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Ciência & Educação

versão impressa ISSN 1516-7313versão On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.28  Bauru  2022  Epub 28-Out-2022

https://doi.org/10.1590/1516-731320220046 

Artigo Original

A paisagem dunar como eixo central para o ensino de Geociências na Educação Básica em áreas litorâneas

The dune landscape as a central axis for teaching Geosciences in basic education in coastal areas

Cláudia Patrícia Araújo e Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-6427-1956

Raquel Franco de Souza2 
http://orcid.org/0000-0001-8818-0605

1Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto de Geociências, Campinas, SP, Brasil.

2Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, RN, Brasil.


Resumo:

Estudos apontam que, mesmo no Ensino Fundamental I, os conteúdos de Geociências estão presentes em disciplinas como Ciências e Geografia, embora, muitas vezes, não sejam reconhecidos como geocientíficos, resultando em um ensino descontextualizado. Reconhecendo a importância desse objeto, o objetivo deste estudo foi, a partir da verificação dos conteúdos de Geociências abordados no Ensino Fundamental I em uma escola pública, propor um tema estruturante a partir do contexto geológico do município. Para tal, foram compiladas informações de pesquisas que investigaram os conteúdos de Geociências em livros de Ciências e Geografia usados no município e, como resultado, observou-se que esses conteúdos representam 16,44% nesse ciclo do ensino, sendo mais expressivos a partir do 3º ano do ensino fundamental I. A paisagem foi identificada como passível de articulação com os demais assuntos geocientíficos. Assim, conforme o contexto estudado, propõe-se utilizar a paisagem dunar como possibilidade integradora de conteúdos de Geociências.

Palavras-chave: Ensino de geociências; Ensino fundamental; Livro didático; Dunas

Abstract:

Studies show that even in the first years of elementary school (EFI), the contents of Geosciences are present in subjects like Science and Geography, although they are often not recognized as geoscientific, which results in decontextualized teaching. By recognizing the importance of this object, the purpose of this study was - based on the verification of the contents of Geosciences covered in EFI in a public school - to propose a structuring theme based on the geological context of the municipality. To do that, this study compiled information from studies that investigated the contents of Geosciences in Science and Geography books in the municipal school system and, as a result, it was observed that these contents represent 16.44% in this teaching cycle and are more expressive from the 3rd year on. The local landscape was found to be suitable for promoting articulation with other geoscientific subjects. In the studied context, the dune landscape is proposed as a likely articulator of Geosciences contents.

Keywords: Geosciences teaching; Elementary School; Textbook; Dunes

Introdução

Mesmo não sendo a Geologia uma matéria obrigatória no currículo da Educação Básica brasileira, os conteúdos de Geociências encontram-se distribuídos nas disciplinas existentes. No Ensino Fundamental, do 1º ao 9º ano, tais assuntos são abordados principalmente nas disciplinas de Ciências e Geografia.

A literatura sobre o ensino de temas geocientíficos mostra o quanto são elaboradas pesquisas dedicadas a investigar a importância desses conteúdos na Educação Básica brasileira, demarcando os contributos dos temas geocientíficos para as demais Ciências, bem como as práticas pedagógicas de ensino que tornam essa aprendizagem mais significativa e mais representativa no universo de vivência do educando (ASSARF; ORION, 2005; BACCI, 2015; CARNEIRO; TOLEDO; ALMEIDA, 2004; COMPIANI, 1996; FIRMINO; BARBOSA; RODRIGUES, 2019; GONÇALVES; SICCA, 2018; GUIMARÃES, 2004; KASTENS; AGRAWAL; LIBEN, 2009; LACREU, 2007; PIRANHA; CARNEIRO, 2009; PONTE; PIRANHA, 2020).

Gonçalves e Sicca (2018) apontam que a Terra, o ambiente e a natureza formam o nó de uma trama que admite aproximar distintos olhares. Isso se traduz no fato de que os temas geocientíficos ocupam um espaço no qual a interdisciplinaridade não só é possível como é necessária, já que as Geociências propõem um olhar sistêmico e integrado das esferas terrestres. Assim, esses conteúdos possibilitam a promoção não só do ensino interdisciplinar, como contribuem fortemente para o ensino dos temas que contemplam a problemática ambiental. Como ferramenta de ensino, diversos autores propõem o estudo das Geociências não apenas global, mas a partir do contexto local de vivência do educando (por exemplo, COMPIANI, 2015), já que o ensino em Geociências auxilia tanto para conhecer como para problematizar o lugar/ambiente, sendo ferramenta essencial, por exemplo, na promoção da geoconservação (SANTOS, 2013, 2018).

A importância dos conteúdos de Geociências na Educação Básica perpassa diferentes aspectos. Ao referir-se a temas de Geologia, a exemplo, logo os compreendemos como sendo também conteúdos de Geociências, uma vez que, conforme Compiani (2002), pertencem às Geociências conteúdos de Geologia, Astronomia, Meteorologia, Pedologia, Climatologia, entre outros.

Carneiro, Toledo e Almeida (2004) reúnem dez motivos pelos quais os temas geológicos deveriam ser incluídos na Educação Básica. Aqui serão elencados três, por serem essenciais dentro do contexto da pesquisa. São eles: Geociências na Formação Humanística; Geologia como visão de conjunto do funcionamento do Sistema Terra; e a questão dos recursos disponíveis versus a sustentabilidade do planeta. Esses três motivos entrelaçam-se intimamente, sobretudo se forem postos como cerne da problemática ambiental, que envolve o caráter de formação humanística no tocante à interação sociedade-natureza, ao caráter sistêmico do planeta, bem como a relação de desenvolvimento e sustentabilidade no uso dos recursos naturais.

Quanto a essa questão ambiental, a relevância de ensinar Geociências a partir do contexto local reside na ideia apontada por Santos (2018, p. 20), que afirma: "[...] quanto mais a comunidade (re) conhecer o seu lugar ambiente e seus patrimônios, mais ela poderá valorizá-los e protegê-los". Isso ocorre porque "[...] a identidade da população com seu território pode reforçar e criar valores comuns para a conservação dos atributos naturais e culturais, possibilitando a apropriação do ambiente" (MISATO; ZANIRATO, 2013, p. 49). Além disso, a educação em Geociências, ao contribuir para conservação do patrimônio geológico de uma região, possui grande valor social, conforme Vieira et al. (2018, p. 131):

A conservação dos valores naturais, embora implique a restrição de usos territoriais (evitar a urbanização, extração mineral, alteração do relevo pela exploração imobiliária e rotas viárias...) como estratégias de geoconservação contribui para a preservação da biodiversidade, com o desenvolvimento equilibrado por intermédio da exploração de atividades ligadas ao turismo (geoturismo) e como inegável recurso de aprendizado, tanto pelos aspectos educativos quanto pelas questões de caráter científico, assegurando que as futuras gerações possam ter acesso aos testemunhos da história geológica do nosso planeta.

Apesar de muitos pesquisadores dedicarem seus estudos ao ensino das Geociências na Educação Básica, há certa cultura de que esses conteúdos não são ou são pouco trabalhados no Ensino Fundamental I (EF I), de modo que se observa uma maior concentração de pesquisas nessa temática abordando os anos do Ensino Fundamental II (EF II) e do Ensino Médio (EM), preferência provavelmente relacionada ao fato de os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tratarem mais claramente dos objetivos de ensino no âmbito das Geociências no EF II e no EM. Quanto a isso, autores como Bacci, Oliveira e Pommer (2009) e Salvador e Bacci (2018) afirmam que tais conteúdos existem no EF I, mas que, muitas vezes, não são assim reconhecidos pelos próprios professores, de modo que esses assuntos são, em geral, tratados de forma superficial e desconexa.

Dessa maneira, o pressuposto desta pesquisa é a relevância que os conteúdos de Geociências possuem mesmo no Ensino Básico, sobretudo no Ensino Fundamental I, e a sua possibilidade de estudo a partir do contexto local. A tentativa de articular os conteúdos programáticos à realidade local é consoante ao que preveem os documentos normativos da Educação Básica brasileira, como consta no Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o qual determina que a Base deve ser "[...] complementada em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, a economia e dos educandos." (BRASIL, 1996).

Nesse contexto, Silva e Souza (2020a, 2020b) analisaram, identificaram e quantificaram os conteúdos de Geociências presentes no Ensino Fundamental I, a partir da análise das Unidades Temáticas propostas pela BNCC (BRASIL, 2017) nos livros de Ciências e Geografia – respectivamente – utilizados na rede municipal de ensino de Natal, estado do Rio Grande do Norte. Cabe esclarecer que o presente trabalho é uma continuidade dos estudos desenvolvidos por Silva e Souza (2020a, 2020b), representando a etapa seguinte da pesquisa, na qual se objetiva refletir sobre os resultados encontrados. Ao buscar formas de integrar os conteúdos geocientíficos previstos no currículo ao contexto geológico específico do município, este trabalho insere-se também na categoria geocientífica denominada lugar, ou pedagogia crítica do lugar/ambiente, conforme apontado por Compiani (2015), uma vez que promove articulação e integração com o ambiente no qual o educando está inserido, escapando dos modelos curriculares generalistas.

Dessa forma, a pergunta que se pretende responder na presente pesquisa é: é possível articular os conteúdos programáticos de Geociências, identificados em livros de Ciências e Geografia utilizados na rede municipal de ensino (EF I) de Natal/RN, ao contexto geológico do município? De que forma isso pode ser realizado? Para atender a essa pergunta, partimos do objetivo geral de propor um tema estruturante para o ensino de Geociências no contexto geológico do município de Natal/RN, a partir da elaboração de um mapa de conceitos, cumprindo os seguintes objetivos específicos: (1) compilar os resultados dos conteúdos de Geociências nos livros didáticos utilizados nas disciplinas de Ciências (SILVA; SOUZA, 2020a) e Geografia (SILVA; SOUZA, 2020b) no Ensino Fundamental I nas escolas municipais de Natal/RN; (2) analisar as categorias emergentes identificadas nos citados livros didáticos para compreender o conjunto de conteúdos geocientíficos abordados nessas duas disciplinas; (3) propor um tema estruturante para o ensino de Geociências a partir do contexto geológico local do município de Natal/RN; (4) elaborar, a partir do tema estruturante, um mapa de conceitos que proporcione a operacionalização do ensino do conteúdo, bem como um texto de suporte com embasamento científico para auxiliar na compreensão do mapa, utilizando para isso referências da área das Geociências, como Almeida (2006), Dominguez e Bittencourt (1994), Guerra e Guerra (2006), Hesp e Thom (1990), Melo (1995), Sígolo (2009), Venturi (2006) e Vidal (2010).

Materiais e métodos

Os materiais analisados que sustentaram a referida pesquisa em termos de dados foram os resultados dos trabalhos de Silva e Souza (2020a, 2020b), nos quais as autoras identificaram e quantificaram os conteúdos de Geociências presentes nos Manuais do Professor das disciplinas de Ciências e Geografia. Esses livros foram adotados pela rede municipal de ensino de Natal, por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2019, para uso no quadriênio 2019-2022 no Ensino Fundamental I. Para quantificação desses conteúdos, as autoras desenvolveram uma contagem considerando incrementos de ¼ de páginas. A quantificação foi feita em dois espaços distintos dentro do Manual do Professor: o Livro do Aluno e as Orientações Didáticas, conforme a figura 1. Para mais detalhes quanto à quantificação do conteúdo, consultar Silva e Souza (2020a, 2020b).

(A) ilustração representativa do Manual do Professor, que é constituído de uma área central correspondente ao Livro do Aluno e áreas laterais correspondentes às Orientações Didáticas. (B) subdivisão do Manual do Professor em incrementos de ¼ de páginas (4 Livro do Aluno + 4 Orientações Didáticas). (C) e (D): exemplos das contagens de incrementos correspondentes aos conteúdos de Geociências.

Fonte: Silva e Souza (2020b).

Figura 1 Representação do Manual do professor e sua subdivisão em Livro do aluno e Orientações didáticas, exemplificando a contagem de incrementos 

Quanto à presente pesquisa, a metodologia seguiu os seguintes passos, em função dos objetivos específicos elencados:

  1. Foi calculada, a partir dos resultados trazidos nas pesquisas de Silva e Souza (2020a, 2020b), a porcentagem de conteúdos de Geociências presentes em cada ano do EF I quando consideradas as disciplinas de Ciências e Geografia juntas. Para tal, foram somados os incrementos totais dos Manuais do Professor de Ciências e de Geografia, ano a ano, e, posteriormente, foram somados os incrementos identificados como sendo de conteúdos geocientíficos das disciplinas de Ciências e Geografia, também ano a ano. Tendo esses valores, foi possível inferir a porcentagem total de conteúdos de Geociências presentes nas duas disciplinas em cada ano (1º, 2º, 3º, 4º e 5º ano), bem como ao longo de todo o EF I.

  2. Foi feita uma análise das categorias emergentes correspondentes aos conteúdos identificados por Silva e Souza (2020a, 2020b) para Ciências e Geografia, visando compreender o conjunto de conteúdos geocientíficos abordados nessas duas disciplinas.

  3. A partir da análise das categorias emergentes, foi proposto um tema estruturante para o ensino das Geociências a partir do contexto local – no caso, o município de Natal/RN –, dialogando com os conteúdos de Ciências e Geografia contemplados nos livros utilizados nas escolas municipais no quadriênio 2019-2022, de modo a propor um ensino contextualizado e interdisciplinar.

  4. A partir do tema estruturante e dialogando com os demais temas identificados por Silva e Souza (2020a, 2020b), foi proposto um Mapa de Conceitos, apoiado por um texto explicativo, embasado em referências específicas da área das Geociências.

Resultados e discussão

O lugar das Geociências nos manuais analisados

A tabela 1 reúne os resultados dos trabalhos de Silva e Souza (2020a) para a disciplina de Ciências e de Silva e Souza (2020b) para a disciplina de Geografia, a partir da análise dos livros didáticos do Ensino Fundamental I adotados para o município de Natal para o quadriênio 2019-2022, compilando as informações necessárias para uma compreensão ampla de como os conteúdos de Geociências distribuem-se nessas duas disciplinas ao longo dos cinco anos. Nas duas primeiras colunas estão mostrados os resultados de Silva e Souza (2020a) e Silva e Souza (2020b), respectivamente, que possibilitaram o cálculo da última coluna, a qual contempla a quantidade de conteúdos de Geociências em Ciências e Geografia ao longo de todo Ensino Fundamental I de acordo com os livros analisados.

Tabela 1 Porcentagem correspondente aos conteúdos de Geociências, do 1º ao 5º ano, considerando as disciplinas de Ciências e Geografia, e as duas conjuntamente 

Ciências Geografia Ciências + Geografia
Incr Manual Incr Geo Manual Incr Manual Incr Geo Manual Incr Manual Incr Geo Manual
n % n % n %
1º ano 672 50 7,40 832 28 3,36 1504 78 5,18
2º ano 816 98 12,00 960 72 7,5 1776 170 9,57
3º ano 1056 342 32,38 1088 177 16,26 2144 519 24,20
4º ano 1312 175 13,33 1088 268 24,63 2400 443 18,45
5º ano 1328 275 20,70 1216 220 18,90 2544 495 19,45
Total 5184 940 18,13 5184 765 14,75 10368 1705 16,44

Legenda: Os valores em negrito na última linha da tabela correspondem ao total dos conteúdos de Geociências em Ciências, Geografia e Ciências + Geografia, respectivamente, ao longo do Ensino Fundamental I, considerando-se os livros analisados. Incr Manual: quantidade de incrementos (Incr) no Manual do Professor; Incr Geo Manual: total de incrementos de Geociências no Manual do Professor (OD+LA) em quantidade (n) e porcentagem (%).

Fonte: adaptado de Silva e Souza (2020a, 2020b).

Os conteúdos de Geociências concentram-se no livro do 3º ano de Ciências e no livro do 4º ano de Geografia (SILVA; SOUZA, 2020a, 2020b). Considerando os dois livros, os conteúdos de Geociências localizam-se principalmente no 3º ano do Ensino Fundamental I, tendo sido constatado que, dos conteúdos ministrados em Ciências e Geografia no 3º ano, 24,20% são de Geociências (última coluna da tabela 1). O ano com menor índice de conteúdos de Geociências foi o 1º ano, representando 5,18%. Observa-se ainda que a frequência desses assuntos é maior a partir do 3º ano do EF I.

Os dados também mostram que 16,44% dos conteúdos de Ciências e Geografia durante o Ensino Fundamental I correspondem a conteúdos de Geociências. Entretanto, é na disciplina de Ciências que tais assuntos são mais representativos, uma vez que 18,13% dos conteúdos de Ciências foram identificados como de Geociências, enquanto na disciplina de Geografia eles representaram 14,75%.

A localização dos conteúdos de Geociências dentro do Manual do Professor mostrou que eles se encontram, principalmente, no Livro do Aluno, uma vez que, em Ciências e Geografia, 65,7% e 70,6% dos conteúdos, respectivamente, concentram-se no Livro do Aluno (SILVA; SOUZA, 2020a). Esse resultado reforça a importância de especialistas atuarem na complementação dos conteúdos de Geociências trabalhados no ensino formal de educação, principalmente mediante o que aponta Guimarães (2004, p. 92) ao mencionar a deficiência na formação dos professores do ensino básico no tocante aos conteúdos de Geociências, o que "[...] favorece a utilização de informações desvinculadas do cotidiano dos alunos, por vezes tendenciosas, incompletas ou incorretas."

Apesar da porcentagem encontrada, a presença desses conteúdos não assegura a qualidade do ensino. Ponte e Piranha (2020, p. 1), ao analisarem o Currículo Paulista (elaborado conforme a BNCC), argumentam que

[...] pôde-se identificar diversos conteúdos e as habilidades afins à alfabetização geocientífica, fragmentados entre disciplinas e desarticulados em séries e bimestres. Embora tópicos relacionados às Ciências da Terra estejam presentes no currículo do Estado de São Paulo, o arranjo disciplinar e as práticas pedagógicas comprometem a alfabetização em Ciências da Terra na Educação Básica, com reflexos negativos na relação da sociedade com o patrimônio geológico.

Por isso, a partir desse entendimento, a presente pesquisa não apenas quantificou como também analisou os conteúdos e propôs formas de integração e articulação deles, tanto entre disciplinas (Ciências e Geografia) como entre anos diferentes do EF I. A partir disso, foram definidas categorias emergentes representativas dos principais temas geocientíficos trabalhados ao longo do EF I. Desse modo, foram propostas nove categorias na disciplina de Ciências (SILVA; SOUZA, 2020a) e cinco categorias na disciplina de Geografia (SILVA; SOUZA, 2020b). O quadro 1 sintetiza essas categorias.

Quadro 1 Categorias emergentes representativas dos conteúdos de Geociências nos Manuais do Professor do Ensino Fundamental I identificados em Ciências e em Geografia 

Ciências Geografia

Sol como fonte de luz e energia

Materiais e suas propriedades

Ciclo hidrológico da água

Componentes não vivos do ambiente

Ambientes

Representações da Terra

Orientação Geográfica

Movimento dos astros e suas implicações

Tecnologia Espacial

Paisagens

Recursos Naturais

Clima

Introdução à cartografia

Impactos Ambientais

Fonte: Compilado de Silva e Souza (2020a, 2020b).

Silva e Souza (2020a) apontam que, em Ciências, houve um enfoque dos temas relacionados ao universo, fato também constatado por Compiani (2018). Esse autor, ao analisar a estrutura da BNCC aprovada e publicada em 2017, detectou o aumento dos conteúdos de astronomia. Silva e Souza (2020b) assinalam que, em Geografia, os conteúdos de Geociências encontraram-se, sobretudo, ligados ao assunto Paisagens. Pelo seu caráter multidisciplinar, foi comum um mesmo tema geocientífico ser abordado tanto em Ciências quanto em Geografia, em anos diferentes do EF I. As categorias emergentes Representações da Terra e Orientação Cartográfica, em Ciências, compartilharam temas com a categoria Introdução à Cartografia, em Geografia, citando-se como exemplo o estudo dos pontos cardeais, da rosa dos ventos, das escalas, dos mapas, dentre outros. O estudo dos mapas pode ser complementado com conteúdos categorizados em Tecnologia Espacial, como o uso de drones e satélites na aquisição de dados para formulação de mapas. A categoria Componentes não vivos do ambiente e Ambientes de Ciências auxiliam no entender das Paisagens da disciplina de Geografia. Esses são alguns exemplos que apontam para possibilidade de diálogo entre as categorias elencadas no quadro 1, o que permitiu a escolha de um tema central que pudesse relacionar-se com os demais no contexto do município de Natal/RN.

Silva e Souza (2020b) identificaram a categoria Paisagens como possibilidade de tema estruturante para o ensino das Geociências a partir da análise dos livros de Geografia, pois essa temática permitia o diálogo com as demais categorias propostas para essa mesma disciplina. O presente estudo, ao avaliar as categorias definidas por Silva e Souza (2020a) para a disciplina de Ciências (quadro 1), constatou ser possível o diálogo da categoria Paisagens, também com as categorias de Ciências. Assim, tomando como base a análise dos temas geocientíficos abordados no Ensino Fundamental I, e no esforço de propor um estudo a partir do contexto local, a presente pesquisa propõe como eixo estruturante – dentre diversos outros que poderiam ser sugeridos – a categoria emergente Paisagens. Além disso, esse diálogo com categorias situadas em duas diferentes disciplinas do EF I abre espaço para a promoção de um ensino interdisciplinar, fator almejado nos processos de ensino-aprendizagem atualmente por auxiliar na superação de uma visão fragmentada dos processos de produção e de socialização do conhecimento (THIESEN, 2008).

A paisagem dunar no contexto de Natal, RN: possibilidade de tema estruturante para o ensino das Geociências

Conforme Guimarães (2004, p. 89),

[...] o estudo do ambiente mais restrito e concreto nas séries iniciais do Ensino Fundamental, a partir da escola e do seu entorno, leva à compreensão de contextos sucessivamente mais extensos e complexos, propiciando a construção de um 'padrão de referência' do mundo físico.

Além disso, os estudos – quando realizados no lugar de vivência do educando, como é proposto pela pedagogia crítica do lugar ambiente – permitem romper com o currículo generalista, abrangendo a natureza local, incentivando as comunidades – nesse caso, os alunos – a investigarem e proporem soluções para a problemática ambiental de onde vivem. Tal fato pode ajudar a fortalecer as conexões entre as pessoas e seus lugares de vivência, impulsionando a transformação e a conservação do lugar em que vivem (COMPIANI, 2015).

Dessa forma, pode-se assumir que a paisagem local constitui um recurso de fácil acesso (por estar presente no cotidiano dos alunos), possibilitando um processo importante na aprendizagem de Geociências, conforme apontado por Carneiro, Toledo e Almeida (2004), no sentido de levar a sala de aula para o mundo real. Segundo os autores, isso é uma "[...] tarefa que a Geologia pode desempenhar com maior eficiência que qualquer outra disciplina na Educação Básica" (CARNEIRO; TOLEDO; ALMEIDA, 2004, p. 559). Além disso, a escolha da paisagem como eixo estruturante para o ensino das Geociências justifica-se, ainda, pela importância na formação cidadã e pelo potencial didático que ela constitui, como apontado por Lacreu (2007). De acordo com Giannini e Melo (2009), as paisagens do nosso cotidiano são produzidas por processos geológicos superficiais, exemplificados pelos cenários naturais espetaculares que costumamos admirar em cartões-postais. Os autores acrescentam ainda que em cada cenário de cartão-postal pode-se notar uma forma ou um conjunto de formas de relevo, modelados por agentes geológicos superficiais (vento, gelo, águas das chuvas e dos rios, mares e lagos).

No contexto do município de Natal, é certo que dunas e praias logo suscitam o imaginário das pessoas. Um dos cartões-postais da cidade, a praia de Ponta Negra, representa hoje o maior destino turístico do Estado: essa praia tem como principal atrativo o Morro do Careca, constituído por uma duna vegetada e íngreme, apresentando em sua parte frontal ao mar parte de seus sedimentos expostos pela ausência de vegetação, fisionomia que lhe atribuiu seu nome (SOARES; MEDEIROS; SALLES FILHO, 2014).

O Morro do Careca, no entanto, representa apenas uma feição dunar no contexto do território da cidade do Natal, já que, segundo Melo (1995), as dunas recobrem a maior parte da cidade, inclusive a área urbanizada. Assim, Natal é, na verdade, edificada sobre dunas, as quais extrapolam os limites do município para um contexto que vai do local ao regional, compondo também paisagens adjacentes à localidade, como é o caso da Barreira do Inferno (Parnamirim) e das Dunas de Genipabu (Extremoz). Por isso, como elemento da paisagem, são escolhidas as dunas. O diagrama exposto na figura 2 evidencia algumas das categorias emergentes possíveis, dentre as elencadas por Silva e Souza (2020a, 2020b) (ver quadro 1) nas disciplinas de Ciências e Geografia, de serem articuladas a partir das dunas enquanto elementos formadores da paisagem.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Figura 2 Mostra a escolha das dunas enquanto elemento da categoria Paisagens e as demais categorias emergentes propostas nas disciplinas de Ciências e Geografia que podem ser articuladas a partir do tema escolhido 

As dunas como eixo integrador dos conteúdos geocientíficos

Como trabalhado por Firmino, Barbosa e Rodrigues (2019), um dos aspectos que podem contribuir com o ensino de Geociências é o olhar crítico para o livro didático, mas também a promoção de outras estratégias que permitam ao educando a compreensão do conteúdo. Nesse sentido, buscando fortalecer o ensino de Geociências, os autores apontam para a relevância da utilização de mapas conceituais.

Assim, neste tópico é apresentado um mapa de conceitos (figura 3), elaborado a partir das relações estabelecidas entre as categorias emergentes definidas para as disciplinas de Ciências e Geografia por Silva e Souza (2020a, 2020b), articulado a partir da paisagem dunar no município de Natal/RN. Atrelado ao mapa conceitual, um texto explicativo reúne referências específicas das Geociências/Geologia em uma contextualização passível de articular uma proposta integrada e sistêmica.

Legenda: As caixas pretas representam as categorias emergentes definidas por Silva e Souza (2020a, 2020b), com destaque para a caixa preta no centro, em formato arredondado, que representa o tema escolhido para se trabalhar. As caixas de cor cinza representam conceitos geocientíficos necessários para interligar as categorias.

Fonte: elaborada pelas autoras.

Figura 3 Mapa de conceitos elaborado tendo como eixo central o ambiente dunar, formador da paisagem, articulando-se com as demais categorias representativas dos conteúdos geocientíficos no Ensino Fundamental I 

No mapa de conceitos, as caixas pretas representam as categorias emergentes definidas por Silva e Souza (2020a, 2020b), com destaque para o círculo preto no meio, que representa o tema escolhido como central. A categoria Materiais e suas Propriedades, de Ciências, foi dividida em duas caixas no mapa: Materiais e Propriedades. Já as categorias Introdução à Cartografia e Orientação Cartográfica foram reunidas na categoria Cartografia. As caixas de cor cinza representam os conceitos geocientíficos necessários para interligar as categorias.

O ambiente de dunas, ou ambiente dunar, no contexto da pesquisa – Natal/RN – é formado por campos de dunas transgressivas que, na definição de Hesp e Thom (1990), são campos de dunas que migram em direção ao continente a partir da ação dos ventos. Segundo Guerra e Guerra (2006), as dunas podem ser divididas de duas maneiras (segundo sua posição geográfica), sendo elas marítimas ou continentais: são marítimas quando situadas em áreas litorâneas; e continentais quando situadas no interior dos continentes. Conforme essa classificação, as dunas do Nordeste brasileiro são dunas marítimas, podendo também ser chamadas de dunas costeiras. E é nessa condição que se incluem as dunas de Natal. Tais informações permitem discutir elementos trabalhados na categoria Ambientes e também na Introdução à cartografia e Orientação cartográfica, uma vez que a classificação de Guerra e Guerra (2006) relaciona o ambiente dunar à sua posição geográfica.

Os materiais que compõe os campos de dunas são sedimentos inconsolidados, principalmente na fração granulométrica areia. Segundo Sígolo (2009), o mineral quartzo é dominante nos sedimentos de dunas. Isso porque o quartzo possui uma dureza elevada e resiste ao intemperismo e ao transporte sedimentar, fragmentando-se até ficar no tamanho de grãos de areia. De acordo com Melo (1995), os sedimentos das dunas de Natal são em geral areias finas e menos frequentemente areias médias, são quartzosas, homogêneas e de boa seleção. Aqui, permite-se trabalhar elementos abordados na categoria Materiais e suas propriedades, como os sedimentos formados por areias e as propriedades como dureza, tamanho e cor. Intemperismo e transporte sedimentar podem ser estudados no âmbito dos processos formadores das Paisagens.

Quanto à formação dos campos de dunas, tal processo ocorre devido à ação eólica. Como apontado por Sígolo (2009), o vento é um agente modelador da superfície terrestre, de modo que a ação eólica fica registrada nas paisagens. Assim, a ação do vento produz erosão da superfície terrestre, retirando e transportando partículas – os sedimentos. Esses, ao se depositarem, podem formar as dunas, que são os principais registros eólicos deposicionais. O termo ação eólica é abordado nos manuais de Geografia na categoria Paisagens, que trabalha os processos formadores delas. O termo erosão foi introduzido tanto nos livros de Ciências quanto de Geografia analisados por Silva e Souza (2020a, 2020b).

No contexto de formação das dunas, cabe mencionar o clima, pois ele é indissociável da paisagem dunar, uma vez que condiciona o transporte eólico, o processo formador das dunas. O clima também afeta os padrões de precipitação, exercendo um importante controle sobre o desenvolvimento das dunas costeiras (DOMINGUEZ; BITTENCOURT, 1994; SILVA, 2002). Segundo Dominguez e Bittencourt (1994), ao longo da costa nordeste do Brasil, as dunas costeiras ativas estão presentes apenas nas áreas em que ocorrem pelo menos quatro meses secos consecutivos durante o ano. Isso acontece porque o transporte dos sedimentos é facilitado se eles estiverem secos, já que o aumento da umidade aglutina os grãos e dificulta o transporte (SÍGOLO, 2009). A cidade de Natal está inserida em uma região com características climatológicas tropicais, com ventos alísios de direção predominante SE-NW (SILVA, 2002), com mais de quatro meses secos consecutivos. Essas duas características são suficientes para interconectar o clima e a paisagem dunar, considerando-se pelo menos dois aspectos: primeiro, a orientação da formação do campo de dunas, que está relacionada à orientação dos ventos; segundo, o clima quente durante a maior parte do ano, que favorece a promoção do turismo na região, atividade que está atrelada à paisagem como Recurso Natural, como veremos mais adiante.

A orientação das dunas de Natal, predominantemente SE-NW, decorrente da ação dos ventos, pode ser visualizada por meio de imagens de satélite, cabendo aqui a abordagem em relação à Tecnologia espacial, trabalhando temas sobre satélites artificiais mencionados nos livros didáticos de Ciências analisados por Silva e Souza (2020a). Alguns satélites artificiais possuem sensores que imageam a superfície terrestre, gerando imagens que podem ser acessadas gratuitamente por meio do software Google Earth®. Além disso, as imagens de satélite encontradas no Google Earth® constituem um excelente recurso para entender as relações de escalas e elementos de mapas, bem como pontos cardeais, que constam nos livros analisados, uma vez que toda imagem necessitará de escala, um norte e uma legenda, os quais são os elementos básicos dos mapas.

Além dos sedimentos, no ambiente dunar são encontrados outros componentes do ambiente. As lagoas interdunares e a vegetação são exemplos. As lagoas interdunares surgem nas zonas mais baixas dos campos de dunas e são reabastecidas pelas águas do aquífero Dunas/Barreiras, como veremos mais adiante. Alguns exemplos em Natal: lagoas interdunares Pirangi 1 e 2, Jiqui, conjunto de lagoas interdunares Lagoinha, entre outras (MEDEIROS, 2001). Já a vegetação desempenha um importante papel, pois sua presença ou ausência influencia na mobilidade das dunas, pois o desenvolvimento de vegetação associada à duna ajuda a fixá-la (SÍGOLO, 2009).

Os sedimentos que compõe as dunas possuem propriedades que conferem a elas a sua capacidade de infiltração, transferindo a água pluvial para os estratos sedimentares arenosos situados abaixo (MELO, 1995). Cabe ressaltar aqui que, no contexto geológico de Natal, as dunas junto às rochas sedimentares situadas abaixo delas, chamadas de Grupo Barreiras, formam o Aquífero Dunas/Barreiras. Os aquíferos, conforme Guerra e Guerra (2006), referem-se à ocorrência de água subterrânea. Dessa forma, as dunas exercem a função de uma unidade de transferência das águas de infiltração em direção aos estratos inferiores do Barreiras, sendo a ocorrência dunar de grande importância no contexto hidrogeológico da região (MELO, 1995). Essa informação permite o diálogo com os livros do 4º e 5º anos de Ciências que trabalham o ciclo da água. Um dos aspectos recorrentemente mencionados nas Orientações Didáticas é o alerta quanto às águas subterrâneas também integrarem o ciclo hidrológico da água. No contexto da presente pesquisa, esse aspecto ganha relevância dada à alta capacidade que as dunas têm como meio de infiltração das águas pluviais para os estratos sedimentares arenosos situados abaixo delas, alimentando assim o manancial aquífero subterrâneo. Por isso, as dunas compõem parte do sistema aquífero Dunas/Barreiras, que é a fonte de abastecimento de água potável mais viável para utilização da cidade, sendo que, em Natal, "[...] 65% é proveniente de águas subterrâneas e o restante, das águas superficiais das lagoas de Jiqui e Extremoz, localizadas na periferia da cidade. As águas subterrâneas representam, portanto, a mais importante fonte de suprimento hídrico da população[...]." (CABRAL; RIGHETTTO; QUEIROZ, 2009, p. 299).

As dunas são entendidas também como Recurso Natural se consideradas no contexto de Venturi (2006), que reuniu diversas definições sobre o conceito de recursos naturais, possibilitando entender que a paisagem poderia ser considerada um recurso natural imaterial de aproveitamento indireto. O autor concluiu ainda que "[...] os recursos naturais são componentes da paisagem geográfica, materiais ou não, que ainda não sofreram importantes transformações pelo trabalho humano e cuja própria gênese independe do Homem" (VENTURI, 2006, p. 14). Em alinhamento a essa definição de Venturi (2006), citase Almeida (2006) que introduz o conceito de Paisagem-Recurso ao afirmar:

Nos tempos que correm, em que a apetência pelo conhecimento do diferente, do exótico, do afastado, está cada vez mais arreigado nas pessoas, fruto, em grande parte, do desenvolvimento exponencial da capacidade de informação da nossa sociedade, mas também da melhoria do nível de vida e de tempo livre e, portanto, da possibilidade de dispor de meios e tempo para viajar, sempre que há a notícia da existência de um patrimônio valioso em qualquer ponto do mundo, este passa imediatamente a ser objeto de procura. Isto acontece, obviamente, com as paisagens, com as mais atraentes, espetaculares ou de maior interesse cultural. Nesse momento, essas paisagens passam a constituir um recurso turístico, quer pela sua procura deliberada quer por ser capaz de gerar receitas (ALMEIDA, 2006, p. 37).

Dessa forma, os elementos da paisagem relacionam-se diretamente à ideia de Recursos Naturais, nesse caso, entendendo-se a paisagem como recurso para promoção do turismo na região de Natal e adjacências, onde, segundo Vidal (2010), a principal atração consiste na exploração dos sistemas de dunas, lagoas e praias.

As dunas de Natal têm sofrido diversos impactos ambientais, dentre os quais citam-se o uso e a ocupação indevidos do solo. Por serem, conforme Lisboa, Campos e Souza (2011), espaços bastante frágeis, as dunas, especialmente em espaços urbanos, podem formar áreas de risco pela movimentação de areia, caso não sejam devidamente conservadas. Silva (2015) exemplifica essa situação ao mencionar o que vem ocorrendo nas áreas de dunas de Felipe Camarão, bairro de Natal onde

[...] as áreas de dunas estão praticamente sendo invadidas pela população; muitos lotearam algumas partes para comercializar, foram abertas vias de acesso para o outro lado da duna; além da retirada excessiva da areia para algum tipo de construção e reparos nas casas, ou servem como um local para depósito de lixo. (SILVA, 2015, p. 95).

Lisboa, Campos e Souza (2011), ao analisarem as dunas do município de Natal, também identificaram corte de dunas, retirada de areia, deposição de resíduos sólidos e desmatamento como principais impactos ambientais causados nelas.

Outro exemplo é o bairro de Mãe Luiza, inserido em área dunar, com sedimentos inconsolidados e arenosos sob intensa ação erosiva eólica e/ou pluvial, assim como ação de força gravitacional (MACEDO et al., 2015). Associada a essa configuração ambiental, tem-se a ocupação humana em locais com acentuada declividade, somada à ocupação desordenada. Por isso, essa região é conhecida por apresentar deslizamentos de terra com danos ambientais e sociais.

Outro impacto ambiental que pode ser relacionado às dunas é a deterioração da qualidade da água subterrânea por nitrato (MELO, 1995). Como visto anteriormente, as dunas desempenham relevante papel no reabastecimento do aquífero, sendo que as águas subterrâneas representam enorme importância para o abastecimento da cidade de Natal. Mesmo assim, sua qualidade, a cada dia, se deteriora em decorrência das crescentes atividades urbanas. Cabral, Righettto e Queiroz (2009, p. 299) destacam que, dentre as atividades mais impactantes, tem-se a "[...] infiltração no solo de águas servidas das fossas e sumidouros, pois cerca de 70% dos esgotos domésticos produzidos são lançados no subsolo" e que a

[...] inexistência de sistema de esgotamento sanitário e de tratamento que possibilite a disposição final adequada aos esgotos domésticos, já compromete o manancial subterrâneo da cidade, a julgar pelos teores de nitrato acima do padrão de potabilidade estabelecido pelo Ministério da Saúde. (CABRAL; RIGHETTTO; QUEIROZ, 2009, p. 299-300).

Considerações finais

A compilação dos dados dos trabalhos de Silva e Souza (2020a, 2020b) permitiu inferir a percentagem de conteúdos de Geociências que são trabalhados em livros de Ciências e Geografia do EF I, livros esses adotados na rede municipal de ensino de Natal para o quadriênio 2019-2022. Considerando-se os manuais analisados, identificou-se que, do total de conteúdos trabalhados nas disciplinas de Ciências e Geografia do Ensino Fundamental I, 16,44% eram de Geociências. A análise das categorias emergentes representativas dos temas geocientíficos abordados nos livros de Ciências e Geografia do EF I culminou na proposta de um tema estruturante, dentre outros que poderiam ser sugeridos, a partir do qual os conteúdos de Geociências podem ser trabalhados no contexto local. As dunas, enquanto elemento da paisagem no município de Natal, possibilitaram diálogo com diversas outras categorias – dentre elas: ciclo hidrológico da água, impactos ambientais, recursos naturais –, permitindo a proposta de uma abordagem sistêmica, interdisciplinar e integrada acerca do tema.

Em função de as dunas serem de recorrente ocorrência no litoral nordestino, considera-se que a proposta apresentada por esta pesquisa para o contexto de Natal pode ser aplicada nas demais áreas litorâneas/costeiras do Nordeste brasileiro, com configuração geológica/geomorfológica similar, desde que sejam realizadas as adaptações necessárias às realidades locais.

Cabe ressaltar que esta pesquisa não constitui um material paradidático para alunos do Ensino Fundamental I: o foco está nos profissionais da Educação desse ciclo do ensino. Sendo assim, a elaboração de um material paradidático consoante aos estágios de desenvolvimento cognitivo das crianças no Ensino Fundamental I poderia ser decorrente dos resultados apresentados. Para isso, sugere-se a constituição de equipes multidisciplinares compostas por profissionais da educação, como professores de Geografia e de Ciências, pedagogos, e também profissionais atuantes na área das Geociências, a exemplo dos geólogos.

Uma vez que esta pesquisa teve como base os conteúdos do Ensino Fundamental I, os conceitos geocientíficos não são tão aprofundados. O estudo mostrou, porém, que é possível a introdução desses conceitos em uma perspectiva sistêmica e interdisciplinar, partindo-se de elementos que compõem a paisagem da cidade dentro dos espaços oficiais de ensino e respeitando as diretrizes que regem a Educação Básica brasileira, associando esses conteúdos, inclusive, ao instrumento final de utilização em sala de aula: o livro didático. Tendo em vista que o livro didático é elaborado a partir da BNCC, surge para as pesquisas futuras em ensino de Geociências uma questão: diferentes livros empregados nos Estados/Municípios brasileiros apresentam similaridade em quantidade e categorias dos conteúdos geocientíficos aqui elencados?

Por fim, os resultados obtidos respondem positivamente à questão de pesquisa proposta, demonstrando que é sim possível articular os conteúdos programáticos identificados na pesquisa de Silva e Souza (2020a, 2020b) ao contexto geológico de Natal/RN. Além disso, é possível verificar que a pesquisa expõe tanto em termos quantitativos quanto qualitativos a presença dos conteúdos geocientíficos no EF I e aponta para possibilidades diversas de trabalhar os conteúdos previstos, tanto de forma contextualizada (visto que aponta diretamente as possibilidades de ensino com base na realidade geológica local) como também interdisciplinar, já que dialoga com os conteúdos previstos e ministrados em duas diferentes disciplinas – no caso, Ciências e Geografia. Uma vez que essa possibilidade é demonstrada aos professores e demais profissionais envolvidos nessa tarefa, o caminho pode ser mais facilmente trilhado. Permitir essa integração, tanto de professores quanto de alunos, com os seus lugares de vivência possibilita uma maior apropriação desse espaço, o que pode converter-se em posturas de conservação e valorização deles, bem como no fortalecimento dos laços de pertencimento e conexão.

Agradecimento

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo financiamento da bolsa de mestrado que tornou essa pesquisa possível (Capes, 88882.375317/2019-01).

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Recebido: 15 de Julho de 2021; Aceito: 24 de Maio de 2022

Autor correspondente: c264271@dac.unicamp.br

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