Introdução
O mundo contemporâneo é marcado por rápidas transformações nos diversos setores da sociedade. A Ciência e a Tecnologia são exemplos de campos que estão se modificando constantemente. Assim, tais mudanças exigem que nós estejamos preparados para enfrentar adversidades sociais, políticas, ambientais e tecnológicas diferentes das quais costumávamos nos deparar. A forma como ensinamos e aprendemos também são afetadas por essa configuração de sociedade e, portanto, requer novos modos de pensar o ensino, a aprendizagem e as práticas educacionais (CHER; SILVEIRA, 2020).
Nesse cenário, a escola tem o desafio de preparar os estudantes para viverem em uma sociedade em constante transformação e que demanda de múltiplos conhecimentos. Esses conhecimentos são gerados em um ritmo acelerado, o qual não conseguimos acompanhar de forma esclarecedora, por isso a necessidade de munir os educandos com saberes e instrumentos que os possibilitem viver em um mundo complexo e fluido (TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2020).
Com os avanços científicos e tecnológicos permeando nosso contexto social, o conhecimento científico passa a ter um papel relevante em nossas vidas. Torna-se, então, necessário superar o ensino transmissivo, memorístico e conteudista que prevalece nos programas educacionais, nos quais se tem dado importância aos testes e provas classificatórias ao invés de uma formação que promova o debate e a reflexão acerca de questões socialmente importantes que envolvam conhecimentos científico-tecnológicos (PRAIA; GIL-PÉREZ; VILCHES, 2007; SILVA, 2007).
Nessa perspectiva, o ensino de Ciências vem desenvolvendo ações e materiais didático-pedagógicos, como os expostos, por exemplo, nos trabalhos de Bordoni (2018), Cher (2020) e Volpato (2021), a fim de promover uma compreensão mais crítica e reflexiva acerca dos conhecimentos científicos e da própria Ciência, oportunizando aos indivíduos serem mais atuantes no contexto em que vivem à medida que utilizam estes conhecimentos para compreenderem melhor a realidade próxima e a partir dessa situação, buscar novas soluções e alternativas para os problemas encontrados no cotidiano.
Para um indivíduo ser atuante em sua realidade, tomando decisões ou solucionando problemas socialmente relevantes, é preciso pensar criticamente frente às situações do dia a dia por meio de capacidades do pensamento, como: analisar, comparar, questionar, argumentar, e, além disso, valer-se de conhecimentos adequados e confiáveis para sustentar suas opiniões.
Estas capacidades e atitudes são consideradas integrantes do Pensamento Crítico (PC) e estão intimamente relacionadas com a perspectiva Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), uma vez que esta abordagem busca, por meio da reflexão e discussão de questões sociocientíficas, a participação consciente e crítica dos indivíduos em tomadas de decisão e resolução de problemas, levando em consideração as implicações - por exemplo, as vantagens e desvantagens - que a Ciência e a Tecnologia trazem ao mundo (TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2019). Logo, a reflexão crítica sobre o uso de artefatos científico-tecnológicos, como os plásticos, exige o uso de capacidades do PC para a análise de assuntos que os envolvem.
O PC, como uma vertente de ensino, apresenta inúmeras definições de acordo com cada autor que o estuda (ENNIS, 1985; HALPERN, 2014; LIPMAN, 1988; PAUL; ELDER, 2006), mas de forma geral, relaciona-se à capacidade de pensar de forma reflexiva, levando em conta diferentes pontos de vista e aspectos acerca do assunto, bem como saber argumentar, avaliar, levantar hipóteses, selecionar fontes de informação críveis e respeitar as opiniões alheias.
Entretanto, desenvolver as capacidades de PC nos educandos requer planejamento, reflexão e intencionalidade nas ações pedagógicas. É necessária “[...] a utilização de metodologias e instrumentos diversificados, preparados com a finalidade de desenvolver o pensamento crítico durante o processo de ensino” (FREIRE, 2007, p. 30). Assim, o PC como uma maneira de ensinar e aprender requer mudanças não apenas no processo de ensino e de aprendizagem em si, mas também na elaboração de materiais didáticos, currículos escolares, formação de professores e instrumentos avaliativos (BORDONI; SILVEIRA; VIEIRA, 2020; CHER et al., 2021; VIEIRA; TENREIRO-VIEIRA, 2014).
Diante do que foi exposto a respeito das potencialidades do PC no processo educativo, uma unidade didática temática (UDT) acerca do tema plásticos foi elaborada com a intenção de mobilizar as capacidades do PC em estudantes do Ensino Médio. A UDT teve como objetivo abordar questões sociais, científicas, tecnológicas, ambientais e econômicas a respeito da temática por meio da discussão e reflexão acerca do uso, consumo e descarte de materiais plásticos.
Para isso, a UDT incorporou princípios da perspectiva CTS visando estimular a participação crítica e responsável dos estudantes nas tomadas de decisão e resolução de problemas referentes ao uso do plástico, valendo-se de atividades e estratégias de ensino e aprendizagem, como questionamentos e a realização de um júri simulado, os quais demandam intencionalmente o uso das capacidades do PC.
Após seu desenvolvimento, este material didático-pedagógico foi aplicado na turma de uma escola pública do estado do Paraná. Esta investigação, portanto, está centrada na releitura e reorganização dos dados coletados a partir da aplicação da UDT.
Para a realização da análise, este estudo está estruturado da seguinte forma: na seção Pensamento crítico: alguns apontamentos são apresentados os fundamentos teóricos que embasaram a pesquisa, como definições e características do PC; em seguida, em Encaminhamentos metodológicos, expomos o percurso metodológico delineado durante a investigação; na seção Análise e discussão dos resultados, trouxemos a análise dos dados realizada e, por fim, nas Considerações finais da pesquisa evidenciamos os efeitos da releitura dos dados.
Pensamento crítico: alguns apontamentos
O interesse pelo PC no ambiente educacional tornou-se significativo no início da década de 1980, quando instituições de ensino como a College Board, o Task Force on Education for Economic Growth da Education Commission of the United States, e a Carnegie Foundation, expuseram sua necessidade no processo educativo (TENREIRO-VIEIRA, 2000; TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2000).
Como consequência deste cenário, houve, nos anos seguintes, um aumento no número de artigos, livros e conferências a respeito do ensino do PC, ganhando ainda mais força na década de 1990, principalmente na América do Norte e parte da Europa (TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2000). A importância desta perspectiva de ensino se dá pelo fato de oportunizar aos estudantes serem autônomos e capazes de se adaptarem a qualquer contexto a partir das capacidades do PC.
Em um mundo caracterizado por mudanças contínuas em várias esferas da sociedade e um enorme contingente de informações, é necessário ensinar os estudantes a lidarem com esse progresso, pois os conhecimentos exigidos estão se alterando continuamente e não podemos prever quais deles serão necessários no futuro. Assim, o PC torna-se fundamental como uma ferramenta de pensamento para lidarmos com a complexidade do mundo (TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2020).
O PC apresenta na literatura uma infinidade de definições e compreensões a seu respeito, a seguir serão apresentadas algumas delas. Lipman (1988), por exemplo, associa o PC ao processo de julgamento que estamos fazendo a todo momento, seja no âmbito pessoal ou profissional. Segundo o autor, o PC “[...] é um pensamento hábil e responsável, que facilita o bom senso porque (1) se baseia em critérios, (2) é autocorrigido e (3) sensível ao contexto” (LIPMAN, 1988, p. 39, tradução nossa). Afirma, ainda, que o PC está vinculado a capacidades de estimar, avaliar, inferir, dispor de princípios e apresentar hipóteses para defender suas opiniões com base em boas razões e critérios bem fundamentados e estruturados.
Para Paul e Elder (2006), o PC está relacionado com clareza, precisão, relevância e justiça. De acordo com os autores, o PC é “[...] a arte de analisar e avaliar o pensamento com vistas a melhorá-lo” (PAUL, ELDER; 2006, p. 4, tradução nossa). Desse modo, o PC, como uma forma de pensar e avaliar o próprio pensamento, é constituído por elementos tais quais: questão do problema, metas, informação, interpretação, inferência, suposições, implicações, consequências e pontos de vista (PAUL; ELDER, 2006).
Halpern (2014) apresenta uma compreensão de PC que o associa aos processos mentais de raciocínio e avaliação, visando a resolução de problemas e tomadas de decisões com a maior eficiência possível dos resultados. Para a autora, a definição mais adequada de PC seria a combinação dos fatores atitude, conhecimento e habilidades cognitivas, como estratégias de resolução de problemas, cálculo e aplicação correta de probabilidades (HALPERN, 2014).
Ennis (1985), por sua vez, o define como uma atividade prática ou reflexiva, de caráter racional, que tem por objetivo decidir em que acreditar, quando se trata de uma crença, ou no que fazer ao realizar uma ação. O autor designa disposições e capacidades associadas ao PC, e estas, estão relacionadas aos aspectos afetivos e cognitivos, respectivamente. Além disso, organiza uma taxonomia em que o PC é dividido em cinco áreas: Clarificação Elementar; Suporte Básico; Inferência; Clarificação Elaborada; Estratégias e Táticas. A cada uma dessas áreas, há capacidades relacionadas, por exemplo, na área Inferência podemos associar: deduzir e avaliar induções; inferir conclusões e hipóteses explicativas; fazer juízos de valor do tipo comparar, pesar e decidir.
O entendimento apresentado por Ennis (1985) foi utilizado como norteador na elaboração do material didático em razão de sua definição de PC ser precisa e explícita em termos operacionais. O autor não só o define, como o sistematiza sob a forma de uma taxonomia, a qual organiza as capacidades do PC de acordo com o grau de complexidade, como apontam os estudos de Cher (2020) e Bordoni, Silveira e Vieira (2020).
Este fato possibilitou a elaboração do material didático de modo que ao longo das atividades, as capacidades exigidas aumentam gradualmente a sua complexidade, corroborando com os objetivos da UDT de iniciar as atividades com a problematização do tema, portanto, exigindo capacidades mais básicas como a identificação do problema, ou seja, capacidades da área de Clarificação Elementar, enquanto as atividades finais, como o júri simulado, exigiram capacidades mais complexas como as da área de Inferência citadas anteriormente. Dessa forma, a proposta de Ennis (1985) revelou-se adequada para a elaboração dos questionamentos e atividades que compuseram a UDT.
Apesar de haver singularidades nas concepções de cada autor, existem também aspectos mais gerais que caracterizam o PC, como: racionalidade, intencionalidade, reflexão e avaliação. O mesmo acontece acerca das capacidades do PC. Ainda que existam inúmeras tipologias, algumas dessas capacidades são partilhadas pelos diferentes autores, entre elas: analisar argumentos; fazer juízos de valor; avaliar a credibilidade de fontes; formular hipóteses e conclusões (VIEIRA; TENREIRO-VIEIRA, 2014).
Diante das características apresentadas, pode-se afirmar que o PC, à luz da Taxonomia de Ennis e, mais especificamente, em relação à área de Inferência, possui muitas similaridades com os processos que envolvem a atividade científica, uma vez que ambos exigem a análise de fatores, critérios, procedimentos, avaliação de hipóteses e resultados científicos, além da aplicação de conhecimentos científicos, e para isso é necessário recorrer ao PC (CHER, 2020; VIEIRA, TENREIRO-VIEIRA, 2014).
No entanto, as capacidades e atitudes relativas ao PC precisam ser mobilizadas nos indivíduos, uma vez que não são desenvolvidas de maneira natural e espontânea (VIEIRA; TENREIRO-VIEIRA, 2014). Assim, as ações e os materiais didático-pedagógicos precisam estar fundamentados e norteados intencionalmente com o referencial do PC para que seja possível seu desenvolvimento.
Ao encontro dos pressupostos do PC, o material desenvolvido também buscou abarcar orientações da abordagem CTS elencados por Tenreiro-Vieira e Vieira (2019), tais quais: contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos ao prepararem os estudantes a lidarem de forma eficaz com o mundo científico-tecnológico; proporcionar uma visão integrada da Ciência e da Tecnologia e as suas implicações na sociedade, almejando a participação cívica responsável e democrática; promover o PC para que os indivíduos sejam capazes de atuarem na resolução de problemas e tomadas de decisão em questões locais e globais (TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2019). Para isso, é salutar envolver os estudantes em questões socialmente relevantes que abrangem a C&T, como o uso e descarte de materiais plásticos, as quais suscitam a construção de conhecimentos e a mobilização de capacidades e atitudes em contextos de tomadas de decisão e resolução de problemas (TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2020).
Desse modo, o ensino de Ciências, sob a orientação CTS, torna-se um ambiente propício para promover a mobilização das capacidades concomitantemente à aprendizagem de conhecimentos científicos, já que esta abordagem de ensino tem a intenção de preparar os estudantes para lidarem com os desafios da tecnosociedade de forma crítica e eficaz, contribuindo, assim, para um mundo mais sustentável, justo e uma visão holística da Ciência (CHER, 2020; TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2019).
Encaminhamentos metodológicos
A pesquisa desenvolvida, cujos resultados trazemos neste artigo, possui caráter qualitativo, de acordo com os pressupostos de Minayo (2009), uma vez que tem como foco a compreensão de elementos que pertencem ao universo dos sentidos e significados oriundos das relações entre os indivíduos e destes com o mundo.
Os objetivos gerais deste processo foram: (i) a elaboração de uma unidade didática temática (UDT), desenvolvida por uma professora de Química, sob a perspectiva do PC; (ii) sua aplicação em uma turma do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública. Partindo da hipótese de que materiais didático-pedagógicos desenvolvidos intencionalmente para o desenvolvimento do PC podem apresentar potencial em mobilizar suas capacidades, buscou-se responder ao seguinte questionamento: quais indicadores podem revelar que uma UDT acerca dos plásticos promove a mobilização de capacidades do PC em estudantes do 3º ano do Ensino Médio?
Para isto, foi delimitado o objetivo de avaliar a UDT em relação ao seu potencial (ou não) de promover o PC em estudantes do Ensino Médio por meio da identificação de possíveis indicadores da mobilização das capacidades do PC. A identificação de indicadores foi utilizada como forma de perceber e apreender a mobilização de tais capacidades, tendo em vista que, no que concerne à verificação da aprendizagem, e, também, ao desenvolvimento do PC, compreende-se que a sua constatação ocorre por meio da identificação de indicadores ou indícios, pois a “aprendizagem é inferencial”, como relatam Arruda, Portugal e Passos (2018) com base em Schunk (2012, p. 4).
Os participantes da pesquisa foram 33 estudantes do último ano do Ensino Médio de um colégio público do estado do Paraná, do período matutino. A coleta de dados foi realizada por meio de questionários com questões abertas (individuais e em grupo), produções textuais dissertativas e gravações de áudio, as quais foram posteriormente transcritas. A análise dos dados teve como base teórico-metodológica a Análise de Conteúdo (AC) (BARDIN, 2011), perpassando as etapas propostas pela autora: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados e interpretações.
O processo analítico teve como foco a identificação de indicadores (ou indícios) da mobilização das capacidades do PC nos estudantes, em que se realizou uma releitura dos dados coletados, focando nas etapas de unitarização, categorização e descrição dos mesmos.
A UDT foi estruturada em quatro etapas: (i) problematização - consumo e descarte de materiais; (ii) propriedade dos plásticos; (iii) ciclo dos plásticos; (iv) júri simulado. Os resultados que apresentamos neste momento estão relacionados ao que ocorreu na primeira etapa, constituída por três atividades, sendo elas: Cenas do dia a dia, documentário A história das coisas, e o texto Poluição: superfície da Terra está dominada por partículas de plástico. Cada uma das atividades, por sua vez, é composta por um questionário com aproximadamente quatro questões, ao passo que os dados da atividade sobre o documentário A história das coisas foram coletados por meio de uma produção textual baseada em um questionário.
Considerando que as capacidades do PC devem ser intencionalmente planejadas pelo professor em suas ações e no material didático-pedagógico utilizado, para que seja possível sua mobilização, a elaboração da UDT consistiu na orientação das estratégias e atividades visando direcioná-las para tal finalidade, para isso foi utilizada a Taxonomia de Ennis (1985), considerando para a elaboração das questões a área e a capacidade que se intencionava mobilizar.
Esta primeira etapa abordou situações-problema pertinentes ao uso e consumo de materiais plásticos com o objetivo de proporcionar aos estudantes a identificação da temática principal e os problemas inerentes ao plástico. Portanto, os questionamentos que compuseram esta etapa estão atrelados essencialmente à área de Clarificação Elementar e à capacidade de fazer e responder a questões de clarificação e/ou desafio, tais quais: Quais são os fatos? Importa-se em exemplificar?
Na continuidade trazemos as discussões que consideram os dois questionários e a produção textual.
Análise e discussão dos resultados
Considerando que a primeira etapa da UDT teve por objetivo problematizar questões relativas ao plástico como: o descarte incorreto do lixo; acúmulo de plásticos em ambientes aquáticos; o ciclo de vida dos produtos; o consumismo, concomitantemente com mobilização de capacidades do PC nos estudantes, as atividades que a compuseram visavam, conforme já indicado, elaborar respostas para questões do tipo: Quais são os fatos? Importa-se em exemplificar? Que correspondem à capacidade de fazer e responder a questões de clarificação e/ou desafio, da área de Clarificação Elementar, primeira área de acordo com a Taxonomia de Ennis (1985) e que também coloca em cena as capacidades de focar uma questão e analisar argumentos, incluindo a identificação de razões, conclusões e formulação de critérios acerca do assunto em foco.
Neste caso o objetivo foi de problematizar discussões acerca de: imagens fotografadas pelos estudantes de lixo descartado pelo município em que residiam; um texto sobre o acúmulo de plásticos; um documentário sobre o ciclo de vida de produtos industrializados e consumismo. Por isso, neste primeiro momento da UDT, intentou-se evidenciar os fatos fundamentais relacionados ao assunto, a fim de que os estudantes começassem a compreendê-los e sentissem a necessidade de aprofundar seus conhecimentos, para, então, estarem aptos a propor soluções e participar de debates, pois nas etapas posteriores da UDT, principalmente na última, em que se realizou um júri simulado acerca da aprovação de uma lei que visasse proibir o uso de sacolas plásticas, as capacidades do PC requeridas aumentavam o nível de complexidade.
Em função dessas intencionalidades, e dos dados analisados para a elaboração deste artigo, apresentamos, primeiramente, os indicadores identificados referentes aos Fatos, que respondem à questão: Quais são os fatos? Em seguida, os indicadores identificados referentes aos Exemplos e que estão relacionados à questão: Importa-se em exemplificar?
Fatos e Exemplos foram assumidos por categorias a priori e para estabelecer os critérios de alocação das respostas dos estudantes nessas categorias utilizou-se como base o último relatório da World Wide Fund for Nature (2019), intitulado Solucionar a poluição plástica: transparência e responsabilização, publicado em março de 2019.
Para o processo de codificação dos dados os estudantes foram identificados com a letra P (participante), seguida dos números de 1 a 33, quando o excerto considerado se refere a uma questão respondida individualmente. No caso de a questão ter sido respondida coletivamente, utilizou-se a letra G (grupo), seguida dos números de 1 a 6, pois havia a formação de seis grupos naquela ocasião.
No quadro 1, organizamos na primeira coluna as categorias Fatos e Exemplos, sendo que os Exemplos são de três tipos: locais, plásticos e consequências. Na segunda coluna descrevemos as subcategorias emergentes relacionadas a cada uma das categorias, indicando que elas estão elencadas na ordem de frequência decrescente, ou seja, das mais registradas para aquelas com a menor quantidade de registro dos participantes e no caso de quantidades semelhantes foram inseridas em ordem alfabética. O número entre colchetes indica a quantidade de remissão.
Categorias | Subcategorias e frequência | |
---|---|---|
Fatos | Descarte incorreto [33] Acúmulo de lixo [24] Consumismo [15] Presença dos plásticos no cotidiano [15] Aumento da produção de plástico [11] Desrespeito com o meio ambiente [8] |
|
Exemplos | Exemplos de locais não apropriados para o descarte do lixo | Ambientes aquáticos [20] Locais públicos [15] Terrenos baldios [9] |
Exemplos de plásticos utilizados no dia a dia | Embalagens em geral [15] Garrafas [9] Sacolas [8] Copos [7] Canudos [5] |
|
Exemplos de consequências socioambientais do descarte incorreto dos plásticos | Extinção de animais [25] Intoxicação da cadeia alimentar [18] Contaminação das águas [8] Contaminação do solo [8] Contaminação do ar [7] |
Fonte: elaborado pelos autores.
A seguir, trazemos nossas discussões a respeito das duas categorias definidas a priori e suas respectivas subcategorias emergentes.
Fatos - A análise permitiu a identificação de seis fatos associados aos materiais plásticos, os quais foram compreendidos como indicadores da mobilização da capacidade do PC de fazer e responder a questões de clarificação e/ou desafio, como pode ser retomado no quadro 1. Esses fatos relacionados pelos estudantes foram assumidos cada um deles por uma subcategoria estabelecida a posteriori, por isso denominada subcategoria emergente.
Na continuidade argumentamos a respeito de cada uma das seis subcategorias relacionadas à categoria Fatos e exemplos das respostas dos estudantes que continham as unidades de registro pertencentes a cada indicador. Os destaques em negrito ressaltam as palavras e/ou expressões (unidades de registro) contidas nas respostas que se relacionam com aquela subcategoria.
A subcategoria Descarte incorreto foi a mais mencionada dentre os fatos relacionados ao plástico (33 vezes). As unidades de registro consideradas durante os procedimentos analíticos foram: o próprio descarte incorreto (que a nominou); lixo descartado em lugares inapropriados; descarte de lixo em lugares inapropriados; descartado de forma irregular; descartados incorretamente; descarte de maneira errada. Todas elas expressam uma relação com o destino inadequado do lixo, de maneira geral, ou do plástico.
Na sequência, organizamos alguns exemplos de respostas dadas pelos estudantes, lembrando que são somente exemplos, pois a completude dos dados inviabilizaria a elaboração de um artigo em função da quantidade de páginas necessárias para a descrição.
P1: No começo das aulas estudamos sobre o lixo que é descartado incorretamente e paramos para observar o quanto esse lixo tem prejudicado o nosso meio ambiente.
P7: A partir das imagens coletadas de vários pontos da cidade com lixos jogados em lugares inapropriados, sendo: chão, terrenos baldios etc., a maioria plásticos, entre outros objetos como sofás, pedações de guarda-roupas podemos notar o descaso da sociedade com a própria cidade em que se vive.
Acúmulo de lixo e/ou plástico é nossa segunda subcategoria e foi mencionada 24 vezes. Tal indicador foi identificado por meio das unidades de registro: acúmulo de lixo (cujo nome foi assumido para a subcategoria); acúmulo de plástico; quantidade absurda que tem de partículas de plástico na superfície do Planeta; a quantidade de plásticos jogados; quantidade de materiais que jogamos fora; quantidade de resíduos. Seguimos com dois exemplos.
P2: Está falando sobre a poluição dominada pelo plástico, como está se espalhando no solo, além de falar sobre o plástico, onde pessoas estão consumindo cada vez mais aumentando a quantidade de plástico.
P6: A temática principal é sobre a quantidade absurda que tem de partículas de plástico na superfície do Planeta. Isso é acarretado pelo consumo desenfreado e, consequentemente, um acúmulo de plástico.
Como podemos perceber, por meio dos trechos da subcategoria supracitada, algumas respostas podem conter indicadores que pertencem a mais de uma subcategoria. Por exemplo, na resposta de P2, a unidade de registro aumentando a quantidade de plástico foi designada na subcategoria Acúmulo de plástico, porém também pode ser identificada a unidade de registro pessoas estão consumindo cada vez mais, a qual se refere à subcategoria Consumismo.
Outro exemplo pode ser observado na descrição de P6, em que temos as unidades de registro quantidade absurda que tem de partículas de plástico na superfície do Planeta e acúmulo de plástico, alocadas na subcategoria Acúmulo de lixo, ao passo que consumo desenfreado foi alocado na subcategoria Consumismo.
A manifestação de mais de uma unidade de registro na mesma resposta ocorre em razão de os fatos relacionados aos plásticos estarem interligados e, muitas vezes, serem consequências uns dos outros, como explana P2, ao relatar que o fato de as pessoas estarem consumindo mais produtos, acarreta o aumento da quantidade de plástico. Sabe-se que na AC tem-se a propriedade de exclusividade das categorias e subcategorias, por isso não inserimos uma mesma unidade de registro que destacamos em negrito em duas subcategorias distintas, reservamos aquela unidade para uma única alocação, mantendo a exclusividade mútua indicada por Bardin (2011), todavia repetimos a frase, para não perdemos o contexto em que as argumentações foram elaboradas e destacamos a outra unidade de registro.
Nossa terceira subcategoria, Consumismo, que está associada ao consumo excessivo de bens materiais, principalmente os objetos de plástico. Ela foi apontada 15 vezes, assim como a próxima, por isso organizamos a descrição em ordem alfabética. Nesta subcategoria estão relacionadas unidades de registro que indicam: tamanho consumo; consumo excessivo; alto consumo; consumo desenfreado; grande consumo; aumento do seu consumo.
P11: A partir das aulas direcionadas ao plástico, foi possível observar tamanho consumo e descarte inconsciente, visto que produtos constituídos de nafta, derivado do petróleo utilizado na fabricação de plástico, estão sendo expostos ao meio ambiente, seja em um terreno baldio, nos rios, mares ou até mesmo em vegetações.
P18: Com o grande desenvolvimento da sociedade, o consumo tende a aumentar no mesmo ritmo, e esse consumo excessivo tem sido muito notável nas cidades pela quantidade de resíduos que são descartados e encontrados pelas ruas. Presente em nossas vidas de diversas maneiras. Aborda também o impacto ambiental do plástico, levantando estimativas e quantidades do consumo do plástico.
A quarta subcategoria emergente foi denominada Presença dos plásticos no cotidiano, e, assim como a anterior, apontada 15 vezes como um dos fatos inerentes aos plásticos. Esta subcategoria está relacionada com a identificação do plástico como um material excessivamente presente em nosso dia a dia, assim como nos materiais descartados, como revelam as respostas dos estudantes.
P8: Durante as aulas discutimos sobre o lixo jogado em lugares inapropriados. Observamos a quantidade de plásticos jogados e concluímos que é o material mais usado pelo ser humano.
P10: O que mais dá 'visibilidade' nas imagens passadas é o plástico, por estar presente em várias coisas da nossa rotina [...].
Aumento da produção de plástico é a quinta subcategoria da categoria Fatos, ela foi identificada 11 vezes nas respostas dos estudantes, que apresentam unidades de registro, tais quais: aumento da produção do plástico; produção do plástico em grande quantidade; produção acelerada; alta produção de plástico; produção desenfreada. Esta subcategoria está relacionada com a intensa produção de material plástico e seu constante aumento.
P4: É abordada no texto a produção do plástico em grande quantidade, se tornando lixos poluentes e que liberam toxinas.
P23: O assunto que se trata é a quantidade de lixo plástico que se encontra na superfície da Terra. É o aumento da produção do plástico.
A última subcategoria emergente, com 8 menções nas respostas dos estudantes, refere-se ao Desrespeito com o meio ambiente e é composta por unidades de registro como: descaso; desrespeito com o meio ambiente; ignorância do ser humano. Nesta subcategoria, os estudantes relacionaram as atitudes de descaso e desrespeito da população com a natureza e com a própria sociedade como um dos problemas associados ao uso de materiais plásticos. Neste caso, trouxemos três exemplos de registros para representar o que nela alocamos. Dois deles são respostas coletivas (dos grupos G4 e G6) e um deles refere-se a uma resposta individual (do participante P24).
G4: O descaso que as pessoas têm a respeito de onde jogar o lixo.
G6: O desrespeito com o meio ambiente ao jogar lixos e entulhos em lugares inadequados.
P24: Uma das coisas que mais me impactaram durante a aula com as fotos do lixo foi o descaso das pessoas para com o meio ambiente.
A emergência desses seis indicadores permite-nos considerar que houve indícios da mobilização do PC nos estudantes em relação à capacidade de fazer e responder a questões de clarificação e/ou para solucionar o desafio, uma vez que entre os fatos citados pelos estudantes, destacam-se: o descarte incorreto, o acúmulo de plástico e o consumismo, que corroboram com problemáticas relevantes acerca dos plásticos, conforme apontam órgãos ambientais não governamentais, como a World Wide Fund for Nature (2019), em um relatório sobre a poluição plástica no mundo.
Práticas de consumo acelerado geram uma enorme quantidade de resíduos plásticos, para os quais o mundo não está equipado para lidar. 37% de todo o lixo plástico não está sendo tratado de forma eficiente. A má gestão dos resíduos plásticos é uma preocupação urgente, já que é muito mais provável que esses resíduos virem poluição do que aqueles tratados em uma unidade controlada de gestão de resíduos. (WORLD WIDE FUND FOR NATURE, 2019, p. 8).
Ainda, de acordo com a mesma organização, “[...] o plástico se tornou onipresente na natureza, criando um grande desafio para o mundo natural, para a sociedade e para a economia global” (WORLD WIDE FUND FOR NATURE, 2019, p. 8). Situação que também foi reconhecida pelos estudantes e identificada por meio do indicador Presença dos plásticos no cotidiano (quarta subcategoria organizada no quadro 1, para a categoria Fatos).
O Aumento da produção de plásticos (quinta subcategoria) também está presente no relatório como um problema pertinente explicitado na citação: “Desde 2000, o mundo já produziu a mesma quantidade de plástico que em todos os anos anteriores somados. A produção cresceu rapidamente neste século devido ao baixo custo, versatilidade e confiabilidade do plástico” (WORLD WIDE FUND FOR NATURE, 2019, p. 8).
Além disso, vão ao encontro dos objetivos estipulados para a primeira etapa da UDT, os quais intentavam: discutir sobre o descarte do lixo; evidenciar a presença dos plásticos no cotidiano; discutir acerca do consumismo na atualidade, as atitudes em relação ao uso e o descarte de plásticos (CHER, 2020).
Na continuidade, trazemos nossas considerações interpretativas e descrições organizacionais para a segunda categoria assumida de antemão: exemplos. Relembrando que ela foi organizada em três tipos de exemplos, como indicado anteriormente, o que pode ser verificado no quadro 1.
Exemplos - A identificação de indicadores da mobilização da capacidade de exemplificar foi realizada por meio da análise das respostas escritas dos estudantes à questão: Importa-se em exemplificar? Ao longo da primeira etapa da UDT, foi solicitado aos estudantes que exemplificassem: (i) locais não apropriados para o descarte do lixo; (ii) plásticos utilizados no dia a dia; e (iii) consequências socioambientais do descarte incorreto dos plásticos. Portanto, os três tipos de exemplos requeridos foram definidos como ramificações da categoria Exemplos, definida a priori. A seguir traremos considerações a respeito de cada um desses tipos exemplificados e sobre as subcategorias que emergiram do processo analítico.
Exemplos de locais não apropriados para o descarte do lixo - Os exemplos trazidos pelos participantes da pesquisa permitiram a evidenciação de três subcategorias emergentes: Ambientes aquáticos; Locais públicos; Terrenos baldios.
Ambientes aquáticos, a mais citada dentre as respostas dos estudantes, com 20 menções, foi associada aos mares, rios, lagos e córregos, como locais inadequados para o descarte dos plásticos. Os exemplos que trazemos ilustram tal proposição.
G3: Rios, terrenos baldios, áreas verdes etc. Pois, lixos contêm substâncias tóxicas e poluem o meio ambiente e essa poluição afeta diretamente a vida de animais, inclusive o ser humano.
P20: Sobre a grande quantidade de plástico que está sendo descartada de maneira errada, sendo jogada em rios e principalmente no mar, prejudicando a saúde dos animais marinhos e poluindo os oceanos.
A segunda subcategoria emergente - Locais públicos -, diz respeito aos materiais descartados em ruas, canteiros e calçadas. Ela foi identificada 15 vezes nas respostas dos estudantes.
G4: Na rua, pois pode entupir o bueiro, fundo de vale pode causar doenças.
P12: A partir das observações das imagens em sala pode-se observar o grande acúmulo de lixos nas cidades em lugares desapropriados, como em terrenos baldios, calçadas, canteiros etc.
Terrenos baldios, a terceira subcategoria elaborada, na qual acomodamos 9 respostas dadas pelos depoentes. Trouxemos dois exemplos para representá-la neste artigo.
G2: Terrenos baldios, canteiros, bueiros, córregos, rios, ruas, parques, pois de certo modo irá prejudicar o meio ambiente.
P26: Podemos observar no nosso dia a dia cenas que já parecem normais, mas que não deveriam ser, como lixos na rua, nos canteiros e também terrenos baldios, grande parte desse lixo é composta por plásticos, materiais de construções e produtos consumíveis no geral.
Exemplos de plásticos utilizados no dia a dia - Nesta categoria, que é um desdobramento dos Exemplos, pudemos elaborar cinco subcategorias com os registros coletados: Embalagens em geral; Garrafas; Sacolas; Copos; Canudos. Elas estão relacionadas aos objetos feitos com materiais plásticos mais citados nas respostas dos estudantes. As subcategorias com maior recorrência foram Embalagens em geral, descrita 15 vezes, e as Garrafas, 9 vezes. Para essas duas subcategorias foram selecionadas respostas que destacam ambas, todavia para nossa quantificação das menções a elas, foram no momento da organização, ora inserida em uma subcategoria, ora em outra, como ilustram os trechos a seguir:
G1: Plásticos: garrafa, embalagem, utensílios descartáveis, potes, plástico bolha.
G6: Garrafa PET; Embalagem de comida; Embalagens de utilidade; Plásticos descartáveis.
P28: Faz uma reflexão sobre como agimos com o nosso meio de convivência, pois a cada dia há um aumento na poluição, por onde andamos percebemos vários acúmulos de lixo, como entulhos de material de construção, variação de embalagens de plástico, latas, garrafas de vidro e de plástico.
As Sacolas, os Copos e os Canudos, são as outras três subcategorias para este tipo de Exemplos, elas foram citadas 8, 7 e 5 vezes, respectivamente. Novamente, optamos por descrever três exemplos em que elas foram relacionadas ao mesmo tempo.
G4: Sacolas [carregar compras]; Garrafa [recipiente para líquidos]; Embalagens [guardar alimentos]; Copo [utilizar líquidos]; Acessórios [bijuterias]; Cadeiras [sentar]; Enfeites [enfeitar festas]; Canudo [beber líquido].
G6: Garrafa PET; Embalagem de comida; Embalagens de utilidade; Plásticos descartáveis. Utilidades: Armazenamento de água, refrigerantes, sucos, vinagre, leite etc.; Chips, bolacha, coco ralado, extrato de tomate, arroz, feijão etc.; Plástico bolha, sacola de mercado, sacola de lixo; Luva, máscara, canetas, copos.
P18: Porém, o material que mais é descartado são produtos plásticos, entre sacolas, copos descartáveis, canudos e garrafas, sendo materiais que levam no mínimo 40 anos para se decompor no meio ambiente.
Exemplos de consequências socioambientais do descarte incorreto dos plásticos - A análise dos registros apresentados pelos estudantes permitiu-nos identificar cinco subcategorias emergentes: Extinção de animais; Intoxicação da cadeia alimentar; Contaminação do solo; Contaminação das águas; Contaminação do ar.
A Extinção de animais foi a consequência socioambiental mais citada, seu registro foi encontrado 25 vezes. Neste indicador alocamos as unidades de registro que mencionavam a extinção e a morte de animais, ou ambas associadas, principalmente, à ingestão de material plástico descartado de forma incorreta em ambientes aquáticos.
P5: Para os animais ocorre um grande perigo de ingerirem e acabar morrendo e no futuro pode gerar a extinção de muitas espécies. Para os seres humanos, com a alta concentração de poluentes no ar, na água e na terra, pode causar o nosso próprio mal.
P9: Extinção de animais e plantas, o plástico chega a uma quantidade maior que a de peixes, animais como aves, peixes, tartarugas, baleias e focas ingerirem plásticos e morrerem sufocados, toxinas que, além dos animais, nós acabamos ingerindo.
Com 18 remissões, temos a subcategoria Intoxicação da cadeia alimentar. Nela foram inseridas as frases em que os estudantes descrevem sobre as toxinas que os plásticos possuem e que podem ser transportadas por meio da cadeia alimentar. Nos registros de P7 e P18, temos exemplos que ilustram adequadamente tais comentários.
P7: Ao chegar aos mares os plásticos afundam e os animais acabam ingerindo os componentes tóxicos, quando comemos os peixes que foram intoxicados acabamos ingerindo as toxinas.
P18: Tanto para a população ou para o meio ambiente as consequências são desastrosas, e por conta das toxinas que são liberadas, animais que acabam ingerindo essas partículas, uma hora a população vai ingerir esse animal e ficando intoxicada.
Apesar de esta questão fazer parte da primeira etapa (de um total de quatro) que compôs a UDT e estar caracterizada por problematizar a temática dos plásticos, sem exigir (ainda) dos estudantes conhecimentos científicos aprofundados a seu respeito, percebe-se nas respostas dadas que eles possuem algum conhecimento a respeito dos compostos químicos nocivos dos plásticos. Isso foi identificado por nós em expressões e palavras como: componentes tóxicos; toxinas; produtos tóxicos; intoxicação, selecionadas por unidades de registro representativas desta subcategoria.
Por fim, foram identificadas, em menor quantidade, as unidades de registro, contaminação do solo, contaminação das águas e contaminação do ar, que passamos a assumir por três subcategorias e que tiveram 8, 8 e 7 recorrências, respectivamente. Os exemplos dos registros dos estudantes referentes a elas foram apresentados juntamente, como pode ser observado a seguir.
P8: Doenças; mortes dos animais aquáticos; poluição no ar; contaminação na terra, no ar, na água e 'morte' da natureza e fauna.
P17: Para o meio ambiente as poluições dos rios e mares, com isso matando os peixes, as tartarugas, e com essa poluição acaba prejudicando a população com as águas dos rios.
P19: O plástico é um material que demora muito tempo para se decompor, quando acontece de jogar lixo no local que não deve ele pode ir para a água, o solo e ficar por muitos anos sem ter utilidade para nada, dificultando o desenvolvimento do meio ambiente.
P21: [...] outro problema do descarte incorreto é a liberação de toxinas que contaminam o ar.
Com base no que P7, P18 (quando nos atentamos aos exemplos da subcategoria anterior) e P8, P17, P19 e P21 (para esta última) indicam, pode-se inferir que os estudantes foram capazes de exemplificar consequências socioambientais coerentes com a realidade que estudos científicos apresentam sobre os plásticos. De acordo com o relatório publicado pela World Wide Fund for Nature (WWF), a ingestão de plásticos por seres humanos e animais é prejudicial à saúde e ocorre por meio de micro e nanoplásticos residuais que não foram tratados corretamente (WORLD WIDE FUND FOR NATURE, 2019).
Com relação à contaminação do ar, embora os estudantes não tenham especificado o composto químico responsável por este tipo de poluição, Vieira (2004) discute que a incineração ou descarte inadequado de materiais plásticos pode liberar metais pesados ou gases perigosos nocivos à saúde, como o cloreto de hidrogênio (HCl), por exemplo, no caso da incineração do PVC.
Além disso, relatam que a contaminação de recursos hídricos (mares, rios e lagos) e do solo por resíduo plástico “[...] altera as condições do solo, o que pode impactar a saúde da fauna e aumentar a probabilidade de vazamentos de substâncias químicas nocivas no solo” (WORLD WIDE FUND FOR NATURE, 2019, p. 15). O mesmo documento destaca, ainda:
Plástico ingerido é prejudicial à saúde dos animais. Registros documentaram mais de 240 espécies diferentes de animais com plástico ingerido. Com frequência, esses animais não conseguem mover o plástico por seu sistema digestivo, resultando em abrasões internas, obstruções do aparelho digestivo e morte. Além disso, mostrou-se que as toxinas do plástico ingerido também prejudicam a reprodução e afetam o sistema imunológico. (WORLD WIDE FUND FOR NATURE, 2019, p. 15).
Em outras páginas do relatório da WWF podemos encontrar, com facilidade e frequência, os demais itens relacionados pelos estudantes e que assumimos por subcategorias dos três tipos de exemplificações sugeridas por eles, que dizem respeito aos locais, aos objetos de plástico e às consequências por seu descarte irregular.
Desse modo, a análise da categoria Exemplos, com seus três desdobramentos ilustrativos, permite apontar para indícios da mobilização da capacidade de exemplificar como revelam as subcategorias emergentes, atingindo assim mais um dos objetivos da UDT, mesmo que tenhamos neste artigo descrito os resultados de sua primeira etapa.
Considerações finais
Nesta seção retomamos inicialmente nossas intenções: analisar as respostas dadas pelos participantes da pesquisa às questões: Quais são os fatos? Importa-se em exemplificar? Elas faziam parte da primeira etapa UDT acerca dos plásticos e visavam mobilizar a capacidade de fazer e responder a questões de clarificação e/ou desafio, segundo a Taxonomia de Ennis (1985), promovendo assim o PC.
A análise das respostas dos estudantes a estas questões foi realizada segundo os procedimentos indicados pela Análise de Conteúdo, buscando reler e organizar as informações oriundas da aplicação da UDT aos estudantes do terceiro ano do Ensino Médio. Este processo admitiu a definição de duas categorias a priori, Fatos e Exemplos, as quais conduziram às subcategorias emergentes dispostas no quadro 1.
As subcategorias emergentes, por sua vez, foram identificadas por meio das unidades de registro e compreendidas como indicadores da mobilização da capacidade do PC, na medida em que foram considerados coerentes com a referência utilizada para assegurar a veracidade dos fatos e dos exemplos mencionados a respeito dos plásticos. Além disso, as subcategorias emergentes coadunam com os objetivos da primeira etapa da UDT, Problematização: consumo e descarte de materiais, os quais pretendiam discutir questões fundamentais sobre o tema para que fosse possível avançar, no sentido de aprofundar, os conhecimentos acerca da temática ao longo das outras três etapas da UDT, que serão retomadas analiticamente em artigos vindouros.
Pôde-se constatar que as subcategorias emergentes do processo analítico corroboram com a hipótese colocada no início do estudo a respeito da potencialidade da UDT em mobilizar capacidades do PC nos estudantes, quando desenvolvidas de forma direcionada para tal, ou seja, quando há intencionalidade no planejamento e nas ações docentes, incluindo o desenvolvimento de materiais didático-pedagógicos.
Em suma, destacamos que a intencionalidade em promover as capacidades do PC por meio de estratégias e atividades adequadas para este fim, em conjunto com os princípios da orientação CTS, oferecem contribuições para o ensino de Química no que tange à elaboração de materiais didático-pedagógicos, que proporcionam o protagonismo dos estudantes no processo de aprendizagem em função do processo de ensino idealizado.