensinar. O tratamento didático busca preservar o documento e o saber que abriga, não propõe a mudança da forma de abordagem desse saber.

A situação desencadeadora de aprendizagem

Os recursos metodológicos ressaltados por Moura (2010) quanto à atividade orientadora de ensino e usados em pesquisas na elaboração de situações desencadeadoras de aprendizagem são: história virtual do conceito, situação emergente do cotidiano e jogo. Todas têm a finalidade de colocar no ambiente de ensino e aprendizagem um problema a ser resolvido pela coletividade de estudantes.

Diferentemente desses três elementos, a pesquisa propôs como recurso didático para desencadear a aprendizagem o próprio documento histórico após tratamento didático (SAITO; DIAS, 2010). Desse modo, a organização do material utilizou dois excertos do tratado Del modo de misurare, um referente à construção e o outro à utilização do instrumento quadrante geométrico, além de duas imagens da obra original. A figura 1 é a imagem do instrumento, enquanto a figura 2 ilustra-o no alto de uma torre com o objetivo de medir a distância entre sua base e um lugar determinado no solo.

Fonte: Bartoli (1564).

Figura 1 Imagem do quadrante geométrico 

Fonte: Bartoli (1564).

Figura 2 Ilustração de como usar o quadrante geométrico 

Os problemas que desencadearam a aprendizagem dos estudantes foram a interpretação do documento, a construção do instrumento e a medição. Na sequência, apresentam-se, com mais detalhes, as ações da organização e o desenvolvimento do plano de ação.

O plano de ação e seu desenvolvimento

Este subitem apresenta o planejamento e o desenvolvimento das ações, com ilustrações das produções dos estudantes. Na impossibilidade de descrevê-las na totalidade, foram selecionados episódios representativos da atividade, a fim de elucidar o papel da situação desencadeadora de aprendizagem na atividade orientadora de ensino.

Os episódios são trechos destacados das gravações que compõem indicativos do movimento do objeto analisado. "Por meio dos episódios, temos não apenas a organização dos dados, mas, sobretudo, um modo de exposição que recompõe o fenômeno na sua totalidade, em uma nova síntese, explicitando o movimento lógicohistórico da pesquisa [...]" (MOURA, 2017, p. 68).

Durante três encontros entre professora e estudantes, realizou-se a contextualização sociocultural do período de publicação do documento e do uso de instrumentos, bem como a construção do quadrante geométrico e a medição de distância com o uso do protótipo. As ações atinentes aos dois primeiros encontros desenvolveram-se em um ambiente escolar de sala de aula, adaptado para laboratório de ciências. Para a realização das ações do terceiro encontro, os grupos utilizaram outros espaços da escola, como os pátios e a quadra poliesportiva.

O primeiro encontro tratou da contextualização social, política e econômica do período de produção do tratado e da utilização do instrumento. O objetivo de ensino foi a aprendizagem pelos estudantes de relações entre necessidades sociais do período correspondente aos séculos XVI e XVII, com fatos históricos que, inclusive, culminaram na elaboração e no uso do quadrante geométrico.

Cinco recursos didáticos foram utilizados no encontro, tendo por base os estudos históricos desse período a partir da contextualização do documento: uma sequência de slides elaborada de modo a conter textos curtos e questões para iniciar as reflexões sobre o período histórico citado; um vídeo sobre as grandes navegações, e três textos que tratavam da navegação, da passagem do feudalismo para o capitalismo e das mudanças de práticas militares. A intencionalidade com a apresentação da sequência de slides foi dialogar sobre as questões norteadoras formuladas juntamente com imagens que versavam sobre as necessidades das pessoas por volta dos séculos XV e XVII, para que os estudantes começassem a pensar sobre as condições de realizar determinadas ações com base nessas necessidades sociais.

A turma foi dividida em grupos, e cada um ficou com um texto para leitura, discussão e elaboração de síntese. O grupo que leu o texto sobre as grandes navegações também assistiu ao vídeo: As grandes navegações (GRANDES..., 2012). Posteriormente, no momento nomeado por roda de conversa, foram apresentadas e discutidas as produções dos grupos.

A citação que segue ilustra as reflexões de uma estudante sobre o texto:

Eles não tinham nem noção do quanto teriam que navegar. Acabaram morrendo nesse processo em alto mar, até eles conseguirem chegar e voltar. Com essas navegações, descobrimentos de novas técnicas, de novos povos, de novos produtos, foram surgindo novas ideias e até mesmo novas profissões. Não tem como falar de uma coisa só, acaba envolvendo vários fatores, se eu falar sobre o estojo, não dá apenas para falar sobre ele, temos que falar sobre a matéria que ele foi feito e quem contribuiu para que fosse feito (SILVA, 2019, p. 86).

Ao relacionar o estojo sobre sua mesa com o texto e as questões, a estudante reflete sobre a atividade humana encarnada em um objeto, o movimento de abstração na constituição do objeto. Observa-se que o pensamento foi mobilizado para além das suas relações imediatas. Os eventos relacionados pela estudante permitem compreender como várias situações e objetos interligam-se nos modos de produção material que, por sua vez, modificam-se e são modificados nas relações sociais. De forma dialógica, também a sociedade modifica-se no surgimento de novas ideias e profissões, como apontou a estudante.

Ainda sobre as grandes navegações, um estudante comenta que, em determinado período, filósofos, geógrafos, cartógrafos, etc. tinham interesses próprios nas navegações que não eram os mesmos da burguesia mercantil, o que levou à produção e à disseminação do conhecimento. Outra estudante complementa essa ideia, apresentando que a humanidade conseguiria viver sem as especiarias, produto comercializado por meio das navegações. A questão é que o ser humano cria "necessidades para satisfazerem suas vontades" (SILVA, 2019, p. 88).

Nota-se nas reflexões dos estudantes a manifestação das relações humanas no que concerne ao próprio processo de humanização, na atividade, com necessidades, motivos, ações para atingir objetivos. Estrutura estudada por Leontiev (1983) na atividade com objetos para formação da consciência e incorporada por Moura (2010, 2017) no desenvolvimento teórico da atividade orientadora de ensino.

De modo geral, no primeiro encontro, os estudantes, a partir de cada texto, articularam a relação entre as necessidades produzidas pelo ser humano, materiais e ideais, e o movimento de produção de conhecimento. Os estudantes apontaram que a aventura por águas desconhecidas provinha de motivos diferentes. Entre seus registros estão a procura por novos territórios, por mercados consumidores e por fontes de matéria-prima, além da busca por ampliar e acumular capital. Houve quem acrescentou sobre a necessidade do ser humano de "dominar o desconhecido" (SILVA, 2019, p. 156).

Em síntese, os estudantes indicaram compreender, por meio dessa etapa brevemente descrita aqui, um contexto histórico diferente de uma lista de fatos, tampouco de notas históricas com curiosidades, descoladas dos conceitos matemáticos a serem apreendidos, como muitas vezes ocorrem nos livros didáticos. A proposta oportunizou aos estudantes ambientarem-se com a lógica do movimento social na produção de objetos de uma época e, dialeticamente, com o próprio desenvolvimento social e cultural no qual o instrumento de medida, o quadrante geométrico, foi desenvolvido.

A proposta do segundo encontro foi a construção de um protótipo do instrumento, a partir da leitura e interpretação do excerto do documento e do recurso de sua imagem (figura 1). As ações no encontro foram organizadas de forma a considerar, primeiramente, a apresentação de imagens do documento e do instrumento juntamente a uma explanação verbal da professora acerca de aspectos descritivos e historiográficos mais diretamente ligados a eles. Posteriormente, por meio de questões e discussões, foram promovidas reflexões sobre as relações contextuais abordadas no primeiro encontro.

Inicialmente, o plano de ação contemplou reflexões sobre aspectos gerais de instrumentos de medida de distância atuais e antigos, como topógrafo, teodolito, astrolábio, báculo, quadrante de um quarto de círculo, quadrante geométrico. As ações posteriores trataram da leitura, análise e discussão do excerto sobre a construção do instrumento, bem como da construção do protótipo. Em grupos, os estudantes produziram registro escrito sobre a leitura de como proceder com a construção do quadrante geométrico, com base nas ações destacadas do texto por eles sobre traçados das linhas, proporcionalidade, reta oblíqua, diagonal, quadrado, paralelas, etc. As discussões com base nas interpretações e reflexões dos estudantes em relação ao conhecimento matemático envolvido foram indicativas da mobilização e formação de conceitos na relação com o contexto.

Para a construção do protótipo, cada grupo recebeu um material de apoio composto por réguas e esquadros não graduados, barbante, lápis, borracha, folhas de sulfite e de papel-cartão, além de canudos de plástico e percevejos latonados. O oferecimento de réguas e esquadros não graduados foi intencional, ao passo que, à época do instrumento, não se tinha o metro como padrão de medida, e as construções geométricas tinham por base o conteúdo das publicações dos Elementos de Euclides. Nesse contexto, a própria obra anteriormente citada, no seu livro 5, revela o conhecimento de Cosimo Bartoli sobre os Elementos. Além da intencionalidade de propor um diálogo com a história por meio do uso de instrumentos não graduados, o objetivo foi colocar o estudante no movimento de formação do conceito de medição.

Durante a socialização das reflexões e dúvidas dos grupos, uma estudante releu o trecho "[...] formam três intervalos, de tal maneira que sejam proporcionais entre si, e que o próximo seja sempre o dobro mais largo que o outro" (SILVA, 2019, p. 108). A realização dos traçados das linhas do desenho do instrumento perpassa pela compreensão do conceito de proporção, então a professora pergunta: "o que vocês entendem por proporcionais?" (SILVA, 2019, p. 108). Como resposta, um estudante verbalizou a definição aproximada de proporção “Quando uma coisa em relação à outra é igual a outra coisa em relação a outra coisa” (SILVA, 2019, p. 108). A dificuldade para operacionalizar o traçado indicou que o papel da imagem-definição (DIAS, 2007), ou seja, o que o estudante internalizou sobre definição formal de proporção, não foi suficiente para flexibilização do conceito para o traçado.

A mediação da professora encaminhou a discussão sobre semelhança de triângulos, assunto comumente abordado no ensino escolar, com o propósito de mobilizar o pensamento do estudante para a relação da proporção com a geometria. Quatro manifestações iniciais sobre semelhança encontraram-se no nível do cotidiano, sintetizadas na interpretação de igualdade e de uma forma parecida – características do conceito empírico (DAVIDOV, 1988).

No ensino da matemática, o conceito de semelhança é normalmente apresentado na escola com o estudo de triângulos, a abordagem de retângulos semelhantes não é comum. A discussão possibilitou refletir sobre a essência do conceito de semelhança de figuras planas e como esses conceitos matemáticos estão relacionados ao instrumento e, por sua vez, à necessidade da medição historicamente situada. Esse aspecto da proposta da interface entre história e ensino permite, na objetividade da atividade, uma apreensão não só do conteúdo matemático, como também das relações do contexto que formam os nexos conceituais inerentes à significação.

Referente ao trecho do excerto: "[...] trace um linha oblíqua CE a qualquer um dos lados AB ou CD" (SAITO; DIAS, 2011, p. 15), um grupo disse desconhecer o significado de linha oblíqua. Entender o significado era necessário para dar prosseguimento à construção do desenho do quadrante geométrico. Porém, um estudante de outro grupo compartilhou com os colegas sua compreensão sobre o que havia pesquisado na Internet. A manifestação indica princípio da formação de coletividade, a colaboração para a solução do problema comum, processo da atividade humana incorporado nas significações.

Dentre as ações de construção do protótipo, destaca-se o uso do barbante para transferência de medidas, inclusive para averiguar se o traçado de uma linha estava paralelo à borda da folha do papel. Observou-se, na ação dos estudantes nesse processo, uma flexibilidade do pensamento conceitual sobre medição, uma vez aplicada a insubordinação às réguas graduadas.

Para adaptação do tamanho do protótipo, a orientação para construção foi utilizar um quarto da dimensão do instrumento proposta por Bartoli (1564) no tratado, ou seja, um quadrado de lado medindo um quarto da braça. A braça, única unidade de medida mencionada pelo documento, não foi compreendida por todos de imediato, mesmo após pesquisa na Internet, dado que a maioria das consultas retorna a equivalência em metros. Porém, isso não impediu que os estudantes realizassem as medidas proporcionalmente a uma unidade que estabeleceram, uma vez que os traçados possuem comprimentos sempre proporcionais à medida do lado do instrumento (de formato quadrangular).

A intensidade das discussões nos grupos indicou que a construção não era trivial e, com isso, demonstrou a dinâmica dos conceitos de proporcionalidade, razão, paralelismo e perpendicularismo com o desenho geométrico na solução do problema. O documento não explicitava com exatidão todos os passos da construção, uma vez que, para o público a que se destinava o tratado, configuravam conhecimento prático do ofício (SAITO; DIAS, 2013). Após compreenderem o que teriam que desenhar, os estudantes utilizaram estratégias próprias que diferiram entres os grupos. Desse modo, observouse, tanto na adaptação da medida do lado do instrumento, quanto na interpretação do texto, as relações conceituais dos estudantes que perfazem a formação de conceitos em diferentes contextos – nesse momento, em particular, com o desenho geométrico e a forma de construção do instrumento historicizada no documento. Essas relações indicam um diálogo com a história e um processo lógico na construção do instrumento.

No terceiro encontro, a situação desencadeadora de aprendizagem encaminhouse para a medição de uma distância utilizando o protótipo do quadrante geométrico, a partir das indicações do tratado. A fim de contextualizar historicamente o processo de medida, os estudantes assistiram a uma cena do filme: 1492: conquest of paradise (1492: a conquista do paraíso, 1992), de Ridley Scott. A cena mostra o personagem Colombo explicando ao responsável de sua embarcação, Mendez, como se orientar no mar pelas estrelas. Ele utiliza o instrumento de medida quadrante num quarto de círculo (também abordado na obra de Bartoli). Além da observação do instrumento, a professora ressaltou a fala do personagem: "Não se mexa! O erro de um grau corresponde a uma diferença de 600 léguas de distância" (SILVA, 2019, p. 127, grifo do autor). Essa fala foi retomada ao final do encontro, após a realização das medidas, no momento de socialização, alcançando um nível mais elevado de compreensão dos estudantes em relação ao significado dessa expressão, que se refere ao fato de que, também no quadrante, a falta de precisão na miragem, que permite colocar o apontador corretamente na escala do instrumento, multiplica, na proporcionalidade direta, o erro.

Para desenvolver a ação de medição, repetiu-se a organização pedagógica do segundo encontro em relação à construção do instrumento, porém com outra parte do excerto e outra imagem (figura 2). No que tange à dinâmica das discussões, observouse como a medição tornou-se um problema a ser solucionado. A figura 3 ilustra como um estudante representou na lousa a situação para encontrar a medida de uma distância (d), após o grupo simular no espaço escolar a situação da figura 2, em que a escada equivale à torre.

Fonte: Silva (2019, p. 148).

Figura 3 Esquema do estudante representando o problema 

Para a solução, durante a dinâmica da medição, o grupo utilizou a braça de um de seus integrantes como unidade de medida. O comprimento foi transferido para uma porção de barbante (figura 4), que se tornou o instrumento para medir comprimento durante o processo, ou seja, tornou-se a régua para o grupo.

Fonte: Silva (2019, p. 134).

Figura 4 Estudante transferindo a medida braça para o barbante 

Além da compreensão da essência da braça, os estudantes do grupo puderam compartilhar o movimento do conceito de medida na criação da régua, ao associarem uma porção de barbante a uma unidade de medida e efetuarem o processo de medição. Reconheceram, assim, o barbante como um material adequado à realização de comparação para a grandeza comprimento e souberam realizar as ações a fim de produzir um resultado numérico, constituindo no pensamento um significado incorporado ao instrumento de medida.

A figura 5 mostra a continuidade dos registros do grupo após a coleta das medidas no local escolhido. As quatro fotografias foram tiradas em momentos sequenciais. Ficou evidente que, com o uso do quadrante, não é possível obter a medida da distância diretamente: como muitos instrumentos modernos, requerem-se conhecimentos práticos, de manuseio do instrumento, e teóricos, matemáticos, que tornam o resultado válido.

Fonte: Silva (2019, p. 151).

Figura 5 Esquemas e cálculos produzidos por estudantes para solução do problema 

As imagens da figura identificam a posição do observador e do quadrante em piso superior ao local onde se encontrava a marca da distância d (figura 3) a ser obtida, base do triângulo desenhado. Comparativamente à figura 2, nota-se a inclusão da pessoa que mede, denotando a compreensão do grupo de como operar o instrumento e de como o olho deve ser posicionado para mirar, através das pínulas, o ponto demarcado (ponto X da figura 3).

O registro também ilustra o barbante utilizado para medir a altura, como um fio de prumo, porém sem o peso na ponta. O diálogo do componente do grupo com a professora revela o processo realizado para medir parte da altura que não era uma unidade inteira da braça, chegando à fração por meio da dobradura do barbante, que resultou em 2/4, totalizando uma altura de 1 + 2/4 (SILVA, 2019). Pelos cálculos apresentados na parte inferior da figura, observa-se que não foi percebido, de forma imediata, que 2/4 correspondia a meia braça.

O número 55 grafado na lousa refere-se ao número que se encontra na escala do lado BC do instrumento sob o apontador posicionado quando se efetuou a mira no ponto X por meio das pínulas, enquanto 60, à medida do lado AB do instrumento ou, simplesmente, à medida do lado do quadrado – formato do instrumento, como foi dito anteriormente.

Os estudantes associaram a semelhança entre o triângulo retângulo abstraído do instrumento formado pelo lado AB, o apontador e parte do lado BC com o triângulo coplanar abstraído por meio de distâncias entre pontos no espaço e da compreensão da figura 2. Ou seja, o triângulo retângulo é formado com altura de duas braças e meia de medida; a hipotenusa, obtida pela linha imaginária representativa da mira, que parte do ponto A do instrumento até o ponto X marcado no chão (figura 3), e a base, formada pela projeção na hipotenusa no chão, correspondente à distância d. O registro da proporção descrita por 60/55=1,5/x indica como os estudantes chegaram à finalização da situação-problema proposta, uma vez que, nas operações matemáticas subsequentes, não apresentaram dificuldades.

Destaca-se, ainda, que as triangularizações no espaço tridimensional não são uma prática escolar usual, pois a abordagem de semelhança de triângulos normalmente usa o próprio plano do papel para representar triângulos coplanares. O uso do instrumento requer conhecimento teórico e prático, pois o plano das marcações do instrumento deve ser o mesmo da reta representativa da distância que se quer medir. Os praticantes de matemáticas (DIAS; SAITO, 2014), que construíam e utilizavam esses instrumentos, possuíam esse conhecimento.

A própria semelhança de triângulos abordada no tratado e apropriada pelos estudantes não parte explicitamente dos ângulos, como os materiais didáticos normalmente propõem. O quadrante geométrico, diferentemente do trigonall sector de Chatfeild (1650), produzido no século XVII, não possui escala angular.

Na atividade, nem todos os grupos finalizaram suas soluções dentro do tempo didático disponível, porém as soluções completas socializadas possibilitaram a compreensão de todas as etapas pelos demais. A manifestação de uma estudante ilustra a interação entre suas abstrações, advindas da dinâmica vivenciada no seu grupo, e a compreensão da solução dos colegas: "Eu vi que tinha um negócio aqui, só que eu não pensei que esse negócio era para olhar" (SILVA, 2019, p. 146). A estudante refere-se à pínula do instrumento, que inclusive mereceu uma nota de rodapé para esclarecimento da função desse objeto no tratamento didático.

No momento de socialização, também foram realizadas sínteses abrangendo todo o processo, desde o primeiro encontro. Análise e síntese são elementos incorporados na noção teórico-metodológica da atividade orientadora de ensino, que, por sua vez, compõe uma das dialéticas do movimento do pensamento que permeia a formação de conceitos.

A reprodução das ações de medição no pensamento permitiu aos estudantes um nível de compreensão diferenciado do processo quando comparado com uma leitura. Nota-se que a reprodução no pensamento não é uma cópia, uma reprodução mecânica, mas um movimento do pensamento que forma novos elementos por meio de ligações entre o conhecido e o novo conhecimento, que agrega novos conteúdos como também formas de pensamento que permitem a criação e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores dos estudantes.

Considerações finais

Considera-se que, na investigação do movimento de conceitos matemáticos e extramatemáticos de uma turma de estudantes do último ano do Ensino Fundamental, submetidos a intervenção didática, organizada sob o referencial teórico-metodológico da atividade orientadora de ensino e da interface entre história e ensino, como o proposto, tem potencial de contribuir para o ensino de matemática na perspectiva humanizadora.

Elementos históricos e conceituais matemáticos, ou não, por meio da compreensão da atividade humana encarnada no instrumento quadrante geométrico, oportunizaram uma apropriação da significação do objeto. Ou seja, a experiência com o processo de construção e uso do instrumento de forma problematizadora; a leitura e interpretação do tratado; as reflexões a partir das apresentações; os vídeos, filmes, textos, assim como as discussões dos sujeitos compuseram um conjunto de ações que dialogaram com a história. Esse conjunto, assim, constituiu não só um modo de abordar a dialética do pensamento no processo de significação, no movimento lógico-histórico do instrumento, mas também a significação como processo de objetivação e apropriação de conceitos.

Destaca-se, por meio da pesquisa, o potencial inovador da elaboração de uma situação desencadeadora de aprendizagem com o uso de documentos antigos após tratamento didático para contribuir como recurso didático na atividade orientadora de ensino, além dos já mencionados: história virtual do conceito, situação emergente e jogo.

Com isso, considera-se que a atividade didática, organizada sob a base teórica e metodológica de uma interface que permita compreender o movimento do pensamento na formação de conceitos e o contexto no qual os conceitos foram desenvolvidos, constitui potencial didático para a aprendizagem dos estudantes na apropriação dos conhecimentos historicamente situados.

1Aqui escrito como na obra. Ao longo do texto, será grafado pela tradução: quadrante geométrico.

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Recebido: 08 de Janeiro de 2021; Aceito: 01 de Outubro de 2021

Autor correspondente: marisa.dias@unesp.br

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