SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29How to advance in the necessary Transition to SustainabilityThe epistemic role of diversity and the metaphysical origins of the Big Bang Theory: reflections for science education author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.29  Bauru  2023  Epub Aug 16, 2023

https://doi.org/10.1590/1516-731320230028 

Artigo Original

Letramento digital e participação docente no Ensino Básico: uma discussão sobre relações com a extensão universitária

Digital literacy and teacher participation in Basic Education: a discussion about the relationships with university extension

Michelle Regina Alves dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-3162-7549

Marília Abrahão Amaral1 
http://orcid.org/0000-0001-9327-223X

Márcia Barros de Sales2 
http://orcid.org/0000-0002-8816-9622

Leonelo Dell Anhol Almeida1 
http://orcid.org/0000-0002-0222-9138

1Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Curitiba, PR, Brasil

2Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil


Resumo

Ao compreender a participação enquanto processo de envolvimento e engajamento das pessoas em projetos com a comunidade, de maneira situada, compartilhando objetivos e ao entender a extensão universitária como troca de saberes, propomos neste artigo uma análise acerca do letramento digital docente. Para tanto, discutimos a participação de professoras em um projeto de extensão por meio dos marcadores extensão universitária e participação docente, provenientes de uma codificação temática, observando o pano de fundo, as interações entre as pessoas, as estratégias utilizadas e as consequências e resultados no projeto. O que foi constatado após a análise foi que a extensão universitária é um dos caminhos que promovem o letramento digital docente, por meio de projetos; que práticas participativas em projetos de extensão permitem que as pessoas sejam parte dos processos de desenvolvimento; e que nem sempre os projetos de extensão envolvem os professores e professoras no projeto como um todo.

Palavras-chave Extensão universitária; Ensino superior; Participação do professor; Letramento tecnológico

Abstract

By understanding participation as a process of people getting involved and engaged in projects with the community in a situated manner, sharing objectives, and by understanding university extension as the exchange of knowledge, we propose in this article an analysis of teachers’ digital literacy. To this end, we discuss the participation of teachers in an extension project through the markers university extension and teacher participation, from a thematic coding, while observing the background, the interactions between people, the strategies used, and the consequences and results in the project. What was found after the analysis was that university extension is one of the ways that promote teachers' digital literacy through projects; that participatory practices in extension projects allow people to be part of developmental processes; and that extension projects do not always involve teachers wholly.

Keywords University extension; Teacher participation; Technological literacy

Introdução

O cenário encontrado por docentes do ensino básico no Brasil, especialmente na conjuntura pandêmica, é desafiador, uma vez que a formação docente nem sempre supre as demandas de letramento digital desses profissionais. Se antes da pandemia causada pela COVID-19 (Coronavirus Disease of 2019) as tecnologias já chegavam às salas de aula de maneira imposta (NASSRI, 2013), durante o período pandêmico elas parecem ter ocupado um lugar central do processo de ensino-aprendizagem, quase que invisibilizando o trabalho docente. Para evitar cenários em que docentes não têm poder de decisão sobre quais tecnologias vão utilizar em suas aulas, é preciso que estes possam participar dos processos de escolha sobre as tecnologias a serem inseridas nas escolas. Além disso, para que possam participar dessas decisões de forma democrática, é preciso que recebam uma formação adequada, inicial ou continuada, para que tenham condições de contribuir para essas decisões tecnológicas.

Neste artigo, com a intenção de analisar ações de letramento digital docente, por meio de codificação temática (STRAUSS, 1987), partimos dos estudos em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), área de estudos dedicada à investigação das implicações sociais da tecnologia (LINSINGEN; BAZZO; PEREIRA, 2003) e das apropriações do Design Participativo (DP), cuja abordagem considera a participação de todas as partes interessadas, tanto da equipe de design quanto da comunidade, no processo de desenvolvimento de projetos. Estes referenciais foram alinhados considerando que os objetivos para o desenvolvimento de projetos devem estar de acordo com as necessidades das pessoas implicadas (SPINUZZI, 2005) e com a pedagogia problematizadora de Paulo Freire (FREIRE, 1983, 2005), pautada por conceitos como a conscientização e a comunicação, por meio de uma pedagogia humanizadora, para promover uma discussão acerca dos processos que podem contribuir para esse letramento digital de docentes, a partir da reflexão do papel da participação - embasada pelos estudos CTS e pelo DP. A participação é concebida nesta pesquisa como envolvimento e engajamento dos atores em projetos com a comunidade, de forma contextualizada, com interesses e objetivos compartilhados (BOSSEN; IVERSEN; DINDLER, 2010; MONTERO, 2004) desses profissionais em projetos de extensão universitária, compreendida aqui como um processo de troca de saberes, e não como uma ação assistencialista (GADOTTI, 2017).

Nosso objetivo é, então, analisar e discutir o letramento digital docente por meio da reflexão sobre a participação desses profissionais em projetos de extensão universitária. Para tanto, apresentamos a conceituação de extensão universitária e de participação a partir dos estudos CTS e do DP, na próxima seção deste texto. A seguir, apresentamos os passos metodológicos envolvidos na trajetória desta pesquisa, por meio de uma revisão sistemática de literatura que descreveu dois cenários, um referente ao letramento digital docente e outro referente às práticas participativas em ambientes educacionais. Em seguida apresentamos um estudo de caso que discute o letramento digital docente em uma instituição. Na seção subsequente, a partir desses cenários, utilizamos a codificação temática para propor uma análise crítica do estudo de caso que envolveu extensão universitária e participação docente, seguida pelas considerações finais.

Extensão e participação

O caminho para uma produção científica, tecnológica e cultural que esteja intrinsecamente pautada na realidade é de 'mão dupla', em que, por meio da troca de saberes acadêmicos e populares, resulta também na democratização do conhecimento acadêmico, como explica Gadotti (2017). Para tanto, é preciso compreender a extensão universitária como comunicação de saberes, e não a partir de um viés assistencialista e extensionista. A partir dessa perspectiva, é preciso que projetos de extensão universitária agreguem atividades interrelacionadas, com o intuito de empreender estratégias explícitas para trabalhar problemáticas identificadas em um dado território (GADOTTI, 2017). Esse território deve ser entendido como “[...] um campo de estudo, e de intervenção e, ao mesmo tempo, como um espaço de diálogo da universidade com a sociedade.” (GADOTTI, 2017, p. 12).

Freire (1983), ao discutir o conceito e o significado da palavra extensão, aponta para a necessidade de combater a concepção mecanicista de extensionismo. O educador argumenta que é comum o extensionista “[...] desprezar a contribuição fundamental de outros setores do saber” (FREIRE, 1983, p. 39). Dessa forma, as ações de quem faz extensão envolvem uma necessidade de normalizar a ‘outra parte do mundo’, fora da academia, que é, muitas vezes, considerada inferior, para que esta seja semelhante ao seu mundo (FREIRE, 1983). Se um dado conhecimento é contraditório em relação ao contexto em que se espera ensiná-lo, não é possível que este seja aprendido (GADOTTI, 2017), pois o ato de sobrepor uma nova forma de pensar implica em uma nova linguagem, em uma nova estrutura e uma nova forma de atuar, que causa uma reação natural de defesa contra o “invasor” que perturba seu equilíbrio interno (FREIRE, 1983). Para que haja aprendizado, é preciso “[...] tentar superar o conhecimento preponderantemente sensível por um conhecimento, que, partindo do sensível, alcança a razão da realidade” (FREIRE, 1983, p. 20), uma vez que a educação não pode ser uma transferência de saber, mas um encontro de sujeitos que, pela comunicação e pelo diálogo, buscam a significação dos significados.

Conforme apontam Linsingen, Bazzo e Pereira (2003), fazendo referência aos estudos em CTS, ao se levar em consideração o contexto social, emerge uma nova imagem da ciência e da tecnologia, em que os próprios cidadãos são capazes de buscar alternativas e expressar opiniões, por meio de processos democráticos de decisão, para que estes possam tomar suas próprias decisões tecnológicas. Essa compreensão da tecnologia a partir do contexto social é apoiada pelo entendimento do sociólogo Herbert Marcuse (MARCUSE, 2002) de que não é mais possível, em uma sociedade industrial, considerar a tecnologia como neutra. O contexto deve ser levado em conta, uma vez que a tecnologia não pode ser isolada dos usos que lhe são dados (MARCUSE, 2002). Dentro dos estudos CTS, Linsingen, Bazzo e Pereira (2003) também definem que o ensino de tecnologia deve ir ao encontro de uma formação crítica dos estudantes no que tange o desenvolvimento, o uso e a avaliação de tecnologias, indo além da alfabetização técnica. Essa mesma formação crítica em relação à tecnologia se aplica aos processos de formação docente. Nesse sentido, ressalta-se a importância da participação da comunidade escolar em relação às escolhas das tecnologias que irão desdobrar em seu trabalho, dentro e fora da sala de aula.

Ainda, dentro dos estudos CTS, outra contribuição para a compreensão da participação da comunidade, apontada por Thomas (2009), é a proposição da utilização do conhecimento tecnológico local, tácito e historicamente acumulado, em vez de privilegiar o conhecimento especializado - que geralmente é alheio à comunidade - como uma alternativa para não gerar dinâmicas paternalistas e de dependência. Além disso, Thomas (2009) aponta para a importância de processos formativos que possam desenvolver novas capacidades, que permitam que a própria comunidade possa contribuir para os processos de planejamento, desenho, implantação, gestão e avaliação de tecnologias.

A participação, dentro do campo CTS, é definida como um condicionante para o fortalecimento e para a liberdade, enquanto ação conjunta de um grupo com interesses e objetivos comuns que promove a troca de conhecimentos por meio da comunicação democrática, conforme Montero (2004). A autora explica ainda que em projetos com a comunidade a participação precisa ocorrer de forma contextualizada, de acordo com a história e a situação da comunidade envolvida (MONTERO, 2004).

A fim de corroborar com essa compreensão crítica sobre a relevância da participação da comunidade em processos decisórios referentes à tecnologia, utilizamos o DP, enquanto uma abordagem de trabalho que propicia condições para as pessoas participarem de processos decisórios relativos à seleção e inserção de tecnologias que têm desdobramentos em seus contextos profissionais, promovendo espaços e meios para essa participação (BØDKER; KYNG, 2018). Originado na Escandinávia, sob a influência da pedagogia freiriana (FREIRE, 2005) e do conhecimento sobre tecnologias computacionais junto aos sindicatos noruegueses de Kristen Nygaard (NYGGARD; BERGO, 1975), o DP objetiva ir além da participação, promovendo a discussão de questões mais amplas, por meio de um posicionamento crítico (EHN; FARIAS; SÁNCHEZ-CRIADO, 2018).

Para promover a participação em projetos de DP, Bødker e Kyng (2018) apontam que em um DP que importa é preciso que os parceiros - a comunidade envolvida - estejam engajados com o projeto e com seus objetivos. Nesse sentido, Bossen, Iversen e Dindler (2010) afirmam que a participação é importante para que todas as pessoas envolvidas sintam que podem contribuir para definir os desenvolvimentos tecnológicos.

No contexto brasileiro são encontrados exemplos de abordagens que se apropriam do DP, geralmente em atividades de extensão universitária, e que utilizam a participação como forma de interação para envolver diferentes atores, como estudantes, docentes e desenvolvedores (MORAIS; FALCÃO, 2019; PANAGGIO; BARANAUSKAS, 2019), utilizar a tecnologia como mediação das interações entre as pessoas (GARRIDO; RÊGO; MATOS, 2018), aliar saberes técnicos e curriculares (PERES et al., 2018), e projetar ferramentas tecnológicas (VENEGA; SOUSA, 2012). Em projetos que se apropriam do DP, é preciso atentar-se à forma como interagem as partes interessadas, para promover o empoderamento democrático da comunidade, em que as pessoas são capazes de participar dos processos decisórios - em vez de um empoderamento funcional, em que elas apenas desempenhariam atividades prescritas por especialistas.

As definições de participação em CTS vão ao encontro da abordagem em DP, uma vez que tanto em projetos baseados no DP quanto em projetos com a comunidade ancorados pelos estudos CTS, a participação deve ocorrer de forma contextualizada e localizada (BØDKER; KYNG, 2018; MONTERO, 2004). E assim como no DP, em que a dinâmica participativa dos projetos deve ser planejada de forma horizontal a fim de evitar que as pessoas da comunidade ocupem a posição de vítimas e que os parceiros externos desempenhem o papel de heróis (SPINUZZI, 2003), também na pedagogia problematizadora de Freire (2005) é preciso trabalhar no sentido de promover a conscientização dos estudantes e da comunidade para que estes não sejam colocados na posição de oprimidos, a serem conduzidos pelos opressores e detentores do conhecimento.

Trajetória da pesquisa

Nesta pesquisa, com o objetivo de analisar e discutir o letramento digital docente por meio da reflexão da participação desses atores em projetos de extensão universitária, partimos de um processo de revisão sistemática sobre o letramento digital docente do ensino básico do Brasil e do papel desempenhado por docentes em práticas participativas em ambientes educacionais no contexto brasileiro. Essa revisão sistemática desvelou dois cenários: um referente à formação docente e outro referente às práticas participativas envolvendo este público. A partir desses dois cenários, utilizamos a codificação temática (STRAUSS, 1987) a partir de dois temas identificados nos cenários - o papel da extensão universitária e a participação docente em projetos em ambientes educacionais - para trazer uma apreciação dos primeiros resultados de um projeto de extensão universitária, por meio de uma reflexão crítica sobre a participação docente, a partir dos marcadores: extensão universitária e participação docente, conforme a figura 1.

Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 1 Trajetória da pesquisa e análise 

As seções que seguem, detalham como foram conduzidas as etapas de Revisão Sistemática de Literatura e da Codificação Temática.

Revisão sistemática de literatura

Para realizar este processo de revisão, foi utilizada como base a revisão sistemática de literatura de Kitchenham (2004). Essa autora explica que revisões sistemáticas exigem um esforço a mais, sendo sua maior vantagem o fato de fornecerem informações sobre os efeitos de fenômenos em uma ampla gama de configurações e métodos empíricos. Segundo Kitchenham (2004), os estágios do planejamento de uma revisão são a identificação da necessidade de fazê-la e o desenvolvimento de um protocolo para fazê-la. Os estágios da realização da revisão sistemática são compostos pela: (a) a identificação da pesquisa; (b) a seleção dos estudos primários; (c) a avaliação da qualidade desses estudos; (d) a extração e monitoramento dos dados; e (e) a síntese dos dados. Essa seleção dos estudos primários deve ser regida por critérios de inclusão e de exclusão (KITCHENHAM, 2004).

Nesta pesquisa foi feita uma revisão sistemática que resultou em dois cenários, convergentes entre si, mas complementares e importantes para compreender como ocorre o processo de letramento digital docente do ensino básico no Brasil e qual o papel desempenhado por este público em práticas participativas aplicadas em ambientes educacionais. Para verificar qual o estado da arte, em relação aos dois cenários propostos, a pesquisa foi realizada adotando os protocolos descritos no quadro 1.

Quadro 1 Protocolo de Pesquisa para o processo de Revisão Sistemática de Literatura 

Protocolo de pesquisa 1º cenário: Letramento digital dos professores / professoras do ensino básico no Brasil 2º cenário: Papel desempenhado pelos professores/ professoras em práticas participativas em ambientes educacionais no contexto brasileiro
Questões condutoras (A) Como a participação pode promover a apropriação tecnológica por parte dos professores? (B) De que maneira a tecnologia chega nas salas de aula? (C) Como promover o protagonismo docente ao trabalhar com novas tecnologias na escola? (D) Os professores apropriam-se das tecnologias? (E) Como os professores se envolveram em projetos participativos em escolas e outros ambientes de aprendizagem, no Brasil?
Período Entre 2010 e 2020 Entre 2000 e 2019
Palavras-chave Letramento digital; professor Participação; participativo; abordagem participativa; design participativo
Critérios de inclusão Trabalhos em português, referentes a práticas pedagógicas e formação docente; e disponíveis na íntegra Trabalhos que continham as palavras-chave preferencialmente no título, situar-se no Brasil, em ambientes formais ou não formais de ensino-aprendizagem, presença da figura do professor; e disponíveis na íntegra
Critérios de exclusão Artigos repetidos, revisões teóricas sobre o conceito de letramento digital, pesquisas ainda em andamento, ou sobre o ensino de conteúdos específicos de uma determinada disciplina, com foco no conteúdo curricular Artigos sem relação com o Design Participativo (DP), ou sem relação com ambientes de ensino-aprendizagem

Fonte: elaborado pelos autores.

O primeiro cenário foi mapeado com a intenção de identificar como ocorre a capacitação docente sobre a apropriação tecnológica e como esse docente efetivamente aplica essas práticas participativas no seu contexto laboral educacional. A partir desse protocolo de pesquisa, foram encontrados 20 artigos, conforme ilustrado no quadro 2.

Quadro 2 seleção dos artigos para a revisão sistemática do letramento digital docente 

Etapa de seleção Número de artigos
Busca na base Google Scholar 20 artigos encontrados até a segunda página da pesquisa (as páginas posteriores não tiveram aderência ao tema)
Leitura dos títulos e resumos 15 artigos
Seleção final de acordo com os critérios de inclusão e exclusão 7 artigos escolhidos

Fonte: elaborado pelos autores.

Dando continuidade ao estudo proposto neste artigo, o segundo cenário analisado foi o papel desempenhado por docentes em práticas participativas em ambientes educacionais no contexto brasileiro. Foi realizada uma revisão sistemática que utilizou como modelo o trabalho de Alves, Rosa e Matos (2018), cuja pesquisa mapeou documentos de projetos de DP nos contextos de informática na educação para identificar como o DP foi utilizado pela comunidade científica brasileira no campo da informática na educação. O percurso realizado nesta segunda revisão sistemática está exemplificado no quadro 3, que apresenta o processo de seleção.

Quadro 3 Processo de seleção dos artigos para a revisão sistemática sobre o papel docente em práticas participativas 

Etapa de seleção Número de artigos
Busca na base Revista Informática em educação: teoria e prática 22
Busca na base Revista Novas Tecnologias em Educação 67
Busca na base Revista de Teoria e Informática Aplicada 4
Busca na base Revista Brasileira de Informática na Educação 33
Busca na base dos anais do Simpósio Brasileiro de Informática na Educação 65
Busca na base dos anais do Workshop de Informática Escolar 32
Busca na base dos anais dos Workshops do Congresso Brasileiro de Informática na Educação 35
Busca na base dos anais da Jornada de Atualização em Informática na Educação 0
Busca na base dos anais do Workshop de Desafios em Computação Aplicada à Educação 1
Leitura dos títulos e resumos 30
Seleção final de acordo com os critérios de inclusão e exclusão 5

Fonte: elaborado pelos autores.

Ressalta-se que a palavra professor não foi usada como uma palavra-chave propositalmente, pois como o objetivo nesta revisão sistemática foi verificar qual era o papel, ou papéis, atribuídos a essas pessoas nos projetos participativos, procurou-se por projetos em que o foco estivesse nos estudantes ou na comunidade escolar.

Codificação temática

A partir da discussão dos artigos selecionados e das questões de pesquisa (A, B, C, D e E) apontadas no quadro 1, que guiaram a revisão sistemática e desvelaram os cenários sobre o letramento digital docente e a participação deste público em práticas participativas, utilizamos a codificação temática, por meio dos marcadores extensão universitária e participação docente, para discutir o projeto de extensão universitária apresentado no estudo de caso. A codificação temática trata da conceituação dos dados colhidos em uma pesquisa, e inclui o levantamento de questões, bem como a inferência de respostas ou hipóteses, ainda que provisórias relativas às categorias e suas relações. O código é o produto da análise, que pode ser uma categoria ou mais, ou a relação entre categorias (STRAUSS, 1987). Neste artigo, as questões levantadas foram as referidas na seção de revisão sistemática - A, B, C, D e E - e os códigos são os marcadores, produto da análise - extensão universitária e participação docente. Aqui, por meio dos marcadores identificados a partir da codificação temática, foram analisados o pano de fundo, as interações, as táticas e os resultados do projeto de extensão mencionado.

Partindo das quatro questões que guiaram a primeira parte da revisão sistemática - A, B, C e D, foram discutidos os artigos que contribuíram para a composição do primeiro cenário - sobre o letramento digital dos docentes do ensino básico do Brasil.

(A) Como a participação pode promover a apropriação tecnológica por parte dos professores?

Neste primeiro cenário, foi possível constatar que a participação contribui para a apropriação tecnológica dos professores e professoras na medida em que os processos de formação docente específica, como cursos de formação continuada e projetos de extensão universitária fornecem oportunidades para a aprendizagem e aplicação de tecnologias na sala de aula com a participação e protagonismo docente, conforme Marzari e Leffa (2013). Alguns exemplos são apresentados nos artigos de Landgraf-Valerio (2012) e de Nassri (2013), a partir dos resultados dentro do projeto de extensão do governo federal Um Computador Por Aluno (UCA) - inspirado no projeto americano One laptop per child (OLPC) - que envolveu universidades federais e professores da rede pública de ensino nos estados de Mato Grosso e da Bahia. Os professores e professoras envolvidos nesse projeto expressaram se sentir motivados a aprender mais e a utilizar outras tecnologias, tanto em sala de aula, como fora dela, além de refletirem sobre os usos que fazem, e até do que não fazem das tecnologias. Além disso, esses professores e professoras sentiram-se mais seguros para arriscar o uso de tecnologias diferentes, inclusive pedindo ajuda aos e às estudantes (NASSRI, 2013).

Os professores e professoras selecionados para participar do projeto UCA eram, preferencialmente, advindos de universidades federais porque, supostamente, possuiriam uma bagagem maior referente ao conhecimento sobre tecnologias e linguagem digital, e foram observados resultados positivos (NASSRI, 2013). Alguns desses resultados foram contribuições ao processo de letramento digital dos professores e professoras envolvidos, a apropriação tecnológica referente ao uso do computador (NASSRI, 2013) e a ressignificação do uso do computador dentro e fora da escola a partir da formação continuada, que se deu com o apoio da universidade (LANDGRAF-VALERIO, 2012).

(B) De que maneira a tecnologia chega nas salas de aula?

Em relação à inserção de novas tecnologias nas escolas, o artigo de Nassri (2013) traz um exemplo de como, no caso do computador, a tecnologia chega às salas de aula é imposta à comunidade escolar, sem sua participação nas decisões a respeito das escolhas referentes à inclusão dessas tecnologias na escola. Dentro do projeto UCA, foram entregues laptops às escolas, sem nenhum tipo de formação prévia para os professores e professoras, e sem fornecer às escolas uma estrutura física que desse suporte a esses equipamentos (NASSRI, 2013).

Alguns dos problemas que emergiram com a inserção dessas tecnologias, ou problemas que já existiam, mas se agravaram, nas escolas participantes do projeto UCA foram panes elétricas durante o carregamento dos laptops, devido às instalações elétricas precárias, a falta de adaptadores, tomadas e estabilizadores e a falta de conexão com a internet, o que restringia o trabalho com a utilização desses equipamentos (NASSRI, 2013). Em uma das escolas, como exemplificou o autor, para contornar a dificuldade em captar o sinal de internet, os professores levavam a turma de estudantes, com os laptops, para o pátio da escola, para ter aula sob as árvores, onde conseguiam captar melhor o sinal.

Os próprios laptops dispunham de um software que limitava o trabalho com os equipamentos, uma vez que não era possível instalar novos programas, permitindo somente o uso daquilo que já vinha instalado. Isso não dava liberdade aos professores e professoras para a escolha das ferramentas a serem utilizadas, ou seja, não permitia atender às necessidades e demandas específicas de cada contexto, nem o uso da criatividade ou da possibilidade de reprogramação dos equipamentos. Outros problemas incluíam, ainda, o espaço limitado da tela, de apenas sete polegadas, em que não era possível acomodar muitos aplicativos simultaneamente, o uso de senhas, que acabava por dificultar o uso dos equipamentos pelas famílias e outros membros da comunidade escolar, que faziam parte do projeto UCA, além do frequente travamento do sistema (NASSRI, 2013). Os demais artigos não fizeram menção à forma como as tecnologias chegam às salas de aula.

(C) Como promover o protagonismo docente ao trabalhar com novas tecnologias na escola?

Segundo os artigos analisados dentro do primeiro cenário, para que o professor ou professora possam ocupar o papel de protagonistas no trabalho com novas tecnologias na sala de aula, faz-se necessário ir além do adestramento para o uso de técnicas e tecnologias, concretizando uma formação que inclua o exercício de pensar criticamente a própria técnica, conforme Silva (2012). Uma vez que cada tecnologia possui suas próprias possibilidades de interação, são os professores ou professoras quem devem ser os sujeitos na construção de sua aprendizagem, sendo eles e elas quem deve selecionar aquilo que faz sentido às suas práticas pedagógicas. Por isso, os processos de formação docente devem oferecer possibilidades para a promoção da interação, da participação, da colaboração e da autoria (SILVA, 2012).

Nassri (2013) aponta que uma alternativa para a promoção da participação dos professores e professoras nas escolhas de tecnologias educacionais é colocá-los na posição de protagonistas dessas escolhas, por meio da oferta de processos de formação que estejam relacionados com o seu contexto e com suas práticas pedagógicas. Com isso, é possível transformar a forma de pensar a educação, ao melhorar o processo de formação docente e suas condições de trabalho e salários (NASSRI, 2013).

(D) Os professores apropriam-se das tecnologias?

O que foi apurado a partir dos artigos selecionados dentro do primeiro cenário é que existem algumas lacunas nos currículos dos cursos de formação docente (MARZARI; LEFFA, 2013), pois nos cursos de licenciatura investigados havia pouco foco no letramento digital dos futuros professores. Uma vez que os currículos dos cursos analisados nos artigos não abordavam especificamente o desenvolvimento de habilidades práticas profissionais referentes ao uso de tecnologias educacionais em sala de aula, destacou-se a predominância de uma formação específica sobre os conteúdos curriculares, deixando em segundo plano os saberes referentes ao letramento digital dos professores (FREITAS, 2010).

Na medida em que os cursos de licenciatura não parecem dar conta da formação para o uso de tecnologias na escola, aumenta a insatisfação de licenciandos no que tange às disciplinas específicas ao uso de tecnologias, uma vez que estas não proporcionam uma base para que essas e esses futuros profissionais possam buscar novas tecnologias de forma embasada e autônoma (MARZARI; LEFFA, 2013). Para que a introdução de novas tecnologias na sala de aula não se torne uma prática mecânica e acrítica, é preciso que haja nos programas de formação um caráter reflexivo, promovendo uma formação docente crítica (SILVA, 2012). Ainda que haja lacunas nos currículos dos cursos de licenciatura no que faz referência ao letramento digital docente (FREITAS, 2010; MARZARI; LEFFA, 2013), também foi possível apurar, nesse primeiro cenário, que grande parte dos licenciandos são letrados digitais, não devido à sua formação inicial, mas devido às suas próprias vivências e experiências, dentro e fora da sala de aula, dentro dos estágios supervisionados e de outras atividades formativas (FRAIHA-MARTINS; GONÇALVES, 2013; SILVA; REIS, 2017), embora esse letramento faça referência ao uso de tecnologias digitais no dia a dia, não na educação, e não necessariamente de forma crítica, ou seja, refletindo sobre os usos que fazem delas.

A partir da análise dos artigos provenientes da revisão sistemática, neste primeiro cenário, extraiu-se o marcador extensão universitária, codificado a partir da relevância das atividades de extensão no processo de letramento digital docente. Para discutir os artigos selecionados na segunda parte da revisão sistemática e que compuseram o segundo cenário - sobre o papel desempenhado por docentes em práticas participativas em ambientes educacionais no contexto brasileiro -, foi utilizada a questão de pesquisa E, que guiou essa revisão sistemática.

(E) Como os professores se envolveram em projetos participativos em escolas e outros ambientes de aprendizagem, no Brasil?

No segundo cenário apurou-se que os professores e professoras que foram envolvidos em projetos participativos ocuparam o papel de participante de oficinas, junto com estudantes e desenvolvedores (PANAGGIO; BARANAUSKAS, 2019); de educador(a), interagindo com as demais pessoas envolvidas no projeto (MORAIS; FALCÃO, 2019); de produtor(a) de conteúdo, mas que aparece apenas no momento da avaliação do curso desenvolvido, e não durante as outras etapas do processo de design (GARRIDO; RÊGO; MATOS, 2018); de cliente, que dá sugestões e interage no processo (PERES et al., 2018); de usuários(as) finais e de educadores(as), participando de um trabalho colaborativo, mas em que um software seria desenvolvido para professores avaliarem, mas não com professores desenvolvendo (VENEGA; SOUSA, 2012).

As funções desempenhadas pelos professores nesses projetos foram as de professores-autores, dando ideias e avaliando processos, por meio de um envolvimento ativo desses professores (PANAGGIO; BARANAUSKAS, 2019); de auxiliar e gerenciar os estudantes, até que estes alcancem autonomia, sendo que depois que estes alcançassem autonomia, os designers trabalhariam diretamente com os estudantes, não ficando claro o que aconteceria com os professores (MORAIS; FALCÃO, 2019); de codesigner, trabalhando em um grupo sem hierarquia definida (GARRIDO; RÊGO; MATOS, 2018); e de especialista, como motivador dos estudantes, que são os iniciantes e os protagonistas (PERES et al., 2018).

Apesar de, em um dos artigos analisados, haver um projeto que colocou os professores como protagonistas, capacitando-os para que fossem também codesenvolvedores (PANAGGIO; BARANAUSKAS, 2019), a maior parte dos artigos trouxe projetos participativos focados no design de artefatos e não na participação das pessoas envolvidas ou na apropriação tecnológica dos professores. A importância da participação docente nesse tipo de projeto se dá pelo fato de, muitas vezes, ser o professor quem vai dar continuidade ao uso dos artefatos desenvolvidos, por exemplo, ou quem vai fazer a mediação dos estudantes com novas tecnologias. O segundo cenário, por meio da análise dos artigos selecionados, resultou no marcador participação docente, codificado por meio da pertinência da participação dos professores e professoras nas práticas participativas desenvolvidas em ambientes educacionais, assinalada a partir dos projetos exemplificados na revisão sistemática.

Além dos dois marcadores, extensão universitária e participação docente, os cenários apontam também algumas questões como o fato de que a formação inicial não dá conta do letramento digital dos docentes; que as tecnologias chegam na escola de forma imposta, sem formação adequada para os professores e sem condições físicas nas escolas; que a formação de professores precisa ser crítica, não um adestramento e precisa ser contextualizada; que projetos em ambientes educacionais, como projetos de extensão, ainda não estão sistematizados na formação superior, e nem sempre colocam docentes como protagonistas, tendo um foco no desenvolvimento de ferramentas e artefatos.

Extensão universitária para o letramento digital docente

Como estudo de caso, apresentamos um projeto de extensão que teve início em 2019 e é uma parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), e o Lar dos Meninos de São Luiz (LMSL). Intitulado Inclusão Digital e Social no Lar dos Meninos de São Luiz: participação docente e discente, o projeto foi iniciado após uma demanda da comunidade para aulas de informática para crianças, depois da criação de um laboratório de informática, com computadores que doados à instituição, que procurou a universidade para iniciar uma parceria.

A instituição parceira, o LMSL, é um estabelecimento educacional privado que atende estudantes da Educação Básica do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, do 1º ao 5º ano, assistindo prioritariamente estudantes da rede municipal de ensino, sendo a maior parte deles de famílias em estado de vulnerabilidade socioeconômica. A instituição oferece atividades socioeducativas, que vão desde alimentação e atividades como balé, jazz, psicomotricidade relacional, clube de leitura, desenho e catequese até serviços em pedagogia e serviço social (SANTOS, 2021).

Esse projeto de extensão envolveu a realização de quatro oficinas com a equipe pedagógica da instituição parceira, que tiveram início em 2019, tendo sido interrompidas em 2020 devido à pandemia de COVID-19. O tema abordado foi Letramento Digital, discutindo o uso do computador, introdução às suas funções básicas e aplicativos e o uso pedagógico do laboratório de informática. E as pessoas participantes foram três professoras, a coordenadora pedagógica e um auxiliar administrativo da instituição parceira e dois estudantes, e três professores da universidade. Os objetivos dessas oficinas foram fortalecer os laços entre a comunidade e a universidade, fomentar a autonomia das pessoas no projeto e promover o letramento digital das professoras da instituição parceira, por meio de uma reflexão crítica a respeito da tecnologia, utilizando uma abordagem participativa a partir de discussões baseadas nos estudos em CTS, no DP e na pedagogia problematizadora de Paulo Freire.

Análise e discussão do letramento digital docente com participação em extensão universitária

Nesta seção é apresentada a análise e a discussão, partindo dos dois marcadores, extensão universitária e participação docente, utilizados para analisar e discutir o letramento digital docente por meio da reflexão da participação desses profissionais no projeto de extensão universitária mencionado no estudo de caso supracitado. Conforme a codificação temática (STRAUSS, 1987), devem ser considerados os seguintes aspectos para a análise: (1) as condições da situação analisada, ou seja, seu pano de fundo; (2) as interações entre os atores; (3) as estratégias e táticas utilizadas; e (4) as consequências e resultados. Esses aspectos serviram de base para a reflexão acerca do estudo de caso.

(1) Pano de fundo

O contexto do projeto Inclusão Digital e Social no Lar dos Meninos de São Luiz: participação docente e discente analisado apresentou algumas características específicas, que diferem, por exemplo, de ambientes educacionais formais. A instituição parceira não é uma escola e não oferece atividades curriculares, mas atividades complementares e extracurriculares, no período do contraturno escolar; as atividades e o currículo são definidos pela própria instituição, conforme as possibilidades e demandas da comunidade; a instituição parceira no projeto atende, prioritariamente, estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica; uma parte dos equipamentos utilizados são advindos de doações; parte dos professores e instrutores que desenvolvem atividades com os estudantes são voluntários. Com esse pano de fundo, o projeto teve início devido à iniciativa da instituição parceira em buscar a ajuda da universidade para promover um uso mais prolífico do laboratório de informática, implantado a partir de computadores doados.

A teoria que embasou o campo teórico do projeto Inclusão Digital e Social no Lar dos Meninos de São Luiz: participação docente e discente advém dos estudos CTS, por meio do conceito de participação (LINSINGEN; BAZZO; PEREIRA, 2003; MONTERO, 2004; THOMAS, 2009). E o trabalho da instituição parceira LMSL segue valores sociais como gentileza, tolerância, diálogo, interação, vivência solidária, autonomia, socialização, cooperação e empatia. Por meio do projeto de extensão, que utilizou a abordagem de DP para promover a participação e engajamento da comunidade (BØDKER; KYNG, 2018), as professoras da instituição estiveram inseridas na extensão universitária, o que, conforme os cenários desvelados pela revisão sistemática, contribui para o letramento digital docente, por meio da sua participação ativa (FRAIHA-MARTINS; GONÇALVES, 2013; MARZARI; LEFFA, 2013; NASSRI, 2013; SILVA; REIS, 2017).

(2) Interações entre os atores

Para construir uma forma de trabalho que não gerasse dependência da instituição para com a universidade, buscou-se oportunizar espaços para o debate e compartilhamento de ideias, além de promover o letramento digital das pessoas envolvidas (SANTOS, 2021). Na medida do possível, as atividades do projeto e as tecnologias utilizadas foram decididas conforme as demandas e necessidades da comunidade.

O trabalho dentro do projeto utilizou uma abordagem participativa inspirada pelo DP (SPINUZZI, 2003), sem desprezar outros saberes e conhecimentos locais (FREIRE, 1983). Por meio da participação, foi promovida a capacitação da comunidade, a partir da troca de saberes, para que todas as pessoas pudessem participar das tomadas de decisão e refletir criticamente sobre os usos de tecnologias; ao passo que a equipe do projeto também aprendia sobre as práticas e saberes empregados pela comunidade. A capacitação dos parceiros objetivou também promover o empoderamento democrático da comunidade (SANTOS, 2021).

Ao compreender que o papel do professor não deve ser o de dono da verdade, mas de um educador capaz de refletir sobre a tecnologia, compreendendo que esta é imbuída de valores (LINSINGEN; BAZZO; PEREIRA, 2003), conforme os estudos CTS, a participação das professoras da instituição (LMSL) dentro do projeto aqui analisado foi conduzida no sentido de colocá-las como protagonistas na promoção do seu letramento digital. As professoras decidiram sobre quais ferramentas gostariam de aprender e utilizar, conforme suas necessidades e o contexto de suas aulas (SANTOS, 2021). A participação de professores em atividade, de estudantes de graduação e pós-graduação em projetos de extensão, também ofereceu dentro do projeto aqui analisado a oportunidade de conduzir pesquisas e fazer uso de diferentes tecnologias aplicadas no contexto educacional, corroborando com a constatação de que as atividades de extensão universitária promovem seu letramento digital, conforme o primeiro cenário revelado pela revisão sistemática (FRAIHA-MARTINS; GONÇALVES, 2013; SILVA; REIS, 2017).

(3) Estratégias e táticas

Uma vez que havia a preocupação de construir uma dinâmica horizontal de trabalho entre as pessoas envolvidas no projeto supracitado, buscou-se maneiras de promover a coparticipação entre a universidade e a comunidade por meio de uma abordagem de DP. Uma das maneiras encontradas foi empregar técnicas próprias do DP, que têm o objetivo de utilizar a própria experiência e os conhecimentos das pessoas da comunidade (PREECE; ROGERS; SHARP, 2005). Algumas das técnicas utilizadas de forma adaptada foram Priority Workshop1, Group Elicitation Method2, Scenarios3 e Future Workshop4 (MULLER; HASLWANTER; DAYTON, 1997), que permitiram a interação entre os atores de forma horizontal, promovendo a participação docente e a identificação de demandas ao proporcionar um espaço democrático de diálogo (SANTOS, 2021).

As contribuições dos estudos CTS no projeto verificaram-se a partir do conceito de participação, segundo o qual deve-se antepor o conhecimento tecnológico local, tácito e historicamente acumulado, no lugar de privilegiar o conhecimento especializado, alheio à comunidade, para não gerar dinâmicas paternalistas e de dependência (THOMAS, 2009). O que vai ao encontro da proposta de extensão universitária de Freire (1983), segundo a qual o ato de sobrepor uma forma diferente de pensar vai implicar em uma linguagem diferente, em uma estrutura e uma forma de atuação diferentes. Além disso, a abordagem embasada nos estudos CTS permitiu a reflexão crítica sobre as tecnologias disponíveis, estando de acordo com a afirmação de Silva (2012) de que a formação docente deve incluir o exercício de pensar criticamente também a própria técnica.

(4) Consequências e resultados

Os primeiros resultados do projeto evidenciaram a importância da participação das professoras da instituição parceira, uma vez que foi justamente essa participação que permitiu envolver a comunidade, propiciar momentos de reflexão em relação às tecnologias disponíveis e contribuir para a apropriação crítica das tecnologias trabalhadas no projeto Inclusão Digital e Social no Lar dos Meninos de São Luiz: participação docente e discente. O que foi observado no projeto de extensão citado é que, assim como nos artigos advindos da revisão sistemática, as professoras passaram a ter mais segurança para o uso de tecnologias computacionais (BOSSEN; IVERSEN; DINDLER, 2010), com o apoio da universidade no esclarecimento sobre o funcionamento de tais tecnologias. Ao terem mais segurança passaram a experimentar essas tecnologias de maneira autônoma, o que foi decisivo ao seu letramento digital. Ainda no ano de 2019, uma das professoras da instituição parceira, participante das oficinas, relatou que já estava frequentando o laboratório de informática com seus estudantes, e que se surpreendeu com a independência dos estudantes ao utilizarem os aplicativos.

Outros resultados ocorridos e promovidos pelo projeto foram a expansão do laboratório de informática da instituição parceira, novos equipamentos doados, apoio na elaboração de novos projetos para captação de recursos, incluindo as demandas de diferentes atores da instituição. Segundo Freire (1983), se a educação não é uma transferência de saber, mas sim um encontro de sujeitos que buscam a significação dos significados, por meio da comunicação e do diálogo, então, na extensão universitária devemos cooperar com o conhecimento sensível com vistas a alcançar a razão da realidade a partir dele.

Considerações finais

Este artigo teve o objetivo de analisar e de discutir o letramento digital docente por meio da reflexão da participação desses profissionais em um projeto de extensão universitária partindo dos marcadores extensão universitária e participação docente, resultantes de uma codificação temática, a partir de dois cenários, emergentes de um processo de revisão sistemática sobre o letramento digital de docentes do ensino básico no Brasil e sobre o papel desempenhado pelos docentes em práticas participativas em ambientes educacionais no contexto brasileiro. Os aspectos observados dentro do projeto de extensão foram o pano de fundo, as interações entre as pessoas, as estratégias utilizadas e as consequências e resultados.

O que pôde ser constatado foi que a extensão universitária pode ser um caminho para a promoção do letramento digital dos professores e professoras em formação, e também para os docentes que atuam em escolas e instituições que desenvolvem parcerias com a universidade, por meio de projetos. As práticas participativas dentro de projetos de extensão oportunizam às pessoas envolvidas fazer parte do desenvolvimento de ferramentas, métodos e produtos que vão impactar em seus ambientes, dando-lhes a chance de opinar, escolher e avaliar aquilo que faz sentido no seu contexto, além de oportunizar o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas. Ao mesmo tempo, contudo, constatou-se que, muitas vezes, projetos de extensão em ambientes educacionais, que se baseiam em abordagens participativas, precisam envolver os professores e professoras em suas práticas, não apenas em momentos pontuais, mas no projeto como um todo, visto que, muitas vezes, são os próprios professores e professoras que deverão dar continuidade ao projeto ou ao uso de ferramentas e artefatos.

O projeto de extensão Inclusão Digital e Social no Lar dos Meninos de São Luiz: participação docente e discente apresentado no estudo de caso foi aprovado como projeto de pesquisa em 2020 e as atividades com as professoras foram retomadas em 2021, com a realização de 47 oficinas que envolveram todas as professoras da instituição, a coordenadora pedagógica, o coordenador geral e o responsável pela assistência técnica da instituição parceira, e dois professores e nove estudantes da universidade. Foram trabalhados temas como o campo CTS, Letramento Digital, Processos Organizacionais, Acesso Aberto, Licenciamento, Recursos Educacionais Abertos, Repositórios e Planos de Aula. Em 2022 passaram a ser ofertadas oficinas com as crianças da instituição e ações e extensão com as professoras.

1Oficinas em que usuários e desenvolvedores redesenham sistemas de forma colaborativa, por meio de uma prática que segue uma sequência de oito atividades.

2Oficina que fornece suporte à decisões, a partir do compartilhamento de ideias, no formato de brainstorming.

3A partir de histórias sobre eventos específicos do local de trabalho, as descrições do trabalho vão do abstrato e descontextualizado para o concreto e situado e podem funcionar como gatilhos para outras atividades.

4Uma oficina de três partes, que aborda uma crítica da situação presente, uma fantasia de uma situação futura melhorada e questões sobre como passar da situação criticada para a situação de fantasia.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Código de Financiamento 001.

Referências

ALVES, D.; ROSA, J.; MATOS, E. Design participativo na comunidade brasileira de informática na educação: um mapeamento sistemático. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 7., 2018, Fortaleza. Anais [...]. Fortaleza: SBC, 2018. p. 828-837. [ Links ]

BØDKER, S.; KYNG, M. Participatory design that matters: facing the big issues. ACM Transactions on Computer-Human Interaction, New York, v. 25, n. 1, art. 4, p. 1-31, 2018. Doi: https://doi.org/10.1145/3152421. [ Links ]

BOSSEN, C.; IVERSEN, O.; DINDLER, C. User gains and PD aims: assessment from a participatory design project. In: BIENNIAL PARTICIPATORY DESIGN CONFERENCE, 11., 2010, New York. Proceedings [...]. New York: ACM, 2010. p. 141-150. [ Links ]

EHN, P.; FARIAS, I.; SÁNCHEZ-CRIADO, T. On the possibility of socialist-democratic design things: interview with Pelle Ehn: interviewers: I. Farías & T. Sánchez Criado. Diseña, Santiago de Chile, n. 12, p. 52-69, 2018. Doi: https://doi.org/10.7764/disena.12.52-69. [ Links ]

FRAIHA-MARTINS, F.; GONÇALVES, T. Processos de letramento digital: formação inicial de professores para os anos iniciais do ensino fundamental. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 9., 2013, Águas de Lindóia, SP. Anais […]. Águas de Lindóia: Abrapec, 2013. [ Links ]

FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 7. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 42. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. [ Links ]

FREITAS, M. Letramento digital e formação de professores. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 3, p. 335-352, 2010. [ Links ]

GADOTTI, M. Extensão universitária: para quê? São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2017. [ Links ]

GARRIDO, F.; RÊGO, B. B.; MATOS, E. Design instrucional orientado a artefatos: uma abordagem participativa e distribuída. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 29., 2018, Fortaleza. Anais [...]. Fortaleza: SBIE, 2018. [ Links ]

KITCHENHAM, B. Procedures for performing systematic reviews. Keele: Keele University, 2004. Disponível em: https://tinyurl.com/bdem3bra. Acesso em: 29 jun. 2023. [ Links ]

LANDGRAF-VALERIO, C. Letramento digital: o blog como estratégia de formação de professores. Revista Tecnologias na Educação, Brasil, ano 4, n. 7, p. 1-11, 2012. [ Links ]

LINSINGEN, I. V.; BAZZO, W.; PEREIRA, L. Introdução aos estudos CTS: ciência, tecnologia e sociedade. Madrid: Cadernos de Ibero-América, 2003. [ Links ]

MARCUSE, H. One-dimensional man. London: Routledge Classics, 2002. [ Links ]

MARZARI, G.; LEFFA, V. O letramento digital no processo de formação de professores de línguas. #Tear: revista de educação ciência e tecnologia, Canoas, v. 2, n. 2, p. 1-18, 2013. Doi: https://doi.org/10.35819/tear.v2.n2.a1816. [ Links ]

MONTERO, M. Introducción a la psicología comunitaria: desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Editorial Paidós, 2004. [ Links ]

MORAIS, D. C. S.; FALCÃO, T. P. Abordagem participativa de desenvolvimento de jogos digitais educacionais no contexto escolar. Revista Brasileira de Informática na Educação, Porto Alegre, v. 27, n. 1, p. 132-153, 2019. [ Links ]

MULLER, M.; HASLWANTER, J.; DAYTON, T. Participatory practices in the software lifecycle. In: HELANDER, M. G.; LANDAUER, T. K.; PRABHU, P. V. (ed.). Handbook of human-computer interaction. 2nd. ed. Amsterdam: Elsevier, 1997. p. 255-297. [ Links ]

NASSRI, R. Letramento digital: um estudo a partir do programa UCA-Irecê-BA. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. [ Links ]

NYGGARD, K.; BERGO, O. T. The trade unions: new users of research. Personnel Review, Bingley, UK, v. 4, n. 2, p. 5-10, 1975. Doi: https://doi.org/10.1108/eb055278. [ Links ]

PANAGGIO, B. Z.; BARANAUSKAS, M. C. C. De consumidores a co-autores: explorando o design participativo de tecnologia tangível em contexto educacional. Revista Brasileira de Informática na Educação, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 91-111, 2019. Doi: https://doi.org/10.5753/rbie.2019.27.02.91. [ Links ]

PERES, F.; FALCÃO, T. P.; MORAIS, D.; AQUINO, J. R. S. Química em atividade: participação de educandos do ensino médio no design de jogos digitais educacionais para educação do campo. Anais dos Workshops do Congresso Brasileiro de Informática na Educação, Porto Alegre, p. 818-827, 2018. Doi: https://doi.org/10.5753/cbie.wcbie.2018.818. [ Links ]

PREECE, J.; ROGERS, Y.; SHARP, H. Design de interação: além da interação homem-computador. Rio de Janeiro: Bookman, 2005. [ Links ]

SANTOS, M. R. A. Design participativo que importa: um caminho possível para a promoção da autonomia em projetos de letramento digital. 2021. Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Sociedade) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2021. [ Links ]

SILVA, S. P. Letramento digital e formação de professores na era da web 2.0: o que, como e por que ensinar? Hipertextus: revista digital, Recife, n. 8, p. 1-11, 2012. [ Links ]

SILVA, W.; REIS, N. Construção de práticas de letramento digital na formação inicial do professor de língua materna. Interfaces da Educação, Paranaíba, v. 8, n. 24, p. 97-118, 2017. [ Links ]

SPINUZZI, C. Introduction: tyrants, heroes, and victims in information design. In: SPINUZZI, C. Tracing genres through organizations: a sociocultural approach to information design. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2003. p. 1-23. [ Links ]

SPINUZZI, C. The methodology of participatory design. Technical Communication, Fairfax, US, v. 52, n. 2, p. 163-174. 2005. Disponível em: https://tinyurl.com/44aj8hhu. Acesso em: 29 jun. 2023. [ Links ]

STRAUSS, A. Qualitative analysis for social scientists. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. [ Links ]

THOMAS, H. E. Tecnologias para inclusão social e políticas públicas na América Latina. In: TECNOLOGIAS sociais: caminhos para a sustentabilidade. Brasília: RTS, 2009. p. 25-82. Disponível em: https://tinyurl.com/2fvf2fx6. Acesso em: 29 jun. 2023. [ Links ]

VENEGA, V.; SOUSA, W. P. Modelagem participativa de um software de ensino musical. In: WORKSHOP DE DESAFIOS DA COMPUTAÇÃO APLICADA À EDUCAÇÃO, 1., 2012, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: UFPR, 2012. [ Links ]

Recebido: 09 de Setembro de 2022; Aceito: 27 de Março de 2023

Autora correspondente: michellesantos@alunos.utfpr.edu.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.