SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28Prospective teachers’ professional vision in the analysis of episodes of a mathematics class in the inquiry basic teaching perspectiveThe development of teacher identity among Chemistry undergraduates: an immersive teaching experience author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.28  Bauru  2022  Epub May 19, 2022

https://doi.org/10.1590/1516-731320220016 

Artigo Original

Mulheres, matemática e a proposta curricular das "escolas de primeiras letras": uma perspectiva da ética discursiva habermasiana

Women, mathematics and the curriculum proposal of "first letters schools": a perspective of Habermas’ discursive ethics

Deise Aparecida Peralta1 
http://orcid.org/0000-0002-5146-058X

1Universidade Estadual Paulista (UNESP), Ilha Solteira, SP, Brasil.


Resumo:

Neste texto apresento a Ética Discursiva de Jürgen Habermas com potencial diagnóstico de discursos políticos que expressam relações e questões de gênero. Para tanto, em termos estruturais, após uma breve introdução que justifica a adequação de Habermas ao debate feminista, segue uma explicitação do seu projeto filosófico, e uma seção que versa sobre uma condição histórica das mulheres no Brasil que, evidenciando exclusão da comunidade linguística, ilustra a não titularidade de direitos a um mundo da vida e compartilhamentos intersubjetivos em espaços de esfera pública. E, finalmente, a partir de levantamento em arquivos do Senado Federal, que narram o episódio de promulgação da Lei das "escolas de primeiras letras", discuto o ideário androcêntrico vigente nos debates do parlamento sobre currículos de matemática para meninos e meninas, bem como lanço visibilidade sobre a ética empregada nos discursos que, subjugando mulheres, determinava e delimitava o aprender e ensinar matemática no século XIX.

Palavras-chave: Ensino de matemática; Currículo; Gênero e sexualidade; Androcentrismo; Teoria da ação comunicativa; Direito das mulheres

Abstract:

In this text, I present Jürgen Habermas's Discursive Ethics with a potential to diagnose political discourses that express gender relations and issues. Therefore, in structural terms, after a brief introduction that justifies Habermas's adaptation to the feminist debate, there follow an explanation of his philosophical project, and a section that deals with a historical condition of women in Brazil that, revealing exclusion from the linguistic community, illustrates the non-ownership of rights to a world of life and intersubjective sharing in public sphere spaces. Finally, based on a survey into the files of the Federal Senate, which narrate the episode of the enactment of the Law on “schools of first letters”, I discuss the androcentric ideas in force in parliamentary debates on mathematics curricula for boys and girls, and I also shed light into the ethics employed in the discourses that, while subjugating women, determined and delimited the learning and teaching of mathematics in the 19th century.

Keywords: Mathematics teaching; Curriculum; Gender and sexuality; Androcentrism; Theory of communicative action; Women’s rights

Introdução

Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham? (FLORESTA, 1989, p. 94).

Nas primeiras linhas de Feminists read Habermas: gendering the subject of discourse (MEEHAN, 2013), Johanna Meehan questiona por que as feministas deveriam ler Jürgen Habermas. Tal indagação é compreensível, uma vez que a interação de Habermas com a discussão sobre gênero é limitada. Entretanto, sua teoria do discurso é uma das reflexões atuais mais persuasivas sobre política, questões morais e sociais, e normatividade. Além disso, o arcabouço teórico habermasiano, como ele próprio, assume para si o papel de esfera pública, tão discutido em suas obras, e se prontifica a debater sobre as questões políticas mais distintas. E é justamente isso que proponho com este texto: fazer dele esfera pública, mobilizando elementos da ética discursiva de Jürgen Habermas, em uma tentativa de discutir com o (a) leitor(a) sobre as desigualdades e injustiças de gênero que, historicamente, se relacionam aos discursos que envolvem o binômio mulher - matemática.

E, nesse sentido, a perspectiva habermasiana não é meramente útil para diagnósticos de discursos políticos, ao reconceituar o sujeito e enfatizar a formação intersubjetiva das identidades, reconhecendo as diferenças; ela também oferece um ideal normativo de auto/outras relações e os contextos comunicativos em que são constituídas, percorrendo utilmente a estrada entre o que é publicizado e o privado, o pessoal e o político. Habermas (2012a, 2012b) fornece um modelo de subjetividade e um relato dos pressupostos pragmáticos da validade discursiva contra o qual as relações e discursos políticos e pessoais podem ser analisados.

A teoria de Jürgen Habermas tem sua expressão na linguagem e sua base na ética, configurando tentativa de compreender condições universais de produção de enunciados (MACEDO, 1993). Assim o sendo, entendo que é possível encontrar contribuições da abordagem habermasiana para análise dos discursos de/sobre gênero que são politicamente construídos e reforçados, bem como dar visibilidade às estruturas dos sistemas legal, social e político e à maneira pela qual esses discursos funcionam para produzir e reproduzir dominação da masculinidade, e subordinação da feminilidade em cenários de ensino, pesquisa e interação das mulheres com a matemática. Neste texto me proponho a elencar um exemplo histórico para ilustrar isso, o contexto da promulgação da primeira grande lei educacional do Brasil, a Lei de 15 de outubro de 1827 que determinou a criação das escolas de primeiras letras do Império (BRASIL, 1827b).

Mas, afinal, quem é Jürgen Habermas (ou qual o seu projeto filosófico)?

Jürgen Habermas é filósofo e um dos mais influentes pensadores do pós-guerra. Nascido na Alemanha, em 1929, sofreu com o regime nazista, experimentando traumas que, provavelmente, moldaram de forma determinante sua orientação e história políticas.

Em 1954, sua relação com as questões políticas aparece em sua tese de doutorado Estudante e política: analisando a participação estudantil na política alemã. Nesse período, escrevia, esporadicamente, para jornais e chamou a atenção do filósofo Theodor Adorno, um dos fundadores da Escola de Frankfurt (com Max Horkheimer), o que lhe rendeu, em 1956, um convite para trabalhar como assistente no Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Esse trabalho, aliado à sua já existente orientação marxista1 e engajamento político, influencia, determinantemente, na formulação de uma análise crítica da sociedade (REESER-SCHAFER, 2012). No entanto, pouco tempo depois, Max Horkheimer, então diretor do Instituto, recomenda, por desaprovar seu ativismo político, que o jovem Habermas deixe o Instituto. Anos mais tarde, volta a Frankfurt, torna-se diretor do Instituto de Pesquisas e passa a ensinar Filosofia e Sociologia. Até sua aposentadoria, em 1994, lecionou na Escola de Pesquisas Sociais de Nova Iorque, dirigiu o Instituto Max Planck na Baviera, e conquistou a cátedra de Filosofia na Universidade Johann Wolfgang Von Goethe, em Frankfurt.

Dentre a sua vasta produção acadêmica, a obra Teoria da ação comunicativa (TAC), publicada em 1981, talvez seja a mais popular. Nela reúne argumentos constituídos ao longo de sua trajetória, propõe-se a esclarecer os fundamentos de uma teoria crítica da sociedade e explicar os paradoxos da Modernidade2 que tem subordinando o mundo subjetivo ao objetivo de ação imperativa. Para tanto, segundo Musse (2016), reconhece as deficiências do sujeito monológico de Kant e incorpora as críticas de Hegel à crítica de Kant e de Marx à Modernidade, oferecendo uma teoria da ética discursiva baseada na constituição intersubjetiva da identidade, originada e mediada pela comunicação.

A TAC ainda inclui um relato de desenvolvimento da racionalidade e uma avaliação crítica de sua institucionalização nas políticas sociais e nas instituições políticas da Modernidade. Habermas (2012a, 2012b) argumenta que a Modernidade traz consigo uma racionalização crescente da vida social (chamada por ele de mundo da vida); traz também múltiplas esferas em que o discurso se materializa e que, previamente unificadas em visões de mundo mitológicas, acabam por desacoplar-se e dificultam uma elaboração coletiva e reflexiva das pessoas. Tal análise da Modernidade trouxe para Max Weber, e os membros da chamada primeira geração da Escola de Frankfurt, um certo desencanto com as relações profundamente marcadas pelas invasões furtivas da racionalidade instrumental.

Essa identificação de racionalidade como uma racionalidade de meios, tornando o sucesso estratégico o único critério adequado para a avaliação das escolhas, foi encarada, por muitos, como marco do final do projeto de Modernidade que, oriundo do Iluminismo, pregava a razão como meio de emancipação. Habermas (2012a, 2012b), entretanto, argumenta que, ao restringir razão à racionalidade proposital, define-se racionalidade de maneira muito estreita e estrita. Assim, embora também descreva a colonização do mundo da vida pelos imperativos dos sistemas (principalmente o econômico), toma uma postura mais otimista e defende que o problema não está na ação orientada pela razão, mas no tipo de razão e passa a postular uma racionalidade alternativa àquela instrumental.

A proposição teórica habermasiana implica na pertinência e possibilidade de analisar a interação entre as pessoas, segundo a racionalidade que a subjaz, caracterizando também a ética discursiva empregada e a qual a moral está orientada. No ideário habermasiano, a ética clássica e mesmo a ética moderna se referem à questão individual (como devo comportar-me, o que devo fazer?), enquanto a moral se caracterizaria pelo que é ou pode vir a ser universal na interação entre as pessoas e entre as pessoas e o mundo social.

A centralidade da ética do discurso habermasiano reside não somente na aceitação de uma ideia ou fato – objeto do discurso –, mas no direito que cada falante tem de fazer uso de atos de fala, de expor seus argumentos de forma não coercitiva e livre de assimetrias, além do respeito à opinião de todos os envolvidos no debate, sem espaço para controle e dominação. E, embora a TAC prime pelo entendimento, visando consensos, a superação do impasse pode ser conflituosa, mas sempre pautada em oferecer ao outro o direito à argumentação, balizada por pretensões de validade previamente avaliadas, sem nenhuma coação interna ou externa ao discurso (PERALTA, 2019).

Na TAC, a linguagem não é somente uma representação e expressão do pensamento, mas um recurso para o entendimento, envolvendo a compreensão dos atos de falas por todos os envolvidos, obtido a partir da argumentação e do prevalecimento do argumento mais adequado. Assim, a ação comunicativa se define por "[...] aquelas interações mediadas linguisticamente em que os participantes perseguem com seus atos de fala fins ilucucionários e somente fins ilucucionários" (HABERMAS, 2012a, p. 378, grifo do autor). Sendo assim, a ética do discurso habermasiano estruturada na racionalidade comunicativa amplia "[...] o conceito moderno de razão [...] no sentido de abarcar não somente a explicação de fenômenos objetivos ou a intuição de princípios, mas também orientações práticas para o agir" (STEFANI, 2005, p. 67). Além disso, a ética do discurso tem na linguagem argumentativa um critério procedimentalista que objetiva um fundante racional de normas morais, sendo que a validade de uma norma moral deve ser determinada pelo consenso alcançado entre pessoas capazes de linguagem e ação, e não pela força imposta em relações de desigualdades de poder, ou seja, o objeto da ética do discurso são as interações entre, pelo menos, duas pessoas, que têm como objetivo a busca do entendimento via ação comunicativa. (MEDEIROS, 2016).

Habermas (2003, 2012a, 2012b) define discurso relacionando-o a questionamentos das pretensões de validade implícitas na comunicação das interações cotidianas. Trata-se, portanto, de um processo argumentativo e de justificação de cada ato da fala envolvido. Em seu programa de fundamentação da ética do discurso, Habermas orienta sua norma moral a partir do que ele chama de "princípio do discurso", para enfatizar a ideia de que um discurso só pode ser considerado válido se a argumentação foi feita de modo racional e de forma não coercitiva. O método dessa perspectiva ética é o da comunicação intersubjetiva, num sistema participativo que conduz aos consensos em torno de normas e princípios democráticos para a ação, visando igualdade de condições entre as pessoas, não apenas em nível da comunicação, mas na própria condição de vida. Constitui também norma o fato de que os falantes devem ter chances iguais para expressar seus argumentos, ideias, opiniões e, até mesmo, sentimentos, sem que possam se sentir constrangidos, respeitando as pretensões de validade previamente avaliadas e admitidas. Ou, como afirma o próprio Habermas (2003, p. 215),

Todo aquele que se envolve numa prática de argumentação tem que pressupor pragmaticamente que, em princípio, todos os possíveis afetados poderiam participar, na condição de livres e iguais, de uma busca cooperativa da verdade, na qual a única coerção admitida é a do melhor argumento.

Nessa concepção de ética do discurso, nenhuma pessoa pode decidir sozinha sobre a moralidade, mas as questões morais são resolvidas dentro de uma comunidade de comunicação em condições iguais, concretas e racionalmente aceitas sem coação por todos os participantes (HERRERO, 2000). A ética do discurso na perspectiva habermasiana traz contribuições importantes para se pensar a falta de condições das mulheres – aqui e ao longo do texto, me refiro não somente a mulheres cisgênero – para usarem atos de fala ao longo da história, e como a participação na sociedade foi sempre constituída de enfrentamentos a discursos com éticas antagônicas à comunicativa, ou seja, coercitivas e assimétricas, amparadas em controle e dominação.

As mulheres no Brasil nunca foram respeitadas como capazes de agir, como partícipes de uma comunidade linguística com direitos a um mundo da vida e compartilhamentos intersubjetivos. Isso será mostrado nas seções subsequentes deste texto.

Mulheres e os discursos de moral androcêntrica (ou, nem todos são iguais perante a lei, principalmente, se forem mulheres)

Numa vertente antagônica à moral comunicativa da ética habermasiana do discurso, na história do Brasil, os discursos, sejam legais, políticos, religiosos, educacionais ou os que exprimissem normas e regras sociais, sempre expressaram submissão/subordinação da mulher ao homem. Tal afirmação pode ser evidenciada por meio da análise do século XIX, quando o governo imperial reconheceu a necessidade de educação da população feminina, época em que eclode o que Duarte (2003) chama de a "Primeira Onda do Feminismo".

Durante o século XIX, as Ordenações Filipinas3, legislação herdada de Portugal e de inspiração medieval no poder patriarcal, expressava relação de posse da mulher ao homem, ratificando uma condição de desigualdade e injustiça de gênero. Dispunha que o pátrio poder era exclusivo do marido e que a mulher dependia de sua autorização para a prática de todos os atos da vida civil. Era lícito que o marido aplicasse castigos corporais na mulher e a matasse, quando flagrada em comportamento que transgredisse a moral da época (sempre relacionado a controles dos corpos físicos femininos e suas sexualidades) (LE BRETON, 2010). A possibilidade de prática sexual por uma mulher fora do casamento, aparentemente, aterrorizava o imaginário de pais e maridos e era incompatível com o sentido androcêntrico atribuído à família. Segundo Amorim (2014), etimologicamente o vocábulo família deriva do latim famulus, cujo significado se relaciona a escravo doméstico, "[...] o que pressupõe sentido que considerava a família como sendo conjunto de escravos ou servos de uma mesma pessoa." (AMORIM, 2014, p. 5).

A razão estrutural para essa discriminação consiste nas categorizações sobre generalizantes que a levam a intervenções que 'normalizam' a permissão de garantia de liberdade para uns e a privação de liberdade para outros (mais acentuadamente para outras). O paternalismo socio estatal, em seu sentido literal, onde o poder legislativo e a jurisdição se orientam conforme moral dominante de interpretação centrada no masculino (como único paradigma de representação coletiva), corroborou estereótipos sobre as relações de gênero ao longo da história (HABERMAS, 2002). Isso posto, sem adentrar à discussão de relações de produção, historicamente, predominantes na ordem escravista e senhorial estabelecida e as incoerências culturais, daquilo que Saffioti (1976, p. 96) chama de sistema de castas e o apresenta como elemento decisivo “[...] nos papéis que as mulheres, de uma e de outra casta, desempenhariam na sociedade brasileira de então”. Ou seja, as barbáries impostas à mulher eram acrescidas em virtude da raça, cor, escravização, idade, expressão da sexualidade, vulnerabilidade econômica.

A Constituição de 1824 (BRASIL, 1824), a primeira após o setembro de 1822, dispõe que a lei será igual para todos. No entanto, considerou cidadãos apenas os homens maiores de 25 anos e que possuíam renda líquida anual de cem mil réis4, e preteriu a mulher na sucessão ao Império. O discurso empregado no texto legal e o silenciamento em relação aos direitos e/ou deveres das mulheres corrobora a manutenção do pensamento vigente no Brasil colônia, ou seja, à mulher não cabe atuação política, mas uma existência restrita aos limites domésticos, cuidando da família e tendo seu corpo vigiado e controlado.

Os elementos desse discurso constitucional são normativos com racionalidade e moral androcêntricas e sexistas, reforçando a discriminação de gênero, ainda que, na ausência de referências explícitas à intenção de discriminar, adota postura conservadora que reproduz estruturas e categorias jurídicas e sociais que restringem a voz da mulher e resultam em sua subordinação política, cultural e econômica (FRASER, 2001).

Em 1827, por força de lei (BRASIL, 1827a), mulheres brasileiras foram admitidas em escolas. No entanto, a lei garantiu acesso apenas ao ensino elementar. Em 1879 (BRASIL, 1879), o governo brasileiro possibilitou que as mulheres cursassem o ensino superior. Contudo, essas mulheres estavam sujeitas ao preconceito social em razão de seu comportamento em desacordo com a moral vigente. Uma moral que permitia que as mulheres exercessem algumas atividades profissionais desde que fossem casadas, devidamente autorizadas pelo marido. (SAFIOTTI, 1976). Isso significa que "[…] normas culturais enviesadas de forma injusta contra alguns são institucionalizadas no Estado e na economia, enquanto as desvantagens econômicas impedem participação igual na fabricação da cultura em esferas públicas e no cotidiano." (FRASER, 2001, p. 251).

Certamente, as relações de e entre os gêneros e, consequentemente, a posição da mulher na família e na sociedade, de forma geral, constituía parte de um sistema de dominação caracterizado pela forma que se organizava e distribuía o poder na sociedade escravista brasileira. Isso foi determinante na exclusão da mulher de determinadas atividades e para a sua manutenção no exercício, quase exclusivo, de funções tidas como femininas.

A primeira Constituição da República brasileira (BRASIL, 1891), promulgada em 1891, reconheceu que todos são iguais perante a lei, ressaltando que não haveria privilégios de nascimento (foros de nobreza, ordens honoríficas). Estabelecia como eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, excluindo os mendigos, os analfabetos, os militares de categorias inferiores (praças), os religiosos e os inelegíveis. As mulheres também ficaram de fora desse direito político, sem nem ao menos serem mencionadas na Carta Magna, pois no entendimento jurídico à época, estabeleceu-se que o vocábulo cidadão abrangia apenas o sexo masculino. (VALADARES; GARCIA, 2020).

O androcentrismo e o sexismo, sempre presentes na sociedade, demandavam por sistema econômico, político e por avaliações culturais cujas expressões legais fossem consonantes a práticas que reforçam a masculinidade e negam igual direito às mulheres. A exclusão das mulheres da esfera pública e do exercício de atos políticos públicos foi em muito colaborada, no contexto histórico brasileiro, pelo discurso religioso sobre a mulher que, dentre tantas coisas, fora determinante no controle dos corpos femininos com a criação do mito do amor materno, fundado no sacrifício de si própria, para ser o sustentáculo da família.

No interior das igrejas eram ensinadas normas às mulheres, instituía-se padrão de conduta moral alinhado a valores cristãos considerados essenciais para a formação da mulher respeitável pelas virtudes e honra. Para tanto, deveriam ser observados comportamentos e vestuários, que deveriam ser inspirados nos da Virgem Maria, para se viver uma vida regulada em um cotidiano honrado (ASANO, 2001).

[...] a Igreja Católica teve influência fortemente marcada pelas normas e restrições dirigidas ao sexo feminino, na defesa da sacralidade do casamento e de uma educação destinada às futuras esposas e mães. As principais destinatárias da ideologia católica eram as mulheres, consideradas indispensáveis no fortalecimento do lar cristão. Recaíam sobre elas as injunções da moralidade e religiosidade. As que se enquadravam nessas normas eram consideradas honestas, as demais eram as transgressoras, que deveriam sofrer a rejeição social e serem marcadas pelo estigma do pecado. Esse estigma recaía prioritariamente na sexualidade, feminina, campo no qual o catolicismo foi extremamente conservador; quanto aos homens havia maior permissividade. (ALMEIDA, 2011, p. 142).

Azzi (1984), ao analisar publicações do jornal católico A Boa Nova, evidenciou que a igreja católica ditava as regras básicas de comportamento das mulheres que, por sua vez, haviam de inspirar propostas e ações pedagógicas para a educação feminina subalterna, assujeitada e colonizada pelo ideal androcêntrico de norma social. Uma das publicações, A Boa Nova de 03 de fevereiro de 1875, nº 70, p. 02, veiculava uma carta assinada por D. Macedo Costa – arcebispo de Belém –, prescrevendo

Obrigações de uma jovem:1º) Ser muito modesta em todas as suas ações, 2º) Andar cautelada a cada passo, 3º) Ser grave e sempre decente nas falas e maneiras, 4º) Gostar de estar em casa e ajudar sua mãe, 5º) Aplicar-se de continuo ao trabalho, 6º) Raras vezes sair e só por necessidade, 7º) Aborrecer das vaidades nos vestidos e enfeites, 8º) Evitar conversações indiscretas com pessoas do sexo diferente, 9º) Detestar dissipações e profanos divertimentos, 10º) Ser muito franca, leal e amorosa para com a sua mãe e não ter segredos para ela, 11º) Edificar com bom exemplo e doutrina seus irmãozinhos menores [...] Obrigações da mulher casada: 1º) amar o marido; 2°) respeitá-lo como seu chefe; 3°) obedecer-lhe com afetuosa prontidão, 4º) Adverti-lo com discrição e prudência, 5º) responder-lhe com toda mansidão, 6º) servi-lo com desvelo,7°) calar, quando o vir irritado; 8°) tolerar com paciência seus defeitos; 9°) não tem olhos nem coração para outro; 10°) educar catolicamente os filhos; 11°) ser muito atenciosa e obediente para o sogro e a sogra; 12°) benévola com toda a família, 13°) Prudente e mansa, paciente e carinhosa com toda a família; [...] Obrigações da viúva: 1°) viver pura como virgem; 2°) vigilante como as casadas; 3°) dar exemplo de virtude a umas e outras; 4º) ser amiga do retiro, 5º) inimiga dos divertimentos mundanos, 6º) aplicada à oração; 7°) cuidadosa pelo seu bom nome; 8) amante da mortificação; 9°) zelosa pela glória de Deus. (AZZI, 1984, p. 25-28, grifo nosso).

Segundo Gevehr e Souza (2014), o cristianismo sustentou uma proximidade entre o feminino, o sexo e o mal no ideário das pessoas ao longo da história. Nessa relação, a mulher foi propagada como um perigo aos homens, pois como sendo mais propensas à lascividade e às pulsões sexuais, eram responsáveis por eles se sentirem atraídos ao pecado e à morte, justificando assim a inserção social desigual e injusta: os homens atuando na esfera pública e as mulheres no espaço privado.

A desigualdade de gênero institucionalizada em todas as dimensões da sociedade, adentra aos domínios do mundo da vida das mulheres, colonizando-o a ponto de controlar seus corpos e mentes, segundo padrões masculinos, com valores morais e culturais "[...] que impedem a paridade de gêneros e a substituição desses padrões por outros que deem suporte a essa paridade" (FRASER, 2002, p. 72). Esse histórico que gera exclusão da esfera pública e dos direitos políticos decorre de injustiça de gênero de naturezas políticas, econômicas e culturais, interligadas e reforçadas mutuamente. (FRASER, 2001).

A característica mais marcante e cruel de injustiça de gênero, ainda segundo Fraser (2001, p. 260), é o androcentrismo, ou seja, "[...] a construção autoritária de normas que privilegiam características associadas com a masculinidade", ao lado do sexismo cultural, que é a “[...] desvalorização e depreciação aguda de coisas vistas como feminina paradigmaticamente – mas não apenas – da mulher cis” (FRASER, 2001, p. 260), sendo expressos por

[...] um rol de punições sofridas pelas mulheres, incluindo agressão sexual, exploração sexual e violência doméstica; trivialização, coisificação e humilhação esteriotípica nas representações da mídia; molestamento e depreciação em todas as esferas de vida quotidiana; sujeição a normas androcêntricas nas quais as mulheres aparecem como menos importantes ou desviantes e que contribui para prejudica-las, até mesmo na ausência de qualquer intenção de discriminação; discriminação atitudinal; exclusão ou marginalização em esferas públicas e corpos deliberativos; negação de plenos direitos legais e proteções iguais. (FRASER, 2001, p. 260-261).

O androcentrismo é marca fundamental da sociedade patriarcal, definindo-se pelos modos de conceber e concretizar análises, narrativas e proposições centradas na e a partir de uma perspectiva unicamente masculina, e tomadas como válidas para a generalidade dos seres humanos. (FACIO; FRIES, 2005). Esse traço perdura pelos séculos, a saber, por exemplo, os discursos clássicos sobre igualdade, democracia, papel do Estado, família, relações entre os gêneros e demais interações sociais, ressoam a influência daquilo que é androcêntrico na justificação equivocada das desigualdades pelas diferenças, permitindo a compreensão da existência de uma racionalidade instrumental subjacente e suas implicações colonizadoras nas relações sociais. Por exemplo, traços de moral androcêntrica podem ser encontrados na obra de Immanuel Kant, relacionada a direito privado, ao elaborar discurso sobre a posse, inclusive de uma pessoa, enquanto parte dos bens de alguém.

Assim, posso chamar de meus uma mulher, uma criança, um criado, e em geral qualquer outra pessoa, sobre quem exerço mando, não porque formam parte de minha casa, ou porque se encontrem sob minhas ordens, sob meu poder e em minha posse, mas também mesmo quando tivessem iludido meu poder, minha força, e por conseguinte já não os possuísse (fisicamente), posso dizer, contudo, que os possuo por minha simples vontade, enquanto e onde quer que existam. (KANT, 1993, p. 55).

Esse mesmo ideário de assujeitamento, à beira da posse, perdura historicamente na sociedade moderna, privando mulheres de direitos, e os discursos dos quais foram [são] alvos, só fizeram evidenciar a desigualdade de tratamento factual a que estavam submetidas em todas as dimensões de suas vidas (HABERMAS, 2002).

Mulheres e as lutas para aprender e ensinar matemática: a criação das "escolas de primeiras letras" e de muitas exclusões

Sobre as contas, são bastantes [para as meninas] as quatro espécies, que não estão fora do seu alcance e lhes podem ser de constante uso na vida. O seu uso de razão é mui pouco desenvolvido para poderem entender e praticar operações ulteriores e mais difíceis de aritmética e geometria. Estou convencido de que é vão lutar contra a natureza (Visconde de Cayru) (BRASIL, 1827a, p. 277).

Esse excerto em epígrafe no início desta seção, que pode ser acessado nos arquivos do Senado Federal (BRASIL, 1827a), sintetiza em poucas linhas o ideário vigente nos debates do parlamento por ocasião da promulgação da primeira grande lei educacional do Brasil, a Lei de 15 de outubro de 1827, determinando a criação das "escolas de primeiras letras" do Império. A Lei previa meninos e meninas estudando separados, orientados por currículos diferentes.

Art. 6º. Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil. (BRASIL, 1827b, grifo nosso).

Art. 11º. Haverão escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento. (BRASIL, 1827b, grifo nosso).

Art. 12º. As mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º. (BRASIL, 1827b, grifo nosso).

A matemática curricularmente prevista para as meninas excluía conhecimentos específicos, dedicados só aos meninos. Enquanto eles aprendiam números decimais, frações, proporções e geometria, a elas cabia, nada além das quatro operações básicas.

Chamo a atenção para o ar tigo 12º, na descrição das qualificações a serem exigidas para as mestras, que mais uma vez caracteriza as mulheres, relacionando-as com alguma dimensão do comportamento sexual. A expressão "reconhecida honestidade", à época, se referia à 'reputação' das moças que, em última instância, objetivava controlar as mulheres: amedrontando-as, vigiando-as e agredindo-as em sua sexualidade. Segundo Silva (2000), a feminilidade sempre atormentou o homem burguês, inspirando repúdio ao que passa a ser considerado como o inverso do comportamento desejável e reto (expresso pela masculinidade). A suposta inferioridade da mulher faz tudo o que vem dela ser considerado decadente e pervertido. Assim o sendo, “algo precisava ser feito para que esse estado de decadência não fosse tomado como norma social” e isso comprometesse o que é íntegro e perfeito que, quase sempre, se confundia com o que é próprio das masculinidades. (SILVA, 2000, p. 20).

O projeto de lei, aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados, não estabelecia diferença entre o currículo das escolas femininas e masculinas. No entanto, no Senado o currículo da escola masculina foi acrescido com "[...] prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática" (BRASIL, 1827a, p. 264).

No debate travado pelos senadores acerca do currículo para o ensino de matemática que deveria ser destinado às mulheres, registrado nos Anais do Senado (BRASIL, 1827a), é possível encontrar discursos que ilustram a imagem associada ao binômio mulher-matemática na sociedade brasileira em meados de 1827:

Não nego que tem havido mulheres de capacidade varonil. A história tem aplaudido as Aspásias, Cleópatras, Isabéis e Catarinas, mas são raridades da espécie. Todavia, não foram famosas em moral. Modernamente têm aparecido mulheres distintas na matemática. Torno a dizer, são raridades da espécie. Tem havido mulheres que até se lançaram ao mar da política, especialmente depois da revolução da França [em 1789]. Não se têm visto bons resultados. Bastará nomear a famosa inglesa Mary Wollstonecraft5 , que fez a obra Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher. Ela foi condenada por ser adúltera. Se formos nesse andar, não causará admiração que também se requeira que as mulheres possam ir estudar nas universidades, para termos grande número de doutoras. (Senador Visconde de Cayru) (BRASIL, 1827a, p. 277, grifo nosso).

Para descrever a capacidade intelectual de uma mulher usam-se termos que a comparam/aproximam do que é próprio do homem ("varonil"). Ainda se nota a tão usual, histórica, mas sempre atual, tática de desqualificação pela via da sexualidade (ser adúltera) como argumento para privar as mulheres dos espaços e atividades públicas. Os atos de fala emitidos pelo Senador Visconde de Cayru denotam um caráter ilocutório, quase em tom de ameaça, acerca do destino que poderão vir a ter as mulheres que forem autorizadas/incentivadas a estudar.

Em geral, as meninas não têm um desenvolvimento de raciocínio tão grande quanto os meninos; não prestam tanta atenção ao ensino como estes; finalmente parece que a sua mesma natureza repugna a quanto o trabalho árido e difícil e só abraça o deleitoso. Basta-lhes o saber ler, escrever e as quatro primeiras operações da aritmética. Se além da instrução literária que proponho, querem dar-lhes algumas prendas mais, ensinem-lhes a cantar e tocar. Para isto se encontrarão mestras muito mais facilmente, e disposição nas meninas, pelos novos atrativos que estas prendas vão aumentar a sua beleza. O que importa é que elas sejam bem instruídas na economia da casa, para que o marido não se veja obrigado a entrar nos arranjos domésticos, distraindo-se dos seus negócios. (Senador Marques de Caravelas) (BRASIL, 1827a, p. 278, grifo nosso).

Discursos acerca da superioridade masculina em desempenhos relacionados à matemática não são recentes, remanescendo de ecos desde o período vitoriano, conforme atestado por Almeida (1995), Badinter (1986, 1993), Birman (1997), Foucault (1986), Gay (1995), Marcuse (1968), Menezes (2018), Souza e Fonseca (2009), Spencer (1996), Trevisan e Dalcin (2017), entre outros. E a gênese motivadora de tais discursos remonta, segundo Silva (2000), a uma hegemonia sexista que questiona as diferenças fundamentada em teorias monistas e dualismo sexual, passando pelo culto à masculinidade. Aliás, não consigo pensar as desigualdades e injustiças de gênero contemporâneas sem resgatar como o conceito de sexualidade perpassa a construção cultural da diferença entre os sexos, e se torna uma potência para o controle e a dominação de todos e de todas que não se expressam, segundo normatividade androcêntrica.

No discurso do Senador Marques de Caravelas nota-se o ato performativo presente na fala e sua influência efetiva no mundo da vida das mulheres. Aliás, esse senador em seus argumentos, para defender ensino e aprendizagem de matemática desigual para meninos e meninas, faz uso das três dimensões do ato de fala: locucionário, ilocucionário e perlocucionário. Sendo o primeiro quando expressa a inferioridade do raciocínio das meninas, dizendo o que são capazes, o que não são capazes e o que deveriam ser capazes de fazer (expõe aos ouvintes o estado de coisas por meio da linguagem); a dimensão ilocucionária se faz presente, pois ao discursar sobre como as mulheres deveriam ser educadas, ele as está condenando a essa educação (o seu discurso descreveu o seu voto como senador e demonstra o caráter da realização de uma ação na linguagem); e a perlocutividade dos atos de fala do Marques de Caravelas se evidencia na enunciação estratégica que resulta em impor às mulheres um lugar pré-determinado e controlado na sociedade, cerceando-lhes qualquer possibilidade de resistência, ainda que não seja dito na estrita enunciação expressada.

A força perlocutória, presente nos atos de fala desses excertos discursivos, nos dá indícios da racionalidade eminentemente instrumental que orientou a perspectiva curricular de matemática para mulheres no século XIX no Brasil. Marcuse (1974) indica as contradições no interior da sociedade patriarcal, sendo essa unidimensional organizada e radical, no sentido de não admitir oposição, forçando-a desaparecer.

Em Herbert Marcuse (MARCUSE, 1974), o termo unidimensional se relaciona a uma sociedade onde há padronização em função do princípio de desempenho estabelecido, objetivando o controle dos corpos e mentes e tendo como consequência o conformismo social. Nesse contexto, a dominação da mulher pela via da sexualidade se faz muito efetivo, pois facilmente se impõe uma crescente dessublimação (como consequência da mais repressão), um imediatismo nas gratificações e punições das pessoas, via orientação dos costumes sexuais e comportamento sexual, nas relações sociais e na cultura, o controle da sexualidade torna-se um instrumento de dominação

Onde é que iremos encontrar mulheres brasileiras que tenham conhecimento de quebrados 6 decimais, proporções e geometria e que possa ensinar às meninas? Já ontem disse que tinha viajado quase todo o Brasil e não tinha achado uma só ne nessas circunstâncias. Se acaso há alguma, é decerto pessoa de classe mais elevada e que não está nas circunstâncias de sujeitar-se a esse serviço. (Senador José Ignácio Borges) (BRASIL, 1827a, p. 278, grifo nosso).

Segundo Castanha (2013), como as mulheres recebiam menos educação escolar que os homens, praticamente, não existiam no Brasil mulheres com formação para ensinar aritmética e geometria nas escolas femininas. E, em decorrência, forma-se um círculo vicioso que impede meninas e mulheres de interagirem, estudarem e ensinarem matemática. Vale ressaltar que apesar da Lei de 15 de outubro de 1827 prever escolas femininas nas cidades e vilas mais populosas, nem chegaram a ser efetivadas até 1850, e várias das que foram criadas não foram providas, por falta de mestras. Pela Lei, as mulheres só poderiam ter mestras, pois não se admitia que uma menina tivesse proximidade com um homem, nem mesmo na sala de aula.

Os discursos expressos no debate entre os senadores, por ocasião da aprovação de criação das "escolas de primeiras letras" do império, se mostram contrário ao defendido por Habermas ao ilustrar sua ética discursiva. Para Habermas (2003, p. 307), é por meio do discurso racional e das "negociações reguladas pelo procedimento", onde as pessoas são autoras e destinatárias de seus direitos, que as leis se tornam legítimas. No entanto, o que se percebe é que entre legisladores à época, e talvez hodiernamente também, predominou, e talvez ainda predomine, uma cultura orientada a modelos de regulação normativa que ratificam estereótipos, evidenciando a dominação masculina como artefato social e político que, invariavelmente, gerou, e continua a gerar, para meninas e mulheres, desvantagens sociais, assujeitamento político e subordinação cultural.

Considerações finais ou um convite ao combate de discursos androcêntricos

A concepção habermasiana de razão comunicativa torna a linguagem elemento constitutivo e/ou reconstrutivo da sociedade, partindo de práticas linguísticas pragmáticas, como base de todo um processo interativo entre os mundos objetivo, normativo e subjetivo. A mesma linguagem que articula essas práticas permite, contudo, seu questionamento, analisando as pretensões de validade nelas subentendidas e a ética discursiva que as orientam (FREITAG, 2005). Assim, torna-se possível, analisando a linguagem empregada, questionar a verdade dos fatos (do mundo objetivo), a correção ou adequação das normas (do mundo normativo) e a veracidade do que é dito (mundo subjetivo) no processo de promulgação da Lei de 15 de outubro de 1827 que criou as chamadas "escolas de primeiras letras" do Império.

Ao enfocar os atos de fala constituintes dos discursos dos legisladores do Brasil Imperial, marcadamente patriarcal e notadamente androcêntrico, torna-se possível problematizar as afirmações feitas, contextualizar as normas vigentes, localizar a verdade até então aceita na sociedade, e colocar em suspeição a validade e a justiça das normas sociais que regulamentam a vida das pessoas, em especial daquelas que não são homens-cisgêneros-brancos-heterossexuais.

O episódio da criação da Lei das "escolas de primeiras letras" ilustra os discursos androcêntricos que mulheres tiveram que enfrentar ao longo da história da educação brasileira para aprender e ensinar matemática. O cenário à época que, caracterizando um processo argumentativo violento e segregador, se mostra justificado unicamente por julgamento segundo critérios estabelecidos pelo grupo (de homens) dominante. Tal processo evidencia que a ética, sendo situada e circunscrita social e historicamente, não está desvinculada das influências do meio e do tempo, com os quais interage na construção de normas e valores, tal como afirma Freitag (2005). Contudo, o mais importante da incursão ao Brasil androcêntrico do século XIX, que este artigo retrata segundo a ética discursiva habermasiana, é a evidência de que toda ação, seja ela individual ou coletiva, nunca precisou estar consubstanciada em argumentos racionais validados intersubjetivamente, para ter efeitos sobre as mulheres.

Os discursos androcêntricos do Brasil Império assumem um sentido subjetivo para o conceito de ética, tanto no que diz respeito à subjetividade das concepções individuais sobre algo/alguém – egocentrismo – quanto no que se refere à superioridade do que é próprio das masculinidades na intrasubjetividade de formas de vida compartilhada – androcentrismo. Na ausência de visões democráticas e de equidade em relação às mulheres, ou seja, diante de uma moralidade que condena tudo que é próprio das feminilidades, a relação mulheres-matemática se expressa sob uma ética apoiada em conteúdos das consciências individuais, bem como em tradições e costumes impregnados por um sistema de dominação de gênero.

Parece possível afirmar, e aqui defendo que o seja, que analisar discursos androcêntricos possa ser o primeiro passo para enfrentá-los, combatendo-os. Afinal, ao enfocar a regra de argumentação que orienta um discurso, se faz possível explicitar o sentido das pretensões de validades colocadas e, em decorrência, testar a comprovação dos argumentos empregados. Assim, lança-se visibilidade sobre a ética empregada nos discursos totalitários do poder androcêntrico no século XIX que, subjugando mulheres, foi capaz de influenciar comportamentos, conforme seus fundamentos. Tal visibilidade me parece bastante promissora para que hoje se possa identificar e descontruir discursos ancorado em moralidade conservadora e em uma ética que insiste em se manter com a mesma essência do Brasil Império.

A análise dos atos de fala revela um curioso, mas não surpreendente, fato: do debate travado pelos senadores, por ocasião da votação da Lei das "escolas de primeiras letras", para os dias atuais, pouca coisa mudou na relação mulheres-matemática7. Isso em decorrência da presença de categorias como (i) ambiente acadêmico patriarcal8; (ii) violências, injustiças e desigualdades de gênero nos currículos para educação matemática e para formação de professoras e professores de matemática; (iii) trabalho e desvantagens na (re)produção da vida social de mulheres para aprender e ensinar matemática; e, (iv) sub-representação feminina nos ambientes de produção de conhecimento.

Ao afirmar tais categorias não desmereço o número expressivo, e em alguns casos superior, de mulheres em cursos de formação, nas atividades de ensino e de pesquisa em matemática e em educação matemática (ASSIS, 2020; ALMEIDA; ALMEIDA; AMORIM, 2021; BRECH, 2018; CORDEIRO; BARBOZA, 2021; GORZIZA, PILTCHER; BUONO, 2021; IBGE, 2020a, 2020b; UNESCO, 2021). As referidas categorias não negam que o quantitativo importa, que é sinônimo de progresso, resultado de muitas lutas.

Contudo, certamente, também é possível discutir a qualidade da presença das mulheres cis e trans nos ambientes de produção, estudo e ensino de matemática (MOLERO APARICIO; SALVADOR ALCAIDE; ZUASTI, 2001; CUNHA; MIRANDA; RAMBO, 2020; POLIZEL, 2018). E assim o faço, considerando que, por exemplo, mulheres são colocadas diante de escolhas determinadas e determinantes na/pela relação maternidade/carreira (ANDRADE, 2018; DANIEL, 2011; MENEZES, 2018); o número de mulheres bolsistas Produtividade9 do CNPq é menor que o de bolsistas homens (ALMEIDA, 2018; BARROS; SILVA, 2019); a racionalidade com que documentos curriculares – considero documento curricular todo aquele que se faz vetor de políticas curriculares, que é expressão de diretrizes de currículo, além daqueles com função de orientador a práticas docentes (TAVEIRA, PERALTA, 2021) – retratam [ou não retratam] mulheres pode ser questionada (CASAGRANDE; CARVALHO, 2006; FRANCO NETO; GUIDA, 2020; PARAÍSO; CALDEIRA, 2021); os sistemas de avaliação da produção científica não consideram as condições objetivas do mundo da vida das mulheres (BARROS; MOURÃO, 2020; PRADO; FLEITH, 2012; SINA, 2005); há poucas mulheres nos conselhos gestores das instituições universitárias e de pesquisa ou mesmo em cargos governamentais de alto nível (ALMEIDA, 2019; RODRIGUES; GUIMARÃES, 2016).

Nesse sentido, ainda que evoquemos avanços do espaço da mulher na 'democracia brasileira'10 contemporânea, há que se questionar a participação efetiva das mulheres na deliberação e regulação das normas com igualdade e simetria; ou o quanto as mulheres têm o direito de questionar os tópicos fixados no diálogo com a matemática; ou ainda sobre o direito das mulheres de introduzir argumentos reflexivos sobre as regras do procedimento discursivo (BENHABIB, 2007) acerca do binômio mulhermatemática.

Em tempos de ataque à democracia, aos direitos humanos fundamentais e às garantias de existência de todas as pessoas que escapam à moralidade androcêntrica ultraconservadora e neoliberal, a ética discursiva habermasiana tem potencial analítico para caracterizar a lógica patriarcal e violenta dos discursos veiculados, e para pensar o compromisso maior da democracia, a saber, defender as pessoas que se encontram marginalizadas, principalmente as mulheres [trans e cis], as negras, as LGBTQIA+ e tantas outras que são subalternizadas em esfera pública.

1A disposição ao debate, ao conflito e ao enfrentamento, segundo muitos dos comentadores de Habermas, remonta à sua procedência: pai diretor de câmara de indústria e comércio e seu avô diretor de seminário e pastor protestante (ou seja, um meio protestante burguês) em uma cidade predominantemente católica; era vizinho de uma livraria marxista que o proveu desde cedo e participou ativamente de movimento estudantil.

2Jürgen Habermas tem em Hegel o paradigma de pensador da Modernidade. Entretanto, censura a Hegel ao defender o desenvolvimento de uma nova concepção de Modernidade que, atenta ao fracasso da solução hegeliana, não mais esteja assentada sobre o princípio da subjetividade.

3Esta legislação foi editada em Portugal no início do século XVII e permaneceu em vigor no Brasil até o Código Civil de 1916.

4Este valor ajustado aos tempos atuais teria o poder de compra aproximado de 10 mil reais.

5Pioneira na denúncia do estado de miséria opressiva em que as mulheres viviam e levantou a bandeira de luta contra essas condições de subjugação e opressão. A sua luta principal era baseada no acesso das mulheres à educação, tida como marca mais ilustrativa da desigualdade de gêneros no século XIX.

6Frações.

7Refiro-me não ao acesso das mulheres à matemática, pois, logicamente que do século XIX para os dias atuais, as mulheres aumentaram em número nos bancos escolares. Aqui falo também pela minha experiência, em respeito a tudo que passei para me firmar como estudante, professora, pesquisadora, mulher e mãe, cuja vida sempre esteve entrelaçada com o aprender, ensinar e discutir sobre matemática.

8Proponho um entendimento do termo patriarcal como relativo a um poder que incide sobre o que é feminino e organiza o mundo social, tornando as mulheres hierarquicamente subordinadas a tudo que se refere a homens.

9A Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ) é destinada a pesquisadores cuja produção científica se destaque segundo critérios normativos, estabelecidos pelo CNPq, e avaliados pelos Comitês de Assessoramento. Além de apoio financeiro, pertencer à categoria de pesquisadores PQ é um sinal de reconhecimento e distinção entre pares.

10A expressão entre aspas é um registro do momento conturbado que enxergo no Brasil no ano de 2021, e que a História há de julgar, em relação à sua proximidade do conceito de democracia.

Referências

ALMEIDA, C. Mulheres são minoria entre reitores nas bolsas de pesquisa mais prestigiadas. O Globo, Rio de Janeiro, 28 jan. 2018. Disponível em: https://cutt.ly/uF9X2hW. Acesso em: 28 out. 2018. [ Links ]

ALMEIDA, D. A.; ALMEIDA, S. P. N. C.; AMORIM, M. M. T. Perfil das licenciandas em matemática: uma análise a partir dos dados do Enade (2005-2017). SciELO Preprints, São Paulo, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2561. [ Links ]

ALMEIDA, J. S. Professoras virtuosas; mães educadas: retratos de mulheres nos tempos da república brasileira (séculos XIX/XX). Revista HISTEDBR On-Line, Campinas, v. 11, n. 42, p. 143-156, 2011. DOI: https://doi.org/10.20396/rho.v11i42.8639871. [ Links ]

ALMEIDA, M.V. Senhores de si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século, 1995. [ Links ]

ALMEIDA, R. H. C. Por que ainda somos tão poucas? Representatividade das mulheres nos cargos de direção nas Universidades Federais. In: SILVA, V. D. O. (org.). Gestão pública: um olhar dos servidores. Belém: EDUFRA, 2019. p. 50-55. Disponível em: https://cutt.ly/1F9BBMF. Acesso em 1 nov. 2021. [ Links ]

AMORIM, W. S. Fazer da casa um altar: apontamentos do bispo do Pará sobre a família brasileira oitocentista. Guarabira: UEPB, 2014. [ Links ]

ANDRADE, R. O. Maternidade no currículo: projeto de pesquisadoras estima impacto das atividades como mãe na carreira científica. Pesquisa Fapesp, São Paulo, n. 269, jul. 2018.. Disponível em: https://cutt.ly/zGTFzXe. Acesso em: 28 out. 2018. [ Links ]

ASANO, S. N. Vigiai e orai: a Associação das Filhas de Maria e a preparação das mulheres para a missão de guardiãs naturais da moral e da religião. In: COUTINHO, S. R. (ed.). Religiosidade, misticismo e história no Brasil central. Brasília: Cehila, 2001. p. 301-320. [ Links ]

ASSIS, E. S. As relações de gênero na licenciatura em matemática. Revista RBBA, Vitória da Conquista, v. 9, n. 1, p. 54-78, 2020. DOI: https://doi.org/10.22481/rbba.v9i1.6921. [ Links ]

AZZI, R. A participação da mulher na vida da Igreja do Brasil (1870-1920). In: MARCÍLIO, M. L. (ed.). A mulher pobre na história da igreja latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1984. p. 101-134. [ Links ]

BADINTER, E. Um é o outro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. [ Links ]

BADINTER, E. XY: sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. [ Links ]

BARROS, S. C. V.; MOURÃO, L. Gender and science: an analysis of Brazilian postgraduation. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 37, e180108, p. 1-12, 2020. DOI: https://doi.org/ggtkk5. [ Links ]

BARROS, S. C. V.; SILVA, L. M. C. Desenvolvimento na carreira de produtividade bolsista: uma análise de gênero. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 71, n. 2, p. 68-83, 2019. [ Links ]

BENHABIB, S. Sobre um modelo deliberativo de legitimidade democrática. In: WERLE, D. L.; MELO, R. S. (ed.). Democracia deliberativa. São Paulo: Singular, 2007. p. 47-79. [ Links ]

BIRMAN, J. Estilo e modernidade em psicanálise. São Paulo: Ed. 34, 1997. [ Links ]

BRASIL. Annaes do Senado do Imperio do Brazil: segunda sessão da primeira legislatura de 16 de julho a 12 de setembro de 1827, tomo segundo. Rio de Janeiro: Senado Federal, 1827a. Disponível em: https://cutt.ly/AF3WfFB. Acesso em: 19 mar. 2020. [ Links ]

BRASIL. [Constituição (1891)]. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: de 24 de fevereiro de 1891. Rio de Janeiro, 1891. Disponível em: https://cutt.ly/4F3W5Ox. Acesso em: 19 ago. 2021. [ Links ]

BRASIL. [Constituição (1824)]. Constituição politica do império do Brazil: de 25 de março de 1824. Rio de Janeiro, 1824. Disponível em: https://cutt.ly/oF3EDdZ. Acesso em: 15 maio 2020. [ Links ]

BRASIL. Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. Reforma o ensino primário e secundario no município da Côrte e o superior em todo o Imperio. Coleção de leis do império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, pt. 2, p. 196, 1879. Disponível em: https://cutt.ly/EF3RdFm. Acesso em: 15 ago. 2021. [ Links ]

BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do imperio. Coleção das leis do império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, pt. 1, p. 71, 1827b. Disponível em: https://cutt.ly/qF3R0MY. Acesso em: 19 mar. 2020. [ Links ]

BRECH, C. O "dilema Tostines" das mulheres na matemática. Revista Matemática Universitária, Rio de Janeiro, n. 54, p. 1-5, 2018. Disponível em: https://cutt.ly/OF3IoLz. Acesso em: 1 nov. 2021. [ Links ]

CASAGRANDE, L. S.; CARVALHO, M. G. Educando as novas gerações: representações de gênero nos livros didáticos de matemática. In: REUNIÃO DA ANPED, 29., 2006, Caxambu. Atas […]. Disponível em: https://cutt.ly/YF3IVG8. Acesso em: 28 out 2021. [ Links ]

CASTANHA, A. P. Edição crítica da legislação educacional primária do Brasil imperial: a legislação geral e complementar referente à corte entre 1827 e 1889. Campinas: Navegando Publicações, 2013. [ Links ]

CORDEIRO, J. C. A.; BARBOZA, P. L. Nos embaraços da interdição: desvelando discursos acerca da mulher com a matemática. e-Mosaicos, Rio de Janeiro, v. 10, n. 23, 2021. [ Links ]

CUNHA, U. F. C.; MIRANDA, C. M.; RAMBO, M. K. D. Mulheres nas ciências exatas e tecnologias: um olhar para a Universidade Federal do Tocantins – UFT na perspectiva de gênero. Humanidades e Inovação, Palmas, TO, v. 7, n. 2, p. 276-289, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/BF3O0Qb. Acesso em: 28 out. 2021. [ Links ]

DANIEL, C. O trabalho e a questão de gênero: a participação de mulheres na dinâmica do trabalho. O Social em Questão, Rio de Janeiro, v. 14, n. 25/26, p. 323-344, 2011. Disponível em: https://cutt.ly/WF3Pd22. Acesso em: 28 out. 2021. [ Links ]

DUARTE, C. L. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 151-172, 2003. DOI: https://doi.org/dbptrz. [ Links ]

FACIO, A.; FRIES, L. Feminismo, género y patriarcado. Academia: Revista sobre Enseñanza del Derecho de Buenos Aires, v. 3, n. 6, p.259-294, 2005. Disponível em: https://cutt.ly/uGTH3Ns. Acesso em 29 jun 2021. [ Links ]

FLORESTA, N. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. São Paulo: Cortez, 1989. [ Links ]

FOUCAULT, M. A história da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1986. [ Links ]

FRANCO NETO, V.; GUIDA, A. M. A constituição do sujeito-mãe nos livros didáticos de matemática da educação do campo. Revista Educação, Santa Maria, v. 45, e86, p. 1-24, 2020. DOI: https://doi.org/hr55. [ Links ]

FRASER, N. Da redistribuição ao reconhecimento?: dilemas da justiça na era pós-socialista. In: SOUSA, J. (ed). Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: Editora UnB, 2001. p. 245-282. [ Links ]

FRASER, N. Políticas feministas na era do reconhecimento: uma abordagem bidimensional da justiça de gênero. In: BRUSCHINI, C.; UNBEHAUM, S. G. (ed). Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2002. p. 59-78. [ Links ]

FREITAG, B. Dialogando com Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005. [ Links ]

GAY, P. O cultivo do ódio: a experiência da burguesia da Rainha Vitória a Freud. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. [ Links ]

GEVEHR, D. L.; SOUZA, V. L. As mulheres e a igreja na idade média: misoginia, demonização e caça às bruxas. Licencia&acturas, Ivoti, RS, v. 2, n. 1, p. 113-121, 2014. DOI: https://doi.org/hr56. [ Links ]

GORZIZA, A.; PILTCHER, A. S.; BUONO, R. Brasil tem mais docentes mulheres do que homens. Piauí, São Paulo, 16 mar. 2021. Disponível em: https://is.gd/VEZDmh. Acesso em: 28 out. 2021. [ Links ]

HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 2 v. [ Links ]

HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002. [ Links ]

HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: v. 1: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo, Martins Fontes, 2012a. [ Links ]

HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: v. 2: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo, Martins Fontes, 2012b. [ Links ]

HERRERO, F. J. Estudos de ética e filosofia da religião. São Paulo: Loyola, 2000. [ Links ]

IBGE. Conheça o Brasil: população: quantidade de homens e mulheres. Rio de Janeiro: IBGE, 2020a. Disponível em https://is.gd/fCpcuv. Acesso em: 28 out 2021. [ Links ]

IBGE. Mulheres brasileiras na educação e no trabalho. Rio de Janeiro: IBGE, 2020b. Disponível em: https://is.gd/1Wll1B. Acesso em 28 Out 2021. [ Links ]

KANT, I. Doutrina do direito. São Paulo: Ícone, 1993. [ Links ]

LE BRETON, D. A sociologia do corpo. 3. ed. Rio de Janeiro. Vozes, 2010. [ Links ]

MACEDO, E. Pensando a escola e o currículo à luz da teoria de J. Habermas. Em Aberto, Brasília, ano 12, n. 58, p. 38-44, abr./jun., 1993. [ Links ]

MARCUSE, H. Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. [ Links ]

MARCUSE, H. Progresso social e liberdade: textos marginais. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1974. [ Links ]

MEDEIROS, A. M. Ética do discurso. 2016. Disponível em: https://cutt.ly/8GWsNKb. Acesso em: 12 ago. 2020. [ Links ]

MEEHAN, J. Feminists read Habermas (RLE feminist theory): gendering the subject of discourse. [New York]: Routledge, 2013. [ Links ]

MENEZES, M. B. Lugar de mulher é na matemática: percepções de professoras de matemática sobre suas trajetórias profissionais. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE, 6., 2015, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015. [ Links ]

MOLERO APARICIO, M.; SALVADOR ALCAIDE, A. S.; ZUASTI, N. Biografías de algunas mujeres matemáticas acompañadas de ciertas reflexiones sobre la educación y las condiciones de vida de las mujeres. In: FRÍAS RUIZ, V. (ed.). Las mujeres ante la ciencia del siglo XXI. Madrid: Editorial Complutense, 2001. p. 91-160. [ Links ]

MUSSE, R. O debate marxista sobre a pós-modernidade. Revista Z Cultural, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, 2016. Disponível em: https://cutt.ly/lGWa5uy. Acesso em: 28 abr. 2022. [ Links ]

PARAÍSO, M. A.; CALDEIRA, M. C. S. Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades. [S.l.]: Mazza, 2021. [ Links ]

PERALTA, D. A. Habermas e as professoras e professores de matemática: vislumbrando oásis. Curitiba: Appris, 2019. [ Links ]

POLIZEL, A. L. Tecnologias de poder e a narrativa de si na constituição de um "corpo negro, mulher, trans". Diversidade e Educação, Rio Grande, RS, v. 6, n. 1, p. 30-38, 2018. DOI: https://doi.org/hr57. [ Links ]

PRADO, R. M.; FLEITH, D. S. Pesquisadoras brasileiras: conciliando talento, ciência e família. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 64, n. 2, 2012. [ Links ]

REESE-SCHAFER, W. Compreender Habermas. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. [ Links ]

RODRIGUES, J. G.; GUIMARÃES, M. C. S. A Fundação Oswaldo Cruz e a ciência no feminino: a participação feminina na prática e na gestão da pesquisa em uma instituição de ensino e pesquisa. Cadernos Pagu, Campinas, n. 46, p. 197-222, 2016. DOI: https://cutt.ly/PGTCpzR. [ Links ]

SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 1976. [ Links ]

SILVA, S. G. Masculinidade na história: a construção cultural da diferença entre os sexos. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, v. 20, n. 3, p. 8-15, 2000. [ Links ]

SINA, A. Mulher e trabalho: o desafio de conciliar diferentes papéis na sociedade. São Paulo: Saraiva, 2005. [ Links ]

SOUZA, M. C. R. F.; FONSECA, M. C. F. Discurso e "verdade": a produção das relações entre mulheres, homens e matemática. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 2, p. 595-613, 2009. DOI: https://doi.org/fk8qs2. [ Links ]

SPENCER, C. Homossexualidade: uma história. Rio de Janeiro: Record, 1996. [ Links ]

STEFANI, J. Considerações sobre a ética do discurso. Controvérsia, São Leopoldo, RS, v. 1, n. 1, p. 66-73, 2005. Disponível em: https://cutt.ly/5F3J9JT. Acesso em: 16 ago. 2021. [ Links ]

TAVEIRA, F. A. L.; PERALTA, D. A. Análise de documentos curriculares de Matemática inspirada na ética discursiva de Jürgen Habermas. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 22, n. 3, 2021. DOI: https://doi.org/hr6f. [ Links ]

TREVISAN, A. C. R.; DALCIN, A. Um olhar sobre as questões de gênero em livros didáticos de Matemática. Revista Educação e Cultura Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 14, n. 36, 2017. Disponível em: https://cutt.ly/zF3Kjlw. Acesso em 17 Ago 2021. [ Links ]

UNESCO. Mulheres são apenas 28% das pesquisadoras em todo o mundo. In: UNESCO science report: 2021. Disponível em: https://www.unesco.org/reports/science/2021/en. Acesso em: 1 nov. 2021. [ Links ]

VALADARES, R. S.; GARCIA, J. A evolução dos direitos da mulher do contexto histórico e os avanços no cenário atual. São Paulo: Âmbito Jurídico, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/jF3KEBq. Acesso em: 22 dez. 2020. [ Links ]

Recebido: 18 de Agosto de 2021; Aceito: 04 de Novembro de 2021

Autor correspondente: deise.peralta@unesp.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.