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Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.29  Bauru  2023  Epub Jan 30, 2023

https://doi.org/10.1590/1516-73132023000a 

Editorial

Questões sociocientíficas na ciência escolar: uma sugestão teórica

1University College London (UCL), Institute of Education, London, UK


Os editoriais recentes desta revista têm focado em temas que me tocam de coração: a apropriação indevida do conhecimento no apoio às ideologias racistas, o papel do ativismo por meio da educação científica, o controle político do conhecimento científico. Ao longo da minha carreira, de professor de ciências na escola até meu trabalho como acadêmico no Ensino Superior, os problemas na busca por justiça social, por meio da educação científica, continuam a desafiar.

Com razão, professores e educadores têm pressionado na busca de um currículo mais social e politicamente relevante. Duas questões tecnocientíficas dominam as governanças nacionais e internacionais de uma forma sem precedentes. Ambas são exemplares na procura de soluções que sejam interdisciplinares, mas, na análise dessas soluções, os educadores devem ter o cuidado de evitar armadilhas epistemológicas. Manifestos em prol de um currículo mais consciente, em termos sociais e ambientais, devem identificar o tipo de aprendizagem em jogo. Temos a responsabilidade de apoiar os meios epistêmicos e pedagógicos para transformar os currículos científicos em prática.

A primeira questão é a ameaça das alterações climáticas sobre a qual os governos se sentem incapazes de fazer muito – os imperativos do crescimento econômico e os estilos de vida confortáveis da classe média estão em desacordo com o desmantelamento das centrais elétricas alimentadas por combustíveis fósseis. Um reparo tecnológico possível é a utilização de tecnologias verdes – houve avanços recentes na fusão nuclear, mas sua escalabilidade e suas aplicações ainda têm um bom caminho pela frente. Uma abordagem preponderante é demonstrar que as tecnologias eólica, solar e geotérmica podem reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. Esta é uma solução atraente do ponto de vista científico, porém, ignorar as implicações sociais, éticas e políticas é agravar os desafios ambientais que enfrentamos.

A segunda questão global é a pandemia. A COVID-19 não foi gentil na forma como atingiu tanto os pobres quanto os ricos – exceto, é claro, que os ricos contam com recursos de saúde e riqueza que ajudaram a protegê-los contra o pior da doença. Mas, como já bem sabem os educadores brasileiros, as teorias da conspiração e o negacionismo (por que estou pensando em um presidente recente do Brasil?) – os guardiões da pós-verdade – têm obstruído a produção e a tomada de vacinas. Enquanto a Amazônia é explorada, queimada por seus recursos naturais, e os povos indígenas são deslocados, o último presidente debochava dos protestos – o aquecimento global é fake. Da mesma forma, o coronavírus era simplesmente uma gripezinha. Superem, pessoal!

Cassiani, Selles e Osterman. (2022) apresentam um excelente argumento sobre a forma como os cientistas apoiaram filosofias racistas, baseadas em provas distorcidas; como os pressupostos colonialistas foram incorporados no estudo da ciência, em que as incertezas inerentes às provas científicas foram utilizadas para menosprezar os argumentos que advertem sobre o aquecimento global. Os autores fazem uma observação importante sobre o mal-entendido da incerteza na geração de teorias conspiratórias:

[...] processos científicos são construídos colocando-se à prova os próprios fatos e em meio a dúvidas por eles suscitadas. Portanto, os negacionistas se arrogam o direito de também duvidar do conhecimento científico, entretanto, sem passar pelos mesmos processos que dialogam com a empiria produzida em laboratórios e centros de estudos [...]. (VILELA; SELLES, 2020, p. 1732 apud CASSIANI; SELLES; OSTERMAN, 2022, p. 7).

Identifica-se, assim, um problema central na produção científica. Os negacionistas exploram a própria força da construção teórica, o convite da dúvida, para mostrar que a ciência não tem respostas diretas, não tem uma justificativa epistemológica profunda. Como lidar, então, como professor, com esse superficial ceticismo?

Grande parte da minha pesquisa ao longo dos últimos trinta anos tem sido sobre questões sociocientíficas (QSC). E diversas foram as razões para justificá-las nos currículos das ciências. Uma delas é que o leigo precisa ter uma maior educação científica. Se o leigo sabe mais sobre ciência, chega-se a discussões mais sensatas sobre a utilização de culturas geneticamente modificadas, a produção de medicamentos, programas aeroespaciais, etc. Um público cientificamente instruído seria mais racional. Essa é uma abordagem predominantemente deficitária (LEVINSON, 2010), que coloca os princípios científicos no centro do conteúdo. Talvez – mas muitos teóricos da conspiração e negacionistas têm se formado no Ensino Superior. Se a melhora da educação científica foi uma posição prevalente entre a comunidade científica nos anos 1990, isso já não é mais tão o caso.

Em 1993, foi publicado um pequeno livro em uma editora, por assim dizer, obscura. Intitulado Inarticulate Science (LAYTON et al., 1993), tratava-se de uma série de estudos de caso de leigos que abordavam problemas de natureza científica-médica-tecnológica, tais como pais de crianças com Síndrome de Down que queriam compreender a melhor forma de alimentar seus filhos; pessoas dos arredores de fábricas químicas a tomar medidas sobre a toxicidade da fumaça, e ovinocultores que queriam saber quais precauções tomar sobre as consequências do desastre em Chernobyl. Os artigos explicavam que os conhecimentos científicos não se traduziam facilmente na resolução de problemas públicos. O que os autores concluíram é que o contexto é importante, e os conhecimentos formais e locais têm de estar em diálogo uns com os outros. Roth et al. (2004) chegaram a uma conclusão semelhante em um estudo sobre a luta de uma comunidade por água potável.

Uma forma de avançar nesse sentido é por meio de fóruns, para que os cidadãos discutam questões técnico-científicas com cientistas. Isso, contudo, não é suficiente. Tais fóruns já existem há muitos anos. O desafio é saber que vozes se fazem ouvir e como isso se traduz em ação social (LEVINSON, 2010). Trata-se de um problema de relações de poder. Os jovens precisam compreender quais conhecimentos e competências são necessários para influenciar a política (JOHNSON; MORRIS, 2010). O conhecimento e a compreensão dos princípios científicos pouco fazem sem o know-how em formar alianças, promover campanhas, explicar ideias de forma coerente.

Em termos de educação científica escolar tradicional, há a questão dos limites da disciplina (HIRST; PETERS, 2011). A ciência explora o funcionamento da natureza crua; é uma matéria empírica destinada a desenvolver teorias sobre o mundo natural. Não consegue lançar luz sobre os assuntos sociais, exceto de forma oblíqua. Como os indivíduos ou a sociedade devem agir não é uma questão a que a ciência possa responder. Conforme explicou um professor de história em um estudo investigativo, 'Como conhecer a estrutura química do Zyklon-B pode nos ajudar a compreender o horror moral do Holocausto?' (LEVINSON, 2001).

Compreender gravidade, circulação sanguínea, difusão gasosa não tem nada em comum com os fenômenos sociopolíticos. A gravidade atua da mesma forma nas sociedades comunitárias ou individualistas; o sangue fornece nutrientes e oxigênio às células independentemente de os cidadãos serem governados por governos socialistas ou neoliberais, e os gases se difundem de acordo com certas leis, tanto nas sociedades coloniais como nas pós-coloniais. A ciência é reducionista, quer queiramos quer não (DONNELLY, 2002). Dizer que devemos socializar a ciência, nesses termos, não faz sentido.

Eis, então, o desafio: como construir a ciência escolar de modo a responder aos desafios da justiça social, de uma forma coerente com a compreensão dos princípios científicos básicos, tais como a teoria atômica, as forças, a seleção natural?

Os problemas

Em relação à questão do Aquecimento global, deixe-me ilustrar o que enfrentamos. Mencionei anteriormente a esperança de tecnologias alternativas envolvidas no fornecimento de energia. Tomemos o caso das turbinas eólicas. O princípio científico por detrás das turbinas eólicas é que o movimento rotativo das pás de aço fornecidas pelo vento faz girar um gerador que fornece eletricidade. As pás são fixadas a enormes torres, que se situam no fundo do mar, e a rotação delas é assistida por arranjos muito complexos de engrenagens e motores. Os princípios científicos são relativamente simples. Certamente, encorajar as economias a fabricar turbinas eólicas reduziria nossa dependência dos combustíveis fósseis e ajudaria no movimento para reduzir o aquecimento global.

As turbinas eólicas que operam ao largo da costa leste do Reino Unido são fabricadas principalmente no Vietnã, onde os custos de mão de obra são inferiores aos do Reino Unido, e depois enviadas para a costa leste de Inglaterra por enormes navios que bombeiam toneladas de combustível para o mar em suas viagens. O crescimento dos parques eólicos no Reino Unido indica que um futuro verde parece possível, mas a que custos sociais e políticos? James Meek (MEEK, 2021) descreve a cidade vietnamita, que agora produz essas turbinas, assim como a enorme devastação natural e convulsão social na criação da base de produção. É uma lição de um livro didático sobre o quimérico processo da economia neoliberal.

Outro exemplo é a conservação em relação à biodiversidade. O comércio ilegal de espécies raras tem sido um pesadelo há muitos anos para ambientalistas e dedicados à biodiversidade. Talvez o exemplo mais notório seja o abate de elefantes por caçadores para o comércio de marfim em certas partes do mundo, onde esse é um bem precioso. Uma compreensão das teias alimentares e das interações das espécies justifica a proteção de muitas espécies da vida selvagem. Mas, como Duffy (2022) indica, o comércio de produtos vivos raros está ligado a muitas atividades ilegais diferentes, tais como lavagem de dinheiro, guerra de quadrilhas, fraude e contrabando de drogas. Também tem havido relatos de que a caça ilegal tem sido utilizada para financiar atividades terroristas como as do al-Shabaab, na Somália. Como resultado, a prática da conservação das espécies e as tentativas de pôr fim ao tráfico ilegal de animais selvagens se transforma em uma questão de segurança e vigilância, cujo objetivo se torna a ameaça colocada pelos seres humanos, e não a proteção da vida selvagem. Em um sentido secundário, esse processo pode também justificar a presença de tropas da Europa e dos EUA dentro de países do Terceiro Mundo, acentuando atitudes colonialistas e estruturas de poder.

Em dado momento, a produção global de microchips e semicondutores transformou os sistemas de comunicação, permitindo – irrefutavelmente – uma maior reatividade dos governos para com os governados. Mesmo em comunidades muito desfavorecidas, os celulares e os smartphones são uma realidade. Teriam os avanços científicos feitos na física do estado sólido ajudado a transformar a natureza da sociedade?

Mas os metais necessários para condensadores de alta densidade em dispositivos móveis – tântalo e nióbio – são relativamente raros. Uma importante fonte de coltan, o mineral que contém esses semicondutores, encontra-se nas minas da República Democrática do Congo. Esse mineral é extraído sob condições de trabalho escravo (SUTHERLAND, 2011). Parece que, nas escolas, as questões sociais se concentram predominantemente no consumo de tecnociência, enquanto sua produção é invisível. Esse é um aspecto a ser abordado.

Não há uma solução ecológica simples. Se a produção de tecnologias avançadas beneficia um setor da população, mas explora outro, como pode ser rotulada tal mudança? Além disso, as próprias soluções verdes podem degradar o ambiente ainda mais do que as antigas tecnologias (LEVINSON, 2022).

Há dois propósitos em levantar esses exemplos. O primeiro é demonstrar a complexidade; que as soluções para as injustiças tecnocientíficas são também sociopolíticas. Soluções que se apresentam apenas na superfície podem ter consequências profundamente injustas. O segundo objetivo é que a resolução de problemas de injustiça ultrapassa largamente os limites disciplinares. Uma possível objeção é que um currículo transdisciplinar diluirá a ciência: estes são os tipos de objeções avançadas, conduzidas, por exemplo, por Young (2009), que argumenta que a socialização da ciência é desmotivante e aprofundadora das distinções de classe. Mas quero argumentar que as abordagens transdisciplinares a um problema podem de fato avançar e aprofundar a compreensão dos conceitos científicos.

Uma possível solução

Não quero soar cético, alguém que diz que o projeto de transformar o currículo científico focado em avaliação de fatos e processos em um agente político encorajador, com justiça social no seu núcleo, é impossível em economias predominantemente neoliberais. Pelo contrário, trata-se de um objetivo eminentemente alcançável.

Mas a tradição e a história têm de ser enfrentadas. O projeto científico, tal como apresentado às escolas, tem nele incorporado o heroísmo da modernidade: o cientista comumente branco, masculino, desvendando os mistérios da natureza crua. E tais ideias dominam a consciência involuntária. Como escreve o físico Carlo Rovelli sobre a nossa compreensão do tempo,

Se... a existência desse conceito newtoniano de tempo que é independente das coisas parece simples e natural para você, é porque você o encontrou na escola. Porque ele se tornou gradualmente a forma como todos nós pensamos sobre o tempo. Filtrou-se através dos livros didáticos em todo o mundo e acabou se tornando nossa forma comum de entender o tempo. Nós o transformamos em nosso senso comum. Mas a existência de um tempo uniforme, independentemente das coisas e de seus movimentos, que hoje nos parece tão natural, não é uma intuição antiga que é natural para a própria humanidade. É uma ideia de Newton. (ROVELLI, 2019, p. 60-61).

Aqueles que questionam a marcha triunfalista da ciência moderna apontam para ideias comuns, que têm dominado a forma como pensamos sobre natureza, dualismos da mente consciente e matéria inanimada, ciências e humanidades, fatos e não fatos. Assim, como é que currículo e pedagogia, ambos, podem ser transformados para refletir essa weltanschauung?

Em uma discussão voltada a pensar sobre o vírus da COVID-19, Sharma (2020) proporcionou uma alternativa à perspectiva substantivista. O que de fato impulsiona uma pandemia são as relações de entidades heterogêneas com possibilidades que permitem uma série de interações. Para compreender as origens e a propagação do coronavírus, temos de levar em conta os conjuntos de mercados globais, o comércio de seres não humanos em condições que permitem a transmissão de vírus entre não humanos e humanos, os meios de comunicação que apoiam e glorificam tais interações, as políticas e infraestruturas globais que promovem ou prejudicam a remediação sanitária, os discursos em torno dessas interações. Em outras palavras, a COVID-19 não é simplesmente um caso de transmissão de um vírus entre corpos, mas um conjunto muito mais amplo de entidades que interagem e mudam e influenciam o progresso da pandemia.

Aglomerações são uma forma útil de pensar sobre a pandemia. Trata-se de sugerir a compreensão das pandemias e das alterações climáticas enquanto algo muito maior do que a aplicação da ciência e da tecnologia. Ao avançar com uma possível solução pedagógica, quero aproveitar a metáfora do realismo crítico (BHASKAR; HARTWIG, 2016; COLLIER, 1994). Escrevi sobre Realismo Crítico e a sua relação com o currículo científico em outros momentos (LEVINSON, 2018), mas quero me concentrar em um aspecto específico, o da emergência.

Uma escola é constituída por seres humanos e objetos: humanos como alunos, professores e auxiliares; objetos como salas de aula e manuais escolares. Mas uma escola como entidade é mais do que suas partes constituintes: as relações sociais e pedagógicas que existem em uma escola não são redutíveis aos indivíduos e objetos que a compõem. No entanto, os componentes são capazes de serem organizados de modo a formar um todo maior, ou, em outras palavras, há possibilidades de acesso às pessoas e objetos que vêm compor a escola. Por outro lado, a escola como entidade influencia as interações de seus alunos e professores. A escola é uma entidade emergente das suas partes componentes – mais do que a soma dos seus componentes, mas uma influenciadora de suas próprias interações.

A consciência é outro exemplo relacionado com a justiça social no pensamento sobre a ciência. O termo engloba, amplamente, a consciência de um indivíduo, as suas percepções e o discernimento do mundo influenciado por aspectos como a cultura e a sociedade. Estes são construções sociais e psicológicas. A consciência não é possível sem a arquitetura de um cérebro e de um sistema nervoso (conceitos biológicos). Contudo, a consciência não pode ser explicada apenas em termos biológicos; não é possível ter consciência sem a biologia, mas a explicação vai muito além disso. E os impulsos nervosos que tornam possível o funcionamento do cérebro funcionam de acordo com princípios físico-químicos, por exemplo, o fluxo de íons ao longo de um gradiente de concentração por meio de uma via nervosa. Mas o relato biológico do cérebro e do sistema nervoso não pode ser compreendido apenas por referência aos princípios físicoquímicos. A consciência pode, evidentemente, ser estudada sem qualquer compreensão da biologia, da física e da química, mas, para um nível mais profundo de justiça social, os princípios científicos são cruciais.

A ciência da aprendizagem utiliza a consciência de muitas formas diferentes: a consciência da relevância dos conceitos, as sutilezas da pedagogia, o discurso que implica o questionamento e a compreensão. Mas se um indivíduo não tiver condições para pensar e estudar, sustento para fornecer os nutrientes para um sistema nervoso plenamente funcional, nem o espaço e o lazer para dirigir a consciência para os seus objetivos, então a aprendizagem não pode ter lugar. Em um nível muito simples – e possivelmente simplista –, se as pessoas não têm o suficiente para comer, não podem aprender. Assim, ensinar ciência, ou mesmo qualquer outro assunto, exige certas condições básicas que derivam de uma organização política coletiva eficaz na distribuição de bens básicos, tais como alimentação, abrigo, espaço, etc. Abordar qualquer questão social importante envolve a reunião de diferentes disciplinas.

Há diversos relatos e teorias de emergência (PRATTEN, 2013). Porém, buscarei demonstrar apenas a interconectividade.

Como isso se reflete em um currículo de ciências?

O exemplo que vou tomar é o da fabricação de alumínio (LEVINSON, 2009), em parte porque tomei consciência da natureza desse tópico quando viajava perto do Rio de Janeiro, há cerca de vinte anos, e tomei conhecimento de trabalhadores que recolhiam o lixo em torno de lixeiras. Estes eram os catadores, e meus amigos brasileiros explicaram a importância dessas pessoas empobrecidas para a limpeza de ruas e a reciclagem de latas de alumínio no Brasil. As atividades deles levaram também à melhora das oportunidades educacionais e trabalhistas dos catadores, mas esse é um tópico um tanto complexo para ser discutido em profundidade neste espaço.

Um aspecto que quero destacar, que é um tópico frequentemente abordado no currículo escolar de ciências, é a fabricação do alumínio. Os grandes fabricantes afirmam que utilizam a energia hidroelétrica para fornecer a energia que impulsiona as fundições na eletrólise do alumínio. A eletrólise é basicamente um processo de redução química de íons de alumínio para gerar metal de alumínio puro, mas o foco do meu argumento é a energia hidroelétrica. Essa forma de energia é um bom exemplo para demonstrar a aplicação da energia potencial e da energia cinética, a rotação de uma turbina que fornece eletricidade. O processo em si não precisa de combustíveis fósseis, portanto, os fabricantes afirmam que se trata de 'energia limpa'. Ver, por exemplo, https://www.hydro.com/en-US/aluminum/about-aluminum/renewable-power-and-aluminum/.

Uma abordagem reducionista, centrada apenas nos princípios científicos, apenas sustentaria as alegações dos fabricantes. Mas expandir um pouco a investigação revela mais questões. A geografia, por exemplo. As centrais hidroelétricas são normalmente construídas em áreas de beleza natural excepcional. As montanhas dão altura, e os rios de fluxo rápido abastecem a água para cair e conduzir as turbinas. Muito calor é produzido por esse processo, elevando a temperatura da água. Veja-se, os peixes são poiquilotérmicos, e o aumento da temperatura da água lhes causa estresse, se não os mata, e se afeta a ecologia de todas as espécies dependentes do rio. Em outras palavras, a utilização da hidroeletricidade tem um custo ambiental considerável e sugere que a palavra 'limpo' resiste a um questionamento crítico.

Minha razão ao escolher esse exemplo é que ele aprofunda a compreensão da ciência. A pergunta A hidroeletricidade é limpa? se baseia na compreensão da física, mas também da biologia, e mesmo da química, ao pensar na difusão do oxigênio e do dióxido de carbono na água. Para abordar uma questão preocupada com a sustentabilidade, não se baseia apenas em princípios científicos básicos, mas também na geografia e na economia.

Investigação sociopolítica

De modo introdutório, a investigação de acontecimentos é uma forma de reunir diferentes disciplinas para abordar questões sociopolíticas. No decorrer deste texto, delineei alguns exemplos de como isso pode ser feito. Questões científicas sobre as turbinas eólicas podem ser: Quais são as condições necessárias para trabalharem? Qual seria a melhor forma de as colocar? De que elas são feitas? Como são fabricadas? Como são transportadas? Por que são fabricadas no Vietnã, e não perto do local da sua utilização? Claro que essas questões, por sua vez, levantarão outras questões.

O imbróglio da biodiversidade pressupõe o conhecimento das interligações entre espécies, por que e como determinadas espécies são valorizadas. Ao começar com uma questão sociopolítica, torna-se claro que diferentes tipos de conhecimento estão relacionados entre si na tentativa de abordar a questão. A utilização de modelos visuais, tais como mapas conceituais ou diagramas de laço causal, pode apoiar a exploração inicial dessas áreas sob a ótica dos sistemas complexos de pensamento (HIPKINS, 2021).

Neste momento, não defendo uma mudança generalizada, mas uma gradual, mais cautelosa, para que tanto professores como alunos tomem consciência das vantagens de uma tal abordagem. Em um artigo de um livro editado (LEVINSON, 2018), fiz menção a um professor que utilizava métodos inovadores, mas precisava assegurar que os seus alunos estivessem todos a bordo. Por meio de uma mistura criteriosa de métodos antigos e novos, ele os levou consigo. Pela divulgação, assistência e mentoria simpática, essas abordagens podem se desenvolver. Mas são necessários mais trabalho e investigação.

Quero finalizar retornando para o problema do negacionismo e da teoria da conspiração. Cassiani, Selles e Osterman (2002) se referiram a negacionistas que tiram proveito da incerteza na ciência. Essa é de fato a linha de ataque que os negacionistas usam. A mudança climática é uma previsão científica e está cheia de previsões estatísticas. Por que devemos confiar mais na ciência do que em qualquer outra forma de conhecimento? É um problema que perturbou Bruno Latour (LATOUR, 2004), ao esclarecer o que constituía fatos e ao desenvolver melhor sua posição ambientalista. Em Laboratory Life (1979), Latour e Woolgar interrogam como a investigação científica se torna fatos, mas Latour também reconheceu que agentes sem escrúpulos e reacionários poderiam usar tal pensamento para fins opressivos. Pesquisas recentes que realizei com colegas no Chipre e no Reino Unido (HADJICOSTI et al., 2021) indicam induzir que a investigação científica aumenta o interesse e o ceticismo dos alunos, além de despertar uma apreciação cada vez mais profunda das complexidades. Trata-se de uma realização que, concluo eu, é encorajadora.

*Traduzido por P. D. (dharma.pedro@gmail.com).

Referências

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