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Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.28  Bauru  2022  Epub Oct 28, 2022

https://doi.org/10.1590/1516-731320220049 

Artigo Original

Ciência popular, divulgação científica e Educação em Ciências: elementos da circulação e textualização de conhecimentos científicos

Folk science, science communication and Science Education: elements of circulation and textualization of scientific knowledge

Claudia Almeida Fioresi1 
http://orcid.org/0000-0002-1044-3863

Henrique César da Silva2 
http://orcid.org/0000-0003-2129-1460

1Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Departamento de Química, Realeza, PR, Brasil.

2Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro de Ciências da Educação, Departamento de Metodologia de Ensino, Florianópolis, SC, Brasil.


Resumo:

Neste artigo apresentamos um modelo teórico que toma a Divulgação Científica como parte de um processo amplo de produção, circulação e textualização do conhecimento científico. Assim, realizamos uma articulação entre Ludwick Fleck, um autor do campo da epistemologia, e Authier-Revuz, uma autora do campo da linguagem. Com Fleck buscamos compreender as características textuais e papéis epistemológicos de diferentes textos na produção dos fatos científicos, aprofundando sua noção de ciência popular. Com Authier-Revuz, destacamos aspectos sobre um ponto de vista discursivo para a Divulgação Científica. Nossa perspectiva critica visões unidirecionais sobre a Divulgação da Ciência e destaca o papel constitutivo desse tipo de textualização na produção e manutenção dos conhecimentos científicos, em movimentos bidirecionais entre ciência e público. Essa articulação teórica se mostrou profícua para refletir sobre aspectos da Divulgação Científica, o lugar que ocupa, social e epistemologicamente, na produção da ciência, e para derivar implicações para a Educação Científica.

Palavras-chave: Divulgação científica; Conhecimento científico; Ludwik Fleck; Teoria do conhecimento; Popularização da ciência

Abstract:

In this article we present a theoretical model that takes Science Dissemination as part of a broad process of production, circulation and textualization of scientific knowledge. Thus, we articulate the work of Ludwik Fleck, an author in the field of epistemology, and that of Authier-Revuz, an author in the field of language. With Fleck, we seek to understand the textual characteristics and epistemological roles of different texts in the production of scientific facts, deepening his notion of popular science. With Authier-Revuz, we highlight aspects from a discursive point of view for Science Dissemination. Our perspective criticizes unidirectional views on Science Dissemination and highlights the constitutive role of this type of textualization in the production and maintenance of scientific knowledge, in bidirectional movements between science and the public. This theoretical articulation proved to be useful to reflect aspects of Science Dissemination, the place it occupies both socially and epistemologically in the production of science, and to derive implications for Science Education.

Keywords: Science dissemination; Scientific knowledge; Ludwik Fleck; Theory of knowledge; Popularization of science

Introdução

Tecemos neste trabalho uma reflexão teórica sobre a noção de divulgação científica, derivando uma concepção que julgamos contribuir para pensar e constituir relações com a Educação em Ciências. Como ponto de partida, consideramos que a circulação social de ideias, temas e conhecimentos do campo científico envolvem necessariamente diferentes textualizações, ou seja, as temáticas científicas, ao circularem de diversas formas e em diferentes contextos, se materializam em diferentes textos em nossa sociedade, seja na forma de artigos em periódicos especializados, seja na forma de manuais e livros didáticos, seja em formas textuais mais populares e diversificadas chamadas de divulgação científica. Entendemos que as textualizações dos conhecimentos científicos, estão intimamente ligadas às suas formas de circulação, suas condições de produção e têm papéis epistemológicos diferentes na formação e manutenção dos fatos científicos. Para Silva (2019, p. 18, grifo do autor),

A textualização do conhecimento é um processo ininterrupto, inescapável, diversificado e entrelaçado. Toda vez que se tome a palavra, toda vez que se faça um diagrama, que se enquadre e ligue uma camera e se editem suas imagens e sons, toda vez que se escreva uma equação que remeta a algo que não ela mesma, toda vez que se escreva uma equação que remeta a um objeto do mundo, têm-se uma prática textual.

Portanto, "[...] é o pensamento em circulação que produz conhecimento e não a circulação de um produto já construído. Não há circulação de pensamento sem a materialidade e a regularidade das práticas, entre elas, as práticas que mobilizam formas simbólico-textuais" (SILVA, 2018, p.16).

Entre os diversos tipos de textualizações que constituem os conhecimentos científicos enquanto participam da sua circulação, centramos nossa discussão sobre um diversificado conjunto de textos, associado a um conjunto também muito amplo e diversificado de atividades sociais, denominados genericamente de Divulgação Científica (DC).

No ambito da Educação em Ciências, são vários os pesquisadores e pesquisadoras que têm dedicado seus estudos ao entendimento das potencialidades e/ou fragilidades da DC sob diferentes perspectivas. Ferreira e Queiroz (2012), Lima e Giordan (2018) e Nascimento (2005), por exemplo, analisam a DC no contexto da formação de professores de ciências. Já Almeida (2010), Correia, Bolfe e Sauerwein (2016), Fioresi e Cunha (2019), Giordan e Cunha (2015), Lobo e Martins (2013), entre outros trabalhos, analisam aspectos da DC no contexto escolar.

A aparente obviedade e univocidade da expressão divulgação científica dificulta a associação de sua compreensão com um conjunto de representações e valores sobre a própria ciência. Ao discutir sobre a dificuldade de definição sobre esse termo, Silva (2006, p. 53) aponta que a "[...] divulgação científica, longe de designar um tipo específico de texto, está relacionada à forma como o conhecimento científico é produzido, como ele é formulado e como ele circula numa sociedade como a nossa."

Portanto, tomamos como objetivo neste artigo discutir, apresentar e defender um modelo teórico que considera a DC como parte de um processo ampliado de produção, circulação e textualização do conhecimento científico. Para tanto, buscamos estabelecer uma articulação entre um autor do campo da epistemologia, Ludwick Fleck (FLECK, 2010) e uma autora do campo da linguagem, Authier-Revuz (1998), particularmente uma concepção de linguagem em que o político, o histórico e o social são elementos constitutivos. Fleck nos possibilita compreender as características e papéis epistemológicos de diferentes textos na produção dos fatos científicos. Já Authier-Revuz (1998), aponta alguns aspectos do funcionamento discursivo da DC, ou seja, de imaginários e posições dos quais ela participa da construção ou manutenção. Esta articulação permitiu-nos tecer uma perspectiva mais ampla da produção dos fatos científicos, considerando a produção, circulação e textualização dos conhecimentos como aspectos interligados e inseparáveis, e não circunscritos às atividades mais exclusivas dos e das cientistas.

Embora Fleck não utilize o termo divulgação científica, desenvolvemos, nesse diálogo, aproximações desse tipo de textualização com sua noção de ciência popular, na medida em que esta inclui tanto a dimensão textual, quanto a dimensão epistemológica. Assim, defendemos que, tanto a DC como a ciência popular fazem parte da produção do conhecimento científico, sendo constitutivas desse processo, não podendo ser vistas à margem dessa produção, permitindo pensá-la de maneira ampliada.

Este trabalho deriva, portanto, da necessidade de uma compreensão da DC de um ponto de vista tanto epistemológico quanto de fenômeno de linguagem e, portanto, social, histórico e textual. Podendo repercutir, assim, com potencial para análise, seleção e uso destes textos no contexto da Educação em Ciências.

Inicialmente, aprofundamos alguns conceitos de Fleck para tecer reflexões teóricas sobre a noção de ciência popular, procurando pontos de aproximações e distanciamentos com relação à noção de DC sob o ponto de vista do discurso trazida por Authier-Revuz. Em seguida, questionamos a concepção de unidirecionalidade presente em certas concepções de DC, trazendo as discussões sobre o modelo do déficit e sobre o modelo emergente de DC, tal como apontado por outros autores. Por fim, tecemos considerações sobre as implicações e potenciais desse modelo teórico para a Educação em Ciências.

A epistemologia de Ludwik Fleck e a circulação do conhecimento científico

Podemos considerar Fleck um autor que realiza um entrelaçamento entre linguagem e epistemologia, como já vem sendo apontado por outros autores (CONDÉ, 2018; OLIVEIRA, 2012; SETLIK; SILVA, 2020), construindo uma teoria que nos permite pensar o conhecimento científico, ou seja, a produção dos fatos científicos, em termos de circulação e textualização de ideias e pensamentos. É importante salientar, desde já, que circulação e textualização de ideias, na obra de Fleck, são processos interligados a outros processos de intervenção e experiência prática com a realidade, sem os quais, não há fatos científicos.

Em seu livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico, publicado em 1935, que foi mais amplamente conhecido apenas a partir da década de 1960, Fleck desenvolveu um estudo da gênese da reação de Wassermann, ligada à sífilis, valorizando o contexto científico da época, em suas dimensões social e epistemológica, dando relevancia ao papel da linguagem na construção, manutenção e transformação dos fatos científicos em conexão com as atividades experimentais.

A ciência, para Fleck, é, essencialmente, uma atividade organizada pelas comunidades de pesquisadores, envolvendo, para a produção dos fatos científicos, transitos internos a essa comunidade e transitos entre essa e outras comunidades de pensamento e outros atores não pesquisadores ou especialistas. A história das pesquisas sobre sífilis relatadas pelo autor explora a questão do trabalho científico como algo produzido por um coletivo, já que toda a gênese do desenvolvimento do conceito de sífilis não derivou da simples soma de ideias individuais. Se a construção de um fato científico implica experimentos, coleta e análises de dados empíricos, as trocas de ideias e, portanto, processos de linguagem e de produções textuais são igualmente constitutivos dessa produção. Nisso residem os papéis da circulação & textualização na produção de conhecimentos.

E como ocorre o surgimento de um fato científico novo? Para o autor, "[...] primeiro um sinal de resistência no pensamento inicial caótico, depois uma certa coerção de pensamento e, finalmente, uma forma (Gestalt) a ser percebida de maneira imediata." (FLECK, 2010, p. 144). Um fato científico depende sempre de um estilo de pensamento, novos fatos implicam em novos estilos, decorrendo das relações históricas do pensamento.

Assim, Fleck introduz a noção de coletivo de pensamento e o define como a comunidade de pessoas que trocam e/ou compartilham um mesmo estilo de pensamento, "[...] temos, em cada uma dessas pessoas, um portador do desenvolvimento histórico de uma área de pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura, ou seja, de um estilo específico de pensamento" (FLECK, 2010, p. 82). Embora um coletivo de pensamento tenha necessariamente a figura de especialistas, ele abarca também não-especialistas.

Ao problematizar a introdução de um cientista numa nova forma de pensar, Fleck desenvolve o conceito de estilo de pensamento, marcado por características comuns dos problemas considerados, que interessam a um determinado coletivo de pensamento. Além disso, cada estilo de pensamento possui seus efeitos práticos (aplicação), ou seja, qualquer pensamento é aplicável de acordo com a atividade profissional, pois, problemas práticos semelhantes podem ser resolvidos de maneiras diferentes.

Assim, pesquisadores de uma área de conhecimento que se dedicam a compreender um dado fenômeno, ao adotar as mesmas práticas, passam a compartilhar uma certa maneira de pensar, perceber e interpretar tais fenômenos (estilos de pensamento) e se estruturam enquanto coletivo, por meio de transitos específicos, em torno deste modo de pensamento (coletivos de pensamento).

Sobre os coletivos de pensamento, é necessário pontuar ainda, que os mesmos são compostos por dois círculos distintos, que se comunicam entre si, denominados: Esotérico e Exotérico. O círculo esotérico é formado por especialistas que já dominam os códigos e procedimentos relacionados à resolução daquele problema, conforme aquela área. Já o círculo exotérico, seria formado pelos 'leigos instruídos', que não são especialistas, mas se relacionam com o saber produzido e circulante no e pelo círculo esotérico, ao compartilharem um mesmo estilo de pensamento (FLECK, 2010). Temos, assim, um sistema ampliado de circulação como componente de produção ou manutenção dos fatos científicos.

Todavia, como há diferentes graus de especialistas, a circulação acaba sendo necessariamente diferenciada, pois o diálogo entre especialistas e o diálogo entre especialistas e não especialistas não possuem a mesma forma. Este fenômeno gera diferentes tipos de textos, que podemos considerar como diferentes textualizações do conhecimento científico envolvido e constituído por esses transitos, já que se trata de pensamentos coletivos que ganham materialidade textual (seja verbal ou imagética). Há uma especial atenção às representações imagéticas no capítulo 4, tópico 5, páginas 179 a 200, do livro citado.

Fleck identifica quatro grandes categorias de textualizações da ciência: a ciência dos periódicos, a ciência dos manuais, a ciência dos livros didáticos e a ciência popular. Acreditamos que esses tipos de textos são forma e processo, ou seja, são simultaneamente processo e produto, pois ao mesmo tempo em que o conhecimento circula por eles, eles dão forma e têm papéis epistemológicos específicos na produção destes conhecimentos.

Estes dois círculos, dos especialistas e não especialistas (em seus diferentes graus), estão em constante comunicação e os papéis na produção do conhecimento de cada um deles é afetado pelo outro. Sendo que esta comunicação é realizada por meio da circulação intercoletiva e intracoletiva de ideias, que se dá por meio de textos associados a determinadas práticas e atividades sociais específicas. A circulação intercoletiva se configura como a troca de ideias entre coletivos de pensamento distintos, na qual se apresentam diferenças maiores ou menores no estilo de pensamento, trazendo consigo um deslocamento ou uma alteração dos valores de pensamento, permitindo assim, uma alteração do estilo de pensamento. Na circulação intracoletiva a troca de ideias ocorre entre membros de um mesmo coletivo de pensamento (seja entre especialistas ou entre especialista e não especialista) e sua função epistemológica seria a de reforçar o estilo de pensamento (FLECK, 2010).

Vejamos agora, mais detalhadamente, as textualizações supracitadas que compõem os tráfegos de pensamento. Quanto a um dos tipos de saber que abastece o círculo esotérico, temos a ciência dos periódicos. Esta, por sua vez, carrega, textualmente, a marca do provisório e pessoal. A marca do provisório reside em ressaltar apenas as limitações nítidas dos problemas tratados, além da "[...] cautela específica dos trabalhos em periódicos, que pode ser reconhecida em expressões características como: 'tentei provar que...', 'parece ser possível que...', ou, ainda, de forma negativa: não se pôde provar que... [...]" (FLECK, 2010, p. 172). Para o autor, esses fatores deslocam o julgamento da existência ou não de um fenômeno por parte do pesquisador individual para o coletivo já legitimado. O aspecto pessoal do trabalho do pesquisador na ciência dos periódicos procura sempre fazer desaparecer os aspectos pessoais, como, por exemplo, na utilização do nós em lugar do eu.

Em contrapartida, a ciência dos manuais que também faz parte do círculo esotérico, possui textualmente um caráter sistemático, impessoal e assegurado. Pode representar o consenso de um estilo de pensamento ou, pelo menos, a hegemonia desse coletivo. Nos manuais, diferentemente da ciência dos periódicos, uma proposição se apresenta, textualmente, com muito mais certeza e caráter comprobatório, tornando-se coerção de pensamento1. A partir do momento que se consolida nos manuais, passa a ser ensinado, servindo de guia e modelo para se discutir os fenômenos. Em outras palavras, a ciência dos manuais "[...] escolhe, mistura, adapta e sintetiza o saber exotérico de coletivos alheios e o saber estritamente especializado num sistema. Os conceitos assim formados passam a dar o tom, tornando-se impositivos para qualquer especialista." (FLECK, 2010, p. 177).

Com relação ao tipo de ciência (ou de texto) que abastece o círculo exotérico, temos a ciência popular, envolvendo a interlocução com não especialistas, ou seja, "[...] para círculos amplos de leigos adultos com formação geral. Por isso, não deve ser vista como ciência introdutória, sendo que, normalmente, não é um livro popular, mas um livro didático que cuida dessa introdução" (FLECK, 2010, p. 166). Um aspecto textual importante sobre a ciência popular é a ausência de detalhes e polêmicas quanto aos fatos científicos, a ponto de se conseguir uma simplificação artificial. Sua forma é esteticamente agradável, viva e ilustrativa. O auge do saber popular é a visão de mundo, que ajuda a determinar as linhas gerais do estilo de pensamento dos especialistas, tendo, portanto, um efeito epistemológico retroativo no círculo esotérico.

Para exemplificar esse mecanismo, Fleck (2010) apresenta o caso de um relatório de um exame bacteriológico formulado por um laboratório de diagnóstico enquanto texto do círculo esotérico (especialista) e, por um médico clínico, enquanto círculo exotérico. Uma placa na garganta é textualizada por um relatório bacteriológico repassado ao médico clínico, da seguinte maneira: "[...] o preparado microscópico apresenta numerosos bastonetes, que, pela sua forma e localização, correspondem aos bacilos de difteria. O exame da cultura mostrou bacilos típicos de Loeffler" (FLECK, 2010, p. 167). Quando um especialista escreve o mesmo relatório de modo extenso para outro especialista, dirá o seguinte: "[...] análise microscópica: numerosos bacilos, dos quais uma parte possui forma de clava ligeiramente curvado, [...] Coloração de Gram: positiva. Coloração de Neisser em vários bacilos: positiva […]". (FLECK, 2010, p. 167).

Na descrição do relatório feito ao médico clínico, houve uma simplificação permeada por elementos textuais apodíticos e ilustrativos. O exemplo mostra o médico clínico como uma figura não muito distante do especialista bacteriológico. No entanto, essa distancia aumenta até chegar no círculo dos 'universalmente cultos', ou seja, "[...] para a mãe da criança, cuja placa na garganta foi examinada, apenas resta uma informação breve e assertiva, ou seja, um fato: "Seu filho está com difteria." (FLECK, 2010, p. 166, grifo do autor).

Assim, o mesmo fato científico, dentro de um mesmo estilo de pensamento, é textualizado de diferentes formas. O especialista busca no saber popular crenças nos valores deste saber, daí a importancia epistemológica geral da ciência popular. O autor defende que quando um especialista escreve para outro especialista para fornecer o laudo de um exame, a linguagem é alterada, os termos possuem um perfil que faz parte do estilo de pensamento ao qual os mesmos transitam. Para o médico clínico, este laudo não faria sentido, tampouco para o paciente que precisa saber o resultado de seu exame.

O mesmo estilo de pensamento se textualiza de diferentes formas, fazendo mover diferentes processos de circulação, com seus efeitos e funções tanto retóricas, quanto discursivas, quanto epistemológicas. Deste modo, a textualização da ciência popular sempre acaba sendo uma simplificação, contendo elementos apodíticos e ilustrativos (características do saber popular): "[...] através de cada comunicação, até mesmo de cada denominação, um saber se torna mais exotérico e popular" (FLECK, 2010, p. 169). No entanto, ela não é apenas um processo de linguagem, mas, simultaneamente, um processo epistemológico, na medida em que reforça o fenômeno enquanto fato científico, e o próprio estilo de pensamento que permite concebê-lo enquanto tal. "Certeza, simplicidade, plasticidade somente surgem do saber popular, pois o especialista busca nele a crença nesses valores enquanto ideal do saber. Aí reside a importancia epistemológica geral da ciência popular." (FLECK, 2010, p. 168).

Em relação à ciência dos livros didáticos, Fleck não realizou um aprofundamento deste tipo de texto. Todavia enfatiza que, "[...] uma vez que a iniciação na ciência ocorre de acordo com métodos pedagógicos particulares, há de se mencionar ainda a ciência dos livros didáticos [...]" (FLECK, 2010, p. 165). O autor complementa ainda que esse tipo de texto se encarrega do primeiro contato das pessoas com a ciência, com a inserção das primeiras ideias e que não possui a função de formar especialistas, este aspecto caberia à ciência dos manuais. Mesmo não aprofundando as características da ciência dos livros didáticos, Fleck aponta essa textualização como uma das formas sociais da circulação dos tráfegos de pensamento.

Consideramos que, além da importancia de entender as características dos diferentes tipos de ciência (textualizações) trazidos por Fleck (2010) e discutidos até aqui, é relevante entender suas relações e compreender que as mesmas são produtos e meios pelos quais ocorrem os tráfegos, ou seja, a circulação de ideias que vão constituir os fatos científicos, em suas dimensões epistemológica, social, comunicacional e textual, sem a qual não há manutenção de um fato científico nem produção de novos fatos.

Ciência popular e a divulgação científica

Se, de um lado, a questão da divulgação científica é notoriamente relevante para a Educação Científica, e, de outro, a abordagem da ciência de Fleck nos permite compreender e pensar os textos como constitutivos, a articulação entre Fleck e a questão da DC não é tão simples, como aponta o trabalho de Oliveira (2012), já que Fleck não trabalha diretamente com a noção de divulgação científica, mas de ciência popular.

Para realizar a discussão da relação entre ciência popular e DC, pressupomos, inicialmente, que os transitos (movimentos) que fazem as ideias circularem entre os interlocutores, sempre é mediada por alguma forma textual. No caso da ciência popular, temos um amplo conjunto de formas de textualização do conhecimento científico com características gerais semelhantes ao que habitualmente se compreende como DC, principalmente no que diz respeito ao direcionamento deste texto que, em ambos os casos, incluem o público leigo, ou seja, os não especialistas e sua relação com os diversos conhecimentos. Todavia, o efeito que cada noção representa é distinto e esta distinção para nós é chave para apresentar nossa compreensão de DC do ponto de vista da circulação e textualização do conhecimento defendida neste artigo.

Vários autores têm buscado definir ou analisar a DC sob diferentes perspectivas, não cabendo aqui uma revisão destes trabalhos, mas vale a pena pontuar algumas das ideias mais recorrentes. Bueno (1984), por exemplo, entende a DC como um processo de recodificação, isto é, a transposição de uma linguagem especializada para uma linguagem não especializada. Partindo do ponto de vista da retórica, Fahnestock (2005) pontua que a popularização da ciência ocorre por um movimento que a autora denomina de adaptação da ciência. Já autores como Zamboni (2001) e Cunha e Giordan (2009) vêm interpretando a DC como um gênero discursivo próprio, que atende a condições de produção bastante diversas daquelas que envolvem o discurso científico. Já Authier-Revuz (1998), do ponto de vista da análise de discurso, concebe a DC como um conjunto de práticas de reformulação discursiva, aos modos de uma tradução.

Todos estes autores têm se preocupado com implicações da DC e o ponto comum dessas abordagens supracitadas, está na distinção e separação entre o discurso científico e o discurso da DC. O discurso da DC não faria parte do discurso científico, sendo apenas uma versão modificada deste. Como já discutido no tópico anterior, para Fleck, no entanto, o que existe são diferentes tipos de textos na produção, circulação e manutenção do conhecimento científico, ou seja, nos tráfegos que o constituem. Portanto, o que levantamos aqui é que não há exatamente um discurso científico (estagnado no círculo esotérico/especialistas), mas um espectro de diferentes materializações textuais do conhecimento. Assim, a textualização da DC seria também um tipo de texto científico, com as características da ciência popular, como veremos adiante porque, na verdade, o que existem são diferentes textualizações da ciência.

Contudo, para desenvolver nossa forma de entender a DC, dentre as definições supracitadas escolhemos a análise de Authier-Revuz (1998), sob um ponto de vista teórico-metodológico da Análise de Discurso de origem francesa. Essa escolha ocorreu porque mesmo a autora colocando que o discurso da DC se mostra como um discurso de reformulação e tradução do discurso científico, e ainda havendo críticas ao seu modelo (que mais à frente serão mais bem explicitadas), entendemos que o efeito que ela mostra é que esse trabalho de reformulação que parece uma tradução, na verdade está produzindo o efeito de sentido de que há um discurso outro, ou seja, de que haveria um discurso científico em algum outro lugar (com suas características próprias) e do qual, a DC seria apenas uma imagem degradada. Então, a DC criaria um simulacro, ou seja, uma imagem do que seja o conhecimento científico e de seu lugar de produção, do qual o leitor está excluído. Tal perspectiva, a nosso ver, não é contemplada nos demais estudos sobre DC.

Além disso, é importante destacar que a compreensão de DC apresentada por Authier-Revuz (1998), se limita a um corpus de análise bastante restrito, ou seja, textos de DC publicados em revistas francesas com características bastante restritas em relação à multiplicidade e diversidade de textualizações que compõem a ciência popular na concepção de Fleck, como veremos mais à frente.

Portanto, vamos tecer um diálogo dessa análise discursiva da DC com a epistemologia social e comunicacional de Fleck (2010), e suas categorias ao desenvolver sua visão sobre a construção e manutenção dos fatos científicos por meio de tráfegos (circulação) de ideias entre coletivos de pensamento iguais ou diferentes.

Já em Authier-Revuz (1998), temos que a função da DC, embora vista como a de comunicar a ciência, na verdade, seria a de encenar esse processo de comunicação, ou seja, produzir esse efeito criando, discursivamente, alguns personagens. "Através dessa realização da enunciação, abre-se lugar para uma configuração de papéis, que 'representa' a mediação: uma estrutura de três lugares com duas extremidades: 'A Ciência' e 'o público leitor', e, no meio, o divulgador." (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 114). Para desenvolver a encenação do processo de comunicação científica, levantado por Authier-Revuz, há um jogo de lugares e representações, constituídos pelo próprio discurso da DC.

Um primeiro lugar seria formado pela Ciência, para a autora, nos textos analisados por ela, esse 'interior' aparece representado dentro dos textos de DC. Aproximando as ideias de Fleck (2010), esse lugar da ciência ocupado na comunicação científica diz respeito ao círculo esotérico, formado por especialistas que já dominam os códigos e procedimentos específicos relacionados à resolução daquele problema pré-determinado. Mas o que a DC produz, do ponto de vista discursivo, é uma representação desse lugar, como lugar de origem do saber.

Um segundo lugar, o do divulgador (terceiro homem), "[...] representa-se nos textos como indo psiquicamente de um lugar a outro, descartando pontos, mediador ou 'simples intermediário', função tida como ambígua [...]" (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 114). Fleck não trata deste aspecto especificamente, pois desenvolve a discussão de sua teoria a partir de um caso particular na medicina, e esta área tem um conjunto maior de atores sociais na relação da produção/circulação desse conhecimento, ou seja, não só um cientista, mas também médicos, enfermeiros, farmacêuticos. Para exemplificar o que queremos dizer, citamos o caso do exame bacteriológico, já descrito neste texto anteriormente. O médico, naquele caso, não é divulgador, nem mediador no sentido que a Authier-Revuz coloca, mas, ao mesmo tempo, também participa dessa relação de movimento entre o círculo esotérico e o exotérico. Podemos afirmar, desta forma, que nem sempre os tráfegos (circulação) que constituem a ciência popular possuem e precisam de um mediador, um 'terceiro homem', para se efetivarem.

Sobre o terceiro lugar, cuja representação é construída pelo discurso da DC, no texto, está o público leitor, e esse leitor aparece dentro do texto que não é exatamente seu lugar real. Neste caso, podemos associar ao que Fleck (2010) denomina de círculo exotérico, os 'leigos instruídos', pessoas que não são cientistas, mas que se relacionam com o saber que circula no círculo esotérico. Contudo, no ambito desse funcionamento discursivo, este terceiro lugar daria ao leitor a ideia de que esta grande distancia existente, entre a produção do discurso da ciência e da DC, seria reduzida pelo trabalho do mediador. Este é o efeito deste processo que Authier-Revuz identifica como uma encenação da comunicação na DC, já que, não há efetivamente comunicação, pois especialista e não-especialista não estão se comunicando diretamente. Assim, nesse processo, o leitor seria colocado em uma posição em relação à produção daquele determinado conhecimento.

Tanto nas análises realizadas por Authier-Revuz (1998), como na epistemologia de Fleck, encontramos a questão social imbricada em sua formulação. Todavia, em Fleck este fator está prioritariamente associado à produção dos fatos científicos, ou seja, à dimensão epistemológica. Para ele, essa atividade da ciência popular possui a função de participar da produção dos conhecimentos, compreendida como construção dos fatos científicos, o que ocorre quando o conhecimento se torna carne na/pela ciência popular. O termo "tornar carne" é utilizado por Fleck para se referir à consolidação de um fato científico, que naquele momento é aceito pelos diferentes estilos de pensamento na sociedade. Isto, por sua vez, só acontece após passar pelo crivo do saber cotidiano e popular e se textualizar em suas formas de circulação.

Consideramos este o ponto central desta discussão, ou seja, propomos que aquilo que Authier-Revuz chama de DC é apenas parte do que Fleck está chamando de ciência popular. Se em Authier-Revuz temos um aprofundamento da dimensão discursiva da textualização, no sentido de que esta constrói representações de interior/exterior, dos sujeitos envolvidos em suas posições sociais, da encenação da comunicação, em Fleck encontramos aspectos da função epistemológica desta forma de textualização e concepção ampliada do círculo exotérico.

A questão da unidirecionalidade e bidirecionalidade na circulação do conhecimento

Com as reflexões tecidas no tópico anterior, acreditamos que na análise de Authier-Revuz (1998), a DC funcionaria em num movimento unidirecional: do interior (ciência) para o exterior (público), como exemplificado no primeiro esquema. Já, para Fleck, esse movimento pode ser retroativo/bidirecional, se considerado epistemologicamente, como representado no segundo esquema. Assim, podemos afirmar que nas Ciências há diferentes tipos de textualizações, e a esotérica (ciências dos periódicos) depende da exotérica (ciência popular) para se consolidar e ser aceita socialmente. Os esquemas a seguir ajudam a visualizar estas conjecturas teóricas:

Esquema 1 Representação da divulgação da ciência nas análises de Authier-Revuz 

Esquema 2 Representação do transito bidirecional entre a Ciência e o Público (círculo exotérico) na teoria de Fleck 

No primeiro caso, temos um modelo mais tradicional de comunicação da ciência, ou seja, a DC entendida como um fluxo unidirecional de ideias da ciência (interior), em direção ao público (exterior). No entanto, como já mencionado, consideramos esse modelo limitado, pois compreendemos esse processo como algo mais amplo que considera também a relação com o público (pessoas que estão fora dos círculos esotéricos) como parte da produção do conhecimento, dos fatos científicos. Sendo que, para Fleck, a dimensão comunicativa, nas formas desses transitos, e produções textuais, não ocorre a posteriori, ou seja, depois e aquém da produção dos fatos científicos, mas é elemento constitutivo dessa produção2.

Um aspecto que precisa ser ressaltado, é que diferente do esquema 1, onde a própria textualização da DC constrói e mantém a representação de exterioridade, no esquema 2, não há a representação desta exterioridade, há outro círculo, o exotérico, mas que não se situa fora da produção de conhecimentos (em um exterior). Os círculos esotérico e exotérico são dois componentes do mesmo coletivo, assim, a noção de coletivo de pensamento representa essa interioridade da ciência popular e, portanto, da DC.

Historicamente, essa concepção de unidirecionalidade é um dos aspectos que embasaram o modelo do déficit da comunicação entre cientistas especialistas e a comunidade leiga, na qual o público era visto apenas como receptor passivo dos supostos avanços científicos e destituído de saberes. Sobre isto, Bensaude-Vincent (2009) destaca que, além da questão da unidirecionalidade, outros aspectos que embasam o modelo do déficit seriam: o fosso crescente entre cientistas e o público e a questão dos mediadores3 na comunicação entre eles, por considerarem o público como passivo, composto meramente por consumidores de ciência e tecnologia. Neste processo, que deveria lutar contra a ignorancia pública, os mediadores divulgaram uma imagem da ciência que reforçava a autoridade científica dos especialistas, aumentando, assim, o fosso entre eles.

Essa concepção da comunicação científica pelo modelo do déficit, extremamente simplista e idealizada, "[...] sustenta que os fatos científicos só precisam ser transportados de um contexto especializado para um popular" (BUCCHI, 2008, p. 58, tradução nossa). Cabe ainda elencar aqui, as noções apontadas por este autor, que resumem essa concepção tradicional de comunicação pública da ciência:

1. a mídia como um canal projetado para transmitir noções científicas [...]; 2. o público como passivo, [...]; 3. a comunicação científica como um processo linear, de mão única, no qual o contexto de origem (elaboração de especialistas) e o contexto de destino (discurso popular) podem ser nitidamente separados, apenas o primeiro influenciando o último; 4. comunicação como um processo mais amplo relacionado à transferência de conhecimento de um assunto ou grupo de assuntos para outro; 5. como transferível, sem alterações significativas de um contexto para outro, [...] (BUCCHI, 2008, p. 58, tradução nossa, grifo nosso).

Por muitos anos a comunicação pública da ciência foi concebida como uma transferência de conhecimentos de cima para baixo, ou seja, da comunidade científica, vista como a elite do processo, para o público leigo. Neste modelo de déficit, o conhecimento do público não era compreendido como constitutivo no processo de produção dos fatos científicos; ao contrário, era visto como um exterior e inferior ao conhecimento especializado. Essa noção tem sido o paradigma dominante para descrever a comunicação científica. Além disso, a utilização de palavras-chave como 'recepção', 'distorções' e 'alvo' são utilizadas quando a comunicação é vista como transferência unidirecional de informações de uma parte para outra (BUCCHI, 2008).

Nesse sentido, Bensaude-Vincent (2001) acrescenta que, nessa crítica, a visão de Fleck sobre a hierarquia graduada de iniciados e muitos fios conectando os vários graus entre os círculos esotérico e exotérico de qualquer coletivo de pensamento, foi confirmada por abordagens sociológicas e linguísticas da popularização da ciência. Confirmando ainda, "[...] a sugestão de Fleck de que a comunicação de idéias sempre resulta em uma mudança de conteúdo, e que cada passagem de um coletivo para outro cria um novo significado, em vez de simplesmente transferir uma mensagem estável." (BENSAUDEVINCENT, 2001, p. 100, tradução nossa).

Portanto, quando trazemos a compreensão de DC analisada por Authier-Revuz (1998), (esquema 1) ilustramos um corpus de análise restrito, que não configura todas as formas de circulação do conhecimento que envolvem o público mais amplo. Antes que aprofundemos a explicação da noção de ciência popular trazida por Fleck, a qual mencionamos no esquema 2, convém assinalar outra discussão acerca do processo de comunicação da ciência que visa ao romper com o modelo do déficit discutido anteriormente.

No início dos anos 1990, o modelo de comunicação unidirecional entre cientistas especialistas e a comunidade foi questionado, e surgiu a proposta de um modelo mais aberto, dialógico, que priorizava o debate e a discussão, conhecido como modelo de engajamento público, ou modelo participativo. De acordo com Bucchi (2008, p. 58, tradução nossa), desde a década de 1980, órgãos públicos e privados buscaram despertar e promover "[...] o interesse público e a conscientização da ciência. Essas iniciativas incluíram 'dias abertos', agora um recurso rotineiro de muitos laboratórios e instituições de pesquisa, festivais de ciência e cursos de treinamento em jornalismo científico."

Em contrapartida, Bucchi (2008), ao debater e propor sobre três modelos da interação especialista/público, nos ajuda a discutir alguns aspectos importantes sobre a participação do público leigo na formação de um determinado estilo de pensamento do círculo esotérico, neste movimento bidirecional que estamos defendo. Tais modelos seriam: o déficit (popularização da ciência unidirecional), diálogo (consulta e negociação como interação em dois sentidos) e participação (co-produção de conhecimento, desvio multidirecional, extremidade aberta), contemplando sua visão de comunicação e seus contextos ideológicos mais amplos. Para o autor, não é possível utilizar um único modelo de comunicação científica para explicar os diferentes padrões de comunicação, pois estes dependem das condições específicas dos quais fazem parte e das questões que estão em jogo.

Portanto, Bucchi (2008) acredita que possa existir uma coexistência desses modelos, dependendo de cada situação, mencionando por exemplo, que uma questão de física de partículas pode ter um baixo impacto e mobilização pública, se comparado com temas relacionados a alimentos, segurança e biodiversidade.

Assim, nessa perspectiva, a comunicação científica não deve ser considerada como um evento estático, mas como um processo que assume fluidamente diferentes configurações. É importante considerar que concordamos com Bucchi (2008), para quem os efeitos bidirecionais entre ciência e público podem variar de acordo com o tema e os aspectos culturais, contextuais que envolvem o mesmo, levando à diferentes funções e papéis na comunicação pública da ciência.

Contudo, quando esse autor apresenta sua noção de comunicação da ciência com elementos da ciência popular, pensamos não ser exatamente a mesma noção colocada por Fleck. Por isso, defendemos as noções de circulação e textualização como as bases para pensar esses processos de transitos constitutivos, múltiplos e não unidirecionais. Tais noções são mais complexas que a de comunicação, por envolver aspectos mais amplos e não apenas comunicacionais e discursivos, mas incluindo os aspectos epistemológicos. Portanto, ao levar em consideração esses aspectos e essa tripla dimensão, comunicativa, discursiva e epistemológica, podemos tomar o papel constitutivo da ciência popular (e a relação de bidirecionalidade) como um princípio geral.

Retomando o esquema 2, enfatizamos dessa forma, que a circulação de conhecimentos entre os círculos esotéricos e exotéricos funciona como uma via de mão dupla. Analisando o primeiro deslocamento, do centro esotérico para a periferia exotérica, tem-se o pensamento cada vez mais simplificado, permeado por elementos apodíticos e ilustrativos. Mas esse simplismo não seria algo negativo, mas necessário para configurar um novo tipo de texto e exercer uma função epistemológica específica e complementar na circulação constitutiva dos fatos científicos.

O segundo deslocamento, que vai da periferia (ciência popular) para o círculo esotérico, "[...] é visto ora como retroalimentação, ora como fonte. De acordo com Fleck, o saber exotérico, além de servir ao círculo esotérico dos especialistas com base de sua legitimação, fornece-lhe noções e esquemas (linguísticos, perceptuais e mentais) básicos." (OLIVEIRA, 2012, p. 131).

O domínio exotérico influencia o círculo esotérico em uma área específica da ciência de várias maneiras, como pela percepção sobre o funcionamento do empreendimento científico; por meio das questões que envolvem decisões políticas relacionadas a falta de ética em pesquisas e ainda sobre o financiamento das mesmas (STUCKEY et al., 2015).

Temos assim, nessa via de mão dupla, um efeito retrógrado de constituição da visão de mundo que sustenta o estilo de pensamento do círculo esotérico. O deslocamento do tráfego entre os dois círculos, vai da periferia da ciência popular para o círculo esotérico, que pode ser visto como retroalimentação e como fonte, servindo como legitimação e validação do conhecimento científico.

Nesse sentido, podemos dizer que a análise de Authier-Revuz, mesmo com os limites de seu corpus de análise bastante restrito em relação à multiplicidade e diversidade de textualizações que compõem a ciência popular, apresentou aspectos muito importantes para compreensão da DC, com sua forma de conceber a linguagem em sua dimensão social, e a caracterização dos diferentes papéis no processo de 'encenação' da comunicação da ciência, envolvendo as posições imaginárias de sujeito, materialmente presente nos e pelos textos.

Se, em Fleck temos que textos diferentes são produzidos por sujeitos posicionados diferentemente na estrutura da ciência moderna, o estudo de Authier-Revuz complementa essa visão no sentido de que os textos também participam da constituição e manutenção dos imaginários que sustentam e mantêm essas posições, quais sejam, a do especialista, a do 'leigo interessado', a do mediador (quando necessário), e da própria DC como restabelecendo a união e coesão dessa divisão social. Assim, consideramos que, tanto a DC como a Ciência Popular fazem parte da produção do conhecimento social, histórico e epistemologicamente estabelecido.

Todavia, na DC, a divulgação dos conhecimentos figura para Authier-Revuz (1998, p. 110) como "[...] um discurso D1, sob a forma de um discurso sobre o mundo que não é enunciado, por sua vez, em D2, um discurso do mesmo tipo adaptado ao novo receptor como é o caso, parece-nos, das enciclopédias e manuais, mas sim apoiando-se, explicitamente, sobre este discurso D1."

A nosso ver, essa consideração da autora, como já apontamos, decorre de seu corpus restrito e casos em que há a figura do mediador. Convém destacar aqui que as condições de produção da DC são distintas do contexto em que a ciência dos periódicos é produzida. Desta forma, mesmo trazendo as ideias de Authier-Revuz para essa discussão, é necessário apontar outras limitações de sua abordagem, ou seja, entendendo que falamos de condições de produção diferentes não podemos considerar que a textualização da DC seria uma mera tradução da textualização da ciência dos periódicos.

Desta forma, entendemos que a textualização da divulgação científica possui suas especificidades e condições de produção particulares, não sendo apenas uma reprodução/simplificação/modificação da ciência dos periódicos, mas exerce no coletivo do estilo de pensamento relacionado aos fatos científicos divulgados, uma função epistemológica.

Implicações para a educação científica

Todas as discussões trazidas até aqui nos ajudam a defender nosso argumento de considerar a DC como um processo amplo de circulação/movimento/transito de ideias que pode ter papel constitutivo na produção/manutenção dos fatos científicos. Neste ínterim, a seguir elencamos alguns pontos que emergiram das discussões apresentadas para embasar possíveis implicações para a Educação em Ciências.

Entender as diferentes textualizações enquanto processo e produto da construção do conhecimento

Texto e ciência não podem ser vistos separadamente, visto que as formas de escrever, comunicar, divulgar se relacionam com a própria produção do conhecimento, e se modificam conforme ocorrem modificações históricas nessa produção. E, por que é importante analisar o texto na relação com a produção da ciência? Quando analisamos um texto estamos olhando para os aspectos culturais, históricos, sociais, institucionais, linguísticos, políticos, e epistemológicos da produção de conhecimentos. Se de um lado, há certamente um envolvimento com práticas materiais, experimentais, a cultura do laboratório, enfim, uma dimensão empírica que faz parte da produção dos conhecimentos científicos, esse caráter constitutivo da produção textual só mais recentemente vem sendo considerado nos estudos da ciência (SILVA, 2019).

Consideramos, assim, fundamental para a Educação em Ciências entender como ocorre a circulação de conhecimentos por meio dos textos. Para tanto, é necessário, de um lado, compreender melhor os textos propriamente ditos, e, por outro, compreender os papéis epistemológicos dos textos nessa produção/circulação de conhecimento. Trabalhar e pensar a textualização significa, então, problematizar práticas que considerem não o conteúdo dos textos como algo dado, ali presente, mas sua constituição, seu funcionamento, ou seja, uma materialidade inscrita em um determinado contexto histórico-social, onde o texto se configure como peça de um processo de circulação do conhecimento (dos mais diversos temas) na sociedade, peça de um processo de produção de fatos científicos.

Estes textos podem assumir diversas formas, tanto escritos e/ou imagéticos e/ou orais, como gráficos, questões, livros didáticos, documentários, filmes, mapas, televisão, páginas da internet (como blogs, facebook, canais do Youtube, páginas institucionais, revistas e jornais de DC), esquemas, linguagem matemática, fórmulas químicas, relatórios, relatos, entrevistas, folders, infográficos dentre outros.

De fato, a noção de circulação já vem sendo mobilizada em abordagens sobre a produção histórica, social e cultural dos conhecimentos científicos. Além disso, a incorporação recente de textos didáticos e manuais no corpus de análise de abordagens no campo dos Estudos da Ciência, pode ampliar as conexões com a Educação em Ciências, tornando possível novos caminhos de compreensão e práticas (SILVA, 2018). Neste movimento, Secord (2004), ao compreender o conhecimento científico como prática, infere que, nos últimos 20 anos, a História das Ciências tem defendido a ciência em contexto, mas que agora poderia ser vista como ciência em trânsito.

Compreender a DC como constitutiva na produção e legitimação do conhecimento científico

Considerar que os textos de DC carregam consigo, para além dos conteúdos, outras características que fazem parte de sua constituição, parece ser fundamental no processo de ensinar e aprender ciência quando se utiliza essa forma textual.

Desta forma, quando chamamos um tipo de texto dos periódicos (papers), textos didáticos (manuais e livros didáticos) e textos de DC, estamos diferenciando estes textos por suas características composicionais, estruturais, linguísticas e epistemológicas, mas também pelas relações sociais e culturais que estão envolvidas em sua produção. Podemos inferir que essas nuances atendem a uma instituição, ou seja, normas, exigências e estruturas que foram formuladas para atender determinada instancia e que possibilitam circular os conhecimentos de uma forma instaurada e já aceita pela comunidade que compartilha desses conhecimentos.

É por isso que consideramos e defendemos, neste trabalho, o texto em um sentido mais amplo (constitutivo), não como um mero produto que visa expor o conteúdo produzido em outro lugar. Assim, as questões sobre como o conhecimento circula, para quem é disponibilizado, e como um consenso é produzido, têm ganhado especial relevancia nos Estudos da Ciência e na História da Ciência. "De acordo com essa perspectiva, o processo formativo, a elaboração de relatórios, a apresentação de pesquisas em congressos e outras práticas de comunicação fariam parte da ciência tanto quanto um experimento laboratorial." (OLIVEIRA, 2012, p. 137).

A dimensão comunicativa, nas diferentes formas dos transitos e produções textuais, não ocorre após e isolada da produção dos fatos científicos, mas é elemento constitutivo dessa produção (FLECK, 2010). Desta forma, toda produção do conhecimento depende deste processo de circulação, do transito das ideias, e o sujeito não é a origem da produção do conhecimento, e sim, os tráfegos desse conhecimento, sem os quais não há formas sociais de pensamento e, para tal, é necessário que os discursos e práticas se transformem em textos, o que, por sua vez, não acontece de maneira unívoca e inequívoca.

Viabilizar a entrada da DC na escola proporcionando um entendimento maior das características deste tipo de texto

Outro ponto significativo para pensarmos a DC nesse processo amplo de circulação do conhecimento científico se refere ao acesso das pessoas a essa forma de textualização. Acreditamos que o modo como as pessoas entram em contato com um assunto de ciências depende de como esse assunto circula e de como ele se textualiza. Então, quando inserimos um texto de DC em uma abordagem didática, pensamos ser importante levar para a sala de aula a discussão da própria circulação e textualização, porque é isso que posiciona o sujeito em relação ao tema em questão.

A Educação em Ciências pode, desta forma, trabalhar a leitura, tornando importante a compreensão de que posições aguardam e constituem os sujeitos-leitores numa textualização específica. Textualização esta que pode acontecer pela entrada de textos de DC em livros didáticos, por meio de textos de DC dos mais diversos meios como revistas específicas, blogs e páginas web, pela utilização de vídeos, filmes, entre outras formas que trabalhem os fluxos, transitos, dos mais diversos temas científicos que permeiam a sociedade.

Algumas considerações

Neste artigo, apresentamos um estudo teórico em que articulamos as categorias epistemológicas de Fleck, com alguns conceitos da análise de Authier-Revuz sob o ponto de vista discursivo, que nos permitiu abordar a questão da DC em sua dimensão epistemológica e discursiva, dialogando ainda com sua dimensão comunicacional (BUCCHI, 2008).

Argumentamos que a DC é apenas parte de um conjunto mais amplo de práticas as quais podem ser chamadas de Ciência Popular, ambas inseridas em um processo amplo de produção, circulação e textualização social e epistemológica de conhecimentos.

Compreendendo a Divulgação da Ciência como constitutiva do processo de produção do conhecimento, não podemos vê-la na periferia de todo processo, mas como um tipo de texto que possui um efeito retrógrado no especialista, em um movimento bidirecional (ciência-público/público-ciência). Assim, a DC, como outros elementos da ciência popular, faz parte da ciência especializada, a partir do momento que se recorre principalmente ao imaginário popular e exotérico, e na medida em que, por outro lado, faz trabalhar um estilo de pensamento científico e os fatos científicos que lhe são conjugados.

Nesse modelo teórico, procuramos superar também a ideia da separação entre o Discurso da Ciência e o Discurso da Divulgação Científica, no sentido de que não há reformulação, tradução, transposição, recodificação de um discurso para outro, mas diferentes textualizações da ciência que, mesmo possuindo condições de produção específicas em sua materialidade, se configuram como diferentes tipos de textos que fazem o conhecimento científico circular socialmente, produzindo posições para seu acesso.

1A coerção de pensamento pode ser pensada como hábito e norma vistos como óbvios, como sendo os únicos possíveis e que não são passíveis de reflexão.

2Isso não significa que outros elementos, não discursivos ou textuais, não façam parte da produção dos fatos, como práticas experimentais, entre outras práticas.

3Enfatizamos nossa discordancia em considerar que as práticas de DC possuem um mediador para se efetivarem.

Agradecimento

Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo financiamento da pesquisa.

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Recebido: 26 de Maio de 2021; Aceito: 24 de Maio de 2022

Autor correspondente: claudia.fioresi@uffs.edu.br

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