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Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.28  Bauru  2022  Epub May 19, 2022

https://doi.org/10.1590/1516-731320220015 

Artigo Original

Visão profissional de estudantes de Pedagogia na análise de episódios de aula de matemática na perspectiva do ensino exploratório

Prospective teachers’ professional vision in the analysis of episodes of a mathematics class in the inquiry basic teaching perspective

Laudelina Braga1 
http://orcid.org/0000-0003-4326-2740

Marcia Cristina de Costa Trindade Cyrino2 
http://orcid.org/0000-0003-4276-8395

1Instituto Federal de Goiás (UFG), Uruaçu, GO, Brasil

2Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, Brasil.


Resumo:

No presente artigo, são discutidos aspectos da visão profissional de estudantes de Pedagogia, manifestados na análise de ações de uma professora no desenvolvimento de uma aula na perspectiva do Ensino Exploratório. Para essa análise, as estudantes tiveram acesso a episódios da aula gravados em vídeo, presentes em um caso multimídia. Foi realizada uma investigação qualitativa de cunho interpretativo, com abordagem pautada na pesquisaintervenção. Os resultados evidenciam que tais estudantes perceberam aspectos da visão profissional, associados: (i) ao papel da professora na organização e na gestão de uma aula na perspectiva do ensino exploratório; (ii) à importância de estabelecer conexões entre teoria e prática; (iii) à atividade matemática, mediada pela comunicação e argumentação; e (iv) ao conhecimento do conteúdo para realizar a atividade matemática. O desenvolvimento da visão profissional desencadeado pela percepção, análise e justificação desses aspectos, foi profícuo para promover o conhecimento profissional e projetar a futura ação docente.

Palavras-chave: Ensino de matemática; Formação inicial do professor; Ensino exploratório; Intervenção pedagógica; Sala de aula

Abstract:

This article discusses aspects of the professional vision of pedagogy students manifested in analyzing a teacher's actions in class from the exploratory teaching perspective. For this analysis, the students had access to video-recorded class episodes present in a multimedia case. A qualitative and interpretative investigation was carried out, with an approach based on intervention research. The results show that the pedagogy students perceived aspects of the professional vision associated with: (i) the teacher’s role in the organization and management of a class from the exploratory teaching perspective; (ii) the importance of establishing connections between theory and practice; (iii) mathematical activity mediated by communication and argumentation, and (iv) content knowledge for the development of the mathematical activity. Thus, developing a professional vision triggered by the perception, analysis, and justification of those aspects helped promote professional knowledge and project future teaching actions.

Keywords: Mathematics teaching; Preservice teacher education; Inquiry teaching; pedagogical intervention; Classroom

Introdução

A análise de práticas de sala de aula é apontada como uma estratégia de desenvolver e mobilizar conhecimentos profissionais de (futuros) professores (BALL, 1993; RICH; HANNAFIN, 2009; SIMON, 1995). A utilização de casos multimídias, mais especificamente a mídia vídeo, em contextos formativos, se apresenta como um recurso potencial para superar a falta de conexão entre a prática e a abordagem teórica do conhecimento do professor, e apoiar essa análise, fomentando reflexão, discussão e aprendizagens profissionais e, assim, promover entendimentos e significados relativos a aspectos da visão profissional de (futuros) Professores que Ensinam Matemática (PEM) (OLIVEIRA; CYRINO, 2013; RICH; HANNAFIN, 2009; RODRIGUES; CYRINO; OLIVEIRA, 2018, 2019; SHERIN; VAN ES, 2005).

A expressão visão profissional é utilizada para caracterizar a maneira especializada pela qual os membros de um grupo profissional percebem (noticing), analisam e compartilham fenômenos centrais do seu trabalho e a interação entre eles (GOODWIN, 1994). Jacobs, Lamb e Philipp (2010) conceituam a visão profissional do professor sobre a aprendizagem matemática como um conjunto de três capacidades inter-relacionadas: (i) prestar a atenção em ou identificar estratégias utilizadas pelos alunos; (ii) interpretar a compreensão em relação aos conteúdos trabalhados; e, (iii) decidir como responder com base nessas compreensões.

Estudos a respeito da formação de professores defendem o potencial da observação sistemática do ensino, realizada em grupos nos quais (futuros) professores se reúnem regularmente para analisar aulas gravadas em vídeo, a fim de estimular o desenvolvimento da visão profissional (RODRIGUES; CYRINO; OLIVEIRA, 2018, 2019; ROLLER, 2016; SANTAGATA, 2009; SHERIN; VAN ES, 2009; VAN ES; SHERIN, 2008).

Nos últimos anos, o Grupo de Estudo e Pesquisa sobre a Formação de Professores que Ensinam Matemática (GEPEFOPEM) imbuiu-se de esforços e de estudos colaborativos para construir um recurso multimídia a ser utilizado na formação inicial e continuada de PEM. Esse recurso multimídia é constituído por quatro casos multimídia de aulas, organizadas e desenvolvidas na perspectiva do Ensino Exploratório, os quais contêm episódios (em vídeo) dessas aulas, o plano de aula do professor protagonista do caso, tarefas matemáticas, resoluções das tarefas pelos alunos, áudios das entrevistas sobre as intenções desses professores antes da aula e sobre suas reflexões após a aula, bem como informações sobre as escolas, as turmas e esses professores (CYRINO, 2016). Um dos casos multimídia, intitulado Explorando perímetro e área, foi produzido a partir de tarefas cognitivamente desafiadoras, em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, em uma escola pública do estado do Paraná. Tarefas desafiadoras são aquelas que têm o potencial de envolver os alunos em um trabalho que desencadeia formas complexas de pensamento (CYRINO; JESUS, 2014).

O objetivo do presente artigo é discutir aspectos da visão profissional manifestados por estudantes de um curso de Pedagogia, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Câmpus Uruaçu, na análise de ações da professora protagonista do referido caso multimídia, que visa o estudo dos conceitos de perímetro e área, especificamente, dos episódios gravados em vídeo da seção A aula. Essas estudantes participaram de uma ação de extensão chamada Formação de professores que ensinam Matemática nos anos iniciais: caso multimídia explorando perímetro e área.

Nas próximas seções apresentaremos o papel da análise de vídeos no desenvolvimento da visão profissional de (futuros) professores que ensinam matemática (PEM), a perspectiva do Ensino Exploratório, o contexto de formação e os encaminhamentos metodológicos, seguidos dos resultados e das considerações finais dessa investigação.

O uso de vídeos no desenvolvimento da visão profissional de (futuros) professores

É esperado que o (futuro) professor seja capaz de criar e agir, de acordo com as diversas situações de aprendizagem de seus alunos, e de articular os saberes teóricos e as práticas da sala de aula. As decisões do professor, de uma forma geral, são orientadas pela sua visão profissional, pela sua capacidade de perceber, interpretar e produzir sentido para o que acontece em sala de aula – dentro de sequências complexas de eventos –, relevantes para a aprendizagem do aluno (STÜRMER; SEIDEL, 2015).

Desse modo, é importante que, nos programas de formação de professores, sejam oportunizadas situações nas quais o (futuro) professor analise os fenômenos de sala de aula e a interação entre eles (SHERIN, 2007), reflita sobre situações de ensino e de aprendizagem e observe como ocorrem em tempo real.

Schäfer e Seidel (2015) e Van Es e Sherin (2008) apontam que os espaços formativos utilizando em casos multimídia, especialmente a mídia vídeo, com situações reais de sala de aula, se mostram eficazes no desenvolvimento da visão profissional dos (futuros) professores, promovendo significativamente sua capacidade de articular teoria e prática e de direcionar a sua atenção para elementos da sala de aula que favorecem a elaboração de respostas às situações que influenciam as aprendizagens dos alunos. Para tanto, de acordo com Van Es e Sherin (2008), é essencial desenvolver uma atenção seletiva para a identificação de momentos importantes em situações de ensino (aquilo que é digno de nota), estabelecer conexões entre eventos específicos e princípios mais amplos do processo de ensino e de aprendizagem e mobilizar conhecimentos sobre o contexto, para que se possa raciocinar sobre uma situação.

Ao investigar a utilização da mídia vídeo nos cursos de formação de professores, Sherin e Van Es (2005) relataram que, inicialmente, os (futuros) professores analisaram as questões pedagógicas que eram aparentes, descrevendo as ações e as falas do professor. Mais tarde, no entanto, eles enfatizaram cada vez mais as ideias matemáticas discutidas pelos alunos e desenvolveram uma série de estratégias para interpretar suas formas de pensamento, incluindo o raciocínio utilizado por eles nas resoluções, comparando suas diferentes estratégias e ideias matemáticas.

A forma como (futuros) PEM observam vídeos faculta o conhecimento de quais eventos atraem sua atenção e como eles os explicam ou justificam. Abordagens qualitativas enfocam a descrição das mudanças nas suas percepções e análises, ao longo do tempo, tendo em conta as condições individuais e de grupo, e também as habilidades que eles têm para raciocinar a respeito de situações de sala de aula e de seu conhecimento (SCHÄFER; SEIDEL, 2015).

Stürmer e Seidel (2015) defendem que o desenvolvimento da visão profissional do (futuro) professor é um processo fortemente guiado pelo conhecimento. A aprendizagem, baseada na análise de situações de sala de aula é uma forma eficaz de oportunizar a eles a mobilização de conhecimentos profissionais. É precisamente dentro do complexo ambiente da sala de aula, na busca de compreender a prática do professor e as ações dos alunos, que os futuros professores podem elaborar decisões de ação fundamentadas na sua análise crítica e no diálogo com os conhecimentos teóricos e práticos.

A análise de vídeos no processo de formação de professores pode orientar discussões entre (futuros) professores, fomentar a elaboração de questionamentos, o redirecionamento de perguntas, o esclarecimento de dúvidas quanto à prática de sala de aula, a investigação de pontos específicos ou questões associadas ao conteúdo (DOERR; THOMPSON, 2004; ÖZKAN, 2002). Procurar respostas a esses questionamentos pode promover a compreensão da complexidade da prática, da necessidade de se tornar mais analítico, da importância de promover interações entre os alunos e entre os alunos e o professor (CYRINO, 2016; RODRIGUES; CYRINO, 2017).

No presente estudo investigamos a utilização de vídeos de aula no contexto de formação de futuras professoras que ensinarão matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, como um espaço de compartilhamento de artefatos da prática para a análise e a reflexão da sua visão profissional, a partir das ações de uma professora durante uma aula, na perspectiva do Ensino Exploratório, a respeito do estudo dos conceitos de perímetro e área.

Contexto investigado

O caso multimídia Explorando perímetro e área foi utilizado como objeto de análise por 12 estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Câmpus Uruaçu em uma ação de extensão. Os encontros aconteceram semanalmente, às quartas-feiras, tendo a duração de duas horas e trinta minutos cada um, totalizando 13 encontros. As estudantes envolvidas haviam concluído ou estavam cursando a disciplina de formação matemática (Conteúdos e Processos de Ensino de Matemática), ofertada no quinto semestre.

A dinâmica dos encontros foi organizada de modo que as estudantes de Pedagogia pudessem trabalhar de forma colaborativa, centrando-se na resolução e na discussão das tarefas que envolvem os conceitos de perímetro e área e na exploração do referido caso, tendo como formadora a primeira autora deste artigo. Os encontros formativos foram pensados para permitir o compartilhamento de experiências, angústias e anseios, relativos ao ensino e à aprendizagem da matemática. A dinâmica da formação promoveu a reflexão delas acerca das suas ações, de novas formas de pensar, da construção e da organização da sua visão profissional, objeto de análise deste artigo.

No presente artigo, investigamos a análise das estudantes de Pedagogia dos episódios integrantes da seção A Aula (figura 1), relacionados com o desenvolvimento da tarefa 2 (figura 2). Foram analisados: (i) um episódio da fase de proposição e apresentação da tarefa; (ii) cinco episódios da fase de desenvolvimento da tarefa; (iii) três episódios da fase de discussão coletiva da tarefa; e, (iv) um episódio da fase de sistematização. Durante os oito encontros, que totalizaram 20 horas, as estudantes de Pedagogia, em duplas, assistiram e analisaram os dez episódios e responderam às questões problematizadoras (como, por exemplo, na figura 1: Identifique e comente as ações da professora nesse episódio) para, depois, apresentar e discutir no grande grupo, com todas as demais, os aspectos dos vídeos que elas consideraram que mereciam destaque.

Fonte: Universidade Estadual de Londrina (2021).

Figura 1 Seções do caso multimídia Explorando perímetro e área 

Fonte: Universidade Estadual de Londrina (2021).

Figura 2 Tarefa 2: A cerca do senhor Moura 

O caso multimídia foi elaborado pelo GEPEFOPEM a partir de duas aulas de uma professora experiente com a perspectiva do Ensino Exploratório, realizadas em uma escola da rede municipal de ensino do estado do Paraná com uma turma do quinto ano do Ensino Fundamental, com foco nos conceitos 'perímetro e área'. Esse tema foi escolhido porque pesquisas, como a de Baturo e Nason (1996) e a de Garcia, Galvão e Campos (2013), apontam que (futuros) professores apresentam dificuldades conceituais em relação a perímetro e área, e os currículos de cursos de formação de professores, muitas vezes, não dão a devida atenção para essa temática, limitando o trabalho à memorização e à aplicação de fórmulas.

A perspectiva do Ensino Exploratório tem se apresentado na literatura como uma forma alternativa ao ensino diretivo, diferenciando-se deste pelo papel do professor, pela forma de organização e gestão do trabalho dos alunos, pelas tarefas cognitivamente desafiadoras que estimulam o pensamento matemático, pelas interações dialógicas coproduzidas por alunos e o professor, e pela comunicação matemática, desencadeada pela discussão coletiva e pelo processo de sistematização (CYRINO, 2016; RODRIGUES; CYRINO; OLIVEIRA, 2018, 2019).

Sendo assim, os alunos são instigados a desempenhar um papel mais participativo e colaborativo no trabalho com as tarefas. Em grupos, interagem com os colegas e com o professor, e são mobilizados pelo professor a apresentar as justificativas para suas estratégias de resolução, a fim de que todos os presentes na sala de aula possam ter oportunidades para compreender suas ideias.

Procedimentos metodológicos

Foi realizada uma pesquisa qualitativa de cunho interpretativo, com abordagem pautada na pesquisa-intervenção (KRAINER, 2003), com o objetivo de compreender aspectos da visão profissional manifestados por estudantes de um curso de Pedagogia na análise de ações da professora protagonista do referido caso multimídia, especificamente, dos episódios gravados em vídeo da seção A aula, em um processo de formação inicial.

Os dados discutidos neste estudo dizem respeito às seguintes fontes: as respostas escritas (RE) das questões problematizadoras; a transcrição das falas (vídeo gravadas) (TE) relacionadas à discussão conjunta sobre os episódios; e as entrevistas semiestruturadas (E) realizadas após a exploração do caso multimídia. Essas entrevistas tiveram como propósito conhecer os entendimentos e as apreensões particulares das estudantes de Pedagogia em relação às questões e/ou discussões ocorridas durante a análise do referido caso multimídia.

Na apresentação das análises, as participantes da investigação são identificadas com nome fictício1, seguido do código de identificação do instrumento utilizado para a coleta de dados (RE, TE ou E) e, por último, a data da coleta da informação.

No processo de análise, realizamos uma leitura minuciosa das informações coletadas e elaboramos um quadro com as percepções e as interações consideradas significativas pelas estudantes de Pedagogia e relativas às ações da professora protagonista do caso, em cada fase da aula na perspectiva do Ensino Exploratório, nomeadamente: (i) proposição e apresentação da tarefa, na qual a professora apresenta a tarefa e os recursos disponíveis para que os alunos a realizem, procurando assegurar a compreensão da tarefa; (ii) desenvolvimento da tarefa, quando a professora monitora o trabalho dos alunos, reunidos em grupos de dois ou três alunos, questionando-os na resolução da tarefa, de forma que faça sentido para eles; (iii) discussão coletiva da tarefa, em que o aluno explica sua resolução aos demais colegas, e a professora, a partir das resoluções apresentadas, relaciona as ideias dos alunos com os conceitos matemáticos; (iv) sistematização das aprendizagens, em que a professora sistematiza os conceitos, com base na discussão da tarefa.

Ações da professora consideradas significativas pelas estudantes de Pedagogia

Na análise dos episódios de aula, as estudantes de Pedagogia identificaram ações da professora, percepção dos fenômenos de sala de aula e interações entre eles, e refletiram sobre situações de ensino e de aprendizagem dos conceitos de área e perímetro.

Elas observaram que a professora protagonista do caso desdobrou sua atenção para que os alunos se envolvessem na compreensão e na resolução do problema; se deslocou pela sala, de modo a estar no lugar certo na hora certa para perceber as diferentes maneiras como os alunos resolviam a tarefa; e tomou decisões que aumentaram as possibilidades de os alunos criarem representações matemáticas e desenvolverem percepção do pensamento matemático.

O quadro 1 mostra as percepções e as interações consideradas significativas pelas estudantes de Pedagogia, de acordo com cada fase da aula.

Quadro 1 Fases da aula e aspectos das ações da professora observados pelas estudantes de Pedagogia 

Fases da Aula Ações da professora observadas pelas estudantes de Pedagogia Ações da professora observadas pelas estudantes de Pedagogia
Proposição e apresentação da tarefa

A professora:

  • – orienta a leitura da tarefa;

  • – garante a compreensão da tarefa;

  • – estabelece relações com os conteúdos trabalhados nas aulas passadas;

  • – defende a necessidade de os alunos registrarem suas resoluções e explicitar suas ideias;

  • – propõe trabalho em grupo.

A professora propõe e apresenta a tarefa e, ao mesmo tempo, para auxiliar a compreensão, ela relembra a aula passada, os conteúdos que já foram trabalhados. [Sula, RE, 20/06/2019].

Ao fazer a leitura da tarefa, a professora solicita aos alunos que observem que a figura tem o formato retangular e ao mesmo tempo pergunta aos alunos se recordam que cada vértice do retângulo tem uma letra: A, B, C, D! [Alana, RE, 20/06/2019].

A professora orienta os alunos na leitura, na organização das ideais e diz que sempre deveriam explicar o pensamento deles na resolução da tarefa e, principalmente, que eles registrassem o que pensaram. [Júlia, E, 27/06/2019].

A professora ainda lembra o que foi discutido nas aulas anteriores: a unidade de medida no cálculo de perímetro e da área. Pergunta aos alunos se eles sabem que medida é representada pelo interior da figura. Depois de um tempo, um aluno responde, a área. [Jana, RE, 27/06/2019].

Desenvolvimento da tarefa

A professora:

  • – promove as interações entre ela e seus alunos, e entre os alunos, por meio de questionamentos;

  • – garante o engajamento dos alunos na realização da tarefa;

  • – medeia a introdução e a formação dos conceitos;

  • – busca compreender as dificuldades dos alunos em relação aos conceitos de perímetro e área;

  • – legitima diferentes estratégias de resolução da tarefa;

  • – valoriza a necessidade de o aluno pensar por si e partilhar o seu pensamento;

  • – explicita os raciocínios dos alunos durante a resolução das tarefas por meio de questionamentos;

  • – promove discussões entre os alunos nos grupos.

A professora sempre questionava as respostas dos alunos, sempre com porquês e com como, para que eles pudessem expressar a forma que estavam elaborando o seu raciocínio e, em seguida, orientava-os [...]. [Mel, E, 27/06/2019].

Ela [a professora] ao perguntar ao grupo quem seria o mais prejudicado da história, um aluno responde que seria o Sr. Alves, porque o perímetro dele é menor e iria pagar a mais do que realmente ele tem [...]. [Paula, TE, 20/06/2019].

O aluno ficou em dúvida sobre quem sairia prejudicado quando a professora fala: 'mas eles não iam dividir a despesa ao meio? Se eles dividirem de fato o Moura sai prejudicado?' Me deu a entender que o aluno considerou que o conceito da divisão em partes iguais resolveria o problema da partilha da despesa, pensando que despesas iguais não existiria a possibilidade do prejuízo. [Roberta, TE, 20/06/2019].

As perguntas específicas da professora na condução da aula, em relação aos conteúdos e durante a realização da tarefa pelos grupos, possibilitaram a formação dos conceitos de perímetro e área, e principalmente sobre a importância do conhecimento do conteúdo nas situações do cotidiano. Quem sabe o conteúdo, pensa e analisa melhor e de forma justa as situações da vida e não é 'passado para trás'. [Ana, E, 20/06/2019].

Outra coisa que achei interessante foi o fato de a professora solicitar aos alunos que registrassem por escrito a resposta e que essa resposta iria ser apresentada e discutida para os colegas para verificar se eles concordariam com a resolução. Isso demonstra a legitimidade da resposta também pelo grupo, gostei muito. [Duda, RE, 20/06/2019].

Discussão coletiva

A professora:

  • – seleciona e ordena a apresentação das tarefas;

  • – valoriza o pensamento autônomo dos alunos;

  • – explicita os raciocínios dos alunos durante a apresentação que eles fazem das resoluções das tarefas;

  • – promove a mediação na formação dos conceitos;

  • – compara as diferenças e semelhanças entre as resoluções da tarefa.

A professora pergunta aos alunos o que eles observam. Ouve os alunos e depois diz que os cálculos feitos pelos dois grupos são diferentes, pois o da Maria somente contou, o da Vitória já registrou o cálculo do perímetro. Então a professora chama a atenção dos alunos e diz que tem coisas iguais e coisas diferentes, mas todos resolveram corretamente a questão. [Duda, E, 27/06/2019].

[...] a professora pergunta aos alunos se eles estão usando a área ou o perímetro. E ela diz que quando usamos a área, a gente usa unidade de área, quando usamos o perímetro usamos o contorno e que o contorno é o lado do quadradinho. [Alana, E, 20/06/2019].

Após a apresentação das respostas, a professora pergunta aos alunos se o ‘jeito de responder’ de um grupo é igual ao de outro grupo. Ao fazer isso, ela instiga os alunos a comparar e a diferenciar as diversas formas de resolução. [Mila, TE, 20/06/2019].

Sistematização

A professora:

  • – estabelece relação dos conhecimentos matemáticos presentes nas resoluções dos alunos com seus conhecimentos prévios e as representações matemáticas formalizadas;

  • – promove o reconhecimento da importância das regras ou generalizações;

  • – apresenta os conhecimentos matemáticos em uma estrutura organizada;

  • – incentiva os alunos para o registro dos conhecimentos matemáticos sistematizados.

Quando a professora verifica que o outro grupo respondeu diferente, ao invés de considerar o terreno individual, o grupo considerou toda a área. Ela pede para que esse grupo apresente a resolução. Nesse momento, ela verifica se todos os alunos realmente tinham compreendido os conceitos. [Teca, E, 20/06/2019].

A professora pergunta o que foi discutido nas aulas anteriores: a unidade de medida no cálculo de perímetro e da área. Pergunta aos alunos se eles sabem que medida é representada pelo interior da figura. Depois de um tempo, um aluno responde, a área. [Jana, RE, 27/06/2019].

Após perceber que os alunos sentiram a necessidade de calcular o perímetro e área de todos os terrenos [...]considerei importante o fato de a professora solicitar aos alunos o registro por escrito de como chegaram a essas soluções. Todo o momento ela pedia aos alunos que escrevessem como chegaram às respostas. E no final da tarefa, os alunos ainda utilizaram uma tabela com os valores encontrados da área e do perímetro dos terrenos. O registro e a organização desses valores em uma tabela possibilitaram ainda mais a discussão, a comparação e a compreensão desses conceitos. [Jana, RE, 20/06/2019].

Fonte: elaborado pelas autoras.

A seguir, discutimos aspectos da visão profissional manifestados pelas estudantes de Pedagogia durante o processo de formação, levando em conta essas percepções e interações.

Visão profissional manifestada pelas estudantes de Pedagogia

O trabalho coletivo, no contexto de formação, proporcionou às estudantes de Pedagogia situações de aprendizagem profissional, na medida em que se envolveram em discussões e reflexões na busca de dar sentido à sua futura prática profissional e assumir um papel ativo no desenvolvimento da sua visão profissional (STEIN et al., 2009).

Os resultados evidenciam que elas perceberam aspectos associados da visão profissional: (i) ao papel da professora na organização e na gestão de uma aula, na perspectiva do ensino exploratório; (ii) à importância de estabelecer conexões entre teoria e prática; (iii) à atividade matemática, mediada pela comunicação e argumentação; e, (iv) ao conhecimento do conteúdo para realizar a atividade matemática. Esses aspectos foram considerados por elas como necessários ao professor para promover a aprendizagem dos alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Quanto ao papel da professora na organização e na gestão de uma aula na perspectiva do Ensino Exploratório

As estudantes de Pedagogia destacaram a relevância das ações da professora na organização e na gestão da aula, desenvolvida na perspectiva do Ensino Exploratório, em cada uma de suas fases: proposição e apresentação da tarefa; desenvolvimento da tarefa; discussão coletiva das resoluções dos alunos e sistematização das aprendizagens.

Elas relataram que, ao acompanhar os alunos nessas fases da aula, a professora se empenhou em conhecer e mobilizar as estratégias utilizadas por eles na resolução da tarefa, e usar as habilidades de observação, comparação de respostas da tarefa para compreender o raciocínio dos alunos nessa resolução. Com isso, ela pôde mediar a implementação e o desenvolvimento da tarefa, acompanhando os grupos de trabalho, auxiliando-os por meio de questionamentos visando à compreensão e à organização dos raciocínios e à percepção de detalhes e conhecimentos manifestados pelos alunos.

Eu notei que a professora [...] mobiliza o aluno a justificar como e por que chegou àquela resolução. Eu acredito que isso seja muito importante! É muito fácil memorizar, mas não tão fácil de aprender. Se os professores incentivarem seus alunos para explicar e mostrar o raciocínio de suas respostas, fará com que eles pensem sobre as várias maneiras de resolver uma tarefa. [Duda, TE, 06/06/2018].

As ações da professora, de acordo com as estudantes de Pedagogia, vão além da transmissão dos conteúdos. A professora orientou os alunos, mediou e acompanhou as discussões e, quando algum aluno fez alguma pergunta, ela não deu respostas prontas, ela elaborou outras perguntas, colocando-o a pensar sobre a tarefa.

A professora, ao invés de responder o que geralmente os demais professores respondem: 'você vai fazer assim, assim, assim..., somar, dividir e multiplicar', ela responde à pergunta deles com outra pergunta. Isso fez com que eles repensassem a forma de resolução ou detalhes que passaram despercebidos na leitura da tarefa. Dessa forma, ela permitiu condições para que os alunos conseguissem responder a tarefa. A aula da professora me ajudou bastante, porque, quando eu estiver em sala de aula, eu vou querer desenvolver essa perspectiva de ensino. [Ana, RE, 24/06/2018].

Na perspectiva do Ensino Exploratório, como o papel do professor é diferente daquele assumido no ensino diretivo, isso pode constituir um obstáculo para a implementação de aulas nessa perspectiva, porque há muitos anos, o professor se coloca em uma posição em que somente ele sabe o conteúdo e o transmite aos alunos de forma expositiva e mecânica.

Schoenfeld e Kilpatrick (2008) defendem a necessidade de o professor: (i) conhecer os alunos como pessoas que aprendem; (ii) projetar e gerenciar ambientes de aprendizagem; (iii) mediar situações de aprendizagem, considerando que isso inclui muito mais do que a mera 'gestão de classes’; (iv) desenvolver normas da aula e apoiar a comunicação como parte do ‘ensino para a compreensão’. A aula deve funcionar como uma comunidade de aprendizagem.

Gente, eu me imaginei na sala de aula como a professora, e estou percebendo o quão é importante permitir que os alunos construam as suas aprendizagens [Roberta, E, 24/06/2018].

De acordo com Lerman (2001, p. 33, tradução nossa), o professor deve agir como "[...] um elemento chave na aprendizagem matemática dos alunos", organizando e planejando a sua prática de sala de aula, propiciando um ambiente para que os alunos se envolvam com/na atividade matemática. E os alunos devem se orientar pelas relações sociais na sala de aula, tais como a obrigação de explicar e justificar as suas soluções.

Quanto à importância de estabelecer conexões entre teoria e prática

Trazer situações da prática para confrontar com que é proposto pela literatura na formação de professores é uma estratégia promissora para o processo de formação (CANAVARRO; OLIVEIRA; MENEZES, 2014; SANTAGATA; GUARINO, 2011; SCHÄFER; SEIDEL, 2015; STEIN et al., 2008; VAN EIJCK, 2010; VAN ES; SHERIN, 2008). A análise dos episódios apresentados nos vídeos e a reflexão sobre eles ofereceram oportunidades valiosas para o desenvolvimento da visão profissional das estudantes de Pedagogia, pois, ao articularem o conhecimento teórico à experiência prática, apreenderam, o que são, de fato, ambientes de aprendizagem eficazes.

O relato de Ana denota indícios da influência da análise e da discussão do caso multimídia no desenvolvimento da sua visão profissional, como espaço que coaduna os conhecimentos teóricos com as práticas da sala de aula.

Foi fundamental para análise dos episódios o acesso, na tela do computador, aos materiais utilizados pela professora, como plano de aula, entrevistas, tarefas e respostas dessas tarefas dos alunos. Isso me permitiu conhecer e entender a perspectiva do ensino exploratório, bem como compreender os aspectos metodológicos e teóricos que embasaram a ação da professora com vistas a atender os objetivos da aprendizagem. E ter ainda as respostas dos alunos, a sistematização e a discussão das aprendizagens permitiu a reflexão e a comparação de metas e objetivos traçados no início e os resultados alcançados. [Ana, E, 24/06/2018].

Ao considerar a relação dos aspectos teóricos com a prática na formação inicial, Seidel e Shavelson (2007) enfatizam que a análise e a discussão de uma aula na perspectiva do Ensino Exploratório podem fornecer aos futuros professores a possibilidade de articular processos de ensino e aprendizagem defendidos pela literatura com a definição de metas; de ativar o pensamento dos alunos nas atividades de aprendizagem; de apoiar e orientar a organização da aprendizagem; assim como de avaliar os processos e os resultados da aprendizagem.

O relato da Alana demonstra que ela percebe ser possível 'fazer diferente', em relação às aulas tradicionais (SHERIN; VAN ES, 2009) no ensino da matemática nos anos iniciais.

Eu nunca tinha percebido, imaginado que eu poderia dar uma aula de matemática dessa forma [...] desse jeito! Eu nunca tive uma aula dessa em todos os meus anos de estudo, e também nunca gostei e tive muitas dificuldades em matemática! [...] Eu até me animei um pouco em ser professora de matemática das crianças. [Alana, TE, 10/06/2018].

Essa declaração de Alana deixa claro que o trabalho de análise das ações da professora, protagonista do caso, a ajudou a refletir sobre a sua visão profissional de planejar e implementar os processos de ensino e de aprendizagem da matemática em sua prática futura.

Atividades formativas dessa natureza têm o potencial de guiar e orientar de forma significativa a visão profissional, por meio da aquisição, da ativação e da aplicação de conhecimentos discutidos teoricamente pelos futuros professores em seu processo de formação (VAN ES; SHERIN, 2008). Possibilitar a reflexão na formação inicial e o apoio ao desenvolvimento profissional contínuo tem sido amplamente proposto em várias pesquisas sobre formação de professores (BALL, 1993; OLIVEIRA; CYRINO, 2013; RICH; HANNAFIN, 2009; SHERIN; VAN ES, 2005; SIMON, 1995).

Quanto à atividade matemática mediada pela comunicação e argumentação

Ao analisar e discutir os episódios da aula, as estudantes de Pedagogia apresentaram suas percepções a respeito do papel da comunicação e da argumentação nos processos ensino e aprendizagem dos conteúdos matemáticos.

E esses vídeos que assistimos me deram outro sentido e significado para ação do professor em sala de aula. Antes eu acreditava que se um aluno respondesse às perguntas da professora: 'Ok. Bom. Ele aprendeu'. E eu realmente não sabia como as perguntas poderiam ajudar a verificar e descobrir se realmente os alunos aprenderam o conteúdo. E esses vídeos realmente me mostraram que eu, enquanto professora, poderia fazer perguntas para perceber o que os meus alunos estão fazendo de certo ou de errado. [Bia, E, 30/05/2018].

Bia atribuiu outro sentido às questões elaboradas pela professora para o processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que elas permitiram à professora protagonista do caso multimídia identificar os conhecimentos que os alunos já tinham constituído e as suas dificuldades. De posse dessas informações, ela promoveu interações entre os alunos e entre ela e os alunos, tendo em conta as potencialidades da tarefa.

As estudantes de Pedagogia buscaram entender os motivos que levaram a professora a provocar as interações e perceberam que a promoção de interações dialógicas no desenvolvimento da tarefa viabilizou o avanço nas estratégias matemáticas dos alunos. O fato de um aluno ter que explicar para o outro as suas estratégias e registros matemáticos colaborou para a compreensão tanto do aluno que explicou, quanto dos outros que ouviram a explicação. Elas relataram que as diferentes reificações apresentadas pelo aluno no decorrer de sua explicação permitiu que ele expandisse e aprimorasse seu discurso matemático, e os alunos que ouviram a explicação puderam conhecer outras formas de pensar e agir a respeito da tarefa.

Com esses questionamentos e interações, a professora equacionou as dúvidas dos alunos e a complexidade cognitiva da tarefa. As estudantes de Pedagogia atribuíram o sucesso dessa ação da professora à elaboração de um plano de aula, no qual consta o registro de diferentes possibilidades de resolução da tarefa, da antecipação de possíveis dúvidas dos alunos e dos possíveis questionamentos a serem feitos a eles (RODRIGUES; CYRINO; OLIVEIRA, 2018).

A reflexão nos permitiu verificar o que a professora esperava, a partir do que colocou no plano de aula, e o que realmente aconteceu. E acompanhamos toda a aula para entender o que a professora estava tentando fazer e o que ela conseguiu realizar. E isso me fez entender o que seria uma aula de matemática dos anos iniciais. [Lana, E, 17/06/2018].

Na elaboração do plano de aula o professor tem a oportunidade de se preparar para as tomadas de decisão durante a aula. Muitas vezes ele precisa decidir quando fazer uma pausa para obter mais esclarecimentos, quando usar a observação de um aluno para desenvolver uma argumentação matemática e quando fazer uma nova pergunta ou constituir uma nova tarefa para promover a aprendizagem (BALL; THAMES; PHELPS, 2008).

Promover as interações, valorizar a participação dos alunos e de suas ideias ajudam a manter um clima positivo e de genuíno interesse pela discussão. Ao garantir a participação dos alunos, por meio da discussão coletiva, o professor tem a oportunidade de agenciar a qualidade matemática das explicações e das argumentações dos alunos, considerando e zelando pelo cumprimento dos objetivos da aula (CANAVARRO, 2011).

De acordo com Boavida (2005), a discussão objetiva não é apenas a comparação e o confronto das resoluções dos alunos, mas também a construção de um contexto que valorize a autonomia dos alunos na discussão, na construção de argumentos e na apresentação de suas ideias, mesmo em situações em que há divergências.

As estudantes de Pedagogia reconheceram a significância do papel do professor na condução da aula, na mediação de situações de aprendizagens com significado, no acompanhamento do raciocínio dos alunos, a fim de intervir e instigar a elaboração dos conceitos matemáticos. Quando o professor intervém, relacionando os conteúdos a serem estudados com os demais conteúdos, possibilita diversas situações de aprendizagens. Para isso, o professor precisa compreender o conceito e saber estabelecer as diversas relações desse conteúdo com os outros, tentar entender o raciocínio dos outros alunos, perguntar o que eles não entenderam e discutir os argumentos com aqueles que não estão de acordo, desafiando-os a propor um contra-argumento (SCHOENFELD; KILPATRICK, 2008).

O feedback do professor aos alunos, no desenvolvimento da tarefa em pequenos grupos, é um aspecto da visão profissional manifestado pelas estudantes de Pedagogia, associado à comunicação. Essa realimentação acarreta consequências para a aprendizagem dos alunos, pois tem como base as respostas dos próprios alunos, mobilizadas por meio do diálogo ou dos seus registros escritos na resolução da tarefa (RODRIGUES; CYRINO; OLIVEIRA, 2018).

Quanto ao conhecimento do conteúdo para o desenvolvimento da atividade matemática

Na análise dos episódios, as estudantes de Pedagogia reconheceram a impor tância de a professora dominar bem os conteúdos trabalhados, pois, ao conhecê-los, ela pode auxiliar o aluno a estabelecer relação com os conteúdos trabalhados nas aulas anteriores e, também, apresentar as aplicações dos conceitos elaborados em outras situações, contextos e novas tarefas. "A professora apresentou a tarefa, relacionou o conteúdo com a unidade de medida estudada nas aulas passadas. É uma forma de os alunos compreenderem que a matemática envolve várias ideias" [Sula, TE, 20/06/2018].

No entanto, reconheceram que os conceitos de perímetro e área não são simples para elas. A estudante Teca, afirmou: "[...] é muito difícil estabelecer essas relações, tenho dificuldades em 'ver' o conteúdo em outros conteúdos ou situações do cotidiano" (RE, 10/06/2018). Tal fato pode ser atribuído ao ensino tradicional da matemática, que privilegia tarefas de memorização e de repetição de exercícios (STEIN et al., 2009). É importante propor tarefas que permitam estabelecer diversas relações em que se privilegiam o diálogo e as percepções das possibilidades da atividade matemática na elaboração dos conceitos.

De acordo com Clements e Stephan (2004), o entendimento dos conceitos de perímetro e de área é complexo, já que envolvem diversas ideias matemáticas, como a compreensão do significado das unidades de medida, da equivalência de perímetros e de áreas, da composição e decomposição de figuras, entre outras.

Garcia, Galvão e Campos (2013), ao analisarem o conhecimento de futuros professores e de professores experientes a respeito dessa temática, verificaram que professores que lecionam matemática para os anos iniciais tinham conhecimentos limitados sobre o processo de cálculo de área, uma vez que ficou evidente o foco na utilização da contagem e da compensação de quadradinhos (assumidos como unidade de área).

Ao resolverem a tarefa, para que pudessem analisar as produções escritas dos alunos do quinto ano, as estudantes de Pedagogia se preocuparam em lembrar e reproduzir as fórmulas para o cálculo desses conceitos e reconheceram que, para desenvolver o conhecimento dos alunos, é necessário que o professor domine profundamente o conteúdo a ser ensinado.

Sabe o que eu achei mais interessante? Foi o fato de que em nenhum momento houve preocupação com a fórmula. A professora incentivava as diversas formas de resolução a partir da compreensão do conceito do perímetro e de área. De início parece ser mais difícil para os alunos, mas percebi, que a fórmula mecaniza a atividade, não garante a aprendizagem [Alana, TE, 20/06/2018].

Elas concluíram que, se o professor conhecer o conteúdo, seus múltiplos modos de conceituar no nível correspondente, representá-lo de maneiras diferentes, compreender os principais aspectos de cada tópico e estabelecer conexões com outros tópicos do mesmo nível, fica mais fácil apreender o modo como os alunos pensam. Ter profundo conhecimento do conteúdo viabiliza ao professor selecionar e propor tarefas cognitivamente desafiadoras, bem como responder com flexibilidade às questões dos alunos (SCHOENFELD; KILPATRICK, 2008).

Considerações finais

A análise e a discussão de vídeos de aulas, no processo de formação, promoveram a percepção das estudantes de Pedagogia a respeito de aspectos da visão profissional, associada ao papel da professora na organização e na gestão de uma aula na perspectiva do ensino exploratório; à importância de estabelecer conexões entre teoria e prática; à atividade matemática, mediada pela comunicação e argumentação; e ao conhecimento do conteúdo para a realização da atividade matemática. Além disso, elas tiveram a oportunidade de estabelecer outras compreensões sobre os processos de ensino e de aprendizagem da matemática, bem como de sua profissionalização. O desenvolvimento da visão profissional, desencadeado pela percepção, análise e justificação desses aspectos, foi profícuo para promover o conhecimento profissional das estudantes de Pedagogia e para projetar sua futura ação docente.

Elas tiveram a oportunidade de repensar seu processo de formação, suas crenças, comparando o modo como aprenderam com o processo desenvolvido pela professora protagonista do caso multimídia, na perspectiva do Ensino Exploratório. O reconhecimento da necessidade de uma atitude inquiridora para realizar intervenções, aclarar dúvidas, estimular o confronto das ideias e valorizar as elaborações coletivas e colaborativas mostram que tais contextos viabilizam, de forma significativa, as discussões matemáticas e a construção coletiva da visão profissional.

As análises e as interpretações das ações da professora protagonista ampliaram as experiências de reflexão das participantes, promovendo a projeção da estruturação dos processos de ensino e de aprendizagem da matemática na sua futura ação docente. O compartilhamento das anotações e das análises comuns na interpretação das interfaces do ensino desvelam possibilidades de um universo significativo das perspectivas sobre o ensino e a aprendizagem da matemática.

Para Doerr e Thompson (2004), Grossman (2005) e Santagata e Guarino (2011), a análise da aula, mediada pela mídia vídeo, proporciona aos futuros professores explorarem o processo de ensino e suas várias abordagens, sendo, por isso, mais que uma extensão prática da formação teórica, ou seja, responde às necessidades de uma formação baseada principalmente na prática, estimulando a reflexão.

A análise da comunicação e da argumentação em sala de aula, percebidas pelas estudantes de Pedagogia, a partir das interações dialógicas entre a professora protagonista do caso e os alunos, permitiu que elas reconhecessem a importância de falar, conjecturar, fazer, perguntar, responder, argumentar, registrar, para expressar, interpretar e compreender as ideias matemáticas.

Além de discutirem os conhecimentos matemáticos, as estudantes de Pedagogia reconheceram as interfaces do ensino da matemática para as compreensões dos alunos e para a superação de suas dificuldades na aprendizagem dos conteúdos, assim como a importância das intervenções do professor na realização das questões problematizadoras e sistematização dos conhecimentos, a partir da atividade matemática do aluno.

Concluímos que a análise de episódios de um contexto, da prática de uma situação real, proporcionou o desenvolvimento do conhecimento profissional e da capacidade de refletir e de projetar a sua futura ação doente, de se situar como (futuras) professoras, de pensar em prováveis tomadas de decisão e de mediar possibilidades de aprendizagem significativas.

1A presente investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Agradecimentos

As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade em pesquisa e pelo auxílio à pesquisa.

Referências

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Recebido: 05 de Agosto de 2021; Aceito: 14 de Outubro de 2021

Autor correspondente: marciacyrino@uel.br

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