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Ciência & Educação

Print version ISSN 1516-7313On-line version ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.29  Bauru  2023  Epub Aug 16, 2023

https://doi.org/10.1590/1516-731320230032 

Artigo Original

Quais são as áreas de atuação em Micologia? Percepções de estudantes da formação inicial em Ciências Biológicas

What are the fields of work in Mycology? The perceptions of pre-service students in Biological Sciences

Kevin Borges Estrela1 
http://orcid.org/0000-0003-0610-492X

Veridiana de Lara Weiser1 
http://orcid.org/0000-0003-1836-7540

Matheus Ganiko-Dutra2 
http://orcid.org/0000-0002-8292-9109

1Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências, Departamento de Ciências Biológicas, Bauru, SP, Brasil

2Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Bauru, SP, Brasil


Resumo

A Micologia necessita de profissionais capacitados para trabalhar com fungos, conforme a crescente demanda em diversos setores. Uma das formas de capacitar profissionais para a área é a formação inicial em Biologia. Todavia, existe uma sub-representatividade acadêmica para com a Micologia, comprometendo assim, a disponibilização de profissionais nesta carreira. Esta pesquisa investigou e descreveu as percepções de estudantes de Biologia de três universidades públicas do estado de São Paulo, acerca da atuação em Micologia por meio de questionário e análise categorial das respostas. Os participantes reconhecem e validam a presença de biólogos na Micologia e apontam atividades de atuação que extrapolam as possibilidades presentes em documentos oficiais. Entretanto, essa percepção da multidisciplinaridade da área pode refletir o ensino superficial e pouco específico da Micologia nesses cursos, visto que a maioria dos participantes não cursou disciplinas específicas de Micologia em suas universidades e apresentou uma visão antropocêntrica dos fungos.

Palavras-chave Ensino de micologia; Formação de biólogos; Profissional biólogo; Ensino de ciências; Fungos

Abstract

Mycology needs qualified professionals trained to work with fungi, according to the growing demand in various sectors. One way to train professionals in the area is through pre-service education in Biology. However, there is an academic underrepresentation regarding Mycology, thus compromising the availability of professionals in this field. With a questionnaire and categorical analysis of the responses, this study investigated and described the perceptions of Biology students, at three public universities in São Paulo state, about working in Mycology. The participants recognize and validate the presence of biologists in the field of Mycology and point out activities that go beyond the possibilities mentioned in official documents. However, the perception of the multidisciplinary nature of the area may reflect the superficial and nonspecific teaching of Mycology in these programs, since most participants did not take specific Mycology courses in their university curricula and revealed an anthropocentric view of fungi.

Keywords Mycology teaching; Training of biologists; Professional biologists; Science teaching; Fungi

Introdução

Desde os primórdios da humanidade, muitas civilizações já haviam descoberto um grupo de organismos pelos quais poderiam obter remédios, alimentos, realizar uso lúdico e até mágico-ritualístico (SANTOS; CAVALCANTI; MELO, 2020). Tais espécimes constituem o atual táxon dos fungos, um grupo de seres vivos onipresentes na Terra, pois são encontrados colonizando uma gama de hábitats, e atuam prestando diversos serviços ecológicos indispensáveis na manutenção dos processos naturais (REECE et al., 2015). Os fungos apresentam-se em diversos tamanhos e formas: desde os de vida saprófaga, que decompõem a matéria orgânica do solo, auxiliando na ciclagem dos nutrientes; os que formam filamentos visíveis e muito característicos, como no caso dos fungos micorrízicos associados às raízes das plantas; ou, ainda, os que exibem a forma de cogumelos, estruturas reprodutivas visíveis e variáveis (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014; REECE et al., 2015; WILLIS, 2018). Muitas vezes, os fungos são considerados ameaças devido a suas formas parasitas e patógenas, capazes de causar problemas de saúde em seres humanos e demais organismos hospedeiros (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014).

Atualmente, existem novas pesquisas reconhecendo o potencial do grupo para a humanidade, emergindo assim uma demanda cada vez mais crescente de profissionais capacitados para trabalhar com os fungos e encontrar novos potenciais e/ou ameaças do grupo (GRUBE et al., 2017). Neste sentido, a Micologia se faz necessária por ser a ciência que se dedica a estudar os fungos e a formar profissionais aptos para trabalhar com esses organismos.

Aqueles que pretendem atuar nessa área precisam buscar uma formação que possibilite os conhecimentos necessários para tal designação profissional. Uma das possibilidades é a graduação em Ciências Biológicas como formação inicial, pois, segundo a Resolução nº 227/2010 do Conselho Federal de Biologia (2010), uma das áreas de atuação do biólogo é justamente inventário, manejo, produção e comercialização de fungos. Todavia, tal designação não resume ou sintetiza a abrangência da Micologia e, por isso, outros exemplos de atuação do biólogo presentes na resolução como Bioinformática, Gestão de Coleções Biológicas, Microbiologia Ambiental, Diagnósticos Biomoleculares, Processos Biológicos de Fermentação, dentre outros, somam técnicas e ações das quais o micólogo precisa se apropriar para uma atuação eficiente na área (GRUBE et al., 2017).

Dessa maneira, é de se esperar que as instituições de ensino superior em Ciências Biológicas e suas derivações contemplem nas grades curriculares o ensino de fungos, para propiciar aos estudantes dessa área, potenciais micólogos em formação, subsídios necessários para o trabalho com esses organismos. Entretanto, a realidade se mostra adversa a essa situação, porque poucas instituições de ensino oferecem cursos específicos sobre fungos, ou possuem apenas uma pequena parte curricular em sua grade dedicada à Micologia (GRUBE et al., 2017; PERSIJN, 2017), o que pode representar uma perda de possíveis profissionais capacitados e até mesmo pouco interessados em atuar na área. Além disso, a formação inicial representa apenas uma pequena parte da Micologia, de modo que o futuro profissional da área precisará buscar formações complementares para atender à demanda atual (PERSIJN, 2017).

Tais problemas quanto à formação inicial de biólogos refletem a própria história da sistematização do grupo dos fungos, pois, apesar de atualmente existirem evidências suficientes para atribuir aos fungos o status de grupo independente (SPATAFORA et al., 2017), eles ainda vivem sob à sombra da Botânica e outras áreas em certos aspectos acadêmicos (GANIKO-DUTRA; CALDEIRA, 2022; GRUBE et al., 2017; PERSIJN, 2017). Por essa razão, Kuhar et al. (2018) criaram o termo Funga para se referir ao grupo dos fungos, adicionando-o nos conhecidos termos Fauna & Flora, referentes aos grupos dos animais e das plantas respectivamente, e, assim, demarcar por meio da linguagem a independência do grupo, garantindo visibilidade e servindo como base para execução de políticas públicas de conservação e demais necessidades exclusivas do táxon.

Tendo em vista a crescente demanda de profissionais micólogos nos mais diversos setores da sociedade e nas mais diversas linhas de pesquisa e ações de preservação e conservação, principalmente no Brasil; bem como a atual situação acadêmica da área de Micologia, este trabalho investigou as percepções dos estudantes de Ciências Biológicas sobre esta área de atuação. Tal estudo provém da necessidade de (i) identificar se os estudantes de Ciências Biológicas, futuros micólogos em potencial, percebem a Micologia como área de atuação para biólogos, além de outros aspectos como demanda, importância, especificidade técnica e demais questões que englobam a área; e de (ii) descrever tais percepções.

Metodologia

Por se tratar de um estudo envolvendo seres humanos, os pesquisadores seguiram os princípios éticos da pesquisa de tal natureza. Para garantir a segurança dos participantes, todas as etapas do estudo foram realizadas conforme os preceitos éticos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012, 2016), nas Resoluções n° 466/12 e nº 510/16 e seus complementares com número de registro CAAE nº 50010121.0.0000.5398.

A pergunta de investigação e os objetivos de pesquisa caracterizam uma abordagem de estudo qualitativo, que envolve o caráter naturalista da investigação, isto é, o pesquisador não controla as variáveis do fenômeno que se investiga. A amostra é intencional, o que permite uma compreensão profunda do fenômeno e não é generalizável. A natureza dos dados é descritiva e, por isso, sem variáveis mensuráveis. É válido ressaltar também a importância da empatia durante todo o processo da produção dos dados, por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos e, por fim, o movimento de análise indutiva e síntese criativa do pesquisador (PATTON, 2002).

Trata-se de um estudo primário, uma vez que os dados produzidos são originais (HOCHMAN et al., 2005). Não se aplicou, nesta pesquisa, qualquer tipo de tratamento na amostra. Considerou-se que a intervenção já foi realizada, a saber, o Ensino de Micologia na graduação, e buscou-se coletar informações a respeito de como esse ensino aconteceu e quais efeitos ele teve nas percepções dos estudantes acerca da atuação na área de Micologia. O período de seguimento do estudo é transversal, uma vez que se obtém uma fotografia do fenômeno. O perfil de avaliação do estudo é descritivo, pois nele descrevemos as percepções dos estudantes acerca da atuação na área de Micologia (HOCHMAN et al., 2005).

Os critérios de inclusão para os participantes da pesquisa foram: ser estudante de Ciências Biológicas proveniente de pelo menos uma das universidades públicas do estado de São Paulo, tais quais, UNESP, USP e UNICAMP; possuir autonomia para acessar e preencher as informações disponíveis de forma online por meio do link de divulgação, assim como aceitar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido disponível no mesmo link. Não foram incluídas na pesquisa pessoas que já se formaram em Ciências Biológicas; aqueles que deixaram as respostas em branco; respostas obtidas fora do meio eletrônico, disponibilizado pelo link de divulgação; e mais que uma resposta por participante.

As informações a respeito das percepções dos graduandos acerca da área de atuação em Micologia foram coletadas por meio de um formulário online (Google Forms), com perguntas objetivas, de múltipla escolha, e dissertativas (quadro 1). Uma versão prévia do formulário foi disponibilizada para uma pequena amostra para, assim, ser validado. Posteriormente, o link de divulgação foi disponibilizado através de e-mails institucionais e redes sociais.

Quadro 1 Perguntas contidas no formulário de coleta de dados, separadas por etapa e tipo de resposta dos participantes 

Perguntas do Formulário Online Tipo de resposta
Q1 Nome completo Dissertativa
Q2 Gênero Objetiva
Q3 Instituição de ensino Objetiva
Q4 Câmpus Dissertativa
Q5 Em que ano você está da graduação? Objetiva
Q6 No seu câmpus tem alguma linha de pesquisa em Micologia? Objetiva
Q7 Durante a graduação, você teve contato com o conteúdo de Fungos/ Micologia? Objetiva
Q8 Sobre o contato com o ensino de fungos, selecione as opções que contemplam a sua formação Objetiva
Q9 Você acredita que a Micologia é uma possibilidade de área de atuação para biólogos (as)? Objetiva
Q10 Justifique a resposta anterior. Ressalte o que te leva a acreditar que biólogos (as) podem ou não atuar na área de Micologia Dissertativa
Q11 Você já cogitou a ideia de seguir a área de Micologia durante a graduação em Ciências Biológicas? Objetiva
Q12 Você se sente preparado(a) para seguir a área de atuação em Micologia? Objetiva
Q13 Segundo o Conselho Federal de Biologia (CFBio), de maneira geral, biólogos atuam em diversos setores como: No Meio Ambiente, na Saúde, em Biotecnologia e Educação. Assim, um biólogo especialista em determinado setor, possui uma gama de atuações dentro dele, por exemplo: Um biólogo geneticista pode atuar em aconselhamento genético; uma bióloga botânica pode atuar em consultoria ambiental; um biólogo zoólogo pode atuar em manejo de fauna etc. Com isso, para você, quais seriam as principais possibilidades e atividades específicas de um (a) biólogo (a) especialista em Micologia? (pense nas possibilidades de trabalho que este profissional pode exercer). Dissertativa

Fonte: elaborado pelos autores.

Os dados provenientes das perguntas objetivas foram tabulados e observa-se que o número total de respostas (n) variou para cada uma delas, devido ao fato de que algumas questões possuíam mais que uma alternativa para ser assinalada pelos participantes.

Os dados de perguntas abertas foram organizados por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2016; PATTON, 2002). Para esse tipo de análise, é de suma importância que o pesquisador tenha o maior contato possível com os dados coletados. Dessa maneira, a primeira parte da análise foi a execução da leitura flutuante, em que o pesquisador fez uma leitura geral de todas as informações coletadas pelo formulário para estabelecer as primeiras impressões gerais da sua coleta.

Em seguida, os dados passaram pela etapa de categorização. Algumas categorias foram criadas e estabelecidas a priori, ou seja, elaboradas pelo pesquisador antes de coletar os dados. Já outras categorias foram estabelecidas a posteriori, assim, criadas a partir das respostas dos participantes, baseadas em suas unidades de registro e agrupadas de forma a evidenciar as relações que emergiram a partir da análise do pesquisador. Após a criação de todas as categorias, foi ainda possível agrupá-las em grandes grupos de categorias, com base em suas semelhanças e relações percebidas pelo pesquisador.

Após o trabalho de leitura, transcrição e categorização dos dados, foi possível fazer a tabulação e posteriores análise e interpretação a partir do contato constante dos pesquisadores com os dados e a literatura pertinente ao estudo.

Resultados

Foram totalizados 100 participantes hábeis para a pesquisa. Sobre as Instituições de ensino (Q3), verificou-se que a maioria pertence aos cursos de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista (UNESP) - 54 estudantes -, seguida pela Universidade de São Paulo (USP), com 32 e, por fim, Universidade de Campinas (UNICAMP), com 14. A maior parcela (31) cursa Ciências Biológicas na cidade de São Paulo (Câmpus Butantã da USP), em seguida São Vicente (22) e Bauru (20), ambos da UNESP (Q4). Além disso, estudantes do segundo e terceiro anos da graduação caracterizam a maior prevalência, 21 e 20, respectivamente (Q5).

Percepções a partir das questões objetivas

Os primeiros resultados correspondem às percepções dos participantes sobre a presença de linhas de pesquisa voltadas para a Micologia em seus campi (Q6). Nessa questão, os participantes poderiam assinalar mais que uma alternativa. Com isso, obtivemos 59 marcações na opção em que a instituição de ensino possui professores que pesquisam na área e 17 marcações em que afirmaram não ter linha de pesquisa em Micologia no Câmpus. Quando questionada acerca do contato com o conteúdo de fungos/Micologia durante a graduação (Q7), a maioria (82 participantes) respondeu que já teve contato com a área, e apenas 18 não haviam tido contato até o momento da graduação.

Os participantes que afirmaram positivamente sobre o contato com a área durante a graduação, foram direcionados para uma nova pergunta (Q8), em que destacam a forma com que estes conteúdos foram abordados ao longo do curso. Nessa questão, poderiam assinalar mais que uma alternativa, sendo que a com maior número de marcações foi "O grupo foi abordado em outras disciplinas (como Botânica, Protistas, Microbiologia...)", com 71 marcações. Já a alternativa sobre disciplina exclusiva sobre fungos foi assinalada apenas 15 vezes. É válido ressaltar que ocorreram apenas seis marcações na opção em que demonstram que fazem ou fizeram pesquisa na área de Micologia.

Quando questionados se acreditam que a Micologia é uma possibilidade de área de atuação para biólogos (Q9), quase todos os participantes afirmaram que sim, com exceção de apenas um deles, que afirmou não sei responder. Ao responderem sobre já cogitarem ou não seguir a área da Micologia durante a graduação em Ciências Biológicas (Q11), mais da metade dos entrevistados afirmaram que sim (53), porém, quando questionados se sentem-se preparados para seguir tal área (Q12), apenas 12 participantes responderam afirmativamente, ou seja, a grande maioria não se sente preparada para seguir a carreira em Micologia após ou durante a graduação.

Percepções a partir das questões dissertativas

Justificativa sobre biólogos atuarem na área de Micologia

A pergunta Q10 encorajou os participantes a se justificarem a respeito da questão sobre acreditarem ou não que biólogos podem atuar na área de Micologia. Mesmo considerando que a maioria dos participantes (99) respondeu que a Micologia pode ser uma possibilidade de atuação para biólogos, as respostas foram muito diversas. Os participantes partiram de diferentes pontos de vista para justificarem suas percepções e, por isso, é possível observar no quadro 2 todas as categorias e subcategorias que emergiram das respostas dos participantes.

Quadro 2 Registros das categorias gerais e subcategorias que emergiram da análise de conteúdo da questão em que os participantes justificam os motivos pelos quais acreditam que a Micologia pode ou não ser uma possibilidade de área de atuação para biólogos (n=134) 

Categorias gerais Subcategorias Quantidade de Unidades de registro
Aplicações práticas Micologia condicionada aos seres humanos 27
Ensino de Micologia para suprir lacunas do conhecimento humano 03
Formação em Biologia Capacitação dos biólogos para estudar qualquer forma de vida 28
Micologia como parte do currículo formativo do curso de Biologia 13
Interdisciplinaridade que a Micologia exerce em Ciências Biológicas 10
Condições e especificidades aos biólogos para atuarem na Micologia 07
Biólogos possuem singularidade própria para atuar na Micologia 02
Pesquisa Micologia como potencial na área de pesquisa 21
Importância da Micologia
de maneira ampla
Micologia é uma área importante de maneira geral 13
Considerações pessoais sobre
a Micologia
Cita sub-representatividade da área na universidade 02
Experiência com a Micologia durante a graduação 06
Visão pessimista da Micologia 01
Não soube justificar 01

Fonte: elaborada pelos autores.

Categoria Aplicações práticas

Nessa categoria estão incluídas respostas dos participantes (E) em que a função prática ou aplicada da Micologia para com os seres humanos justificam a presença de biólogos atuantes na área. Assim, tais afirmações ou citam diretamente a importância dos fungos para os humanos, ou acompanham algum segmento da indústria, da economia, da saúde, alimentação e demais setores de interesses humanos para reforçar o ponto de vista. Constam 27 unidades de registro nessa categoria, uma das mais levantadas pelos participantes. Seguem alguns exemplos sobre essa percepção:

Acredito que a Micologia seja uma possibilidade de área de atuação para biólogos por conta de sua importância para os humanos. [E1].

Sabendo de algumas das diversas aplicações dos fungos para a sociedade, como gastronomia, cultura e biorremediação, entendo que o conhecimento da biologia desses organismos é essencial para essas e todas as demais áreas. [E2].

Também se enquadra nessa categoria a utilização dos fungos para suprir as lacunas de conhecimento humano, com três registros de unidade, como neste exemplo:

A micologia está no nosso dia a dia, biólogos podem trabalhar juntamente com outros profissionais para levar o conhecimento para a sociedade, visto que, é um assunto novo e que TEM QUE ser abordado! [E3].

Categoria Características da formação em Ciências Biológicas

Aqui encontram-se as respostas em que os participantes apresentam argumentações sobre a atuação do biólogo a partir das características singulares da formação em Ciências Biológicas. Os participantes buscaram elementos da própria Biologia, como área de atuação, para enquadrarem a Micologia dentro dela. Essa categoria engloba diversas outras subcategorias. A principal delas, que teve maior número de registro (28), foi a qual os participantes relacionaram a capacitação dos biólogos com o estudo de qualquer forma de vida. Desse modo, as respostas estão todas relacionadas às palavras vida, seres vivos, reino, organismos vivos, e semelhantes, por exemplo:

Como todos os biólogos estão cansados de ouvir, biologia é o estudo da vida e, com isso, os fungos também estão inclusos. [E4].

Os biólogos podem atuar na área da micologia pois são formados em biologia (o estudo da vida) e fungos são vida. [E5].

Outro ponto muito levantado pelos participantes foi a própria construção dos currículos formativos em Ciências Biológicas de seus campi, ressaltando que a Micologia faz parte da grade curricular do curso e das demais vivências acadêmicas. Essas respostas destacaram-se por fazer alusão à experiência ou ao contato com a área durante a formação (com 13 registros):

Os fungos fazem parte do conteúdo ministrado na graduação de biologia. [E6].

Biólogos podem atuar na área de Micologia visto que, ao longo da graduação, podem tanto direcionar seus estudos ao tema quanto ter contato direto com ele na grade curricular, assim como integrar AACCs relacionadas ao assunto. [E7].

Outra questão importante sobre essa categoria foi àqueles participantes que relacionaram a Micologia com demais áreas de atuação dos biólogos. Para esses, a Micologia justifica-se como área de atuação do biólogo por conta da interdisciplinaridade que ela exerce em outras áreas de atuação da Biologia e, por isso, todas as respostas contêm, pelo menos, uma menção a alguma outra área de atuação de biólogos diferente da Micologia (10 registros):

[...] A micologia é uma área que abrange diversas possibilidades de análises interdisciplinares, envolvendo ecologia, microbiologia e evolução, mostrando-se uma área de extrema importância para a atuação dos biólogos. [E8].

Estudá-los pode ser muito importante para compreensões sobre ecologia, sistemática, evolução, biologia molecular, biologia celular, biogeografia, entre outras. [E9].

Alguns sugerem determinadas condições para que biólogos atuem na área, estabelecendo, em suas justificativas, critérios para que o profissional possa exercer suas funções no campo da biologia; outros apenas delimitam um ou mais segmentos e ações específicas da Micologia que biólogos podem executar (sete registros):

Pelo curso de biologia ser bastante abrangente, acredito que com uma especialização/ treinamento no manejo de fungos nos capacitaria para atuar com eles. [E10].

O biólogo pode atuar na função de conservação, estudo e análise dos fungos. [E11].

E, para encerrar a categoria, duas respostas nas quais os participantes destacam singularidades restritas aos biólogos, justificando a Micologia como área de atuação desse profissional:

A maneira como um biólogo aprende a pensar o auxilia nesse tipo de atividade e permite que ele resolva possíveis problemas com mais eficiência e conhecimento. [E12].

Acredito que as biólogas têm uma visão e formação mais holísticas que outras profissionais que poderiam atuar na micologia, de forma a entender os fungos como parte de algo maior, como parte de uma comunidade por exemplo, reconhecendo o seu papel e as suas interações no ecossistema. [E13].

Categoria Pesquisa

Nessa categoria, com 21 unidades de registro, foram agrupadas as respostas em que os participantes justificam a atuação do biólogo na Micologia ao destacar a habilidade e o potencial desses profissionais como pesquisadores. Nota-se que a maioria delas ou apresenta a palavra pesquisa/ pesquisador ou faz alusão a novas descobertas, potencial para exploração, como por exemplo:

Cabe ao biólogo pesquisador estar dentro dessa área para desenvolver projetos e estudos que envolvam a micologia. [E14].

Sendo um grupo tão diverso, que vem cada vez mais sendo descoberto, os fungos apresentam inúmeras propriedades importantes que são descobertas através de pesquisas, área em que os biólogos podem seguir e trabalhar com. [E15].

Categoria Importância da Micologia

Outra categoria de resposta que foi recorrente entre os participantes (13 registros) é a que ressalta a importância da Micologia e dos fungos para setores diversos - desde ciclos e relações naturais até aplicações antrópicas. Desse modo, além da aparição constante da palavra importante/ importância, esses participantes expressam determinados valores intrínsecos aos fungos para com esses setores e justificam a atuação dos biólogos na área:

O estudo dos fungos tem grande importância pois os fungos são também extremamente importantes e essenciais em vários ciclos. [E16].

Acredito que os biólogos possam atuar na micologia pois os fungos são muito importantes por diversos motivos, podendo ser estudados a partir de diversos vieses por biólogos. [E17].

Categoria Considerações pessoais sobre a Micologia

Nessa última categoria estão agrupadas as unidades de significado em que os participantes ressaltam questões pessoais sobre o contato com os fungos e com a Micologia. Portanto, tais unidades não justificam ou trazem argumentos que somam à questão a respeito de a Micologia poder ou não ser exercida por biólogos, assim como o/a participante que afirma não saber justificar sua opinião.

Principais possibilidades e atividades específicas de um biólogo especialista em Micologia

Nessa pergunta (Q13), os participantes elencaram diversas atividades e possibilidades de atuação que acreditam que um biólogo especializado em Micologia pode exercer. Assim como na pergunta anterior, as respostas foram dissertativas e passíveis de análise do conteúdo. A partir dos significados que emergiram, foi realizada a categorização dos dados. As unidades de significado dessa pergunta consistem em áreas de atuação e atividades específicas. Levou-se em consideração para a categorização, categorias a priori, a maneira pela qual o CFBio, órgão que regulamenta a profissão no país, categoriza as áreas de atuação em Ciências Biológicas - Meio Ambiente e Biodiversidade (86 registros); Saúde (51); Biotecnologia e Produção (81). Entretanto, novas categorias a posteriori, complementares às do CFBio, foram estabelecidas: Educação (18); Pesquisa (44); Áreas Interdisciplinares (14); Outras áreas de atuação (oito); Não soube responder (quatro). Novas áreas/ atividades de atuação também foram agrupadas nas categorias pré-existentes do CFBio, pois, nos documentos oficiais tais áreas/ atividades mencionadas pelos participantes não são apontadas (quadro 3).

Quadro 3 Todas as áreas e atividades elencadas pelos participantes e suas respectivas categorias 

Categoria Áreas listadas pelos participantes
MeioAmbiente e Biodiversidade Aconselhamento ambiental; Agricultura urbana; Atividades agronômicas; Campos de coleta; Compostagem; Conservação ambiental; Conservação de espécies; Consultoria ambiental; Contaminação ambiental; Controle biológico; Controle de qualidade de recursos hídricos; Cultivo de cogumelos; Cultivo de fungos; Ecologia de fungos; Educação ambiental; Etnomicologia; Evolução das espécies; Filogenia de fungos; Genética de fungos; Levantamento da funga; Licenciamento ambiental; Manejo ambiental; Manejo de diversidade; Manejo de pragas agrícolas; Micoecologia; Micologia dos solos; Micólogos de campo; Micose em animais; Microbiologia ambiental; Produção de fungos; Projeto de reflorestamento; Qualidade ambiental; Recuperação de áreas degradadas; Restauração ecológica; Sistemática; Taxonomia.
Biotecnologia
e Produção
Alimentação e bebidas; Biotecnologia alimentar; Biotecnologia geral; Capacidade dos fungos em produzir micotoxinas; Capacidade fermentativa dos fungos; Consultor em processos industriais; Consultoria no setor alimentício; Empreendedorismo; Enzimas de fungos; Extração de compostos fúngicos; Guia alimentar; Indústria ecológica; Indústria em geral; Indústria farmacêutica; Micologia industrial; Pesquisa em cosméticos; Produção de antifúngicos; Produção de bioplástico; Produção de substâncias de uso geral.
Saúde Análise de micoses; Análise de patógenos fúngicos; Análises clínicas; Área da saúde; Auxiliar/ técnico de laboratório; Biotecnologia na saúde; Controle de endemias; Controle de qualidade alimentar; diagnosticar doenças; Farmacologia; Fungos patológicos; Manipulação de compostos medicinais e naturais; Micologia clínica; Micologia médica; Micologia veterinária; Perícia alimentar; Pesquisa de patógenos; Produção de fármacos; Toxidez de fungos; Vigilância sanitária.
Pesquisa Descoberta de novos potenciais dos fungos; Estudo das propriedades físicas, químicas e biológicas dos fungos; Fungos modelo para pesquisa em genética; Pesquisa biologia dos fungos; pesquisa de biomarcadores; Pesquisa de fungos psicotrópicos na área clínica; Pesquisa ecologia geral; Pesquisa em bioquímica; Pesquisa em conservação; Pesquisa em ecologia; Pesquisa em etnobotânica; Pesquisa em fármacos; Pesquisa em filogeografia; Pesquisa em fisiologia; Pesquisa em genética; Pesquisa em sistemática; Pesquisa geral; Pesquisa na área ambiental; Pesquisa sobre as relações dos fungos com outros organismos; Pesquisador; Pesquisador na área da agricultura; Pesquisar doenças causadas por fungos; Pesquisas em alimentação vegana; Pesquisas para área médica.
Educação Divulgação científica; Educação; Ensino de micologia; Guia de identificação de fungos alimentícios não convencionais; Micólogo acadêmico-pesquisador; Micólogos professores; Tutoriais.
Áreas
interdisciplinares
Astrobiologia; Bioquímica geral; Biorremediação; Controle de qualidade; Ilustração científica; Perícia forense; Trabalho laboratorial.
Outras áreas de atuação Antropologia; Biogeografia; Biomedicina; Botânica; História; Medicina.

Fonte: elaborado pelos autores.

Discussão

A Micologia é uma área de possibilidade de atuação por biólogos (CONSELHO FEDERAL DE BIOLOGIA, 2010), dessa forma, espera-se que estudantes de Ciências Biológicas a reconheçam como parte de sua formação acadêmica e possível atuação. A partir dos resultados dessa pesquisa feita com estudantes de Ciências Biológicas, é possível afirmar que a maioria dos participantes validam e enxergam a Micologia como possibilidade de atuação para biólogos.

Frente a essa validação, ressalta-se que, ao analisar a Resolução nº 227/2010 do Conselho Federal de Biologia (2010), nota-se que as possibilidades de atuação para biólogos são limitadas, pois, a única possibilidade direta de atuação para estes profissionais no documento são Inventário, Manejo, Produção e Comercialização de Fungos dentro da grande área de Meio Ambiente e Biodiversidade. Claro que, se tratando do órgão que regulamenta a profissão de biólogo, ocorre uma tendência a destacar ou tornar mais relevante àquelas atividades em que o biólogo possa exercer de modo exclusivo, no entanto, atualmente, observando todas as implicações que os fungos manifestam para com a natureza e os seres humanos, é superficial atribuir aos biólogos apenas essas quatro possibilidades de atuação e não mencionar as intersecções e relevância multidisciplinar da profissão para com as demais áreas que foram apontadas pelos participantes da pesquisa. Dessa forma, ao fazer a análise do conteúdo das respostas dos participantes nas questões dissertativas em que justificam a presença do biólogo na Micologia, e principalmente, sobre as áreas de atuação que podem atuar, nota-se uma grande diversidade de respostas e atividades que extrapolam as elencadas no CFBio e abarcam outras profissões, ampliando a visão de possibilidades e alcances dos biólogos perante o grupo dos fungos.

Todavia, apenas a constatação de que grande parte dos participantes validam a profissão como área de atuação e reconhecem sua multidisciplinaridade não é suficiente para afirmar que eles estarão dispostos a seguir a carreira, que compreendam todas as lacunas e necessidades da área, saibam das exigências procedimentais e metodológicas da pesquisa em diversidade de fungos (GRUBE et al., 2017) ou as atuais necessidades de herbários como o do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em que se tem uma considerável demanda por especialistas em identificação de espécies de fungos (MAIA et al., 2019). Além disso, podemos citar os bancos de dados mundiais que precisam de revisão e análise de espécies catalogadas (HAWKSWORTH; LÜCKING, 2017); a área de Micologia forense, que carece de estudos para refinar a busca por evidências criminalísticas (TRANCHIDA; CABELLO, 2019); e até mesmo a colaboração com o Micoturismo em países, como o Brasil, que podem se beneficiar com essa prática (LINO; CARVALHO, 2018; THOME-ORTIZ, 2015); dentre outras demandas que exigem um olhar mais específico da área.

Desse modo, levanta-se a questão de que se essa percepção reflete a biologia dos fungos por conta de suas características próprias e a natureza de suas interações com os demais organismos (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014; REECE et al., 2015; WILLIS, 2018), ou se isso demonstra que a falta de disciplinas exclusivas para fungos em tais universidades está impossibilitando grande parte de seus estudantes enxergar as reais necessidades e possibilidades específicas da profissão. Nota-se que apenas uma pequena parcela dos participantes mencionou contato com a Micologia através de disciplinas exclusivas para o ensino dos fungos (8,52%) e a maioria citou o contato por meio de disciplinas em conjunto de outros grupos de organismos e áreas (40,34%).

Tal questionamento ocorre devido ao fato de que a universidade pode ser uma grande influência na escolha profissional dos estudantes, pois, são instituições em que se espera que os graduandos tenham possibilidades e contato com a área por meio de profissionais aptos a mediar essa interação até mesmo após a formação. Entretanto, a realidade se mostra adversa a isso e esta pesquisa pode corroborar o que se discute na literatura, porque já aponta-se a falta de disciplinas dedicadas exclusivamente para a Micologia nos cursos acadêmicos, além da falta de programas de pós-graduação, incentivo à pesquisa, investimentos financeiros, formação adequada de profissionais na área e falta de valorização de políticas públicas adequadas e os devidos cuidados com o grupo, não somente no Brasil, mas no mundo (GRUBE et al., 2017; MAIA et al., 2019; MENOLLI; SÁNCHEZ-GARCÍA, 2019; PERSIJN, 2017).

Essa sub-representatividade da Micologia na academia está cada vez mais negligenciando o ensino dos micólogos em potencial e pode estar influenciando diretamente os participantes da pesquisa. Nota-se inclusive que apesar de mais da metade dos participantes já ter cogitado a possibilidade de seguir na carreira durante o curso (53,00%), a maioria não se sente preparada para de fato segui-la (88,00%) e apenas cerca de 3,00% dos participantes que tiveram contato com os fungos durante a graduação, estão se envolvendo ou já se envolveram com pesquisa na área. Essa constatação sobre a insegurança dos estudantes para seguir carreira ou já estarem envolvidos em atividades na área, reforça o que se tem visto no país a respeito do ensino dos fungos nas graduações em Ciências Biológicas, que estão cada vez mais em disciplinas generalistas, com carga horária mínima, corpo docente muitas vezes pouco qualificado para abordar o assunto, tornando o conteúdo a respeito da Micologia cada vez mais superficial e eventual, induzindo os alunos ao conhecimento baseado no senso comum (PERSIJN, 2017).

Além destes fatores, é importante ressaltar os argumentos dos participantes ao justificarem a presença de biólogos na Micologia, em razão de que tais constatações fornecem pistas de como a formação destes graduandos está influenciando as tomadas de decisões e reconhecimento da área. Com isso, a principal justificativa foi a que relacionou o significado geral de Ciências Biológicas com o estudo da vida (20,90%). Isto mostra que a maioria dos participantes percebe e reconhece a principal ação que sua área permite (estudo de organismos e suas interações), mas não é suficiente para demonstrar que eles sabem as especificidades de sua área que contribuem para a Micologia, deixando em aberto se realmente se apropriaram das reais necessidades da Micologia e se sabem como um biólogo pode suprir tais demandas depois de formado.

Adiante, a segunda maior justificativa (20,15%) foi a respeito das aplicações dos fungos para com a humanidade. Embora as demandas da sociedade componham parte relevante das demandas atuais da Micologia - como medicamentos, alimentos, biofertilizantes, vestimentas e assim por diante (WILLIS, 2018), isso pode levantar a questão de que talvez a formação desses biólogos esteja fomentando uma visão utilitarista do conhecimento científico, ou seja, de que os estudos da área precisam culminar em produtos práticos que supram as demandas da economia e os interesses humanos.

A formação em Ciências Biológicas supera, ou deveria superar, a visão utilitarista das descobertas científicas da área, pois, as relações entre humanidade, meio ambiente e demais seres vivos é complexa e, por isso, biólogos são capacitados para argumentar, agir e aplicar seus conhecimentos para além da exploração destinada ao conforto, à economia e às necessidades humanas, como o próprio Ministério da Educação menciona a respeito das Diretrizes Curriculares para a formação de biólogos (BRASIL, 2001, p. 1).

Percebe-se que o padrão se repete quando os participantes elencaram atividades e áreas de atuação que um biólogo pode exercer dentro da Micologia, pois, apesar da categoria de Meio Ambiente e Biodiversidade - a que engloba maiores atividades de caráter ambiental, preservação, conhecimento biológico bruto - ser a que mais foi lembrada e reconhecida pelos participantes, também tem-se que a categoria de Biotecnologia e Produção - que relaciona as aplicações utilitaristas dos fungos para com a humanidade, como a segunda mais lembrada. Portanto, nota-se que a visão utilitarista se mantém muito enraizada no discurso dos participantes. Frente a todas essas questões, percebe-se que uma parte considerável dos participantes demonstram um conhecimento superficial sobre as necessidades da Micologia como profissão a ser seguida por biólogos e que parte dessa constatação pode ser proveniente da maneira pela qual a Micologia é tratada nos cursos de graduação em Ciências Biológicas, os quais precisam ser revistos para que possam ofertar, atualizar e instrumentalizar de forma efetiva esses futuros profissionais da área.

Esse estudo forneceu algumas percepções de parte dos estudantes de Ciências Biológicas provenientes de universidades públicas estaduais de São Paulo e, por isso, as constatações aqui apresentadas não devem ser extrapoladas. Essa sub-representatividade acadêmica apontada por grande parte dos participantes, corrobora o que já vem sendo discutido em trabalhos anteriores sobre as consequências negativas dessa realidade negligente da academia frente ao ensino dos fungos nos mais diversos contextos (GRUBE et al., 2017; MAIA et al., 2019; MENOLLI; SÁNCHEZ-GARCÍA, 2019; PERSIJN, 2017). Além disso, as constatações aqui apresentadas indicam uma necessidade de se expandir as possibilidades de atuação para biólogos em documentos oficiais que regulamentam a profissão, como o do CFBio.

Uma limitação deste estudo consiste no fato de que a participação na pesquisa foi voluntária e facultativa, tendo sido os participantes convidados por e-mail. Neste sentido, questionamos acerca da possibilidade de aqueles que optaram pela participação já possuírem algum mínimo interesse pela área de Micologia. Desta forma, é possível que os resultados e inferências apresentados representem apenas uma parcela de estudantes dessas universidades que possuem algum nível de conhecimento da área possivelmente mais amplo em relação aos estudantes que não têm interesse ou afinidade por ela.

Com tais considerações, espera-se que essa pesquisa possa fomentar outras perguntas investigativas a respeito da forma como a atual formação em Micologia na academia afeta a formação inicial de biólogos. Assim como análises mais rebuscadas em currículos, projetos político-pedagógicos, planos de ensino e demais documentos oficiais que regulamentam a profissão e a formação inicial de micólogos para identificar as fragilidades institucionais da área e, consequentemente, repensar, reavaliar e executar ações que superem tais demandas e possam tornar a profissão uma possibilidade de atuação efetiva para biólogos.

Conclusão

Os estudantes de Ciências Biológicas que participaram desta pesquisa percebem a Micologia como possibilidade de atuação para biólogos e apontam uma quantidade muito diversificada e interdisciplinar de atividades que tais profissionais podem executar, extrapolando as atividades elencadas em documentos oficiais que regulamentam a profissão. Além disso, justificam a presença de biólogos na área pelo fato de a Biologia propiciar a estes profissionais a capacidade para estudar os seres vivos e suas relações com o meio ambiente. Entretanto, parte considerável dos participantes ainda possuem uma visão antropocêntrica da profissão, o que pode ser consequência da maneira pela qual suas respectivas instituições de ensino superior têm abordado a Micologia em suas grades curriculares por meio de disciplinas generalistas e em conjunto com outras áreas. Convém destacar que a maioria dos estudantes não se sente preparado para seguir a carreira em Micologia e isso pode estar relacionado com a maneira pela qual as disciplinas de Micologia são organizadas em tais cursos da graduação.

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Recebido: 24 de Novembro de 2022; Aceito: 15 de Abril de 2023

Autor correspondente: kevin.estrela@unesp.br

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