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Ciência & Educação

versión impresa ISSN 1516-7313versión On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.29  Bauru  2023  Epub 16-Ago-2023

https://doi.org/10.1590/1516-731320230031 

Artigo Original

Uma visão da História da Química nos livros didáticos fornecidos pelo PNLD utilizando a tabela periódica como marcador

A view of the History of Chemistry in PNLD textbooks by using the periodic table as a marker

Vilma Bragas de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0003-0052-6718

Fernando José Luna de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0003-1997-7869

1Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Departamento de Ciências Naturais e Química, São Luís, MA, Brasil

2Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Centro de Ciência e Tecnologia, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil


Resumo

O ensino de química vem se estabelecendo no Brasil e passando por modificações desde a década de 1930, na chamada Era Vargas. O livro didático, enquanto ferramenta de transmissão de informação, permeia essa história, ora como protagonista, ora como coadjuvante. Dessa forma, torna-se imprescindível um olhar atento e analítico a essas mudanças. Este artigo tem por fim traçar um panorama do Programa Nacional do Livro e do Material Didático no contexto atual do ensino de química no Novo Ensino Médio, segundo a Base Nacional Comum Curricular, utilizando como marcador uma importante tecnologia histórica: a tabela periódica. Dessa análise, vimos certo esvaziamento de conteúdo conceitual e histórico acerca desse tema, levando-nos a inferir que a história da química, já entendida entre os autores da área como uma das principais ferramentas de contextualização, possa estar passando por momentos críticos e preocupantes.

Palavras-chave Ensino de química; Ensino médio; PNLD; Tabela periódica; BNCC

Abstract

Chemistry teaching in Brazil has been evolving and undergoing changes since the 1930s, the so-called Vargas Era. There has been a steady transmission of information through the textbooks throughout this period, sometimes as a protagonist or supporting character. Thus, a careful analytical look at these transformations is essential. This paper aims to provide an overview of the National Textbook and Teaching Materials Program (PNLD in Portuguese) in the current context of chemistry teaching, in the New High School, based on the National Common Core Curriculum, by using an important historical technology as a marker: the periodic table. Following this analysis, we have noticed a loss of conceptual and historical content regarding this topic somehow, which leads us to infer that the history of chemistry, understood by authors in the field as one of the main contextualization tools, may be going through critical and worrying moments.

Keywords Chemistry teaching; PNLD; Periodic table; BNCC

Situando a questão

O Ensino de química na BNCC do Ensino Médio

A química, enquanto disciplina no currículo do Ensino Médio, foi estabelecida pelo decreto n.º 19.890, de 18 de abril de 1931. Isso ocorreu no período conhecido como Reforma Francisco Campos, na Era Vargas, e a disciplina de Química foi primeiramente ministrada no Colégio Pedro II durante três anos, do que então se tornaria um ensino regularmente seriado (BRASIL, 1931). Atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino médio estabelece que o componente curricular Química passe a compor a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, integrando, a partir desta, uma Área de Competência juntamente com as disciplinas de Física e Biologia (BRASIL, 2018) em substituição aos três componentes curriculares (disciplinas) outrora estabelecidos pela Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971).

Atualmente, o documento mais importante norteador da educação no Brasil é a BNCC, que teve sua primeira versão lançada em 16 de setembro de 2015 e, após vários fóruns, discussões, seminários, mobilizações e conferências dos vários agentes envolvidos na educação brasileira, teve o lançamento da sua versão definitiva homologada pela Portaria n.º 1.570, publicada no Diário Oficial da União, seção 1, de 21 de dezembro de 2017, página 146 (BRASIL, 2017c). Ela trouxe para todos os profissionais da educação, de todas as áreas do conhecimento, muitas inquietações acerca de como se daria a implementação de mudanças tão profundas no modelo atual da Educação Básica no Brasil.

Logo em sua apresentação, a BNCC se define como:

Um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2018, p. 7).

Em continuação, a BNCC estabelece que se caracteriza por ser:

Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a política nacional da Educação Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. (BRASIL, 2018, p. 8).

Enfim, a BNCC é resultado de muitos anos de debates, e se espera dela que, por autodefinição, consiga estabelecer uma Base Nacional Comum Curricular de Ensino e traga parâmetros e nortes bem estabelecidos para os alunos, desde as séries iniciais até o ensino médio. Espera-se que ela norteie o aprendizado e o estabelecimento de um currículo escolar igualitário. No entanto, esse norte de ensino não se representa entre os agentes envolvidos com a educação, desde a sua idealização, uma unanimidade, visto que o Brasil é um país extremamente plural, apresentando enormes diferenças e muitos distanciamentos, não apenas geográfico entre as regiões, mas, acima de tudo, apresentando muitos distanciamentos culturais, históricos, econômicos, sociais, formativos e de acesso, o que inviabilizaria a implementação do dito currículo comum.

Nesse contexto, temos que a BNCC está estruturada ao desenvolvimento de competências traduzidas a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996). Na BNCC, as Competências Gerais são em um número de dez, e são definidas como “[...] a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.” (BRASIL, 2018, p. 8).

Sobre isso, a BNCC afirma que as decisões pedagógicas a serem tomadas deverão levar o aprendiz ao desenvolvimento de competências preestabelecidas para cada área do ensino, e segundo as quais os estudantes terão clareza do que devem 'saber', traduzidas em conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, e do que devem 'saber fazer', revelando e direcionando o 'saber' à resolução das demandas já referidas (BRASIL, 2018).

Em análise da BNCC para o Ensino Médio, percebemos que há apenas três referências à área do conhecimento química. A primeira ocorrência está na página 33, que realoca essa disciplina dentro da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Biologia, Física e Química).

As áreas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Biologia, Física e Química), Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (História, Geografia, Sociologia e Filosofia) e Matemática e suas Tecnologias (Matemática) seguem uma mesma estrutura: definição de competências específicas de área e habilidades que lhes correspondem. [...] (BRASIL, 2018, p. 33).

A segunda vez que o termo química aparece é na página 537, afirmando que, com a implementação da BNCC da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias formada por Biologia, Física e Química, irá proporcionar uma ampliação e sistematização das aprendizagens indispensáveis alcançadas até o 9.º ano do Ensino Fundamental.

[...] Nesse cenário, a BNCC da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias - integrada por Biologia, Física e Química - propõe ampliar e sistematizar as aprendizagens essenciais desenvolvidas até o 9.º ano do Ensino Fundamental. Isso significa, em primeiro lugar, focalizar a interpretação de fenômenos naturais e processos tecnológicos de modo a possibilitar aos estudantes a apropriação de conceitos, procedimentos e teorias dos diversos campos das Ciências da Natureza. Significa, ainda, criar condições para que eles possam explorar os diferentes modos de pensar e de falar da cultura científica, situando-a como uma das formas de organização do conhecimento produzido em diferentes contextos históricos e sociais, possibilitando-lhes apropriar-se dessas linguagens específicas. (BRASIL, 2018, p. 537).

A terceira chamada para a palavra química ocorre na página 540, referindo-se à competência específica 1, da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias do Ensino Médio, no momento em que explica que os fenômenos naturais e os processos tecnológicos são analisados sob a perspectiva das relações entre matéria e energia, podendo então mobilizar estudos relacionados a esses temas.

Nesta competência específica, os fenômenos naturais e os processos tecnológicos são analisados sob a perspectiva das relações entre matéria e energia, possibilitando, por exemplo, a avaliação de potencialidades e de limites e riscos do uso de diferentes materiais e/ou tecnologias para tomar decisões responsáveis e consistentes diante dos diversos desafios contemporâneos. Dessa maneira, podem mobilizar estudos referentes a: estrutura da matéria; transformações químicas; leis ponderais; cálculo estequiométrico; princípios da conservação da energia e da quantidade de movimento; ciclo da água; leis da termodinâmica; cinética e equilíbrio químicos; fusão e fissão nucleares; espectro eletromagnético; efeitos biológicos das radiações ionizantes; mutação; poluição; ciclos biogeoquímicos; desmatamento; camada de ozônio e efeito estufa; entre outros. (BRASIL, 2018, p. 540).

Vimos que a pouca profundidade com que a área de química é tratada na BNCC faz com que o currículo a ser norteado por esse documento se torne um espaço de conflitos e contradições. Nessa mesma perspectiva, Licínio (2021) afirma que a área de química não consta diretamente no documento da BNCC, e seus conteúdos estão diluídos ao longo da área das ciências da natureza. Isso contribui para que o ensino de química não tenha um norte a ser seguido, e não se tenha claro quais os conteúdos a serem trabalhados e quais abordagens devem ser dadas a cada um deles. Muito menos há nesse documento o detalhamento das competências a serem desenvolvidas pelo aluno por meio da apreensão dos conhecimentos relativos especificamente à área da química. Temos um esvaziamento ou subjetividade no que se refere ao currículo de química e, para além disso, uma falta de objetividade acerca dos conteúdos ministrados, e das metodologias adotadas, gerando, assim uma inquietação e insegurança nos profissionais de educação.

História da química na BNCC do Ensino Médio

Ensinar química, sob uma perspectiva histórica, deve proporcionar aos discentes a superação de explicações simplistas de fenômenos naturais, originadas frequentemente nas concepções prévias fortemente enraizadas em visões de senso comum, além do que, o conhecimento da história da ciência pode viabilizar a organização do pensamento, sendo que esses discentes poderão passar a utilizar o saber científico como argumentação a respeito dos acontecimentos sociais e naturais que os rodeiam. Sobre isso, Rutherford e Ahlgren (1995, p. 226) afirmam que:

A história é importante para o ensino efectivo da ciência, da matemática e da tecnologia também pelo facto de poder conduzir a perspectivas sociais - a influência da sociedade no desenvolvimento da ciência e da tecnologia e o impacto da ciência e da tecnologia na sociedade.

Acerca da história da química, temos que a BNCC para o Ensino Médio apresenta 23 citações da palavra história, mas apenas duas vezes esse termo é mencionado dentro do escopo da área de ciências da natureza e suas tecnologias. A primeira delas está na página 537, na parte introdutória da área, ao afirmar que esta deve se comprometer com a formação dos jovens para o enfrentamento dos desafios da contemporaneidade e, para isso, a área deve estar sintonizada às demandas e necessidades das múltiplas juventudes, reconhecendo sua diversidade de expressões (BRASIL, 2018). A BNCC afirma que os discentes, ao serem formados sejam sujeitos que constroem sua história com base em diferentes interesses e inserções na sociedade, com modos próprios de pensar, agir, vestir-se e expressar seus anseios, medos e desejos. Assim, vimos, minimamente, que a BNCC assume que os discentes sejam sujeitos históricos formados pelos fatos, fenômenos ou sujeitos que os antecederam.

A segunda chamada do termo história se encontra na página 542 da BNCC, no detalhamento da competência específica 2, que faz referência à construção de interpretações sobre a dinâmica da vida, da terra e dos cosmos. Essa competência específica discerne sobre a importância de elaborar argumentos, fazer previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, a fim de fundamentar decisões éticas e responsáveis. A BNCC vai um pouco adiante, quando estabelece que o estudante terá desenvolvido essa competência específica, uma vez que ele passe a reconhecer que os processos de transformação e evolução humana permeiam a natureza e ocorrem, das moléculas às estrelas, em diferentes escalas de tempo e, a partir daí, esses estudantes terão a oportunidade de elaborar reflexões que situem a humanidade e o planeta Terra na história do universo e, ainda, esse mesmo estudante estará inteirado da evolução histórica dos conceitos e das diferentes interpretações e controvérsias envolvidas nessa construção (BRASIL, 2018).

Em consonância ao que propõe a BNCC, a recomendação nos PCNEM sobre desenvolvimento de competências está intimamente ligado ao conceito de contextualização, o qual afirma que o processo de ensino propicie efetivamente um aprendizado útil à vida e ao trabalho, no qual as informações, o conhecimento, as competências, as habilidades e os valores desenvolvidos sejam instrumentos reais de percepção, satisfação, interpretação, julgamento, atuação, desenvolvimento pessoal ou de aprendizado permanente, evitando tópicos cujos sentidos só possam ser compreendidos em outra etapa de escolaridade (BRASIL, 2000). Nesse sentido, entende-se que o ensino de história das ciências deva ser cada vez mais presente no processo de aprendizagem, ao passo que é incontestável que o meio, mecanismo ou a forma como algo foi descoberto ou inventado é parte integrante do objeto ou fenômeno e, indiscutivelmente, uma das formas mais efetivas de contextualização.

Notamos, então, mais um esvaziamento dos nortes e roteiros que devam ser traçados pelos educadores no que se refere ao ensino de química sob um contexto histórico, uma vez que pouquíssimas vezes isso é mencionado nesse documento, uma vez que a subjetividade impera. Não vimos um esclarecimento de como o processo de ensino propiciará o dito aprendizado útil à vida e ao trabalho. A história da ciência deve ser compreendida desde o primeiro contato do discente com a realidade do mundo educacional, até os últimos anos da idade escolar, de forma a levá-lo à compreensão de que a ciência se encontra inserida e fazendo parte de um todo, de um universo, levando à compreensão de que a ciência não é e nunca foi compartimentada, individualizada, tampouco deixou em algum momento de evoluir, crescer, impor-se e se contrapor à sua própria existência, mas, para que isso ocorra, devemos ter um ensino capaz de inserir os educandos em uma vivência científica o mais cedo possível e o quanto antes sua capacidade cognitiva puder absorver.

Assim, o indivíduo que tiver essa percepção, conseguirá visualizar seus nortes e alcançar seus objetivos de aprendizagem com mais eficiência, eficácia e, até mesmo, com maior prazer, pois ele será capaz de criticar, avaliar e mensurar as implicações e influências dessa ciência e das tecnologias que permeiam sua vida e sua existência. A abordagem da história da química, das descobertas químicas, dos cientistas, dos acontecimentos e do mundo que os envolve são primordiais e necessários à compreensão do todo, do universo, e são capazes de contribuir para tornar o discente capaz de transpor esse conhecimento para a própria realidade. Assim, entendemos que a ciência será útil à vida e ao trabalho do indivíduo em formação.

Tendo como base o discutido no tópico anterior acerca do posicionamento da BNCC em ser o norteador dos educadores na elaboração do currículo, Oki e Moradillo (2008, p. 3) já orientavam que:

A história da ciência é considerada conhecimento indispensável para a humanização da mesma e para o enriquecimento cultural, passando a assumir o elo capaz de conectar ciência e sociedade, resumindo-se em ensinar menos para ensinar melhor e deixar para os curriculistas, a importante tarefa de promover reestruturações visando muito mais enriquecer do que acrescentar conteúdos de ensino.

Sob essa ótica, vimos que a ciência, atrelada à sua história, pode ser capaz de levar os aprendizes a estabelecerem uma autonomia de pensamentos, a se tornarem capazes de formular e resolver questões, levantar hipóteses e, dessa forma, não será necessário aumentar a quantidade de conteúdos ensinados, mas a qualidade com que essa transmissão está sendo realizada. Uma ciência contextualizada, uma química contextualizada, pode ser capaz de levar os estudantes a se tornarem capazes de adquirir percepções aprofundadas sobre temas outrora tratados de forma rasa, subjetiva e superficial.

Uma visão geral do PNLD

O PNLD compreende um conjunto de ações dedicadas desde à escolha, à aquisição até à distribuição de livros e de outros materiais didáticos para alunos, professores e gestores. Dentre esses materiais, estão obras didáticas, pedagógicas e literárias, sejam elas nos formatos impressos ou digitais. Além desses, estão inclusos no programa outros materiais de apoio à prática educativa, como softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, videotutoriais e videoaulas (BRASIL, 2017b).

Desde a criação do Instituto do Livro Didático, pelo Decreto-Lei n.º 93, de 21 de dezembro de 1937 (BRASIL, 1937), o Estado vem ‘ensaiando’ o estabelecimento de um programa dedicado ao controle exclusivo desse importante recurso didático. Passando por várias reformulações, adaptações e a adoção de novas estratégias, o Instituto foi dando lugar ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) por meio do Decreto n.º 91.542, de 19 de agosto de 1985 (BRASIL, 1985). Passados mais alguns anos e sucessivos governos, o PNLD se tornou o Programa Nacional do Livro e do Material Didático desde o Decreto n.º 7.084, de 27 de janeiro de 2010 (BRASIL, 2010) até o Decreto n.º 9.099, de 18 de julho de 2017 (BRASIL, 2017b).

O PNLD abrange uma grande cadeia de processos e procedimentos envolvendo milhares de profissionais, dos mais variados setores da educação ou fora dele, responsáveis diretamente pela efetividade do programa. Ele é responsável por atender os quatro segmentos da educação básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental (anos iniciais), Ensino Fundamental (anos finais) e Ensino Médio. Esse atendimento é realizado em ciclos, conforme estabelecido em editais lançados pelo Fundo Nacional Desenvolvimento da Educação (FNDE). A seleção, aquisição e distribuição das obras a partir do edital de 2019 será executada em ciclos de quatro anos e nãos mais três, como ocorria anteriormente. Ao final do processo de eleição e confecção desses materiais, eles são distribuídos às escolas públicas, comunitárias, confessionais, filantrópicas ou conveniadas de educação básica para todo o território nacional.

A Lei n.º 13.415/2017 (BRASIL, 2017a), que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e estabeleceu um novo modelo para a educação básica, de forma que esta passasse a contemplar efetivamente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), homologada em 20 de dezembro de 2017, pela portaria 1570, trouxe um conjunto de mudanças à referenciação bibliográfica dos estudantes e dos professores. Nesse contexto, o Novo Ensino Médio (BRASIL, 2017b) e o PNLD passam por momentos de transição em que uma nova estratégia de ensino aprendizagem está sendo estabelecida e muitas alterações devem ser implementadas aos modelos anteriormente estabelecidos.

Nesse cenário, o edital n.º 03/2019 convoca os

[...] interessados em participar do processo de aquisição de obras didáticas, literárias e de recursos digitais destinados aos estudantes, professores e gestores das escolas do ensino médio da educação básica pública, das redes federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal, conforme condições e especificações constantes neste edital e seus anexos. (BRASIL, 2019, p. 1).

As obras inscritas no edital, e passados os processos de seleção, serão adquiridas pelo Governo Federal e serão distribuídas em um cronograma que iniciou em 2021 e vai até 2023, podendo sofrer alterações devido ao período pandêmico provocado pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), período em que a maioria das escolas públicas do País se encontraram aplicando o ensino remoto ou híbrido.

Segundo o edital n.º 03/3019: “As obras que serão adquiridas no PNLD 2021 (ensino médio) estão divididas em cinco objetos [...]” (BRASIL, 2019, p. 1), que estão detalhadamente descritas. As obras que compõem o Objeto 2 são as que mais se aproximam dos livros didáticos disponibilizados pelo PNLD às escolas até o presente momento. Dessa forma, por este edital, serão disponibilizadas obras por áreas do conhecimento em substituição às obras por componentes curriculares.

O Objeto 2 será então constituído por um conjunto de seis volumes de livros impressos para cada Área do conhecimento (Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias, Ciências da natureza e suas tecnologias e Ciências humanas e sociais aplicadas), além de videotutoriais direcionados ao docente e uma coletânea de áudios específicos aos docentes de Linguagens. Além desses, estão incluídos no objeto 2 obras específicas em volume único de Língua portuguesa, Língua inglesa e Ciências humanas e sociais em diálogo com a matemática. Estas últimas têm o objetivo de aprofundar algumas abordagens (BRASIL, 2019).

Sobre os Critérios para Avaliação das Obras Didáticas por Área do Conhecimento e Obras Específicas, o Edital n.º 03/2019, em seu anexo V (BRASIL, 2019), estabelece em suas considerações específicas que esses materiais deverão contribuir ao desenvolvimento das competências gerais, competências específicas e habilidades que devem ser desenvolvidas no processo de ensino e aprendizagem do ensino médio, conforme definidas na Base Nacional Comum Curricular.

O item 1.3 do anexo V traz os Critérios eliminatórios específicos da obra didática da Área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, merecendo destaque o subitem 1.3.1.2.1. que estabelece que, no conjunto dos seis volumes da obra didática por área de conhecimento das Ciências da Natureza, devem ser abordadas a contextualização e problematização da ciência e da tecnologia (no que tangem aos processos biológicos, físicos e químicos) (BRASIL, 2019). Esta é, certamente, a melhor aproximação da exigência da presença da história dessas ciências nos livros didáticos recém-aprovados pelo referido edital. Quanto a isso, é importante mencionar que a melhor aproximação do uso da história das ciências como ferramenta de desenvolvimento de competências está descrita na Competência específica 2 da BNCC. (BRASIL, 2018).

A Portaria nº 68, de 2 de junho de 2021, da Secretaria de Educação Básica (BRASIL, 2021), divulgou o resultado final da avaliação pedagógica das obras didáticas inscritas e validadas no âmbito do Edital de Convocação CGPLI n.º 3/2019 - PNLD 2021 - Objeto 2 - Obras Didáticas por Áreas do Conhecimento e Obras Didáticas Específicas, pela qual foram aprovadas sete coleções das 13 submetidas à avaliação para a Área do conhecimento Ciências da natureza e suas tecnologias.

História da Química nos livros didáticos: a tabela periódica

A tabela periódica é, sem dúvida, uma daquelas tecnologias sobre a qual são realizados questionamentos, tais como: Como chegamos até aqui? Quem veio primeiro? Quem pensou nisso? Essas indagações são naturalmente realizadas por qualquer sujeito quando se depara pela primeira vez com uma tabela periódica dos elementos químicos. A resposta para essas indagações não pode ser comunicada em poucas palavras ou em apenas algumas horas/aula. A tabela periódica é um tema onipresente em qualquer curso de química, desde a iniciação à química até os cursos de pós-graduação, e carece ser muito bem contextualizado, muito bem embasado, a fim de que os aprendizes consigam organizar cognitivamente conceitos sistematizados, dinamizados e reprodutíveis.

A organização da tabela periódica aconteceu ao longo de muitos anos por meio de vários pesquisadores principais de nacionalidades diversificadas e muitos outros atores coadjuvantes. A tabela periódica tal como a conhecemos, com seus 118 elementos, criteriosamente organizados em períodos e grupos de acordo com suas propriedades é, certamente, uma das principais fontes de consulta e informação, não apenas para a ciência química, mas para vários outros ramos da ciência. A lei periódica surgiu no início do século 19, da necessidade de organizar os elementos já conhecidos e encaixar os que intuitivamente viriam a ser descobertos. Foram anos e anos de erros e acertos. Essa lei atravessou vários momentos históricos, econômicos, sociais, culturais e até mesmo pessoais dos atores envolvidos nessas descobertas, os quais devem ser repassados aos aprendizes, uma vez que podemos dizer que a tabela periódica é uma tecnologia histórica, uma vez que temos incutida nela séculos de estudos e pesquisas.

A tabela periódica dos elementos químicos não é um objeto que possa ou deva ser repassado aos aprendizes de forma descolada da sua história e sem qualquer contextualização, uma vez que se trata de um instrumento que vem sendo construído a várias mãos durante vários séculos e, por sua vez, tem muitas nuances históricas que merecem ser utilizadas como ferramenta de contextualização para que ela não se torne uma informação enfadonha e vazia. É importante atribuir sentido para que não apenas a representação sistemática dos seus elementos seja apreendida, mas o porquê e o como se chegou a essa representação. É importante que os aprendizes questionem a ordem dos elementos, a construção gráfica da tabela, e criem argumentos, levantem hipóteses, indícios e façam suas próprias deduções, a fim de que o aprendizado tenha então um sentido real e consistente.

Desde 1669, quando o alquimista alemão Henning Brand descobriu o fósforo, até o ununócio, o último elemento químico sintetizado por laboratórios em cooperação pelos cientistas norte-americanos e russos, temos muita história intrínseca e que merece ser contada aos nossos estudantes paralelamente ao desenho gráfico organizacional da tabela periódica. Chassot (2011, p. 256) diz que “[...] Não devemos pensar a ciência como pronta, acabada, completamente despojada como uma nova e dogmática religião, com o 'deus-saber' imperando no novo milênio.” Disso, temos que a ciência passada aos estudantes como algo que esteja pronto leva os estudantes a um entendimento de que aqui é o fim e nada veio antes ou nada virá depois. Devemos, pois, antes de tudo, levar o estudante ao entendimento de que há um contexto em cada descoberta, invento ou teoria química, assim como há um por vir sobre esses mesmos fatos.

Vários autores dão conta da importância da tabela periódica (LUCA; VIEIRA, 2013; MATTHEWS, 1994; MEHLECKE, 2010; MEHLECKE et al., 2012; PICCOLI, 2011) e de como esse tema pode ser melhor repassado se for contextualizado. Oliveira et al. (2015, p. 184), por exemplo, afirma que “[...] a tabela periódica foi construída a várias mãos” e atribui a esse fato uma forte tendência de aplicação de vários recursos e metodologias no processo de ensino-aprendizagem desse tema, incluindo a eles a ferramenta contextualização histórica.

Para analisar a história da química nos livros didáticos fornecidos pelo PNLD, tomaremos por base essa importante tecnologia histórica: a tabela periódica. Assim, o objetivo será traçar um panorama da presença da história da química nos livros fornecidos pelo PNLD para o triênio 2018-2020 e os aprovados para o quadriênio 2021-2024. Elegemos, para esse fim, duas coleções de livros (quadro 1) de editoras que tiveram livros aprovados nos dois últimos editais.

Quadro 1 Relação dos livros de química aprovados pelos editais 04/2015 e 3/2019 do Programa Nacional do Livro Didático selecionados para análise neste artigo 

Edital Livros
Edital 2018, 4/2015 Ser protagonista, Editora SM, v. 1; 0074P18123101IL
Unidade 2: Do macro ao micro,
Cap. 6: Classificação dos elementos e tabela periódica
Química; Editora Ática; v. 1;
0020PP18123101IL
Unidade 3: Poluição eletromagnética,
Cap. 7: Modelo Básico do átomo e a lei periódica


Edital 2021, 3/2019 Ser protagonista, Editora SM; 0201P21203133
Composição e estrutura dos corpos
Unidade 2: Átomos e moléculas: ligações e relações quantitativas, Cap. 1: Ligações químicas, Tópico: Tabela periódica dos elementos
Matéria, energia e vida: uma abordagem interdisciplinar; Editora Scipione;
0181P21203135, Materiais, luz e som: modelos e propriedades; Unidade 2: Ondas e propriedades ondulatórias da matéria; Cap. 6: O surgimento da tabela periódica, o modelo atômico de Böhr e níveis de energia; Cap. 7: Modelo quântico para os átomos e a tabela periódica moderna

Fonte: Brasil (2018, 2021)1

Em primeira instância, vimos que os livros aprovados no Edital 2021 atendem ao estabelecido no subitem 2.3.1.4.2., que estabelece:

Os volumes não devem ser sequenciais, considerando uma crescente em termos de complexidade pedagógica, mas que cada volume deve ser autocontido no que se refere à progressão das abordagens das habilidades e das competências específicas, assim como da articulação com as competências gerais, com os temas contemporâneos e com as culturas juvenis, conforme indicado pela BNCC. (BRASIL, 2019, p. 5).

Esse é o entendimento no PNLD do que preconiza a BNCC quando propõe que, nessa nova proposta metodológica, não haja mais a imposição de restrições e a necessidade de estabelecimento de sequência, e não deve haver indicação de anos ou séries na apresentação das habilidades, não só em função da natureza mais flexível do currículo para esse nível de ensino, mas também devido ao grau de autonomia dos estudantes, que se supõe alcançado nessa etapa da vida estudantil. Temos aqui uma desconstrução do ensino seriado e gradual que paulatinamente vinha sendo implantado e estabelecido na Educação Básica no Brasil ao longo de vários anos.

A desconstrução do Ensino Médio, tal como o conhecemos, é percebida e avança na mesma medida em que analisamos os títulos dos livros aprovados e vemos que eles são independentes e não há uma orientação clara e bem definida sobre qual deles deverá ser adotado primeiro ou qual seria a sequência de adoção deles, ou seja, cada escola, munícipio ou Estado tem liberdade para criar o currículo próprio e assim fazer as adequações desse currículo aos livros que serão disponibilizados pelo PNLD.

Em um primeiro momento, isso poderia configurar o estabelecimento de certa autonomia. Porém, vemos que isso poderá se converter em um verdadeiro caos didático-pedagógico e agravar ainda mais as diferenças de aprendizagem entre os estudantes. Isso poderá gerar e acentuar as diferenças de acesso a uma educação igualitária, justa e inclusiva. Por um lado, podemos vir a ter escolas trabalhando conteúdos completamente distintos ao mesmo tempo, ou seja, o conteúdo que estará sendo ministrado em uma escola no primeiro ano só venha a ser abordado no terceiro ano de outra escola. Por outro lado, poderá haver conteúdos trabalhados em uma escola que jamais serão abordados em outra escola. Esses fatos certamente gerarão enormes distanciamentos de aprendizagens entre as escolas, entre os municípios e os Estados.

Para além disso, é importante considerar a questão do acesso às universidades. Uma vez que pode acontecer de um ensino diferenciado ser conduzido em cada unidade escolar do País, qual seria o parâmetro e quais seriam os parâmetros que avaliarão o aprendizado desses estudantes durante a realização do Enem? Como os discentes serão avaliados de forma igualitária se os currículos adotados em cada escola são completamente divergentes? Essas são questões que permeiam não apenas o Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, mas todas as etapas da Educação Básica, pois entendemos que os estudantes são seres em constante transformação e a educação não se constrói apenas nas etapas finais, mas ao longo de toda sua vida escolar.

Em análise a artigos e falas de docentes, Temóteo (2020) corrobora com as inquietações lançadas anteriormente, uma vez que concluiu em suas pesquisas que, às vésperas da implementação da BNCC e da Reformulação do Novo Ensino Médio, os principais agentes envolvidos nesse processo, os professores, ainda “[...] não frequentaram cursos de formação que pudessem situá-los sobre a implementação dessas novas políticas educacionais nas escolas, embora relatem que consideram precoce o protagonismo dos estudantes através da escolha dos itinerários formativos.” (TEMÓTEO, 2020, p. 7). Esses mesmos agentes “[...] salientam também um aumento na desigualdade de oportunidades e apontam que é infactível nivelar a BNCC e o Novo Ensino Médio em escolas públicas e privadas como explicitam as propagandas do governo.” (TEMÓTEO, 2020, p. 7).

Do edital 2018 para o edital 2021, a editora SM não alterou os títulos dos livros, mantendo a mesma nomenclatura (Ser protagonista). É um título bastante sugestivo dos temas que preconizam os teóricos da área de educação no que se refere a tornar o educando construtor da sua própria educação, formador da sua própria identidade. Quando partimos para analisar o marcador, tabela periódica, nos livros do Edital 2018, temos um capítulo no livro da editora SM totalmente dedicado à classificação periódica dos elementos químicos (capítulo 6), contendo pelo menos 11 páginas aplicadas a discorrer sobre esse tema, e mais cinco páginas dedicadas a atividades; duas páginas a exercícios para o Enem; uma página que traz uma atividade experimental e uma página tipo box dedicado à Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) que trata especificamente sobre os quatro últimos elementos químicos inseridos na tabela. O capítulo em questão é extremamente completo no que se refere à contextualização do tema, pois ele traz desde uma introdução ao tema até uma abordagem cotidiana quando compara a organização dos elementos químicos na tabela periódica a uma biblioteca. Além disso, o capítulo discorre acerca da tabela traçando uma linha do tempo, partindo das tríades de Dobereiner até a tabela periódica atual, com a inclusão dos últimos elementos artificiais.

Do livro da editora ÁticaScipione também aprovado no edital de 2018, temos um capítulo (capítulo 7) dedicado a esse tema, porém, seu conteúdo é dividido com o tema Modelo Básico do Átomo (que, no livro anteriormente analisado, está contido em um capítulo à parte). Em vista disso, tivemos que avaliar a partir de qual tópico o tema - tabela periódica - é exclusivamente tratado e vimos que isso ocorre da página 177 a 187, o que nos dá então um número de dez páginas dedicadas ao tema, mas com bem menos abordagens relativas à história da tabela periódica, em comparação ao livro da outra editora. Os aspectos históricos da tabela estão apresentados apenas em um box localizado à direita, como auxiliar do texto, contando brevemente a história da descoberta do elemento químico Gálio e as proposições de Mendeleev sobre essa descoberta.

É notória uma grande diferença na abordagem da contextualização histórica entre as duas propostas dos dois livros analisados até então. O primeiro, da editora SM, já no título da unidade (Do macro ao micro), conduz o estudante a supor que será conduzido a uma crescente no tema, a uma progressão; que ele será levado a compreender o tema desde a menor escala até a maior (do átomo à molécula) e isso pode ser notado tanto quando a unidade se inicia, descrevendo a estrutura atômica por meio dos modelos atômicos e suas partículas, até quando o capítulo 6 se inicia trazendo a classificação periódica dos elementos, desde a descoberta e organização dos primeiros elementos até a organização atual dela. Por outro lado, o livro da editora ÁticaScipione traz o tema tabela periódica dentro da unidade 3 (Poluição Eletromagnética), com dois capítulos: o primeiro (capítulo 6) dedicado à eletricidade e à radioatividade, o qual entendemos que possa ser uma forma de contextualizar os modelos atômicos e sua evolução, e o segundo (capítulo7), dividido e dedicado em tratar das partículas atômicas e da tabela periódica.

A necessidade de contextualização no processo de ensino-aprendizagem de qualquer tema das ciências se apresenta no momento em que ela é repassada de forma fragmentada e afastada dos seus atores, homens e mulheres, desligada da situação, econômica, social, cultural e religiosa da época, ou seja, quando a produção científica se encontra desatrelada da realidade e os saberes a serem transmitidos não trazem consigo o contexto, o momento, o lugar e o sujeito. Nesse ponto, esses saberes se esvaziam de sentido e significado para se tornarem então apenas um tópico a ser decorado ou memorizado momentaneamente pelo estudante para futuros acessos, como, por exemplo, para resolução de provas. Dito isso, temos que o livro da editora SM cumpre melhor esse papel de apresentar o tema tabela periódica delineado e permeado pelo contexto.

Analisando os livros aprovados no último edital do PNLD (03/2021), é importante iniciar essa discussão mencionando o fato de que eles não apresentam os conteúdos em sequência, como se convencionou observar para a área de química, em que os livros eram separados em volumes (1, 2 e 3), nos quais eram esperados encontrar os conteúdos de química geral, físico-química e química orgânica nessa sequência. Conforme preconiza o referido edital, cada livro dos seis volumes é autocontido, ou seja, são interdependentes, e cada livro traz um título que apresenta seu conteúdo. Dito isso, vimos que os livros rompem com o que foi instituído ao longo de vários anos, com relação ao estabelecimento de uma sequência didática dos conteúdos a serem abordados ao longo dos três anos do Ensino Médio.

O Ministério da Educação (BRASIL, 2006, p. 128) argumenta que:

Considerando, portanto, os princípios da contextualização, da interdisciplinaridade e da flexibilidade, e as reflexões em torno das críticas que vêm sendo apresentadas pelas pesquisas na área de ensino de Química à organização curricular dos livros didáticos convencionais, o que se espera é que os professores procurem novas abordagens para o tratamento conceitual e não repitam a tradicional divisão da Química em Química Geral, Físico-Química e Química Orgânica.

Verificando individualmente os livros da coleção Ser protagonista, da editora SM, encontramos a maior parte das referências (19) relacionadas à chamada do tema tabela periódica diluídas ao longo do livro intitulado Composição e estrutura dos corpos. Vimos que o tema não apresenta um capítulo dedicado a essa exposição. Esse tema aparece contido na Unidade 2, denominada Átomos e moléculas: ligações e relações quantitativas, constituído de três capítulos, sendo que o capítulo que aborda o referido tema é o capítulo 1, Ligações químicas, e o tema em questão só aparece como um tópico na página 68, intitulado Tabela periódica dos elementos. O tema tabela periódica é apresentado em um box na página 67, ocupando cerca de um décimo dessa página e uma figura da tabela periódica só é mostrada efetivamente na página 68. Quando procuramos por alguma referência histórica do estabelecimento da tabela periódica, fizemos buscas pelos nomes dos autores referenciados (Mendeleev, Dobereiner, Chancourtois e Newlands) e pelos termos relacionados (tríades, parafuso telúrico, Lei das oitavas) e nenhuma chamada foi encontrada nesse título. Fizemos a mesma busca nos demais títulos e em nenhum deles foi encontrado referência significativa acerca da tabela periódica, mas apenas algumas menções em boxes separados.

Nos livros da editora ÁticaScipione, temos, em Origens: o Universo, a Terra e vida, algumas referências (11) da chamada do termo tabela periódica e uma representação da figura dela, mas nenhuma dessas chamadas merece destaque, uma vez que não compõem nem um capítulo, nem mesmo um tópico, mas apenas são mencionadas como acessórios para discussão de outros temas. Dessa forma, esse livro não foi considerado como amostra para esse artigo, porém, coube aqui mencioná-lo uma vez que trouxe essas ínfimas referências ao objeto de estudo: a tabela periódica. O livro que efetivamente traz destaque a esse tema é o volume intitulado Materiais, luz e som: modelos e propriedades. Esse livro apresenta, dentro da Unidade 2 (Ondas e propriedades ondulatórias da matéria, dois capítulos), o capítulo 6 (O surgimento da tabela periódica, o modelo atômico de Böhr e níveis de energia) e o capítulo 7 (Modelo quântico para os átomos e a tabela periódica moderna) totalmente dedicados à exposição do tema tabela periódica. Esse volume apresenta o maior número de chamadas ao tema, dentre todos os analisados aqui, cerca de 108.

Já, em primeira instância, tem-se a impressão que o livro Matéria, energia e vida: uma abordagem interdisciplinar, se apresenta como um excelente veículo transmissor do conteúdo tabela periódica. Logo no sumário, vimos que os tópicos se inter-relacionam e apresentam uma ordem lógica e interessante do conteúdo. São, pelo menos, 32 páginas dedicadas ao tema. Os capítulos são mesclados com atividades práticas, muitas ilustrações, exercícios, e um texto muito bem fundamentado e estruturado sequencialmente. Em uma análise mais aprofundada, constatamos que, de fato, esse livro traz uma boa proposta sequencial para a abordagem do tema, com boas 'pinceladas' de aspectos contextuais.

Acerca da história da tabela periódica, temos, nos dois capítulos do livro citado anteriormente, uma linha do tempo implícita que acompanha o texto, tornando-o mais atrativo, instigante e informativo. Os conteúdos históricos são apresentados no corpo do texto como continuação da parte científica, na forma de boxes centralizados, e também, nas atividades. Assim como fizemos para o livro da outra editora, executamos o rastreio de termos referentes à história da tabela periódica e, vimos que o cientista considerado o pai da tabela periódica é mencionado, ao menos, 16 vezes, tendo sua participação e contribuição para o estabelecimento da tabela periódica moderna muito bem descrita. Já para os nomes Dobereiner, Chancourtois e Newlands, que foram também buscados nesse texto, não foi encontrado qualquer registro. Percebemos que a construção textual dos autores se dá não por meio dos modelos históricos da tabela periódica, mas pela sequência de descobertas acerca das partículas subatômicas. Assim como esses cientistas não constam desses textos, também os modelos de tabela periódica descritos por eles não estão apresentados nesse livro.

Considerações finais

Ao analisar a presença do tema tabela periódica nos livros fornecidos pelo PNLD, temos em síntese que o livro da editora SM, do Edital 2018, apresenta um capítulo inteiramente dedicado ao tema. Já a sua suposta edição do PNLD 2021 não apresenta qualquer capítulo específico relacionado ao tema. Para os livros da editora ÁticaScipione, temos, na edição aprovada no Edital 2018, um único capítulo dividido entre dois temas, ao passo que o livro do Edital 2021 apresenta dois capítulos muito bem estruturados e sequenciados sobre o tema tabela periódica. Ou seja, temos aqui certa inversão de posturas entre as edições de 2018 e 2021 das duas editoras.

Na busca por aspectos históricos relacionados à tabela periódica, temos praticamente o mesmo panorama relacionado ao conteúdo, ou seja, da edição 2018 para a 2021, da editora SM, há um esvaziamento do tema, ou seja, enquanto na primeira edição avaliada, o livro apresenta uma linha do tempo muito bem definida, indo de Dobereiner passando por Mendeleev e chegando até a tabela periódica atual, na edição de 2021 não há muitas referências, apenas alguns boxes isolados. O inverso é visualizado nos livros analisados da editora ÁticaScipione: enquanto o do Edital 2018, praticamente, não aborda a história da tabela periódica, o livro equivalente do Edital 2021 apresenta uma excelente contextualização, porém, é importante mencionar que isso se dá com enfoque nos modelos atômicos e não especificamente na história da tabela periódica e os atores diretamente envolvidos com ela.

Concluímos que os gestores e docentes envolvidos na escolha dos livros didáticos que serão adotados em suas escolas, do ponto de vista da contextualização, terão opções de livros que abordem determinados temas com maior ou menor enfoque contextual. Porém, devemos mencionar que não haverá uniformidade na abordagem dos conteúdos em todos os livros, o que seria imprescindível para que tivéssemos indivíduos formados com certa homogeneidade, para que possam ter as mesmas ferramentas e condições de acesso às vagas pessoais e profissionais que lhes serão disponibilizadas.

Segundo Oliveira e Macedo (2014), os documentos oficiais, PCN e DCEM, analisados por eles, não apresentam conceitos fechados ou ‘engessados’ sobre contextualização. Fez-se também uma breve busca e análise do termo na BNCC e foram encontradas apenas quatro chamadas, nas quais em nenhuma delas se encontra uma definição ou aprofundamento do termo. A melhor apresentação do termo aparece quando esse documento aponta que ele não excluirá as disciplinas, mas irá fortalecê-las pelo estabelecimento e fortalecimento das relações entre elas e do uso da contextualização como ferramenta de apreensão e intervenção na realidade. Entende-se, então, que a BNCC pontua a contextualização, mas não aponta como essa ferramenta deva ser utilizada, o que notadamente visualizamos nas análises dos livros quando vimos que, de uma edição para outra, dentro da mesma editora, aparecem posturas inversas no uso da contextualização histórica relacionada ao tema, tabela periódica.

Alguns argumentos podem pautar a falta de abordagens históricas nos livros didáticos, uma delas é que contextualizar um tema não necessariamente deva ser feito por fatos históricos, mas pode ser feito definindo-se uma palavra-chave, citando algum pensador ou especialista, apresentando dados estatísticos, fazendo comparações socioeconômicas, geográficas e outros, o que justificaria a ausência da contextualização histórica sobre alguns temas. Contudo, entendemos que, para a tabela periódica, esse argumento não seria válido, uma vez que ela se trata de uma tecnologia construída ao longo de séculos por vários autores e foi influenciada diretamente pelo contexto histórico da época.

Concordamos que métodos, recursos e conteúdos devam ser revistos o tempo todo, pois os sujeitos envolvidos na educação, bem como os temas a serem tratados, estão em constante transformação. Porém, entendemos que isso deva ser feito de forma concertada e orquestrada por todos os agentes envolvidos nela. Nesta pesquisa, vimos que há muitas lacunas no que se refere ao estabelecimento do currículo comum e muitas discussões e inquietações ainda persistem entre os agentes envolvidos nos processos educacionais.

1As editoras Áticas e Scipione compõem o mesmo grupo editorial no Brasil. No texto de análise, trataremos como editora ÁticaScipione.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) pelo fomento deste estudo.

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Recebido: 14 de Março de 2022; Aceito: 30 de Março de 2023

Autora correspondente: vilbragas@hotmail.com

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