Introdução
Segundo Spector (2015), o termo tecnologia envolve aplicação prática do conhecimento para um determinado propósito. Tecnologia muda o que as pessoas fazem ou podem fazer, ou ainda o que virão a fazer, criando acessibilidade e potencializado mudanças. Já Tecnologia Educacional (TE), por consequência, envolve uma organizada aplicação do conhecimento para o propósito do desenvolvimento (melhoria) da aprendizagem, instrução e/ou performance. TE é essencialmente uma jornada interdisciplinar de áreas tais como: cognição, cibernética, ciências da informação, teorias da aprendizagem, comunicação, design, sociologia e psicologia, e por isso são normalmente complexas e desafiadoras (SPECTOR, 2015). Kenski (2008) define tecnologia como o uso engenhoso do conhecimento humano, através de estudo, planejamento e construções específicas em todas as épocas com múltiplas aplicações visando principalmente melhores formas de viver. E, nesta linha, podemos dizer que TE é um campo multidisciplinar, que envolve atividades, ferramentas, pessoas, contextos e oportunidades para facilitar mudanças significativas na resolução de problemas educacionais reais.
Já Luppicini (2005) propõe uma definição mais sistêmica e ampla da TE em seus impactos na sociedade. O autor define:
Tecnologia Educacional como uma abordagem orientada a solução de problemas, utilizando ferramentas, técnicas, teorias e métodos de vários domínios de conhecimento para: (1) projetar, desenvolver e avaliar recursos humanos e mecânicos (tecnológicos) de forma eficiente e eficaz a fim de facilitar e alavancar todos os aspectos da aprendizagem; (2) orientar iniciativas de mudança e a transformação dos sistemas e práticas educacionais a fim de contribuir para influenciar a mudança na sociedade. (LUPPICINI, 2005, p.107, tradução nossa).
É tendência que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) aplicadas a educação sejam cada vez mais acessíveis e hipermidiáticas com características comunicacionais ubíquas (SHAW; SILVA JUNIOR, 2019). Os nascidos no século XXI cresceram em uma sociedade tecnológica e conectada desenvolvendo uma relação próxima no que diz respeito ao uso das ferramentas da internet (PRENSKY, 2001). Este autor define esta geração como sendo composta pelos chamados nativos digitais (usuários frequentes e intensivos da Internet). O uso das TICs promoveu diversos tipos de mudanças na sociedade, que passam a determinar a maneira como as informações são processadas, transmitidas, editadas e armazenadas, chegando a moldar as relações interpessoais (SILVA; ANDRADE, 2021).
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO) tem recomendado e promovido o uso das TICs no ensino e aprendizagem (UNESCO, 2005, 2008). Na Europa, professores que se sentem confiantes no uso pessoal das TICs, acabam naturalmente empregando-as também em suas propostas de ensino e aprendizagem. Assim, seus estudantes são mais estimulados a utilizarem as TICs nas escolas e em casa, gerando neles maior confiança em sua capacidade e competência informacional alinhados as formas de comunicação da contemporaneidade. Essa confiança é refletida no uso das TICs em mídias sociais e nas habilidades e responsabilidades no uso das ferramentas da internet com segurança como parte de uma nova cultura digital (GALLEGO ARRUFAT; TORRES-HERNÁNDEZ; PESSOA, 2019).
Políticas públicas educacionais tem sido desenvolvida desde a década de 1990 no Brasil visando a promoção do uso de TICs no ensino. Isso se deu por meio de projetos como o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE) e o Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (ProInfo), porém há pouca preocupação com o uso reflexivo das tecnologias na melhoria do sistema educacional e das práticas pedagógicas educacionais (FERNANDES et al., 2021; HEINSFELD; PISCHETOLA, 2019). Na literatura acadêmica existem três componentes principais em relação à introdução das TICs no ensino nas escolas. A primeira delas aponta que a introdução das TICs na sala de aula ajuda a melhorar a qualidade do processo de ensino e aprendizagem. A segunda, afirma que o acesso as TICs no ambiente escolar, amplia a democratização do ensino e acesso as tecnologias que vão além do contexto escolar. E, por último, propõe-se que as TICs aproximem o jovem da escola, uma vez que sua utilização, nas salas de aula, atrairia a atenção dos adolescentes por meio do uso de linguagens mais próximas de suas vivências e práticas pessoais (FARIAS; DIAS, 2013).
A formação de professores, para o uso de TICs, está baseada no desenvolvimento da alfabetização digital (RODRÍGUEZ MALEBRÁN; QUINTANILLA-GATICA; MANZANILLA, 2021). Esse é um importante componente para o uso das TICs na educação. No entanto, deve-se avançar além desse ponto, gerando condições nas quais os processos de ensino e aprendizagem sejam transformados de maneira que possam ocorrer práticas de ensino efetivo. Essas práticas inicialmente precisam ser apoiadas por políticas sólidas de modo a motivarem os professores a realizarem mudanças no desenvolvimento do currículo, para prover suporte digital ao conteúdo e a pedagogia, podendo inclusive criar situações de melhoria na estrutura administrativa escolar (DU TOIT, 2015).
Em resumo, podemos dizer que integrar TICs em metodologias de ensino para conteúdos específicos não é tarefa trivial ou uma habilidade naturalmente desenvolvida entre professores. É necessário desenvolver propostas de trabalho para o docente que auxiliem nessa real integração das suas bases de conhecimento, além de auxiliar na utilização das TE aplicadas aos processos pedagógicos para ensinar conteúdo específico de cada área do conhecimento. Entretanto, a incorporação de tecnologias em experiências de ensino tem sido limitada através do uso de programas educacionais ou cursos de alfabetização digital que não preparam adequadamente os professores para esse tipo de atividade integrada (KORUCU-KIS; OZMEN, 2019a, 2019b). Dentre eles destacam-se os trabalhos de Avdeeva et al. (2016), Espíndola, Struchiner e Giannella (2010), Heymans et al. (2018), e Ignatova, Dagiene e Kubilinskiene (2015).
Utilizando como base o referencial teórico do Conhecimento Tecnológico Pedagógico do Conteúdo – do inglês Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK) – (MISHRA; KOEHLER, 2006), Harris et al. (2010) criaram uma proposta de taxonomia sobre tipos de atividade de aprendizagem – Learning Activity Types (LATs) – com exemplos de tecnologias associadas a cada atividade para as diferentes áreas, objetivando auxiliar professores a integrarem tecnologias em planos de ensino. É importante salientar que as decisões a respeito da integração de tecnologias devem ser precedidas pela caracterização do contexto no qual os estudantes estão inseridos.
Posteriormente, Harris e Hofer (2009) sugeriram uma sequência de cinco passos para a criação de planos de ensino que favoreçam a utilização dos LATs. Segundo os autores, esses passos promoveriam a conexão entre metas e objetivos educacionais escolhidos pelos professores e tecnologias disponíveis, que contribuam para o alcance desses objetivos. Os passos sugeridos na sequência são:
Definir as metas de aprendizagem;
Tomar decisões pedagógicas sobre a natureza da experiência de aprendizagem;
Escolher tipos de atividades de aprendizagem que combinem com a experiência de aprendizagem;
Selecionar as estratégias de avaliação da aprendizagem que combinem com a proposta e que revelarão como os estudantes estão aprendendo;
Selecionar as tecnologias (ferramentas digitais), que de melhor forma ajudarão os estudantes a se beneficiarem da experiência de aprendizagem.
É importante salientar que a sequência não é estática, sendo essencial destacar que os autores definem como necessário apenas deixar como último passo a seleção das tecnologias, que não deveriam ser prioritárias às demais ações do planejamento, mas, subordinadas a elas (HARRIS; VAN OLPHEN; HOFER, 2013). Em relação à seleção de tecnologias, a melhor escolha será aquela que ajuda a atingir uma ou mais metas de aprendizagem, com ênfase em maximizar o ensino de um conteúdo específico. Se, inicialmente, o foco for escolher a tecnologia, pode-se acabar criando um plano de ensino que estará atrelado às ferramentas tecnológicas, sem que estas criem vantagens reais para o processo de ensino e aprendizagem (HOFER; HARRIS, 2010). Partindo dessa perspectiva, pode-se acabar não atendendo adequadamente às demandas de aprendizagem dos estudantes, nem os objetivos de aprendizagem previstos.
Entretanto, sabemos que, mesmo que a utilização mais sistematizada da sequência de passos para a criação de planos de ensino e a taxonomia dos LATs, que conecta objetivos de aprendizagem com tecnologias possíveis, não garantirão a total integração da proposta de ensino planejada. Portanto, a fim de avaliar se os planos de ensino atingem um bom nível de integração tecnológica com as práticas didáticas selecionadas, Harris, Grandgenett e Hofer (2010) desenvolveram uma rubrica de avaliação de integração de tecnologias em planos de ensino. A aplicação desta rubrica em planos de ensino preparados com uso dos LATs permite aferir o quanto as escolhas das ferramentas tecnológicas estão alinhadas com os objetivos, metas e as práticas didáticas definidas anteriormente pelo professor durante a criação do plano de ensino.
Munido destas ferramentas, Hofer e Grandgenett (2012) aplicaram e avaliaram planos de ensino de um programa de formação inicial de licenciatura na Mid-Atlantic University, para estudantes que já possuíam bacharelado em disciplinas específicas (matemática, biologia, etc.). O curso foi oferecido em duas sessões de 5 semanas no verão de 2009 e primavera de 2010. Os resultados indicaram que os licenciandos perceberam um crescimento em relação às bases de conhecimento do framework CTPC, especialmente as bases CPC, CTC, CTP e CTPC. Constata-se que a rubrica de avaliação de integração tecnológica mensura essas quatro bases, podendo assim, avaliar a aplicação deste desenvolvimento em artefatos como os planos de ensino, a fim de entender como professores e licenciandos melhor integram tecnologias em planos de ensino.
A partir desses fundamentos, o presente estudo tem como objetivos:
Avaliar os efeitos do uso de modelo CTPC (TPACK) na estruturação de uma disciplina on-line de formação inicial de professores de biologia sobre o resultado de como os estudantes integram tecnologias na construção de planos de ensino;
Verificar quais possíveis fatores (idade, experiência didática, formação anterior ou predisposição em utilizar tecnologia no ensino) podem afetar a integração de tecnologias na construção de planos de ensino de biologia e ciências.
Metodologia
O estudo foi realizado com os participantes da disciplina Tecnologias Educacionais para o Ensino de Biologia e Ciências, integrante do currículo do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, oferecido na modalidade semipresencial por um consórcio de universidades públicas do Brasil (Consórcio CEDERJ). Esta disciplina é disponibilizada por meio da plataforma Moodle e seu objetivo é a formação didático-tecnológica do futuro professor de Ciências/Biologia para o uso das TICs no ensino. A disciplina promove o conhecimento de diversas bases de conhecimento do modelo CTPC. As sete bases são apresentadas por meio da fundamentação teórica, e desenvolvidas durante a realização de atividades ao longo da disciplina. Espera-se que ao longo dessas abordagens, que os licenciandos tenham desenvolvido consistentemente a base de conhecimento CTPC. Esse processo é fundamentado nas propostas de Harris e Hofer (2009), para integração de tecnologias com uso de LATs na criação de planos de ensino (HARRIS; GRANDGENETT; HOFER, 2010). Durante a realização da disciplina, os participantes também são levados a discutir as definições dos termos tecnologia, TE e TICs. Nesta etapa, são estimulados a comentar sobre as definições postadas pelos colegas, de maneira que ocorra o diálogo entre eles, criando, assim, a formação de um senso comum sobre conceito de tecnologias. Como trabalho final da disciplina foi solicitado aos licenciandos a produção de um plano de ensino, com a integração de tecnologias, seguindo os cinco passo propostos por Harris e Hofer (2009), conforme o modelo padrão apresentado no Anexo 1. Esta pesquisa foi aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz (CEP FIOCRUZ/IOC), sob o parecer 4.022.081.
Dos 225 licenciandos inscritos, inicialmente, na disciplina, 143 entregaram o trabalho final, além de concordarem em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Ao final, foram coletados 143 planos de ensino criados pelos licenciandos, como atividade final da disciplina. Sendo que, desses, 106 foram considerados válidos para análise, haja visto apresentaram todos os dados solicitados. Os participantes da pesquisa possuíam diferentes perfis (idade, experiência em docência, outra graduação e declaração de uso de tecnologias para ensinar). A idade média é de 32 anos, e 75% dos participantes são do sexo feminino. Um percentual de 20% havia concluído outra graduação e, 37% tinham experiência prévia em docência.
Os 106 planos foram avaliados utilizando-se os critérios propostos na rubrica criada por Harris, Grandegenett e Hofer (2010), traduzida por Souza (2018) e publicada por Souza e Salvador (2021). A rubrica foi testada e validada com três procedimentos: Interclass Correlation Coefficient (ICC), taxa de concordância interna e Cronbach's Alpha, em duas fases de utilização, sendo considerada robusta e suficiente para uso por outras pesquisas em educação (SOUZA, 2018). Outros três trabalhos (HOFER, GRANDGENETT 2012; KOPCHA et al., 2014; MOUZA; KARCHMER-KLEIN, 2013) também utilizaram a mesma rubrica de avaliação para integração de tecnologia, na análise dos planos de ensino.
A utilização desta rubrica permitiu a avaliação dos planos de ensino produzidos pelos licenciandos, de acordo com quatro critérios:
Metas Curriculares e Tecnologia;
Estratégias de Ensino e Tecnologias;
A(s) seleção(ões) da tecnologia;
Encaixe.
A categoria 1 está associada à base de Conhecimento Tecnológico do Conteúdo (CTC). A categoria 2, relacionada à base de Conhecimento Pedagógico Tecnológico (CPT). As categorias 3 e 4 estão associadas ao domínio CTPC, porém a categoria 3 faz inferências sobre a associação das escolhas tecnológicas, com a pedagogia e com o conteúdo. A categoria 4 é sobre a integração do conteúdo, pedagogia e tecnologia ao restante do plano de ensino. Cada um dos quatro critérios é classificado individualmente, com um escore de 1 a 4. Portanto, um plano de ensino que obtenha um escore total mínimo de 4, representará a menor integração dos recursos tecnológicos na proposta de ensino de um conteúdo específico. Um plano que obtenha o escore total máximo de 16, representará a maior integração dos recursos tecnológicos.
No estudo aqui descrito, dois pesquisadores classificaram, independentemente, todos os planos de ensino e realizaram um teste de concordância interna. A taxa de concordância interna envolve um procedimento sistemático que examina em pares a pontuação dada pelos examinadores em cada categoria, computando, assim, o percentual de concordância. Pontuações adjacentes foram usadas para representar a concordância, com não mais que um ponto de escore diferente. Para estabelecer um consenso em relação às escolhas divergentes em cada categoria da rubrica, os pesquisadores discutiam suas escolhas, estabelecendo por consenso a melhor classificação (KOPCHA et al., 2014).
Visando o melhor entendimento dos resultados atingidos com o uso da rubrica, foi realizada a comparação estatística das pontuações obtidas entre os grupos dentro da amostra, a partir dos dados sociodemográficos. Estes dados foram coletados por autodeclaração dos estudantes, ou seja, quanto à sua idade, a possuir outra graduação, a experiência docente prévia, já ter iniciado o estágio docente, e quanto à sua predisposição em utilizar tecnologias para ensinar. As comparações foram realizadas levando em consideração os seguintes parâmetros:
Idade;
Outra graduação versus sem graduação;
Faz estágio versus não faz estágio;
Experiência docente versus sem experiência docente;
Usa tecnologia para ensinar versus não usa tecnologia para ensinar.
A fim de comparar os escores dos planos de ensino, estes dados foram submetidos a teste estatístico de normalidade Shaapiro-Wilk, obtendo p < 0.001. Foi constatado que os dados não seguiam uma distribuição normal, portanto, foram analisados por testes não paramétricos. Desta forma, foi escolhido o teste comparativo de Mann Whitney, com a utilização do programa GraphPad 5 Prism para as análises.
Resultados e discussão
Avaliação da integração tecnológica nos planos de ensino
A média geral de pontuação recebida pelos 106 planos de ensino avaliados foi de 11,9 pontos. Esses valores são próximos daqueles encontrados em outros estudos que utilizaram esta mesma rubrica para avaliação de planos de ensino (HOFER, GRANDGENETT 2012; KOPCHA et al., 2014; MOUZA; KARCHMER-KLEIN, 2013). Um total de 18% dos planos receberam pontuação máxima, e apenas 6% receberam a pontuação mínima. Isso indica que a maioria dos participantes da pesquisa conseguiu, de forma satisfatória, integrar tecnologias em planos de ensino.
A figura 1 mostra o percentual detalhado dos planos de ensino. O fato de a disciplina ter sido desenvolvida seguindo os cinco passos propostos por Harris e Hofer (2009), que determinam como deve ser a construção dos planos de ensino com integração de tecnologias, pode ter contribuído para a média de pontuações relativamente altas obtidas nessa avaliação. Esse valor, também, foi próximo daqueles encontrados em outros estudos (HOFER, GRANDGENETT 2012; KOPCHA et al., 2014; MOUZA; KARCHMER-KLEIN, 2013). É provável que essa abordagem tenha apoiado os licenciandos em suas tomadas de decisões ao longo do processo de construção dos planos de ensino. Além disso, o próprio modelo de plano de ensino sugerido na disciplina (anexo 1), foi estruturado para orientar o licenciando a utilizar os LATs, seguindo a sequência dos cinco passos propostos por Harris e Hofer (2009).
Hofer e Grandgenett (2012) utilizaram a mesma rubrica de avaliação de integração tecnológica na Mid-Atlantic University para licenciandos que já possuíam bacharelado em disciplinas específicas (matemática, biologia, etc.) e obtiveram uma média de 11,63 no escore. Porém, os autores não deixam claro se utilizaram os passos sugeridos por Harris e Hofer (2009) na construção dos planos de ensino com integração tecnológica. Kopcha et al. (2014), ao apresentarem seu trabalho com professores de nível fundamental, que passaram por um curso semestral sobre integração de tecnologias, concluíram que, na maioria dos casos divergentes (6 de 7), foi preciso recorrer e analisar as anotações feitas pelos participantes para compreender as escolhas didáticas. Foram considerados divergentes os casos em que as análises dos planos pela rubrica foram discrepantes. Percebeu-se que as reflexões dos professores nos planos de ensino eram para criar documentos que usassem tecnologias apropriadas para o seu público e conteúdo.
Mouza e Karchmer-Klein (2013), ao aplicarem a rubrica em planos de ensino de licenciandos da Mid-Atlantic University, nos Estados Unidos, apresentaram em média o score de 3,06 para cada um dos critérios da rubrica, o que representa uma média de escore final do plano em torno de 12 a 13 pontos. Nos trabalhos apresentados acima, os autores consideraram satisfatório a integração de tecnologia nos planos de ensino com essa pontuação.
Influências das características prévias dos estudantes na integração de tecnologias em planos de ensino
Buscando entender como as particularidades poderiam influenciar na construção de planos de ensino, foram realizados testes comparativos entre os grupos de professores em formação inicial, quanto às pontuações alcançadas na construção de seus planos de ensino entregues ao final da disciplina.
Na tabela 1 são apresentados os resultados que mostram que houve diferença significativa (p < 0.05) apenas na comparação dos participantes que possuíam, ou não, outra graduação. Porém, essa diferença não foi significativa para os fatores idade, experiência docente, ter realizado estágio, ou ainda entre aqueles que declararam já usar tecnologias para ensinar.
Grupo | N | Erro padrão | Mann Whitney | |
---|---|---|---|---|
p | Diferença significativa (p < 0.05) | |||
Graduação | 21 | 0.5811 | 0,0365 | Sim* |
Sem graduação | 85 | 0.3648 | ||
Faz estágio | 67 | 0.3442 | 0,1424 | Não |
Não faz estágio | 39 | 0.6225 | ||
Experiência docente | 39 | 0.5106 | 0,4582 | Não |
Sem experiência docente | 67 | 0.4114 | ||
Usa tecnologia para ensinar | 42 | 0.4778 | 0,8370 | Não |
Não usa tecnologia para ensinar | 64 | 0.4287 |
Nota: resultados significativamente diferentes com p < 0,05 para o teste de Mann Whitney.
Fonte: Souza (2018).
Ao observar quais graduações foram declaradas pelos licenciandos, 62% declararam possuir bacharelado e 14% licenciaturas. Dessa forma, especula-se que a diferença apresentada entre os que tinham outra graduação, ou não, deve estar mais associada com as habilidades adquiridas em outras áreas do conhecimento, do que, propriamente, às habilidades didáticas. Ou seja, ter passado por outras experiências no ensino superior trouxe um melhor desempenho destes estudantes em relação à integração CTPC nos planos de ensino. O erro padrão dos escores é descrito na tabela 2.
Grupos | N | Médias | Erro padrão |
---|---|---|---|
Outra graduação | 21 | 13,24 | 0.5811 |
Sem outra graduação | 85 | 11,6 | 0.3648 |
Nota: resultados significativamente diferentes com p < 0,05 para o teste de Mann Whitney.
Fonte: Souza (2018).
Lee e Lee (2014) avaliaram um curso de capacitação para licenciandos da Coreia do Sul, que visava levar os participantes a melhorarem a integração de tecnologias em planos de ensino. Ao total foram 136 estudantes participantes, divididos em 6 turmas diferentes, mas que utilizaram o mesmo material e textos nas aulas. A disciplina usou estratégias como a história da mídia instrucional, princípios de design eficaz de multimídia, ensino do uso de tecnologias, e o modelo ASSURE (HEINICH et al., 2002). ASSURE é um modelo de abordagem sistêmica usado para criar lições que integrem efetivamente o uso de tecnologias e mídia, passando por 6 componentes: (1) analisar os alunos; (2) estabelecer padrões e objetivos; (3) selecionar estratégias, tecnologia, mídia e materiais; (4) utilizar tecnologia, mídia e materiais; (5) exigir a participação do aluno; (6) avaliar e revisar.
Ao final da disciplina, os participantes foram convidados a criar planos de ensino utilizando o modelo ASSURE. Feito o primeiro plano de ensino, os participantes receberam o feedback e, com base nessas informações, revisaram o plano original. Foi utilizado um teste simples de t-test para investigar os efeitos do curso. O único preditor significativo para a eficácia no aumento da integração de tecnologia em planos de ensino foi a experiência anterior com a criação de planos de ensino. É importante discutir que, diferentemente do encontrado por Lee e Lee (2014), as comparações realizadas no presente artigo não apontaram diferenças significativas, nem entre os cursistas que tinham experiência didática prévia, nem entre os que estavam fazendo estágio docente, no qual poderiam adquirir conhecimentos pedagógicos relacionados ao planejamento didático.
Os escores significativamente maiores obtidos pelos cursistas que já possuíam outra graduação podem estar ligados ao fato destes terem maturidade acadêmica e vivência interdisciplinar de outras áreas, ou seja, experiências prévias que têm o potencial de melhorar a integração didática e tecnológica em planos de ensino. Destaca-se aqui, que a avaliação foi realizada apenas nos planos de ensino dos cursistas, e não efetivamente enquanto ministravam suas aulas. Reconhecidamente, existe uma grande diferença entre conseguir planejar aulas com integração de tecnologias, e ministrar as aulas com essa intencionalidade (SILVA; SANTOS, 2015). É possível que, devido à disciplina ter sido direcionada à formação dos licenciandos para integrar a tecnologia aos planos de ensino em determinados conteúdos de Ciências e Biologia, que tanto os licenciandos menos experientes, quanto os mais experientes, tenham recebido subsídios suficientes durante o curso, para obter bons escores na avaliação de seus planos de ensino. Esse resultado se assemelha ao relatado por Sointu et al. (2016).
Quanto às comparações dos grupos que declararam, mais ou menos, o uso das tecnologias para ensinar, não foram achadas diferenças significativas (p > 0.05). Esses resultados nos levam a conjecturar que, no grupo estudado, não houve evidências conclusivas para essa hipótese apresentada pela literatura (DURDU; DAG, 2017; TANAK, 2020), de que licenciandos que têm mais contato com as tecnologias, considerados nativos digitais, teriam, naturalmente, mais facilidade de integrá-las ao conteúdo e aos processos pedagógicos, em seus planos de ensino (PRENSKY, 2001). A base de conhecimento CTPC é reconhecidamente uma habilidade docente a ser desenvolvida no exercício didático e não somente por evolução da proficiência tecnológica. Isso foi inicialmente defendido por Mishra e Koehler (2006) na proposta original desse referencial teórico sobre as bases de conhecimento do professor. Porém, diversas pesquisas, esta incluída, apontam que não é necessariamente dessa forma que ocorre o desenvolvimento do Conhecimento CTPC.
Conclusão e considerações finais
Os licenciandos do presente estudo conseguiram, de forma satisfatória, integrar tecnologias em seus planos de ensino. Isso indica que a disciplina construída a partir do referencial teórico do Conhecimento Tecnológico Pedagógico do Conteúdo do professor (MISHRA; KOEHLER, 2006), utilizando as propostas de construção de planos de ensino com os cinco passos propostos por Harris e Hofer (2009), foi eficaz em capacitar os licenciandos para a construção de planos de ensino que integram tecnologia.
Houve diferença significativa (p < 0,05) apenas na comparação dos escores de integração tecnológica dos participantes com ou sem outra graduação. A ausência de diferenças nos escores de licenciandos com experiência e sem experiência é um dado que difere daqueles relatados em outro estudo (LEE; LEE, 2014), quanto ao efeito da experiência prévia docente na preparação de planos de ensino com integração de tecnologias. Destaca-se aqui as limitações do presente estudo em relação à diferença entre o tamanho das amostras dos grupos.
Entretanto, pode-se especular que o uso dos cinco passos propostos por Harris e Hofer (2009) na construção dos planos de ensino, no trabalho final da disciplina, e o modelo de plano de ensino proposto, facilitaram o planejamento para a integração tecnológica, atenuando as diferenças entre os que tinham ou não experiência prévia docente.
Deve-se lembrar, também, que esses planos de ensino não foram aplicados em contexto real de sala de aula. Na prática docente efetiva, é sempre necessário que o professor faça adaptações para o uso de tecnologias no ambiente escolar, muitas vezes precarizado e sem infraestrutura adequada para atender as suas intenções didáticas. Futuras pesquisas com observações in loco da aplicação dos planos de ensino em sala de aula poderão esclarecer melhor qual é o real impacto da utilização da metodologia proposta neste estudo, na incorporação de tecnologias na prática docente. É relevante, porém, que o presente estudo tenha demonstrado que licenciandos com perfis bastante distintos tenham sido, de modo geral, capazes de propor estratégias coerentes para a integração de tecnologias em seus planejamentos, indicando que o modelo de formação docente proposto foi exitoso em apoiar professores em formação inicial.